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História Eu, Eu Mesma e Minha Ignorância - Sixteen


Escrita por: MadeixasNegras

Notas do Autor


Espero que gostem! :)

Capítulo 16 - Sixteen


Fanfic / Fanfiction Eu, Eu Mesma e Minha Ignorância - Sixteen

Ao contrário das semanas que antecederam a morte de Lucy, os dias que passei hospedada no Rich Motel foram todos extraordinários, no sentido literal da palavra. Situações que eu não achei que fossem acontecer tão rápido simplesmente ocorreram e eu lidei com elas da minha maneira. Não sei se da melhor maneira possível, mas da minha maneira. 

Na quinta-feira, o primeiro dia em que eu deixaria minhas coisas no hotel e iria para o colégio, desci as escadas metálicas do prédio e me deparei com um funcionário digitando rapidamente no computador da recepção. Varri os olhos pela saleta e não vi Gordon Richmond, o que fez o meu dia começar um pouco melhor. Meu café da manhã havia sido um pouco de cereal e refrigerante, mas quando fui escovar os dentes eu tive uma bela surpresa ao saber que a água da pia do banheiro não era aquecida. 

"Minha primeira reclamação estando nessa espelunca. Só uma semana, vamos lá."

Durante o trajeto até o colégio, percebi que decorações natalinas já haviam sido instaladas em algumas das principais avenidas de Cortland. O Dia de Ação de Graças realmente estava se aproximando, e até o frio tinha se intensificado nas semanas passadas. Os últimos Natais que eu passei com Lucy tinham sido relativamente alegres, principalmente nos dias em que montávamos a casa, mesmo não tendo lareira para enfeitar com meias bordadas. Nossa principal decoração era uma guirlanda que Lucy havia compro quando ainda morava na Inglaterra e uns bonecos de neve simpáticos que eu fazia no quintal. 

As casas da nossa rua eram, em sua maioria, bem decoradas com pisca-piscas e renas de mentira. Nossos vizinhos pareciam ficar estocados dentro de casa até que chegasse o mês de Novembro, em que eles enfim poderiam iluminar os telhados e distribuir estatuetas de Papai Noel por todos os lugares do terreno. Eu gostava dessa energia toda, admito. O único problema dessa época era a neve. Lucy fazia questão de me alegrar, mesmo que nevasse bastante. Eu, particularmente, odiava os dias de neve em que eu precisava ir ao colégio. Tudo atrasava, tudo ficava escorregadio e gelado demais, e eu não tinha dinheiro para tomar chocolate quente todos os dias. 

Relembrei as ceias de Natal que passei com Lucy durante todo o tempo antes de chegar ao colégio. O dia sucedeu normalmente. Nem Hazel nem Miles apareceram no corredor durante a troca de salas - o que me deixou mais tranquila - mas Grace também não tinha aparecido. Tirando Noah e algumas vezes Miles, Grace era a única pessoa com quem eu conversava naquele colégio. Sem o apoio dela, eu estaria totalmente perdida, mas eu estava conseguindo me virar sozinha. A morte de Lucy estava fazendo um pouco mais de sentido para mim e eu tinha parado de chorar todas as noites. Na verdade, eu só estava um pouco deprimida e pensativa, associando os eventos que tinham me feito chegar ao ponto em que eu estava.

Uma chuva fraca começou no final da tarde, perto do horário de ir à sala do clube de jornalismo. Àquela hora, os corredores estavam vazios e a maioria dos alunos já tinha ido para casa. O barulho dos meus tênis no piso de linóleo me acompanhava enquanto eu ia até a sala onde Noah Reynolds estaria me esperando com algumas atividades na mão. Estava me perguntando se eu pegaria chuva na volta para o Rich Motel quando avistei o cara com narcolepsia comprando algo na máquina automática de refrigerantes no final do corredor. 

Parei antes que eu pudesse entrar na sala do clube de jornalismo e baixei os olhos. Minha consciência pesou desde o dia em que eu desejei tudo e mais um pouco para ele depois que Noah o tinha deixado dormir durante a aula. Senti que deveria puxar assunto com ele e ver se a culpa de xingá-lo mentalmente ia embora. 

Andei discretamente até a máquina de refrigerantes assim que o garoto se virou. Ele me viu e sorriu com os olhos, aparentemente simpático. O garoto abriu o lacre de sua Pepsi e saiu, fazendo o barulhinho metálico ecoar pelo corredor. Dei um sorrisinho amarelo e continuei andando na direção da máquina automática como se eu fosse comprar alguma coisa, rangendo os dentes por ter sido idiota e não ter falado nada. 

Envergonhada, dei meia volta e andei até a porta da sala, onde o garoto estava bebericando sua Pepsi. Percebi que ele olhava pelo vidro da porta, e em determinado momento, começou a bater na porta com a sua mão desocupada.

-Tem alguém aí? - perguntei, tentando começar um assunto da maneira mais amigável possível.

-Acho que não. Talvez Noah não tenha vindo hoje. - ele se virou e encostou as costas na porta - Qual seu nome?

Imediatamente notei o sotaque do garoto e fiquei curiosa em saber os motivos que haviam trazido ele até Cortland. Na verdade, quis saber principalmente de onde ele tinha vindo. A curiosidade me fez sentir mais à vontade para começar a conversa e afastou a culpa que eu senti por ter mandado o garoto à merda. Talvez meu semblante menos carrancudo também ajudasse.

-Amie Silvermann. 

-Griffin Howell. Desculpe pelo sotaque, aliás. - disse ele, bebendo a Pepsi mais uma vez.

-Você não precisa se desculpar por isso. De onde é?

-País de Gales. 

Um silêncio se estendeu entre nós e eu fiquei pensativa a respeito do país do qual Griffin tinha vindo. Não sabia absolutamente nada sobre o País de Gales, nem mesmo a língua que eles falavam lá. Só sabia que ficava na Europa, bem longe de onde eu estava.

-Meio distante da sua realidade, eu sei. É difícil. - Griffin completou.

-Não queria falar nada, mas... É. Eu mesma não sei de nada sobre lá. - comentei, meio relutante sobre o que dizer em seguida - Como tá sendo pra você se adaptar?

-Meus pais são bem presentes, logo não me sinto tão sozinho. As casas e as ruas são diferentes, minha família não mora do outro lado da rua. 

Desviei o olhar dos cachos avermelhados de Griffin e suspirei. 

-E você, onde mora? - ele perguntou, subindo um pouco o tom de sua voz grave.

-Um pouco longe daqui. É depois do Centro, não sei como te explicar.

-Entendo, entendo. Você mora com seus pais também?

Prendi minha respiração por um momento. Se eu contasse a respeito de Lucy, a única coisa que eu conseguiria seria algum consolo ou palavra de lamentação. Possivelmente fiquei mais tempo do que o normal olhando fixamente para algum ponto na parede do corredor, porque Griffin logo se corrigiu sem necessidade.

-Toquei em algum assunto delicado? Desculpe a minha indelicadeza.

-Não, imagine. - suspirei e passei as mãos pelo meu cabelo, um pouco desconfortável - Minha mãe morreu umas semanas atrás. É só isso.

Pensei que Griffin ficaria chocado ou até abalado por tocar num assunto tão mórbido, mas sua única reação foi levantar as sobrancelhas e soltar uma leve exclamação.

-Lamento por isso. Espero que você e sua família passem bem por isso.

Senti meu nariz formigar de maneira súbita e o cocei, tentando fazer a vontade de chorar se dissipar. Não percebi se Griffin notou alguma mudança da minha parte e quis mudar de assunto na mesma hora, mas não precisei fazer isso.

-Noah deve ter dito a você também sobre o meu problema. - Griffin começou.

-Não, na verdade... - menti, esperando que ele se sentisse confortável e dissesse alguma coisa.

-Pode ficar tranquila, eu sei que ele falou. - Griffin entortou os lábios e franziu as sobrancelhas, provavelmente acostumado com aquela situação - Já virou rotina.

-Isso é genético? - indaguei, um pouco mais ciente do rumo que a conversa tinha tomado.

-Nem os médicos souberam dizer. Acho que é crônico, alguma deformação no cérebro, não sei ao certo. Só sei que minha vida seria melhor sem ela. - Griffin fez uma pausa e me encarou - As pessoas acham engraçado, interessante, esse tipo de coisa.

-Como se você fosse uma vitrine.

-Bom paralelo. É como se a pessoa Griffin não existisse, só a doença que eu carrego. Eu não queria ter que usar a narcolepsia como uma desculpa para não fazer as coisas. Parece que eu só durmo, durmo e durmo, vinte e quatro horas por dia.

-Não é bem assim. É só uma condição, não é como se fosse sua culpa.

Griffin sorriu, bebendo seu último gole de refrigerante. Ele arremessou a latinha a distância e acertou a cesta de lixo que ficava mais à frente.

-Foi bom conversar com você. - ele disse, apanhando sua mochila no chão do corredor.

-Digo o mesmo. - sorri e coloquei as mãos nos bolsos, sem graça por ter conversado alguns minutos com ele.

Griffin parou na minha frente e pousou a mão em um dos meus ombros, com uma expressão compreensiva.

-Sinto pela sua mãe. Apareça aqui amanhã outra vez, quem sabe eu te pago uma Pepsi e conversamos outra vez.

Dei um sorriso singelo e assenti, observando Griffin se afastar pelo corredor. 

"Pare de sorrir, Amielise. Ele já foi."

Eu não sabia o porquê de Noah ter faltado, mas agradeci mentalmente por isso. Se Noah tivesse aparecido, eu não teria tido a minha melhor conversa com alguém daquele colégio em um bom intervalo de tempo. Mesmo que eu pudesse ir embora, fiquei alguns minutos no corredor, parada, ouvindo o chiado da chuva do lado de fora. Eu não queria pegar chuva na volta para o Rich Motel, então optei por ficar no colégio.

Arrumei minha mochila nas costas e resolvi ir até a biblioteca. E foi aí que, mais uma vez, uma semana que era para ser monótona se tornou extraordinária. Entrei pela biblioteca e não vi sinal de ninguém. As inúmeras estantes de madeira e as lâmpadas incandescentes deixavam o ambiente um pouco menos frio, mas ainda assim senti um arrepio correr a espinha. Encostei a porta da biblioteca e entrei, tentando fazer silêncio apesar de não haver ninguém lendo, esfregando minhas mãos umas nas outras na tentativa de aquecê-las.

Ao sentar numa das mesas vazias daquele lugar, lembrei do dia em que Hazel e eu estávamos vendo os comentários do Emmy no Twitter ao invés de ler sobre botânica e histologia vegetal. Sorri comigo mesma, ao mesmo tempo querendo e não querendo que aquele momento voltasse. E, assim como naquele dia, Luke Warren apareceu aleatoriamente, sem mais nem menos. Ele carregava uma mochila nas costas e usava seus típicos fones de ouvido. Seus olhos verdes estavam opacos e afundados nas olheiras, seu cabelo oleoso caía pelos ombros e seu casaco bordô parecia grande e bufante demais para ele.

-Oi. - foi a única palavra que ele me disse em primeiro momento.

Sem que eu pedisse ao menos respondesse, Luke se sentou na cadeira à minha frente e deixou sua mochila aparentemente pesada em cima da mesa.

-Oi. - respondi, em voz baixa.

Ficamos alguns instantes em silêncio, cada um desviando o olhar para qualquer lugar que não fosse centrado no outro. O desconforto que eu sentia era tamanho que, se eu não saísse dali ou alguém dissesse algo, ele se tornaria palpável. Assim que eu escorreguei meu quadril para fora da mesa, Luke me encarou.

-Até quando você vai me evitar desse jeito?

Engoli em seco e voltei para a minha cadeira. Ouvi um trovão abafado pela vidraça da biblioteca e pensei na minha volta para o hotel. Senti um arrepio outra vez e cruzei os braços, tentando espantar o frio e demonstrar o meu descontentamento com a presença de Luke.

-Não tô te evitando. Só nos afastamos. Paramos de falar.

-Escuta, eu já te pedi desculpas uma vez, acho que você aceitou e isso é suficiente. Pedir desculpas várias vezes não vai anular o que eu fiz e você sabe disso.

Não disse nada. Luke - pela primeira vez desde a festa de Carter - tinha dito algo que me fez repensar os acontecimentos. 

-Eu aceitei suas desculpas. Só não quis voltar a ficar perto de você outra vez.

-Você tem todo o direito, eu só não gostei do rumo que as coisas tomaram.

-E você por acaso acha que eu gostei? - perguntei, franzindo as sobrancelhas, evitando ser grossa.

"Xingar ele ou ser grosseira não vai levar ninguém a lugar nenhum. Fique quieta."

-Escuta, Amie, eu gosto de você e só quero uma reconciliação faz um tempo. Fiz merda e tô aqui na sua frente jogando a real pra você.

-Eu já entendi. Tá tudo bem, tudo bem... - disse, desviando o olhar para a mesa.

-Não parece tudo bem. Dá pra você finalmente voltar a ficar bem comigo? - Luke soltou, secamente.

-Parece que vir aqui falar comigo é um grande esforço da sua parte. - falei, já irritada - Eu não fiquei assim só por sua causa. Você faz parte de uma noite que eu quero excluir da minha memória. Aquela festa foi horrível em inúmeros sentidos.

Luke pareceu ficar um pouco mais atento ao que eu dizia depois de atribuir a culpa daquela noite a outras pessoas que não fossem ele. Suas sobrancelhas arquearam e ele tirou os fones do ouvido.

-Hazel mentiu pra mim naquela noite, desde então paramos de falar.

-Então ela também mentiu pra mim. Perguntei a ela umas semanas atrás o porquê de vocês não estarem próximas e ela disse que vocês estavam bem. Mudou de assunto.

-Não estamos bem. Ela provavelmente só disse isso pra evitar falar sobre nós. - baixei o olhar e suspirei, apoiando a cabeça em uma de minhas mãos geladas - Minha mãe foi pro hospital aquela noite também. Fiquei me sentindo culpada porque não atendi o telefone quando ela precisou de mim, porque eu estava naquela festa por causa de Hazel e não a ajudei quando ela passou mal em casa.

-E ela ficou bem depois disso? - Luke perguntou, estalando os dedos rosados das mãos compridas.

-Minha mãe morreu, Luke... Ela morreu.

O garoto parou de estalar os dedos e eu pude ver seus lábios se entreabrirem, surpresos. Enfim consegui captar um mínimo semblante de surpresa vindo de Luke depois de tantas expressões de convencimento. Ele não disse nada depois disso. Apenas estendeu suas mãos na mesa cinzenta em direção a mim, esperando que eu pusesse minhas mãos ali também. Não o fiz.

-E como você vai, Luke? - indaguei, mudando o assunto, asperamente.

Luke Warren encolheu suas mãos e endureceu sua expressão novamente. O espírito de complacência que havia baixado no corpo dele já fora embora.

-Voltei a vender maconha pros universitários. - assumiu ele, indiferente.

-Não sabia que você fazia isso.

-De onde você acha que eu tiro meu dinheiro? Não tem mesada pra mim lá em casa. Aqueles dois não me apoiam em nada. Eles nem sabem onde eu tô agora, se duvidar.

-Seus pais? - perguntei, com o coração acelerado por algum motivo.

-A única coisa que importa é que eu esteja lá na hora do jantar. Porra de jantar. Minha mãe todo dia com essa história.

-Ao menos você tem quem te faça um jantar e te espere no fim do dia. Nem isso eu tenho mais. - suspirei, amargurada pela virada inexplicável que minha vida tinha tomado em um intervalo tão curto de tempo.

Luke me encarou subitamente, logo desviando seu olhar frio outra vez. Ele sabia que eu estava certa sobre seus pais.

-Sai dessa vida de merda. Valoriza quem se importa com você. A gente perde as pessoas que ama e nem percebe... - balancei a cabeça negativamente, buscando algo a mais para dizer, mas não consegui.

Apoiei minhas mãos na mesa e me levantei, arrumando minha mochila nas costas. Saí da biblioteca naquela tarde sem me despedir de Luke Warren, e na volta para o Rich Motel, peguei uma chuva fina que deixou meu cabelo armado.

Passei no Wendy's que ficava perto do hotel e comprei um combo completo sem me importar com o tamanho do copo de refrigerante ou o quão cheio de óleo estaria o frango no meio do pão. Na verdade, eu não estava nem aí para nada naquele dia. Comi meu sanduíche jogada na cama do Rich Motel enquanto assistia The Young and The Restless no fim de tarde, assim como Lucy fazia comendo os bagels que eu levava para ela.

Antes de cair no sono aquela noite, pensei em como seria conversar com Griffin novamente no dia seguinte e senti meu coração aquecer. Não que eu tivesse uma queda por ele - aliás, nem eu sabia ao certo - mas algo na postura sensível daquele garoto galês o fazia ser singularmente charmoso. E esse sentimento me deixava mais disposta para voltar a viver por mim mesma. Talvez fosse pelo fato de eu estar finalmente começando a superar a falta de Lucy, começando a perceber que eu poderia me dedicar às minhas próprias vontades e anseios.

Apesar de ter dormido com o coração aquecido, ainda estava sentindo os mesmos arrepios gelados de quando entrei na biblioteca fantasmagórica do colégio. A temperatura da cidade parecia ter diminuído em questão de horas, e nem mesmo os dois cobertores e o aquecedor velho do Rich Motel estavam conseguindo deixar o quarto menos congelante naquela noite. Senti realmente que o frio invernal estava para chegar, e que não importaria quantos casacos e blusas eu usasse, o frio conseguiria me alcançar.


Notas Finais


Espero que tenham gostado! :)


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