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História Eu, Eu Mesma e Minha Ignorância - Fifteen


Escrita por: MadeixasNegras

Notas do Autor


Espero que gostem! :3

Capítulo 15 - Fifteen


Fanfic / Fanfiction Eu, Eu Mesma e Minha Ignorância - Fifteen

Faltei à aula na quarta-feira pela manhã. Derek iria retirar os móveis da casa e trancá-la, e eu queria estar presente no momento. Seria o dia em que eu me despediria da casa em que morei durante toda a vida e iria para um hotel de beira de estrada passar uma estadia por tempo indeterminado. Na verdade, eu não queria ter que me hospedar lá. Mas, nas circunstâncias em que eu estava, era preferível passar uma semana no Rich Motel do que uma semana junto com Derek e Sally.

Derek apareceu por volta das nove horas. No momento em que ele tocou a campainha, eu estava no andar de cima terminando de empacotar o meu quarto e arrumar uma mochila com mudas de roupa e alguns itens necessários. Desci as escadas rapidamente, imaginando se Derek iria cumprir com o que ele havia dito no dia do enterro de minha mãe. Abri a porta e me deparei com um Derek sorrindo vigorosamente.

-Bom dia, Lisie. Posso entrar?

Apenas abri a porta e não disse nada. Vi o homem entrar após encostar a porta e olhar ao redor da sala de estar. Caixas de papelão estavam todas espalhadas pelo cômodo e os eletrodomésticos estavam todos desligados. Nada nem ninguém emitiu som algum por uns instantes, até que eu quebrei o silêncio.

-Trouxe meu dinheiro?

Derek se virou e sorriu. Abriu o casaco de couro e me entregou um envelope em papel pardo. Conferi a quantia bem ali, na frente dele, caso ele quisesse me ludibriar. Mas estava tudo nos conformes. Exatos trezentos e setenta e um dólares em espécie. Guardei as cédulas de volta no envelope e o deixei em cima do balcão da cozinha.

-O caminhão vai chegar logo em breve. Quer colocar suas coisas na picape? - disse Derek, num tom de satisfação.

Concordei com a cabeça e subi as escadas novamente. Sem que eu pedisse, Derek me seguiu e ajudou a levar as caixas mais pesadas do andar de cima até a sala de estar. Trabalhamos em silêncio até que o caminhão de mudanças chegasse e estacionasse no meio fio. Se eu fosse alguém passando pela rua, até conseguiria imaginar aquele cenário como o de uma família se mudando para outra casa, mas a realidade não era nada parecida com isso. 

Dois homens altos e de botas pesadas entraram sem pedir licença pela porta da sala e começaram a retirar os móveis maiores. Sentei no assoalho de madeira da varanda e fiquei observando Derek e os homens trabalharem. Eu já tinha pego o envelope e minha mochila. Minha única função ali era esperar que todos os móveis fossem postos dentro do baú do caminhão, e assim foi feito depois de algumas horas.

Já era quase meio dia quando os dois homens fecharam o baú e receberam o pagamento diretamente das mãos de Derek. Ouvindo o ranger do motor do caminhão, andei até a sala de estar. O chão tinha marcas de poeira pelo chão, exatamente no formato das estantes e do sofá, por terem ficado tantos anos na mesma posição. Era uma sensação nova e bizarra olhar a minha sala sem nenhum móvel. As paredes pareciam ter mudado o tom de cor e tudo parecia mais amplo. A cozinha também ficara esquisita sem a geladeira e o fogão, mas os armários e o balcão se faziam presentes. 

Não quis subir ao andar de cima. Relembrar os momentos que passei cuidando de minha mãe me fariam emotiva. Pedi para que Derek vistoriasse a casa antes de trancá-la e esperei no quintal. Um sentimento de vazio me invadiu assim que ouvi o barulho metálico da chave na fechadura da sala. Finalmente tinha acabado.

-Caso você queira saber, vou vender os móveis. As caixas vão ficar na minha garagem até que eu também me mude, então trate de arranjar um apartamento, senão vou ser obrigado a deixar suas coisas na calçada de casa. - Derek riu estupidamente ao tirar as chaves da picape do bolso.

-E o que a gente faz com a bike? - indaguei, apontando para a minha bicicleta encostada na árvore do quintal.

-Você pode voltar aqui e pegar ela depois, não pode? 

-Tanto faz. 

Andei até a picape e entrei na cabine, esperando que fôssemos embora logo. Derek deu a partida e pude sentir o odor de diesel queimado saindo pelo escapamento da picape. O motor rangeu e em poucos instantes nos afastamos de casa. Derek podia ser imprudente em muitas coisas, mas ao menos dirigir ele sabia bem. Fiquei o caminho todo olhando para a rua, sentindo o vento frio pela janela aberta. 

Demorou um pouco até que chegássemos a Homer, cidade vizinha a Cortland, onde Derek e Sally moravam. As duas cidades eram praticamente uma só, distanciadas apenas pela West Homer Road, estrada que levava ao Cortland Country Club. Derek parou a picape ao lado do meio feio, deixando o espaço livre para que carregássemos as caixas até a garagem. Em pouco tempo nós esvaziamos a carroceria da picape, e apesar do tempo frio, suei carregando minhas caixas relativamente pesadas. Ergui as mangas da minha blusa de lã e apanhei minha mochila dentro da cabine.

-Você e Sally já tem um dia para a mudança? - perguntei, arrumando a mochila nos ombros.

-Vamos antes do fim desse mês. Sally quer passar o Dia de Ação de Graças com os pais.

-Sabe quando caiu o feriado esse ano?

Queria planejar tudo nos mínimos detalhes em minha mente. Precisava saber em quanto tempo Sally e Derek se mudariam para Detroit, ou seja, em quanto tempo eu precisaria ter outro lugar para morar.

-Eu não sei de tudo, Lisie. Olhe num calendário. - retrucou Derek, travando a porta da carroceria.

Revirei os olhos diante de tamanha grosseria e logo me despedi de Derek, agradecendo o dinheiro pago no dia certo.

-Foi o combinado, não foi? - Derek me olhou e fez uma pausa - Não vai dar um oi a Sally antes de ir? É provável que você nem nos veja mais depois de hoje.

Desviei o olhar para a calçada. Eu sabia que se eu entrasse naquela casa, Sally ia me manter lá durante horas com uma conversinha e algumas xícaras de chá. Mesmo assim, resolvi entrar. Queria passar um tempo com a mulher que sustentou a mim e Lucy depois da separação. 

Entrei pela porta da sala antes de Derek e pude sentir um cheiro de comida gratinada e cera para assoalhos de madeira. Todos os móveis eram lustrosos e nada parecia fora do lugar. Algumas cristaleiras guardavam a prataria e alguns souvenirs, e um tapete estampado cobria mais da metade do assoalho. Derek empurrou levemente as minhas costas e me dirigiu até a cozinha. Encontrei uma mulher loira e esguia de um olhar doce verificando algo dentro do forno do fogão. Sally retirou suas luvas térmicas bordadas e encarou a mim e Derek.

-Amie! Que surpresa, não sabia que veria você hoje. - disse ela, vindo ao meu encontro para um abraço.

Senti um certo desconforto abraçando aquela mulher naquela casa em que eu nunca tinha entrado. Na verdade, eu nem me lembrava do rosto de Sally, então se ela não tivesse vindo até mim, eu não saberia quem ela era. 

-Oi, como vão as coisas? - perguntei, num tom mais baixo.

-Bem, muito bem. Não sei se Derek te contou que estamos de mudança. - Sally se afastou e se pôs a lavar alguns mirtilos debaixo da água corrente. 

-Ele comentou. É... - hesitei, olhando a destreza com que Sally separava os mirtilos frescos dos amassados - Vou deixar minhas caixas aqui até que eu ache algum lugar para morar.

-Deixar suas caixas? Não entendi. - Sally desviou seus olhos cor de mel para Derek, que estava atrás de mim - Você não me falou disso.

-Amie saiu da casa antiga e vai morar em outro lugar. Concedi nossa garagem para que ela guarde as caixas e a mobília até que eu possa vender os menos usados.

-Morar onde? Nós temos um quarto reserva, você pode ficar aqui. - ela voltou seus olhos para mim.

-Não, muito obrigada. Já consegui um quarto por um preço baixo. Vai ser temporário. 

-Eu insisto, mas se você não quiser, tudo bem. Entenderei. - ela sorriu levemente - Ao menos você quer ficar para o almoço? 

Prensei meus lábios e pensei duas vezes antes de aceitar. Optei comer junto deles pelo menos uma vez depois de tudo o que tinha acontecido. Não sei se Lucy aceitaria o almoço ou nem ao menos entraria naquela casa, mas eu não tinha motivos para recusar. Não tinha tomado café da manhã, estava longe do Centro e teria que voltar para casa de táxi. E, além do mais, não queria ter que comer fora. A primeira parcela paga por Derek estava reservada para comprar tudo o que eu precisasse para passar uma semana no Rich Motel. 

Apesar de tudo, Sally era uma ótima cozinheira. Eu não era de comer muito no almoço, mas fiz questão de repetir o frango assado e as batatas gratinadas, e mesmo que eu quisesse ficar mais pela comida, fui embora antes da sobremesa.

-Tem certeza que não quer os mirtilos? Tenho morangos na geladeira caso você goste.

-Não, Sally, obrigada mesmo. Eu já vou, tenho muito a fazer. - levantei da mesa e me retirei, levando meu prato até a cozinha. 

A despedida de Sally foi mais difícil do que tinha pensado antes de entrar naquela casa. A doçura e simpatia daquela mulher não condiziam com a persona de Derek, e se ele não morasse lá, eu aceitaria de bom grado a oferta de Sally. No entanto, a minha bússola moral apontava para longe de Derek. Eu precisava encarar a realidade de qualquer jeito, porque seria mais duro sair daquela casa antes da mudança para Detroit do que naquele momento. Antes de sair, abracei Sally, na soleira da porta da sala, com todo o carinho. Fiz questão de desejar o melhor para ela na cidade nova.

-Ligue sempre que quiser, por favor. Você merece muito, Amie. - disse Sally, com toda a veracidade possível.

Apenas sorri. Derek parou ao lado de Sally e me observou ir embora com a mochila nas costas. Ele provavelmente me ligaria no dia seguinte para confirmar se Gordon Richmond me entregara a segunda parcela. Andei encolhida por algumas quadras até um posto de gasolina da Sunoco, e lá pedi um táxi. A volta para Cortland foi mais rápida do que imaginei, e no meio do caminho pude ver nuvens cor de chumbo azulado se formando no céu esbranquiçado. 

Pedi ao motorista que acelerasse e dei o endereço de casa, porque precisava pegar minha bicicleta e ir correndo até o Rich Motel, que ficava perto da rodovia interestadual 81. Tive sorte por ficar naquele hotel, por incrível que pareça. Havia um centro comercial com três mercados algumas quadras abaixo do Rich Motel e eu agradeci mentalmente por isso. Não teria que me deslocar tanto para fazer compras, mas ir ao colégio seria difícil nos dias mais frios. 

Chegamos a Banks Street quando os primeiros pingos de chuva começaram a cair. Paguei o taxista e não tive tempo de observá-lo descer a rua. Corri até a bike e logo dei o impulso, acelerando. Não tive ideia de quanto tempo gastei para chegar até o P & C Fresh, mas não foi o suficiente para que eu escapasse da chuva. Deixei minha bicicleta num local coberto e entrei no mercado rezando para que ele fosse aquecido. Por sorte, ele era. 

Demorei mais do que eu deveria fazendo compras, apenas para esperar a chuva passar. Comprei donuts na delicatessen, caixas de cereal e biscoitos, alguns refrigerantes, pães e manteiga de amendoim. Seria ainda mais difícil se não houvesse frigobar dentro do quarto, por isso não comprei nada que pudesse ficar sem refrigeração.

Saí do P & C Fresh antes das quatro da tarde. Posso dizer que foi um milagre ter chegado ao Rich Motel com todas as sacolas de papel sem que elas caíssem no asfalto molhado, uma mão no guidão e a outra carregando toda a minha comida. Provavelmente os transeuntes acharam a minha cena cômica, e se eu tivesse pensado nisso antes de chegar ao hotel, teria rido também. Mas quando eu cheguei ao prédio de dois andares em que ficava o Rich Motel, desanimei na hora. 

Desci da bicicleta ainda na calçada e a guiei pelo desnível que levava ao pequeno estacionamento na frente do hotel. Havia alguns carros estacionados e pouco movimento na rua, concentrado na oficina mecânica mais à frente. Alguns arbustos e pequenos pinheiros de um verde opaco enfeitavam a entrada do Rich Motel, cuja placa possuía apenas algumas luzes funcionando. 

A pintura do prédio não estava tão gasta e os vidros das janelas no segundo andar pareciam limpos apesar de velhos. Uma parede de pedras claras que dividia o terreno do hotel estava infestada por musgos - provavelmente por conta do clima úmido insuportável que predominava em Cortland - e a maioria das cortinas das janelas estava fechada. 

"Espero ter ficado no segundo andar..."

Deixei minha bicicleta encostada na parede de pedras e entrei na recepção. O local estava frio feito gelo e parecia não ter termostato. Não havia ninguém atrás do balcão das chaves e apenas alguns sofás de couro e plantas de plástico davam vida àquela saleta. Aproximei-me do balcão e bati uma vez num sininho prateado, na esperança que alguém viesse me atender. No mesmo instante. um homem calvo e barrigudo vestindo uma camisa xadrez apareceu, saindo de uma das portas de acrílico da recepção.

-Gordon Richmond. - o homem estendeu sua mão com unhas roídas e eu a apertei - Como posso ajudá-la, mocinha?

-Derek Carson reservou um quarto para mim por uma semana. Sou filha dele. - disse, com a voz arrastada por me referir a Derek como meu pai.

-Ah, o sr. Carson realmente efetuou uma reserva recentemente. - Gordon Richmond pareceu procurar alguns papéis no balcão e logo depois voltou seu olhar a mim - Pode pagar a hospedagem no final da estadia. Uma semana, certo?

-Sim. Acho que o senhor sabe das parcelas, não sabe?

-Sei, claro que sim. Vou entregá-las todos os dias, fique tranquila. Trezentos e poucos dólares, é isso?

Estranhei que Gordon Richmond soubesse do valor que eu iria receber, mas não falei nada. Se ele tentasse extraviar algum valor, eu saberia. Provavelmente, Derek havia dito todas as informações sobre as parcelas para que Gordon ficasse a par de tudo.

-Estou fazendo um preço especial para você, sabia, mocinha?

Assenti em silêncio. Faria o mínimo de contato possível com aquele homem durante o tempo que eu estivesse hospedada, só por precaução. Gordon Richmond se virou e apanhou uma chave com um chaveiro cuja inscrição dizia "Quarto 7 - 2º Andar", depois pediu para que eu o acompanhasse. 

-Pode vir, é só subir as escadas e o seu quarto vai ser o último no final do corredor. - Gordon disse, meio redundante.

Subi a escadaria metálica enferrujada atrás de Gordon, com dificuldade em enxergar os degraus segurando tantas sacolas. Com a chave balançando, o homem abriu a porta do quarto e liberou a passagem para que eu entrasse. Percebi que as cortinas amarronzadas deixavam o quarto escuro com uma iluminação em tons pastéis, então não consegui ver muito da limpeza à primeira vista. Deixei as sacolas em cima da cama de solteiro e me virei para Gordon, que estava parado na soleira da porta. 

-Comprou algo gelado? 

-Como é? - indaguei, confusa.

-Algo que precise de geladeira. Eu tenho uma na minha sala, se a mocinha quiser usar. - Gordon explicou, com um tom de voz que beirava a benevolência.

-Não, obrigada. Estou bem. - respondi, desconfortável.

Assim que encostei na maçaneta para fechar a porta, Gordon a segurou e pôs o rosto para dentro do quarto.

-Qualquer coisa é só falar comigo. A limpeza dos quartos é todo dia ao meio dia e não temos café, mas se quiser algum pedido é só discar a recepção no telefone. - ele apontou para uma pequena estante em que estava um telefone antiquado.

-Tudo bem. Obrigada, sr. Richmond. - empurrei a porta e a tranquei antes que ele pudesse falar mais alguma coisa.

Respirei fundo, afastando pensamentos esdrúxulos. Abri a janela emperrada do quarto e as cortinas, deixando o quarto um pouco mais arejado. Sem a presença de Gordon ali, pude ver a habitação com mais calma. A cama estava arrumada com lençóis brancos encardidos, aparentemente limpos, e tinha dois abajures ao lado. Um armário de madeira guardava alguns cabides e dois cobertores felpudos, havia um aquecedor antigo acima do rodapé ligado na tomada, uma TV pequena estava pendurada na parede cuja estampa era floral, e uma porta de madeira dava passagem para o banheiro.

Suspirei e me apoiei no parapeito da janela, que dava vista para a rua lateral do hotel. O asfalto estava úmido e alguns carros passavam de tempo em tempo pela Plaza Drive. Algumas nuvens cinzentas pareciam se mover rapidamente pelo céu, dando a impressão de que a tarde acabaria em poucos minutos. 

-É só uma semana. Só uma. Você vai aguentar, vai sim. - falei para mim mesma, esperando que palavras positivas me incentivassem. 

Porém, o meu otimismo se deixava levar pela sensação de que minhas poucas esperanças se dissipariam como as nuvens no céu. Em momentos como esse, a ansiedade e a insegurança sempre falam mais alto.


Notas Finais


Espero que tenham gostado! (mesmo depois de tanto tempo sem postar nada, hehe) ;)


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