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História Eu, Eu Mesma e Minha Ignorância - Fourteen


Escrita por: MadeixasNegras

Notas do Autor


Espero que gostem! :)

Capítulo 14 - Fourteen


Fanfic / Fanfiction Eu, Eu Mesma e Minha Ignorância - Fourteen

O barulho cintilante do sininho da porta de entrada da lavanderia me fez despertar um pouco mais. A noite estava indo embora por volta das cinco e meia, momento em que eu saí da lavanderia 24 horas com uma sacola de roupas vazia. As luzes neon da fachada contrastavam com o tom opaco que as lâmpadas da loja iluminavam as máquinas de lavar barulhentas. Não havia ninguém na rua àquela hora além de mim e do zelador que cuidava da lavanderia do turno da madrugada.

Tinha levantado cedo naquela segunda-feira porque simplesmente o sono não tinha chegado durante a noite. Não consegui pregar os olhos em momento algum, mesmo cansada. Resolvi agir e organizar a minha tão precoce vida adulta. O horário do meu café da manhã insosso tinha sido o mesmo do lanche da madrugada para muitos. Por volta das quatro horas, eu já estava de pé.

Meu domingo não tinha sido diferente. O primeiro item na minha lista de prioridades era encaixotar e deixar limpas as coisas de Lucy. Mais do que os meus, eu queria deixar os pertences de Lucy preservados. Foi surreal o esforço que fiz para terminar essa etapa durante o domingo. No fim da noite passada, tudo que estava no quarto de Lucy estava totalmente lacrado e as poucas roupas sujas que ela usou em seus últimos dias estavam limpas.

Naquela segunda-feira, eu estava determinada a lavar todas as minhas roupas sujas e a empacotar toda a sala de estar e cozinha. Seria cansativo, mas eu precisava daquela casa limpa até quarta-feira. E eu faria questão de tentar sair de lá antes mesmo do prazo acabar. Sabe, eu estava encarando aquela situação toda como uma lição de vida.  A ganância e negligência de Derek, minha futura estadia em um hotel de beira de estrada, as poucas parcelas de dinheiro que provavelmente seriam gastas num piscar de olhos... E o fato de eu estar totalmente sozinha. Não havia em quem me apoiar.

Querendo ou não, deixei essas especulações e pensamentos negativos arquivados na minha mente e me concentrei em fazer o que precisava ser feito, mecânica e roboticamente. Resolvi aproveitar meu pique de energia que há muito tempo eu não tinha. A adrenalina de ter prazos e mil e uma coisas para fazer me deixou elétrica, apesar do cansaço. Antes mesmo do dia clarear naquela segunda, tinha deixado algumas das minhas roupas na lavanderia perto de casa. Programei a máquina para que travasse quando a lavagem terminasse e calculei que no meu curto intervalo de almoço teria que voltar para buscar as roupas.

Meu dia seguiu sem cor e sem sabor assim como as luzes da lavanderia e meu café da manhã. As aulas pareciam não passar, o céu parecia estar fixo num mesmo lugar e as pessoas pareciam dizer as mesmas coisas numa repetição infinita. Antes do horário de almoço, não encontrei Grace nem Miles e agradeci por isso.

Não passei meu almoço no refeitório. Comprei um sanduíche numa loja vegetariana perto do colégio e corri para a lavanderia antes que o intervalo acabasse. Quando cheguei à loja, por volta do meio dia, alguns clientes estavam na fila do caixa e outros esperavam suas máquinas finalizarem a lavagem. Um instrumental reconfortante tocava no auto falante da lavanderia e eu me fiz prestar atenção na melodia. Não aguentava mais a voz de Derek ecoando na minha cabeça desde a noite passada.

Consegui deixar as roupas em casa às custas de um atraso de 5 minutos na primeira aula do período da tarde. Tudo parecia estar tão alheio a mim que nem mesmo uma advertência por atraso eu levei. Acho que estava bem claro e estampado na minha cara que eu estava na beira do abismo. O período da tarde também não reservou melhores surpresas para mim, pelo menos não antes das quatro horas.

Estava em frente ao meu armário, vendo um aluno do Senior Year comprar um pacote de Doritos numa das máquinas automáticas do fim do corredor, quando avistei Miles. Ele carregava uma expressão tão calorosa quanto a de uma rocha.

-Como você tá? - ele perguntou, se pondo ao meu lado com as mãos nos bolsos do jeans.

-Bem.

Eu tinha pensado em mil palavras que poderiam me descrever naquele momento, mas usei a única que definitivamente não me representava. Miles pareceu não ligar muito.

-Pois eu não. Me sinto um idiota. Hazel e eu terminamos. - Miles encostou a cabeça na porta metálica do armário ao meu lado, amargurado.

-Mesmo? - tentei fingir alguma surpresa reconfortante - Por quê?

-Nenhum motivo aparente. Ela só disse que não podia continuar com isso e que estaria me enganando se a gente investisse em algo mais sério. Sinceramente acho que ela tem sentimentos por outro cara.

Logo o que Miles estava dizendo passou a ser apenas um burburinho distante. Minha mente voltou para o sábado, quando eu e Hazel tínhamos discutido estupidamente em frente à casa dela. Analisando agora, depois de um tempo, fiquei com vontade de rir. Tudo ali tinha sido ridículo. Hazel e eu nos desculpamos ao mesmo tempo em que dissemos que nossa amizade acabou, e logo depois discutimos sobre Miles. Mesmo que nós duas quiséssemos, seria impossível parar de falar e agir como as amigas que sempre fomos. Querendo ou não, Hazel era alguém como uma irmã mais nova e petulante para mim.

-Fica tranquilo. Você vai achar alguém. Não haja como se fosse o fim do mundo.

-Não estou. - Miles franziu as sobrancelhas e me encarou - Você tá pálida. Tá mesmo tudo bem? - Miles indagou outra vez, tentando ver além da camada amarga que estava por cima de mim naquelas circunstâncias.

Encarei os olhos brilhantes de Miles e pensei seriamente em falar para ele como eu me sentia. Acontece que ele ainda não sabia da morte de Lucy, e muito menos da história toda de Derek. Na verdade, dessa última parte ninguém sabia. Apenas Hazel e Grace sabiam que Lucy tinha falecido e seria uma falta de consideração não dizer nada a Miles. Mas, naquele momento, eu não me sentia com coragem de falar sobre a minha situação com ninguém. Seria estúpido me abrir com alguém que não poderia resolver nada. Seria só mais um para ter pena de mim e me dar alguns tapinhas nas costas.

-Sim, eu tô. Preciso ir lá pra cima. Te vejo depois.

Saí de perto de Miles antes que ele pudesse falar alguma coisa e fui até o banheiro feminino do segundo andar. Não importava se alguém estivesse lá, eu ficaria trancada em uma das cabines até que o sino tocasse e eu tivesse que ir para a sala dos clubes. Fosse numa situação normal em que eu estivesse feliz e satisfeita com a vida, eu estaria empolgada em conhecer novas pessoas, mas dadas as devidas proporções, eu só queria ir embora. Enquanto esperava o sino tocar sentada no chão frio do banheiro do segundo andar, lembrei da diretora Christiansen dizer que um aluno de fora do país tinha entrado no meio do semestre e faria a recuperação junto comigo e com os outros infelizes. Seria interessante ver ele se adaptar.

Não sei dizer se o sino demorou uma eternidade ou um piscar de olhos para tocar. Estava tudo tão nebuloso e apático que eu não tinha a menor vontade de sair daquele banheiro, muito menos de levantar de onde eu estava. Parecia que até o tempo tinha parado de passar de forma regular. Durante um bom tempo fiquei remoendo as coisas que tinham me levado àquele estado torpe e pensando no que eu poderia ter feito melhor. 

O barulho de passos abafados me deu um susto e me fez levantar num repente tão rápido que me deixou tonta. Resolvi sair logo daquele banheiro e ir até a sala de estudos, onde um monitor do Senior Year estaria me esperando com um olhar tedioso. Ao sair do banheiro, me deparei com um corredor vazio. Olhei para os dois lados, como se eu fosse atravessar uma avenida, e não vi ninguém. Imaginei que minha loucura estava começando a se manifestar.

"Ouvir coisas deve ser o próximo estágio do luto depois da negação. E depois vem a raiva."

Cheguei à sala de estudos onde aconteciam as reuniões do clube de jornalismo com um leve atraso. Havia mais gente do que imaginei. Lembrei da minha conversa com a diretora Christiansen no dia em que ela havia dito que eu ficaria na "recuperação paralela". Eu nunca havia perdido um semestre por causa de uma matéria, porque minhas notas eram regularmente boas e a cada duas vezes no ano eu fazia uma ou outra atividade extracurricular ou uma classe avançada. 

Queria manter um currículo para que alguma universidade estadual me quisesse, e antes de toda a situação de Lucy ocorrer, eu e ela falávamos sobre o SAT que eu faria no Senior Year e sobre as universidades preferidas. Lucy orgulhosamente seguia o padrão dos pais americanos em insistir que eu fosse para Yale ou Columbia. Nunca questionei a escolha dela, mas sabia que eu provavelmente acabaria na estadual, em Cortland. Não era uma universidade ruim, mas também não era nenhuma Harvard. Soube uma vez que Kevin James, o ator famoso, tinha estudado lá.

Meus passos eram tão lentos que nem ao menos faziam algum som. Sentei numa carteira um pouco mais afastada das ocupadas pelos outros alunos. Alguns conversavam num tom relativamente alto, outros tentavam em vão se concentrar no que escreviam, e outros estavam alheios ao ambiente. Fiquei  algum tempo ali deslocada, tentando entender o que fazer, até que um garoto loiro com um uma crachá de monitor ajustou as mangas da camisa e veio até mim carregando algo nas mãos, no fundo da sala. 

-Oi, qual seu nome? - o garoto tinha uma voz alta e clara, o que logo me fez despertar uma certa empatia.

-Amie Silvermann. 

-Pode assinar seu nome nessa lista de chamada? - ele me estendeu uma prancheta.

Escrevi meu nome no último espaço branco a ser preenchido naquela folha amassada e esperei que o garoto me dissesse o que fazer. 

-Obrigado. Me chamo Noah Reynolds e sou o monitor dessa classe remanescente. Quer começar com qual matéria?

-Tanto faz, eu só quero minha nota de volta.

Teria soado grosseiro e até estúpido se minha voz não estivesse carregada de um desânimo descomunal. Noah baixou o olhar e esticou seus lábios levemente, como numa espécie de sorriso. 

-Acho que você preferiria começar seus trabalhos depois que os alunos da detenção forem remanejados. Hoje teve um imprevisto que fez com que eles viessem pra cá. Geralmente essa sala fica bem silenciosa, com uns cinco ou seis alunos. Não sei o que te fez vir parar aqui, mas vou respeitar o seu ritmo. 

Não fui capaz de dizer nada ou esboçar qualquer reação. Acho que Noah esperava alguma resposta minha. 

-Se você quiser ir embora, a porta é bem ali. - Noah sorriu e voltou para a sua cadeira marrom, perto da lousa. 

Processei a mensagem de Noah Reynolds só depois que ele voltou para a frente da sala. Era extremamente tentador me levantar e ir embora para casa, mas eu precisava daquelas notas. Eu não queria perder o meu ano. Acomodei minha cabeça no encosto da cadeira e resolvi esperar que os tais alunos da detenção fossem embora. Fiquei remoendo as palavras levemente arrogantes de Noah e o que eu deveria embalar quando chegasse em casa. 

Naveguei mentalmente por cada cômodo da casa, pensando em como o resto da minha semana seria atrasada por conta daquela recuperação. Senti minhas pálpebras pesarem e logo as conversas paralelas se tornaram um murmúrio distante. Por um momento, tudo ficou escuro e eu senti como se flutuasse num vácuo infinitamente extenso. Não sei dizer por quanto tempo dormi encostada na parede da sala do clube de jornalismo, mas quando Noah Reynolds cutucou o meu braço para me acordar, ele parecia impaciente.

-Ei, acorde. Vai ficar feio pra mim se souberem que eu deixo vocês dormirem na minha monitoria. 

Ergui minha cabeça rapidamente e me vi numa sala praticamente vazia. Só havia eu, Noah e uma pessoa abaixada no outro canto da sala, na carteira da frente. Uma súbita vergonha me invadiu e eu tentei manter a minha seriedade de alguma forma.

-Que horas são? - disse, ainda meio grogue.

-Seis e cinco. - Noah disse, checando seu relógio de pulso branco.

-Meu Deus, preciso voltar pra casa. 

Levantei da carteira e olhei para a janela. Realmente, o céu já estava em tons de fim de tarde, e eu planejava chegar em casa por volta das seis e meia. Acontece que já eram seis e cinco e eu não tinha feito nada. Apanhei minha mochila leve no encosto da cadeira e andei metade do caminho até a porta da sala, mas Noah me deu um aviso:

-Se você for embora agora, vai ter que trabalhar em dobro amanhã. Você dormiu desde o momento em que chegou aqui. - Noah cruzou os braços e me encarou com um olhar de puro julgamento.

Senti minhas bochechas queimarem e hesitei. Eu precisava muito empacotar o resto da mudança, mas isso eu poderia fazer durante outro horário. A recuperação era ali e agora. 

-Faltam quantos minutos pra isso acabar? - perguntei, com a voz rouca.

-Vinte minutos e eu te deixo ir. 

Soltei a alça de minha mochila e me sentei na carteira que ficava por último na fila da pessoa que ainda dormia. Fiquei com raiva e desejei que Noah a acordasse da mesma maneira que fez comigo, mas isso não aconteceu. O monitor sênior apenas me entregou uma folha com uma avaliação de álgebra e pediu para que eu fizesse aquilo "no meu ritmo". Revirei os olhos diante de tantos números e comecei o teste. Meu grafite se arrastava com dificuldade pela folha, de acordo com a minha boa vontade. Por cima da folha, pude ver Noah passando direto pela pessoa na primeira carteira, sem acordá-la.

-E enquanto a esse aí? Pode dormir, você não vai falar nada? - perguntei, petulante.

-Ele tem problemas diferentes dos seus. Faça seus cálculos mais rápido, vão fechar o colégio daqui uma meia hora.

"Que coisa ridícula. Ele não sabe nem de metade dos meus problemas, não sabe nem o meu nome. E pensar que amanhã vai ser a mesma porra de situação."

Ironicamente, finalizei meu teste no mesmo momento em que o garoto - pude ver quando ele tirou seu capuz - da primeira carteira se levantou. Noah prontamente foi até ele e disse algo que eu não consegui entender. O garoto de olhos inchados se levantou e se despediu de Noah, depois saiu pela porta ao meu lado e me deixou sozinha com Reynolds.

-Terminei. 

Apanhei minha mochila do chão e me mandei. Não me despedi de Noah assim como o provável amigo dele tinha feito. Saí do colégio quando o céu já tinha escurecido definitivamente e pedalei até em casa lutando contra um vento frio. Parecia que havia vidro em pedacinhos no vento, o que fazia cada lufada de ar parecer um corte de faca. Magicamente, a indisposição e arrogância que tinham me feito ser inútil na recuperação foram embora assim que comecei a empacotar o resto das coisas. 

Fui dormir tarde, mas tinha feito o trabalho pesado quase que por inteiro. Só os móveis grandes estavam desembalados e a dispensa já estava vazia, assim como a cozinha. O problema maior eram as comidas da geladeira, mas isso seria por conta de Derek. Ele queria que eu saísse daquela casa até quarta-feira, e assim seria. Eu tinha o dia de amanhã - terça-feira - para arrumar os detalhes. 

De fato, eu consegui arrumar o que restava na terça à noite, mas mais memorável que isso foi o que se sucedeu antes de eu chegar em casa. Na terça-feira à tarde, assim que cheguei na sala do clube de jornalismo, me deparei com menos de meia dúzia de alunos na sala. Sentei na mesma carteira do dia anterior e esperei que Noah Reynolds viesse até mim, e assim foi feito.

-Oi, Silvermann. Seu humor tá melhor hoje? - perguntou Noah, sorridente como na primeira conversa que tivemos no dia de ontem.

-Acho que sim. Foi mal por ontem, eu tava com muita coisa na cabeça. - disse, puxando uma mecha de cabelo de maneira desconfortável.

-Eu lido com gente desse jeito todos os dias, então não se desculpe, só melhore. Tem algo em mente pra começar hoje? - Noah puxou uma cadeira e se sentou ao meu lado.

-Pode ser o trabalho de literatura da sra. Madison, ainda tá fresco na minha memória.

-Então tudo bem. 

Durante a primeira hora, consegui terminar o trabalho incompleto da sra. Madison e tive certeza de que não perderia a matéria dela, mas então uma dúvida preencheu minha cabeça e me fez ficar distraída outra vez. Avistei o mesmo garoto sonolento de ontem no mesmo luga da sala, com a cabeça abaixada. Resolvi perguntar a Noah Reynolds qual era a dele, aproveitando que eu não tinha sido grosseira naquele dia. 

-Noah, vem aqui, por favor? - o monitor sênior veio até mim e se abaixou, para me escutar - O que aconteceu com aquele cara? 

Indiquei de quem eu falava com a cabeça e vi a expressão de Noah se suavizar.

-É o Griffin. Ele é o aluno transferido da Europa pra cá, ainda tá se acostumando com o fuso horário. O Griffin é muito bom, mas a adaptação vai tirar um tempo dele.

-Agora eu entendo por que você disse que eu não tinha os mesmos problemas que ele.

-Foi meio estúpido da minha parte, mas o problema dele não é só esse. Ele tem narcolepsia e isso dificulta as coisas ainda mais. Troque uma ideia com ele depois que o turno acabar, de verdade.

Prensei meus lábios e me senti a pessoa mais intolerante e idiota daquele colégio. O garoto tinha se mudado de outro país e tinha uma doença sem cura, e eu desejando que o pior acontecesse com ele. Assim que Noah saiu de perto de mim para ajudar um garoto com um trabalho de química, eu vi Griffin se levantar. Seus olhos escuros continuavam inchados, e apesar dos pesares, ele carregava uma expressão iluminada. Baixei os olhos para a minha carteira e me peguei imaginando como seria a adaptação de um país para outro. Uma possibilidade tão longínqua e tão provável.


Notas Finais


Espero que tenham gostado! :)


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