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História Eu, Eu Mesma e Minha Ignorância - Nineteen


Escrita por: MadeixasNegras

Notas do Autor


Espero que gostem! :)

Capítulo 19 - Nineteen


Fanfic / Fanfiction Eu, Eu Mesma e Minha Ignorância - Nineteen

Estava indecisa sobre onde eu iria almoçar naquele domingo. Desci as escadas do Rich Motel observando a neve meio derretida na calçada, porque o céu estava azul e o sol tinha voltado a aparecer. Não estava tão frio quanto nos dias anteriores, apesar do vento incessante. Vi Gordon Richmond na recepção e me encolhi um pouco mais dentro da minha jaqueta felpuda. Teria que perguntar sobre as parcelas outra vez.

-Bom dia, Amielise. Como está? - Gordon perguntou, um pouco mais gentil do que o habitual.

-Bem. - franzi as sobrancelhas, meio hesitante.

-Ótimo, ótimo. E correu bem a mudança do sr. Carson hoje? - ele botou as mãos grotescas nos bolsos da calça de linho.

-Hoje?

-Isso mesmo, não era hoje que Derek e sua esposa iriam para Detroit? Detroit, certo?

Senti um pequeno tremor começar na ponta dos meus dedos e se estender por toda a minha mão, e logo meus braços. Minha respiração acelerou e minha voz falhou antes de falar.

-Sim, Detroit... O que ele te falou?

-Disse que o caminhão de mudança recolheria tudo no sábado, e que ele e a sra. Carson pegariam o voo no domingo pela manhã.

-Como... Como assim? Eu não consigo entender.

-Espere, venha aqui. - ele me guiou até o seu gabinete, onde eu perguntei das parcelas outra vez. 

Vi um casal sentado num dos sofás da recepção antes de entrar no escritório e Gordon fechar a porta. Ele se sentou na cadeira giratória atrás da escrivaninha e começou a falar, com as mãos cruzadas em cima de sua barriga enorme.

-Derek me avisou ontem mesmo de que havia feito um novo acordo com você, e que eu poderia ficar com o dinheiro das parcelas como pagamento.

-Isso não existe, não houve acordo nenhum! - disse, mais exaltada.

-Acho que está havendo um mal entendido. O sr. Carson me assegurou de que você concordou com tudo, e até te deu outra quantia de dinheiro.

-Mas é claro que não, eu nem ao menos sabia que eles iriam se mudar esse fim de semana!

Gordon Richmond me olhou por alguns segundos, com os olhos cerrados, talvez tentando avaliar se o que eu dizia era verdade.

-Bom, eu sinto muito pela situação, srta. Carson, mas eu não posso me desfazer do dinheiro.

Senti como se estivesse correndo água fervente dentro de mim e a bile subiu pela minha garganta. Eu precisava urgentemente de explicações e aquele homem não iria me ajudar em nada.

-É Silvermann, não Carson. Escute, eu exijo o dinheiro das parcelas agora mesmo.

-Então devo repetir que eu não irei dar dinheiro nenhum. Ele nem está aqui comigo.

Suspirei e tentei respirar fundo para não entrar em colapso, mas o ar dentro daquela sala tinha um cheiro acre e podre. O choro estava entalado na minha garganta e meu coração parecia a ponto de explodir, a sala parecia encolher a cada segundo e eu precisei me sentar para não perder o equilíbrio. Gordon Richmond se inclinou para frente, por cima da escrivaninha, e falou numa voz mais baixa.

-Você precisa mesmo de dinheiro? Poderia fazer uns favores pra mim então, não, docinho?

Levantei bruscamente da cadeira e tive que me controlar muito para não vomitar no assoalho de madeira daquela sala nojenta.

-Não! Não encoste em mim! Eu não vou passar nem mais uma noite nesse hotel de merda, seu porco! Não preciso do seu dinheiro sujo! - escancarei a porta do gabinete, gritando.

Gordon Richmond se levantou com as mãos levantadas, tentando apaziguar a situação, mas eu não queria ficar ali nem mais um segundo. Saí correndo da recepção, subi as escadas de dois em dois degraus e tranquei a porta do quarto. Recolhi tudo o que era meu e enfiei em minha mochila num prazo de poucos minutos. Não me importei em pegar nenhum dos alimentos que tinha comprado. Deixei todos ali, fora do frigobar, para que apodrecessem. Desci as escadas metálicas do Rich Motel voando, Gordon veio em minha direção quando eu subi em minha bicicleta com a mochila nas costas, e eu o ameacei aos berros.

-Não me encoste! Não me encoste ou eu chamo a polícia! Vá pro inferno!

Zarpei daquele lugar sem olhar para trás. A adrenalina me fez ficar zonza, sem saber para onde ir, sentindo que eu poderia desmaiar a qualquer momento. Por um tempo fiquei pedalando pelas ruas paralelas ao Rich Motel a esmo, tentando decidir para onde ir, o que fazer. Finalmente, parei numa rua residencial pouco movimentada e me sentei no meio fio. Apanhei o celular e disquei o número de Derek o mais rápido possível. Em todas as vezes que liguei, todas deram na caixa postal. 

Sentia uma necessidade imensa de gritar, mas não podia. Bati no meu próprio rosto várias e várias vezes, pensando em como eu era burra, estupidamente burra. Eu nem havia ficado hospedada naquela espelunca por uma semana, como era o trato. Paguei por isso, e ainda saí no prejuízo. Fiquei um bom tempo ali, sentada na calçada úmida, pensando em como a minha situação tinha ido de mau a pior em minutos. 

-Eu devia ter desconfiado. A mudança tava pronta, ali na minha cara. - pensei em voz alta, amargurada. 

E então uma onda de adrenalina percorreu meu corpo novamente quando lembrei das caixas que estavam na garagem. 

"O que Derek fez com elas? Jogou tudo no lixo?", pensei.

Só de imaginar essa possibilidade, meu coração doía. Resolvi voltar a Homer, e assim foi feito. Cheguei na frente da antiga casa de Derek por volta das duas da tarde, com o estômago roncando e doendo de fome. Mas a ansiedade e a angústia não iriam me deixar comer tranquila até que eu descobrisse uma solução para o que estava acontecendo.

Deixei a bicicleta apoiada no meio fio e andei mecanicamente até as caixas empilhadas num canto, perto do portão da garagem. Tudo ali, ao relento, sem proteção alguma. Minha visão embaçou e eu desatei a chorar. Pensando em como Derek poderia ser um pai tão desnaturado, em como Sally tinha deixado aquilo acontecer, e milhões de coisas inundaram a minha mente, me impedindo de racionalizar a situação. Sentei no meio fio - a única coisa que eu tinha certeza de estar fazendo - e chorei. 

A rua estava vazia. Não sei quanto tempo exatamente fiquei ali sentada. Percebi o céu escurecer um pouco mais e que um vento mais frio começara a soprar. Foi aí que eu enxuguei as lágrimas do rosto e respirei fundo, voltando a pensar. Pensei, pensei, e cheguei a conclusão de que ligar para Derek não adiantaria em nada. Eu estava completamente sozinha naquela situação.

Esfreguei as mãos e senti falta de luvas. A sorte - ou azar, não sei dizer - é que em minha mochila estava o par de luvas que Sally havia me dado no dia anterior. E aí, percebi que Sally tinha, inconscientemente, me ajudado muito. Olhei para a casa da frente e imaginei como seria a senhora que havia costurado as luvas de tricô, e se ela ajudaria uma estranha desesperada. Eu não tinha nada, absolutamente nada, a perder. 

Atravessei a rua e o quintal, e bati várias vezes na porta da frente. A casa, se fosse aquela mesmo, tinha uma garagem grande como a de Derek e uma grande árvore no jardim da frente. Crostas de gelo encobriam os galhos nus da árvore e eu fiquei imaginando como seria sentar debaixo da copa daquela árvore num dia de verão.

A porta se abriu e uma lufada de ar quente atingiu meu rosto, fazendo um calafrio percorrer meu corpo todo. Uma senhora de meia idade, de cabelos crespos bem curtinhos e um diastema enorme nos dentes superiores, sorriu para mim.

-No que posso te ajudar, criança? - sua voz era marcante.

-Queria saber se foi a senhora que costurou essas luvas de tricô. - estendi as mãos para frente e vi a mulher cerrar os olhos.

-Fui eu. Quer fazer um pedido? 

-Não, eu... - parei e pensei em como explicar a situação sem parecer confusa - A senhora conhecia Sally Carson? Ela morava na casa da frente, sou afilhada dela.

A senhora arqueou suas sobrancelhas finas e cruzou os braços, tentando entender algo do que eu estava dizendo. Seus olhos se fixaram no que havia atrás de mim, provavelmente vendo de longe as minhas caixas empilhadas.

-Conheço. Ela se mudou ontem junto com o marido.

-Sei disso. O marido dela é meu pai. Eles se mudaram e deixaram aquelas coisas pra trás. Aquelas coisas são minhas. Pensei que a senhora pudesse me ajudar.

-Eu? Posso saber o motivo? - ela parecia estar um pouco aborrecida.

-É que... - senti a vergonha me corroer por dentro, não pensei direito no que estava fazendo - Sally deu essas luvas de presente pra mim e disse que a senhora tinha feito, e que você era muito gentil, e eu pensei que fossem próximas. 

-Não tão próximas. - a mulher parou e comprimiu os lábios grossos - Quer guardar suas caixas na minha garagem, imagino.

-Se não for atrapalhar...

-Claro que não. Me ajude a carregar aquelas caixas para o meu lado da rua. 

Dentro de poucos minutos, antes que começasse a nevar novamente, a senhora me ajudou a carregar as poucas caixas pesadas para dentro de sua garagem. Percebi que não havia carro, nem muito a guardar. Deixamos minhas caixas empilhadas num canto e depois ela me convidou para entrar. A casa da mulher tinha um assoalho de madeira lustroso, um sofá enorme e várias peças de tricô espalhadas pela mobília. O termostato estava ligado e a televisão também, mas não identifiquei o canal.

-Qual seu nome, criança? - a mulher perguntou, voltando de dentro da cozinha com um copo d'água.

-Amielise Silvermann. 

-Sou Betty Lou Jones. - eu a entreguei o copo vazio e vi ela ir e voltar novamente de dentro da casa - Silvermann? Achei que seu sobrenome fosse Carson.

Seu andar era engraçado e inconscientemente ela andava com as mãos levantadas, meio como um t-rex faria, mas com classe e gingado. Betty Lou se sentou no sofá e pediu para que eu fizesse o mesmo.

-É o sobrenome da minha finada mãe, Lucy Silvermann.

-Entendo. Não sabia que Derek tinha filhos, ele nunca comentou nada e Sally também não.

-Eu não era próxima dele, morava com a minha mãe em Cortland.

-E posso saber o porquê de terem deixado suas coisas pra fora? Não foi junto com eles?

Não entrei no mérito de explicar os detalhes sórdidos, mas contei a história toda a Betty Lou. Disse que minha mãe havia morrido recentemente, que Derek era separado dela, que Derek havia me tirado de casa e me colocado num hotel, e que eu havia me recusado a me mudar com ele e Sally para Detroit. Betty Lou escutou tudo atentamente e esperou que eu terminasse para fazer seus comentários.

-Agora você está sozinha. Já sabe o que fazer?

-Não tenho a mínima ideia. 

Fiquei olhando Betty Lou, esperando que ela me desse uma solução ou um conselho, mas ela não disse nada disso. 

-Pois saiba, criança, que eu também não sei o que você pode fazer.

Meus lábios se entreabriram, a voz entalou na minha garganta e eu não pude dizer nada.

-Eu sinto muitíssimo por tudo o que te aconteceu, Amielise. Sinto mesmo. Você pode ficar aqui comigo e minha esposa por uns dias até resolver o que fazer. 

-Nossa, Betty Lou... É muita gentileza sua, mas... Não, não posso.

-Está bem. - Betty Lou se levantou e me olhou bem no fundo dos olhos - É uma oferta honesta. Já almoçou?

-Na verdade, não.

-Venha, vou te arrumar um prato. Tem algumas peças de frango no forno e milho cozido. - Betty Lou seguiu para a cozinha e pediu que eu fosse junto.

Não podia negar uma oferta daquelas, já que o pouco dinheiro que eu tinha não duraria muito tempo se eu quisesse comer. Betty Lou acabou se revelando uma anfitriã calorosa e passar um pouco daquela tarde junto a ela foi reconfortante. Comi até mais do que eu deveria para não ter que gastar com nada mais tarde. Fiquei pensando na maneira como ela tratou as coisas com muito mais naturalidade do que eu achei que fosse possível. Talvez ela não estivesse muito preocupada, ou talvez só lidasse com tudo de forma mais calma. 

Saí da casa de Betty Lou quase cinco da tarde. Uma neve fina caía e meu corpo estremeceu só de pensar que eu teria que ir embora de bicicleta, e como o céu escurecia mais rápido no inverno, mais depressa eu teria que pedalar. Meio boba, esperei que Betty Lou me dissesse algo como "não vá embora nesse frio, vou te chamar um táxi", mas ela não disse nada disso. Teria que lidar com a situação sozinha mesmo.

-Quando você estiver com problemas, me ligue. - Betty Lou me entregou um pedacinho de papel colorido com seu número - Vá com Deus, criança.

Agradeci por tudo, me despedi, e disse que logo em breve viria buscar as caixas. O trajeto até Cortland pareceu muito mais longo do que o habitual. Decidi ficar rondando pelo centro, perto da Main Street, onde era mais movimentado. Parei debaixo da fachada de um prédio comercial iluminado e fiquei apoiada num poste para não ter que sentar de novo na calçada úmida de neve. Chequei meu celular. Só havia uma notificação vinda de Griffin, me permiti esboçar um sorrisinho vendo isso. 

"Tinha até esquecido dele. Depois de tudo que me aconteceu...", pensei.

A notificação dizia que a mensagem tinha chegado ontem, sábado, dia 14 de novembro. Com tudo o que tinha acontecido, até o passar do tempo tinha ficado bagunçado para mim. Já estávamos no meio do mês e eu nem tinha visto todos aqueles dias passarem. Parecia que era ontem a segunda em que Lucy morreu, ou o sábado em que houve o enterro dela.

Guardei meu celular novamente e suspirei, olhando o movimento na rua. Não iria perder meu tempo ligando para Derek. Já tinha resolvido parte do problema, minhas coisas e as de Lucy estavam seguras. Conforme foi escurecendo, o medo de ter que passar a noite na rua aumentou consideravelmente e meu coração começou a palpitar. Lembrei de Betty Lou na mesma hora. A oferta que ela tinha feito era tentadora, mas além de eu não conhecê-la bem, não queria interferir na rotina dela. Ela era praticamente uma estranha e era muita, mas muita gentileza o que ela estava fazendo.

Afastei esses pensamentos mais uma vez e voltei a andar a esmo pelas ruas, até que avistei a fachada do New York Bagel. Sorri. Lembrei de Lucy e eu comendo bagels com cream cheese na noite do meu primeiro dia de aula. Fui até lá. Deixei minha bicicleta no apoio da calçada e entrei na loja, que estava relativamente cheia. Iria gastar meu dinheiro com algo bom e que me lembrava minha mãe. Enquanto escolhia de longe o que iria comprar, estiquei as costas e senti uma pontada de dor. Carregar aquela mochila por tanto tempo estava começando a fazer efeito.

E foi aí que eu vi minha sorte mudar. Vi Miles indo em direção à saída da loja com algumas sacolas cheias na mão. Ele me avistou e me cumprimentou antes que eu pudesse pensar em falar alguma coisa.

-Amie! Caramba, você aqui, bom te ver. 

-É, digo o mesmo. 

-O que vai pedir? Eu gosto muito do café daqui.

-Eu sempre peço os bagels tradicionais e compro cream cheese. Nunca pedi café.

-Ah, você tem que pedir, é sério. - Miles franziu as sobrancelhas e perguntou, com um ar de dúvida - Por que essa mochila nas costas? Hoje é domingo.

Prendi a respiração por um momento. Era a minha chance de ter um lugar para passar a noite.

-É que eu ia dormir na casa da Grace e acabou que não deu certo. Por isso a mochila.

-Não deu certo? Ora, mas... - eu o interrompi antes que minha oportunidade passasse.

-Acontece. Mas, sabe, eu podia dormir na sua casa pra não passar em branco. Vai fazer alguma coisa hoje à noite?

Miles piscou repetidamente algumas vezes e desviou o olhar, mas logo depois sorriu.

-Não tenho nenhum plano. Pode vir, vai ser divertido.

Suspirei e sorri, tremelicando os lábios. Miles andou em direção à saída e eu o acompanhei, até esquecendo dos bagels que ia comprar. Quando ele me perguntou se eu tinha desistido de comprar, ignorei e fiz a desfeita, dizendo que tinha perdido a vontade. Meu entusiasmo era tamanho que até minha fome tinha passado. 

Saímos do New York Bagel conversando fiado, e eu sentia como se estivesse flutuando. Por algumas horas, todas as minhas angústias sumiram. O que importava era que Miles tinha me salvado naquela noite sem nem ao menos imaginar. Lembrei, na verdade, que ele não sabia de nada até hoje. Para ele, minha mudança de comportamento tinha sido aleatória, talvez por conta do meu desentendimento com Hazel. Naquele momento, nem Hazel importava mais. Miles me tirou dos meus devaneios quando já estávamos na esquina da quadra.

-Amie, esqueci de te dizer que eu moro longe. Tipo, depois do Suggett Park.

-Lá perto do Hyde's Diner? 

-Lá perto. Espero que não se importe de andar. Eu faço caminhada pra vir aqui na Main Street porque já sou acostumado.

-Não tem problema... - disse, sorrindo e sentindo minha cervical queimar de tanto carregar a mochila e minhas pernas moles de tanto pedalar para cima e para baixo naquela cidade.

Sabia mais ou menos para onde estávamos indo. Ficava perto da minha casa antiga, na Banks Street. Fosse em outra situação, eu chamaria Miles de idiota por andar toda aquela distância a pé num dia de neve só para comprar um bagel. Mas eu não podia reclamar. A sorte estava totalmente ao meu favor.


Notas Finais


Espero que gostem! :)


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