—Itadakimasu!— Naruto falou, ao seu lado, sorvendo com uma inigualável devoção o vapor que emanava da tigela de rámen.
Sakura voltava mais cedo da Clínica quando, em seu rumo para casa, acabou encontrando o amigo, que a puxou em direção ao Ichiraku.
Sentada ali, a rosada podia visualizar três pirralhos e seu senseinas banquetas, mesmo com a ausência de dois deles naquele momento. O restaurante a fazia refletir sobre o passado e as mudanças pelas quais todos passaram. Sakura tinha plena consciência da garota tola que fora. Atualmente, não obstante, ela se orgulhava de entregar todo seu tempo e esforço ao hospital, em especial à Clínica, e zelar pela vida das pessoas que amava. Naruto, que antes era rejeitado por toda a vila, hoje era o herói da profecia, respeitado por todos aqueles que outrora o boicotaram. Kakashi-sensei, o Rokudaime Hokage, queria fazer pela vila o que acreditava que não pôde fazer por seus antigos companheiros de equipe. Também havia Sasuke... Mas a respeito dele ela pouco poderia dizer, vez que hoje se completavam três anos em que ele saíra da vila em uma jornada pela redenção. Ela soube, há dois dias, que ele entrou em contato com o Sexto acerca de um mistério envolvendo o País das Fontes Termais. Contudo, depois disso, o Uchiha voltou a desaparecer no mapa, sem qualquer menção de retornar.
— Sakura-chan?! Hey... Sakura-chan! — a voz do loiro se interpôs sobre seus pensamentos.
—Gomen ne, Naruto. — Pediu. Quando ficava afastada do hospital, seus pensamentos tornavam-se vulneráveis às lembranças dele. Para piorar, o Ichiraku era como um gatilho para evocar recordações. Não era à toa que suas idas ao lugar diminuíram.
Naruto, que aparentemente comeu num piscar de olhos, pediu outra tigela a Teuchi antes de voltar a encarar a rosada, sério.
— Qual o problema com você hoje, Sakura-chan?
‘Problema’ não era a palavra que melhor se encaixava, mas o caso era que, de fato, sua cabeça vinha lhe pregando peças desde que Sasuke finalmente entrou em contato com a vila. Ou, melhor, desde que ele aparecera na vila no fatídico episódio em que Kido a sequestrara. Ela não conseguia deixar de se perguntar se ele ainda pensava em voltar. Se já tinha alguém. Se, quando voltasse, estaria com seu filho e com uma esposa que não seria ela. Questões como essas furtavam seus pensamentos sem nenhum aviso prévio e só faziam aumentar a saudade incômoda em seu peito.
— Não é nada... — Respondeu, sabendo que Naruto tinha ciência dos seus sentimentos e do quanto eles a destruíam por dentro. — Eu só... Estava pensando sobre o time sete. — Deu de ombros. Foi a primeira coisa que lhe veio a mente e não era de todo uma mentira.
O loiro estampou um sorriso deveras nostálgico na face antes de voltar a encará-la.
—É... Eu também penso nisso quando venho aqui. — Exprimiu.
— Eu nunca pensei que me tornaria uma ninja médica. — A Haruno declarou. — E olhe só para você! Está construindo uma família.
O sorriso dele foi de orelha a orelha.
— Espere só para ver quando eu me tornar o Hokage! — Falou, gesticulando com o polegar na própria direção e com o mesmo brilho nos olhos do garoto de treze anos. Ela riu em concordância e fingiu não notar quando aquele mesmo brilho fora rapidamente substituído por preocupação. — Você está pensando no Teme, não é? — Indagou. O semblante do loiro era tranquilo, mas o olhar triste.— Posso adivinhar isso só pela sua cara. — Ele salientou, estreitando sua visão para uma Sakura agora inquieta.
— Quê? Que cara? — Ela se sobressaltou, irritada. Até mesmo Naruto foi capaz de perceber.
É tão óbvio assim?
— Você está enganado. Estou pensando nas crianças da Clínica. — Mentir era o que vinha fazendo sempre que queria evitar certos assuntos. — Naruto... Onde está a Hinata? Não deveria estar cuidando dela nesse exato momento? — Desconversou, sabendo que, em se tratando de Naruto, se der a mão ele quer logo o braço.
Torceu para que, com isso, ele deixasse o assunto anterior de lado.
— Ela foi ver os pais e Hanabi. — Respondeu e, logo em seguida, reclamou. — Por que está mudando de assunto, dattebayo?!
Ao que parecia, porém, isso estava longe de acontecer.
—Chikushou...— Praguejou baixinho. — São três anos, Naruto... — Soltou, arrependendo-se no mesmo instante, confusa sobre de onde aquilo havia saído.
Deixou com que seus ombros caíssem e encarou as mãos entrelaçadas sobre seu colo. Especialmente hoje, a Sakura tão confiante havia sido substituída pela versão medíocre que tentava reduzir a saudade em seu peito em algo insignificante.
Todos os anos ela vivia dizendo a si mesma que um ano não era grande coisa. As coisas estavam indo tão bem com a Clínica, com seus amigos e com a aldeia que ela não conseguia mais ignorar o pedaço que faltava em seu coração.
Para ela chegava a ser patético.
Ino a empurrara para alguns rapazes, no entanto nenhum deles teve a proeza de preencher o seu grande vazio. Ela, aliás, duvidava seriamente que um dia ele chegasse a ser preenchido, estava até mesmo acostumando-se a viver com esse fardo. Mas seu coração era traiçoeiro, sempre lhe instigando a criar esperanças para, depois de um tempo, vê-la se desmantelar à sua frente, em um ciclo vicioso.
— Eu prometi a você que traria Sasuke de volta. — O loiro de repente disse, e ela não pôde deixar de se surpreender com o que ouviu.
—Tsc, essa promessa entre nós já deixou de existir a muito tempo, lembra?! — Recordou, voltando à realidade.
Mesmo tendo retirado a tal promessa, por vezes Sakura havia se apegado a ela como forma de não cair em angústia.
— Ele vai voltar, Sakura-chan. — Ele assegurou com uma convicção digna de assombro.
A expressão suavizou no rosto da rosada e um sorriso lhe escapou ao se dar conta de que Naruto nunca, nem mesmo por um segundo, deixava de acreditar.
Nesse conglomerado de sentimentos, sua confiança em Naruto era como a terra firme. Duvidar dele era duvidar da transição de Sasuke. Ela precisava acreditar, assim como Naruto, em nome de todos os que eram incrédulos quanto ao retorno do nukenin em jornada. Em nome do amor que nutrira por tantos anos.
— Aquele cara sabe que ele tem um lugar para onde voltar. — Concluiu o amigo, misturando o conteúdo da tigela a sua frente.
Durante o curto período de tempo em que Sasuke permaneceu na vila antes de partir, Sakura tentara aplacar, ao menos um pouco, toda a perturbação que existiam na mente e no coração do moreno. Tentara, sobretudo, estar lá quando o mesmo quisesse falar – e isso, ela sabia, não era o forte dele. A rosada pensou ter conseguido romper uma pequena parte da resistência do Uchiha. Analisando agora, porém, ela não poderia deixar de se culpar por não ter tentado mais.
“Até a próxima vez”, ele dissera, no dia em que, pela segunda vez, deixava a vila. As palavras que ele lhe dirigira, seguidas do intrigante toque em sua testa, eram as únicas coisas a que podia se agarrar, como uma garotinha boba, para crer numa, então, vez próxima.
Seu coração só queria saber se ele voltaria. Nada, além disso, lhe importava.
— Sakura-chan! Você não está comendo, dattebayo! — O loiro protestou.
— Ora, eu vim aqui não porque quis, você é que praticamente me arrastou para cá! —Implicou ligeira.
— E mesmo assim você ainda continua aqui!—Devolveu ele no mesmo tom, antes de rir jocoso.
Ela bufou, péssima em admitir qualquer coisa e mais ainda em segurar o riso.
•••
Sob seus pés, a calçada estava coberta por flores do que parecia ser uma cerejeira. Mais delas caíam da única árvore do lugar, cujos galhos retorcidos estavam quase todos nus. Não lembrava exatamente como e quando chegou aqui. Estava usando seu suéter cor de creme e calça capri branca, o que significava que não saíra das imediações de Konoha.
— Sakura. —Ouviu baixo.
Era a voz dele, ela poderia reconhecê-la em qualquer lugar.
O vento que soprava tornou-se mais intenso, enquanto a rosada oscilava seu olhar entre a árvore e o lugar de onde a voz parecia ter vindo.
Seu coração parecia prestes a pular de seu peito.
— Sakura. — A voz chamou de novo.
Sentindo-se frustrada ao perceber que a direção do som mudara, olhou para os galhos e uma tristeza sem tamanho reverberou pelo seu peito. Sua respiração não estava em um ritmo regular e seus joelhos fraquejaram. Um pressentimento ruim envolveu-lhe da cabeça aos pés.
A Haruno fechou seus olhos, mantendo-os assim até que seus pulmões se enchessem de ar para só então expirar, lentamente, à medida que movia suas pálpebras.
— Sakura. — Ela vinha de perto.
Estava logo atrás.
Virou-se num rompante e travou quando se encontrou defronte a dois olhos singulares. Um era de um vermelho carmesim, o outro violeta, contrastando com os cabelos negros. As vestes escuras eram as mesmas de quando foi embora. O corpo dele, no entanto, estava mais alto e forte. Lembrou-se do braço esquerdo do rapaz e fez menção de se aproximar. A voz do Uchiha, contudo, veio cortante a lhe impedir.
— Eu não voltarei. — É o que ele disse, impassível. — Sakura, você não precisa esperar por mim.
Ela engoliu em seco.
— Não p... — Lágrimas rolaram sobre suas bochechas. —N-Nunca mais? — Sentiu seu coração quebrando-se em frangalhos.
Quis perguntar o porquê, mas sua boca nada sabia falar. Tentou, outra vez, questioná-lo, e absolutamente nada saía de dentro dela. Viu então, quando uma flor caiu, tímida, entre os dois, fazendo-a sentir-se impelida a verificar a cerejeira.
Nela já não havia um galho sequer coberto pelo rosa das pétalas.
Sentou-se de ímpeto e piscou seus olhos inúmeras vezes antes de perceber o que havia sonhado. Sua face estava encharcada de suor e lágrimas e uma energia negativa pairava sobre ela. A decepção, tristeza, dor e mágoa que sentiu em seu sonho pareciam ter sido trazidas para o seu quarto, sentia-se sufocada.
Afastou os lençóis para longe, saiu da cama e dirigiu-se para o chuveiro. Vestiu depressa o qipao vermelho e o restante de seu traje usual, evitando qualquer ruído ao fechar a porta trás dela no intuito de não acordar os pais.
Não tinha a menor noção do horário quando desceu as escadas em direção à frente da casa. Pegou o tão costumeiro caminho que levava ao Hospital de Konoha ao passo que tentava, em vão, empurrar o maldito sonho para o mais fundo de sua mente.
O Hospital e a Clínica eram dois lugares ideais para ocupar seus pensamentos. Em razão da hora, talvez fosse o instante perfeito para aparecer no Hospital, cujos expedientes vinham sendo bem restritos à rosada desde que assumira a direção da Clínica Infantil.
Uma golfada de ar balançou algumas de suas mechas quando, em poucos minutos, enfim atravessou as portas do edifício. Pôde perceber a interrogação de muitos ali ao verem-na passar direto pela recepção e colocar seu jaleco.
— Sakura-san, o que faz aqui? Você não tinha plantão para esta noite! — Proferiu uma das enfermeiras próximas ao enorme balcão.
— Bem, agora tenho. — Limitou-se a responder. — Comece a manda-los para mim, kudasai.
—Hai. — Concordou prontamente, voltando-se para a prancheta que tinha em mãos.
Sakura, assim como a enfermeira, nem sequer tiveram tempo de estabelecer suas respectivas funções quando algo lhes chamou a atenção na sala de espera. A Haruno não esperou e foi logo à frente, percebendo melhor do que a estranha movimentação se tratava.
— Problemas com o paciente? — Murmurou para si.
Ela não demorou em ter sua pergunta respondida, pois logo reconheceu a figura rebelde causadora do pequeno tumulto.
— Sakura-senpai! — Uma jovem médica prostrada atrás do dito paciente a avistou. — Yokatta! Ainda bem que está aqui! Este paciente se recusa a ser atendido por qualquer um de nós. Disse que só aceita ser tratado pela senhorita senpai! — Contou inquieta e inegavelmente aliviada com a presença da Haruno.
— Sakura-san, sabia que estava aqui! — Teruki exclamou, ignorando as ordens dos médicos e enfermeiras de permanecer onde estava.
Nomura Teruki era um paciente regular do Hospital, embora cem por cento saudável. Encontrá-lo ali àquela hora, contudo, não era comum, vez que seus horários de visitas propositalmente coincidiam com o horário de expediente de Sakura na Clínica.
A rosada olhou-o duvidosa por alguns segundos antes de notar o ombro ferido do mesmo. Havia gotas de sangue pelo chão e sua calça estava manchada. O corte ia da patela do ombro ao início do bíceps. Sua mão direita estava ensanguentada por segurar a ferida.
— Há quanto tempo ele está aqui? — Dirigiu-se a ninguém em particular.
Depois de receber sua resposta, deu instruções aos que ali estavam e caminhou até uma sala vazia. Quando estava pegando as faixas de gaze e todos os equipamentos médicos necessários para limpeza e sutura, Teruki apareceu à porta, conduzido pela enfermeira de minutos atrás. Ela o guiou até a maca antes de sair e deixa-lo sob os cuidados da rosada.
— Então eu preciso me ferir para que cuide de mim? — Indagou desapontado assim que se sentou sob o fino colchonete.
— Você bebeu, não foi? — Ela sondou, ignorando a pergunta anterior e reprovando a recusa do mesmo de receber tratamento. De fato passou-lhe pela cabeça que Teruki estivesse sob efeito do álcool, mas não sentiu cheiro em momento algum. — A ferida tem pedregulhos, então precisarei limpá-la. Você ficará com o braço enfaixado e terá que voltar aqui em uma semana para examinarem.
Assentiu. — Sorte a minha que estava aqui. — Comentou maroto, recebendo o silêncio gélido de Sakura em resposta. — Ah! Então você continua irredutível... — Lamentou, soltando um assovio longo em seguida. — Por que é tão difícil me dar uma chance?
Atrás dele, Sakura, que até então tratava do ferimento, parou o que fazia e mirou o teto amaldiçoando a noite péssima que estava tendo.
Seguir em frente não era o difícil. Sakura, de fato, chegara a cogitar tal coisa quando os pesadelos tornaram-se periódicos e cada vez mais realísticos. Não era à toa que a rosada vinha sendo constantemente atingida por uma onda de pessimismo. Nessas circunstâncias, a sua capacidade de reerguer-se era inoperante, dado que quando sonhos como esses apareciam uma e outra vez, seu subconsciente passava a encará-los como pressentimento. Ainda agora, ela podia senti-lo: um limiar entre as duas possibilidades.
— Eu já lhe disse que amo outra pessoa.
Teruki era a segunda pessoa a quem Sakura se lembrava de ter dito aquilo com todas as letras. Causava-lhe espanto saber que, desde aquela primeira vez, seus sentimentos nunca mudaram. É fato, também, que em nenhuma das vezes em que isso ocorreu se sentiu menos angustiada. Pelo contrário, rejeitar o amor de alguém nunca lhe foi reconfortante depois que aprendera o que era amar.
Seu coração estava irremediavelmente nas mãos de outra pessoa e Teruki não merecia que assim o fosse.
— Se é assim, onde está ele quando deveria estar mantendo-a longe de mim? — Inquiriu cético, a princípio.
Sakura, atrás dele, ficou tão tensa que o rapaz pôde sentir a atmosfera tornar-se sobrecarregada.
Irritou-se. Nada disso é da conta dele, shannaro!
Extenuado com a situação, Teruki suspira. — Saia comigo mesmo assim. — Quando não obteve nenhum avanço, apenas mais silêncio, ele propôs, para surpresa da rosada: — Saia comigo, Sakura-san, e eu te deixo em paz.
A Haruno lembrou-se instantaneamente do que Ino, certa vez, havia lhe dito, logo que as abordagens de Teruki começaram:
— “Sabe?! Quanto mais o desprezar, mais ele vai insistir.” — Disse-lhe, como se constatasse o óbvio. — “Aceite de uma vez.”
— “Não há nenhuma chance dele desistir, né?!” — A rosada respondera na época, já sabendo a sua conclusão. Ela era como Teruki em relação à Sasuke – tirando a parte da cena de se recusar a receber tratamento médico.
Sakura praguejou quando se percebeu hesitante. Por que diabos me sinto em um dilema?
Precisava dar um basta nisso. Mesmo rejeitando-o, Teruki tornava a aparecer por lá, incansável. Não possuía um coração de pedra para vê-lo à mercê de uma ilusão sempre que deixava sua dignidade para trás a fim de cortejá-la.
Não era de seu feitio iludir – sempre fora transparente demais – embora soubesse ser a primeira a criar expectativas sobre alguém. Nesse momento, a parte mais remota de sua consciência se amedrontava com a simples ideia de que não Teruki, mas ela estivesse se iludindo novamente.
Prioridade, no entanto, a lesão à sua frente ganhou toda a sua atenção, por isso focou-se em voltar a suturar e enfaixar, protelando qualquer decisão a ser tomada. Teruki, por outro lado, desanimava cada vez mais diante do silêncio torturante da rosada.
Assim que Sakura finalizou o procedimento, dirigiu-se à lixeira para descarte de suas luvas enquanto repassava suas recomendações médicas ao rapaz. Ele assentiu a cada uma delas e se preparou para sair. Quando estava virando-lhe as costas, a rosada proferiu:
— Eu... Saio as cinco amanhã.
Eles fizeram um acordo e sua decisão havia sido tomada.
Mal sabia ela que, a milhas dali, aquele que possuía seu coração descobrira seu propósito tão almejado e estava finalmente pronto para voltar.
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