1. Spirit Fanfics >
  2. Eu, Eu Mesma e Minha Ignorância >
  3. Twenty Two

História Eu, Eu Mesma e Minha Ignorância - Twenty Two


Escrita por: MadeixasNegras

Notas do Autor


Espero que gostem! <3

Capítulo 22 - Twenty Two


Fanfic / Fanfiction Eu, Eu Mesma e Minha Ignorância - Twenty Two

Era por volta das seis da tarde quando Miles empurrou a porta do quarto com o pé, com as duas mãos ocupadas por canecas cheias de chocolate quente, e pediu que eu o ajudasse.

-Nossa, Miles, não precisava disso tudo! - exclamei, ao pegar uma das canecas e ver inúmeros mini marshmallows boiando na bebida.

-Precisava sim, eu faço isso todo dia. E a gente precisa de açúcar pra se manter acordado estudando inequações. - disse Miles, sentando ao meu lado.

Desde que havíamos chegado, Miles e eu estávamos nos dedicando a estudar o máximo que conseguimos para o teste de álgebra da semana seguinte. A gente até que estava sendo produtivo, considerando que poderíamos estar brincando com a neve do lado de fora da casa ou assistindo filmes ou fazendo qualquer outra coisa divertida. Qualquer coisa que não fosse estudar matemática aplicada. 

-A gente tá terminando? - perguntei, folheando um dos livros em cima da cama.

-Não sei, o sr. Campbell nem especificou o que vai cair. A gente tem que adivinhar qual parte da porra da álgebra que vai estar no teste. - Miles resmungou.

Soltei um grunhido alto exalando todo o tédio e insatisfação que eu estava sentindo no momento, deitando de forma desajeitada na cama de Miles.

-Você vai amassar meus livros, Amie. - ele falou, rindo da minha postura.

-Eu só queria terminar o ensino médio e nunca mais ter que entrar naquele colégio na minha vida. É demais pedir isso? - olhei para ele, sendo totalmente sincera.

-Ah cara, acho que a gente vai sentir falta. - Miles tomou um pouco do seu chocolate quente e se acomodou um pouco mais - É o que dizem por aí, os caras que vão pra faculdade.

-Eu não quero ir pra faculdade. - confessei, encarando o teto.

-Não? O que sua mãe acha disso? - Miles me olhou genuinamente surpreso.

Mordi os lábios e pensei na opinião que Lucy tinha sobre isso. Ela queria que eu fosse para a faculdade, queria que eu fizesse o SAT e tudo o mais, e eu a entendia perfeitamente. Mas eu, particularmente, não havia achado minha vocação e muito menos uma motivação que me fizesse querer estudar por anos sobre o mesmo assunto. Nada me atraía. Uns queriam fazer medicina, economia, direito. Eu não queria nenhuma opção que me apresentavam.

-Ela não acha nada. - disse, séria - E eu só quero começar a trabalhar e ganhar meu dinheiro. Ir pra faculdade é um processo longo demais só pra no final você ganhar um diploma. Qualquer um tem um diploma. 

-Não se trata do diploma. Você conhece gente nova, gente que vai fazer parte da sua vida pra sempre, vai em festas, é uma super experiência. E aí, se você estudar um pouco, de bônus recebe um diploma pra você exercer sua profissão. - Miles parou por um momento, e depois continuou - Ainda não decidi meu curso, mas quero ir pra faculdade.

-Aqui em Cortland?

-É, quem sabe. Dependendo da minha carta de recomendação talvez eu consiga alguma coisa em Nova York. O que você acha? 

-Acho que você pode conseguir o que você quiser. - disse, sem me dar conta da fala motivadora clichê.

Miles era bem otimista e falava das coisas com muito entusiasmo, mas eu tinha medo que ele se decepcionasse, porque no fim das contas as coisas não eram tão fáceis como ele havia descrito. Depois dessa conversa, decidimos encerrar os estudos e continuar outra hora. Nenhum de nós dois aguentava mais ver números. Passamos o início da noite falando besteiras e rindo, assistindo televisão. Mais tarde, perto das oito, Cathy se aproximou e disse que iria pedir comida chinesa, entregando o encarte do restaurante para Miles.

-Você curte? Já pediu do China City?

-Sim, gosto muito, mas faz tempo que não peço. - falei, analisando as opções do folheto.

-Eu sempre peço alguma coisa com frango, tipo arroz frito. 

Não demoramos muito para escolher, e dali meia hora já estávamos comendo. Eu e Cathy pedimos macarrão - ela, de camarão, e eu, de vegetais - e Miles pediu o arroz frito com frango. A comida era ótima e eu fiquei feliz de finalmente comer algo diferente do habitual. Nós ficamos um tempo assistindo o noticiário local depois de comer. A meteorologista afirmou que nas próximas semanas a neve ia diminuir e talvez teríamos alguns dias de sol fraco, mas as temperaturas continuariam baixas até janeiro.

-Eu não aguento mais sentir frio. - falou Miles, com os braços cruzados.

-Eu só queria que parasse de nevar. - completei - Assim as ruas não ficariam congeladas.

-A neve atrapalha um pouco as coisas, não é? - Cathy comentou, me olhando - Mas nós conseguimos tirar proveito dela. 

Fiquei pensando sobre a fala de Cathy depois que saí da sala de estar, em direção ao quarto de visitas. Eu queria saber tirar proveito da neve, mas ela não me trazia nenhuma vantagem. A neve só parece divertida quando você é criança ou não depende de si mesmo para ir nos lugares. 

"Se andar de carro no inverno é difícil, imagine tendo que ir pros lugares de bicicleta", pensei.

Depois de tomar um banho demorado e vestir um casaco mais grosso, voltei à sala de estar perto do horário de ir para a cama. Vi Miles sentado em frente a lareira, aparentemente tentando se esquentar, apesar de o termostato estar ligado numa temperatura média. Andei até ele e me sentei ao seu lado, com o olhar preso nas brasas da lareira. Era hipnotizante olhar a madeira queimando e o fogo vermelho vibrante dançando, fazendo tudo crepitar. 

-Eu ficaria aqui a noite toda, se pudesse. - Miles me olhou, apoiando o queixo com uma das mãos.

Apenas sorri e senti um arrepio correr meu corpo por conta do calor das brasas. Não sentimos muita necessidade de conversar. Era um momento de contemplação antes de irmos dormir. Fui antes de Miles, desejando uma boa noite. Não demorou muito até eu pegar no sono, minha sensação de cansaço era ininterrupta e eu sentia que poderia dormir em qualquer lugar que eu encostasse. Estar constantemente deprimida era cansativo. 

Acordei de madrugada bem abruptamente, um pouco antes de amanhecer. Sentei na cama com a mão no peito e a respiração pesada, recobrando os sentidos, com o suor escorrendo por dentro das minhas roupas. Havia sonhado com Lucy, pela primeira vez desde o enterro. Não fazia nem um mês da morte dela e para mim parecia que havia passado anos. Saí da cama e andei pelo quarto, tentando me acalmar. Parei perto da janela e abri a cortina, vi que o céu estava de um azul escuro opaco, e que ainda havia neve no quintal, mesmo que mais fina.

O sonho tinha sido breve, mas aterrador o suficiente para não me deixar dormir de novo. Sonhei que entrava em casa, antes de tudo acontecer, e subia as escadas para ir até o quarto de Lucy. Eu ouvia ela me chamar de dentro do quarto, e quando eu tentava abrir a porta, não conseguia. Minhas mãos escorregavam insistentemente, e Lucy ia falando mais e mais alto, até gritar, mas eu não entendia o que ela dizia. Até que eu chutei a porta e me deparei com um quarto todo escuro. Quando liguei o interruptor, vi a lápide de Lucy no lugar da mobília, e gritei. 

Não consegui lidar com aquilo, tinha sido muito real. Demorei uns minutos até me acalmar, e vi que ainda faltava mais de meia hora para o horário de Miles acordar. Saí do quarto o mais silenciosamente que pude, e me deparei com a casa vazia e escura, como se um filtro azul escuro estivesse cobrindo tudo. Voltei para o quarto e pensei no que fazer. Dormir outra vez eu não conseguiria, então resolvi tomar meu banho e sair de casa mais cedo. Não queria encontrar com ninguém, queria ficar sozinha. 

Terminei de me arrumar quando eram seis horas. Já havia clareado o dia, apesar do céu nublado. Saí do quarto novamente e pensei se deveria mandar uma mensagem para Miles explicando o ocorrido ou deixar um bilhete, mas no fim das contas, num momento de loucura, fui até o quarto dele. Abri a porta lentamente, com um rangido, e vi que ele ainda dormia. Por uns minutos fiquei ali parada, pensando se eu devia ou não acordá-lo, ou se eu simplesmente deveria ir embora, até que resolvi fechar a porta e ela rangeu mais alto. Miles rapidamente levantou os olhos e me viu.

-Amie? O que foi? - ele perguntou, com a voz embargada de sono.

-Desculpa, eu não queria te acordar.

-Aconteceu alguma coisa? - Miles se sentou na cama, com os olhos entreabertos.

Entrei de vez no quarto, meio sem graça, e me aproximei dele.

-Não, eu tô bem. Eu só queria te avisar que vou mais cedo pro colégio hoje. Tipo, agora.

-Mas... Por quê? - ele parecia ter despertado um pouco mais.

-Ah... Eu tô meio deprimida hoje e queria passar um tempo sozinha antes das aulas. Venho pensando muito sobre meus pais ultimamente e... É só isso mesmo. - senti minha voz falhar e logo algumas lágrimas embaçaram minha visão.

-Sinto muito por isso. - Miles falou, esfregando os olhos - Você quer um abraço ou algo assim? 

Ergui os ombros e abri um sorriso amarelo. Miles se levantou e me abraçou suavemente. Senti seu queixo apoiado em meu ombro e me senti um pouco melhor pela compreensão dele. 

-Não vai sem comer alguma coisa. Não sei se Cathy já acordou, mas se não, pegue alguma coisa na dispensa. - ele disse, depois de se deitar novamente.

Assenti e saí do quarto rapidamente, assim como saí da casa depois de pegar alguns biscoitos de um pote no balcão da cozinha. Apanhei a chave no chaveiro de Cathy, tranquei a porta por fora e depois a deixei no parapeito da janela de Miles, onde ele pudesse ver. 

O tempo continuava frio, apesar de a neve realmente ter diminuído, mas andar de bicicleta pelas ruas congeladas do Centro não foi fácil. Por faltar muito tempo para a primeira aula, passei no New York Bagel e comprei um café com leite para complementar os biscoitos. A loja estava vazia e eu pude aproveitar um pouco do ar quente que circulava lá dentro. Fiz o trajeto até o colégio tentando esquecer meu pesadelo a todo custo, mas a imagem da lápide de Lucy não saía da minha cabeça. 

Assim que deixei minha bicicleta na parte coberta do pátio, avistei um rosto familiar andando em direção ao corredor dos armários. O colégio ainda tinha poucas pessoas, mas pude reconhecer que era Noah Reynolds pelos cabelos loiros brilhantes. Corri até ele e puxei a manga de seu casaco preto.

-Oi, Noah! - sorri, ao lado dele.

-Amie! Bom te ver, como andam as coisas? - Noah sorriu de volta e logo nós começamos a andar juntos pelo corredor principal.

-Ah, tô indo. Altos e baixos. 

-Mesma coisa. Essa neve me deixa meio chateado, queria que o ano todo tivesse sol.

-Te entendo, eu também detesto a neve.

Noah e eu conversamos sobre as estações do ano e feriados até o sinal da primeira aula bater. Fiquei decepcionada por não ter conhecido Noah antes daquele ano, e por ele ser do Senior Year. Se a gente não mantesse contato depois do fim do ano, eu não o veria mais. Depois que Noah se afastou, fui procurar por Miles, mas não o avistei mesmo quando o corredor principal já estava lotado de gente. Na terça-feira nós não tínhamos aulas juntos, então provavelmente eu só o veria no almoço. 

Felizmente, uma das minhas primeiras aulas era literatura, ou seja, eu iria ver Grace. Eu não via ela há um tempo já, e queria contar as novidades (provavelmente desabafar). De fato, assim que entrei na sala de inglês antes do sinal bater, vi Grace sentada na primeira carteira, de frente para o quadro, como ela costumava fazer. 

-E aí, Grace? - perguntei, sorrindo, ao sentar atrás dela.

-Oi, Am. Como você tá com esse tempo frio? Sei que você odeia. - ela gargalhou.

Grace realmente sabia como me animar. Almocei com ela naquele dia e conversamos sobre um monte de coisa aleatórias e engraçadas, meio irrelevantes, mas que me fizeram sentir um pouco melhor. No último horário, a nossa turma de francês foi mandada para a biblioteca porque o sr. Moreau havia faltado, e eu e Grace aproveitamos a deixa para botar a conversa em dia mais uma vez. Antes de escolhermos uma mesa mais afastada dos outros, Grace pegou um livro qualquer de gramática da estante de línguas estrangeiras. 

-Isso é pra sua consciência não pesar? - comentei, rindo.

-É pra eu fingir que tô fazendo alguma coisa. 

Sentamos numa das mesas próximas das vidraças que davam vista para a quadra externa. A biblioteca estava até silenciosa considerando a quantidade de gente que estava por ali. 

-Mas me diz, como é que tá? De verdade, agora. - ela disse, num tom de seriedade, cerrando os olhos. 

Baixei o olhar e apoiei a cabeça numa das mãos, pensando por onde começar.

-Ah, você sabe... Tá sendo bem difícil. Achei que tava superando aquela coisa toda mas é mais difícil do que eu achei que seria. Hoje eu tive um pesadelo com a morte da Lucy e... - suspirei, tentando evitar o choro.

Grace não disse nada, só me encarou, esperando que eu continuasse. Falei sobre Derek ter me deixado para trás sem dinheiro e minhas coisas ao relento, sobre o Rich Motel e os perrengues que passei lá, e brevemente falei sobre Betty Lou, só por cima.

-Aí eu tô ficando na casa do Miles desde o dia que o Derek foi embora.

-E como ele ficou quando você contou da sua mãe?

Parei por um momento e prensei os lábios, sentindo o coração acelerar.

-Eu não contei.

-Você o quê? - Grace arregalou os olhos - Como assim, ele não sabe de nada?

-Não! - bati as mãos no rosto e me senti uma pessoa horrível, passando meu melhor amigo para trás - Eu sei que preciso contar mas não acho um momento certo nem como contar, e eu não sei como ele vai reagir... Eu pedi pra ficar na casa dele no domingo à noite e inventei uma história dizendo que eu ia ficar na sua casa mas não deu certo, e segunda eu dormi lá porque nós ficamos estudando, mas ele acha que minha mãe sabe de tudo. Ele acha meus pais só são separados.

Grace apenas me olhava com desaprovação, mas ao mesmo tempo compadecida sobre a minha situação. 

-Grace... O que eu faço? - senti a respiração pesar e uma lágrima escorrer pelo meu rosto.

Era impossível segurar o choro com os fatos sendo expostos daquela forma. Eu havia inventado coisas convenientes e nem havia pensado nas consequências, e ali, desabafando com Grace, eu percebi a gravidade de tudo. Uma hora ou outra eu precisaria contar tudo a Miles. 

-Amie, a única coisa que você precisa fazer é contar pro Miles. É sério! Você só vai saber a reação dele quando ele souber. - Grace estendeu as mãos até as minhas, e as segurou - Sendo bem franca, eu não posso te abrigar na minha casa, mas eu tenho certeza que Miles vai entender e vai te ajudar. A gente gosta muito de você e não vai te abandonar. 

Enxuguei minhas lágrimas e respirei fundo, racionalizando a situação e pensando sobre os conselhos de Grace.

-E você falou dessa mulher que deixou suas coisas na garagem dela, ela te ofereceu abrigo. Se você precisar muito, não negue. Até as coisas melhorarem, pelo menos.

Pensei em algo para responder, mas nada parecia sensato o bastante. Percebi que Grace ia falar outra coisa, mas foi interrompida quando vimo Luke Warren se aproximar da nossa mesa. Ele não precisou dizer nada para que Grace levantasse e se retirasse. 

-Fica bem, tá? - ela disse, antes de sair. 

Voltei o olhar para um Luke com olheiras fundas e cabelos um pouco mais curtos e desajeitados enfiados pela metade numa touca escura. Ele se sentou ao meu lado com um semblante singelo, com o típico casaco de lona todo amassado. Apesar das olheiras, o verde dos seus olhos não tinha perdido o brilho. Meu coração acelerou e me senti ansiosa por estar ao lado dele.

-Como você tá? - Luke perguntou, cruzando os braços.

-Tô indo. Não tem muita coisa que eu possa dizer. 

-Hum. - ele parou por um momento, fitando a mesa, e continuou - Acho que você ia gostar de saber que eu parei com os esquemas.

Luke conseguiu toda a minha atenção com esse comentário. Se fosse mesmo o que eu estava pensando, eu me sentiria mais aliviada. Felizmente, era.

-De revender? Mesmo?

-É. - ele sorriu, genuinamente - Arrumei um trampo aí.

-Você não tinha que fazer isso por mim, e sim por você mesmo. Você sabe, porque eu te falei aquele dia, aqui mesmo na biblioteca.

-Eu sei. Pensei sobre muita coisa. Você ajudou nisso. - Luke estendeu sua mão fria e segurou a minha.

Não consegui evitar de sorrir nesse momento. Luke tinha acatado os meus conselhos. Acho que ele considerou isso uma forma de se redimir pelas besteiras que tinha feito antes. Só de lembrar, meu coração se enchia de angústia. Eu pensava que, para que as coisas pudessem de fato melhorar com relação a ele, esse episódio da festa tinha que se encerrar de vez. Quer dizer, para ele já estava encerrado, mas eu ainda me sentia mal. Na verdade, nem sei se algum dia eu deixaria de me ficar mal.

-Sabe, eu... - soltei a mão dele e passei minhas mãos em minha calça jeans, tentando me desfazer do suor - A Hazel me contou uma fofoca sua e eu fiquei puta porque, sei lá, eu odeio fofocas.

-Sobre o que ela mentiu dessa vez?

-Ela saiu espalhando que a gente ficou na festa do Carter, sendo que foi ela que fez isso com ele. Quer dizer, não sei se foi ela que inventou, mas ela que me contou. 

Fiquei envergonhada de contar o resto do boato. 

-Essa garota me irrita, mano. O que custa ficar calada?

-Mas a questão não é ela, é a festa. Essa festa é um trauma.

O olhar gentil de Luke se desvaneceu e ele alterou totalmente o semblante. Ficou incomodado em questão de segundos.

-Essa festa, de novo? Amie, eu já te falei que sinto muito... - eu o interrompi.

-E eu já entendi, é que... - eu suspirei e passei as mãos no rosto, me contorcendo por ter que falar sobre isso de novo - Eu já te perdoei, vi que você também se sente mal, mas é um monte de merda que aconteceu numa noite só, e eu me sinto horrível falando sobre isso e ao mesmo tempo eu queria tirar isso do meu peito. É tanta coisa.

Ficamos em silêncio por alguns segundos, até que Luke se levantou e me puxou. Achei que ele fosse me dar um abraço ou algo do tipo, mas ele só andou em direção à saída da biblioteca, querendo que eu o acompanhasse. E eu fui. Não tinha nada a perder. Àquela hora, no fim de tarde, as aulas tinham acabado de terminar e um vento frio soprava do lado de fora do colégio. Luke pegou sua mochila num canto do corredor perto da biblioteca e eu só coloquei a minha nas costas. 

Assim que saímos do colégio, percebi que Luke tirou uma chave de carro do bolso e destravou as portas da picape verde escura de Carter. Entramos no carro - eu, ansiosa a ponto de estar difícil respirar - e Luke deu a partida. Havia parado de nevar quando entramos na Main Street, e eu me perguntava para onde Luke estaria me levando. Resolvi quebrar o silêncio, visto que o rádio não estava ligado.

-Achei que esse carro fosse do Carter.

-Era, mas ele me vendeu. O puto ganhou um do papai. 

De fato, a picape não tinha mais cheiro de cigarros impregnado nos bancos ou manchas de sujeira no teto. Optei por fazer uma surpresa a mim mesma e deixei que Luke me levasse onde ele quisesse. No meio do caminho, lembrei que tinha ficado tão anestesiada por Luke que havia esquecido completamente da minha bicicleta. Logo mandei uma mensagem para Miles pedindo que ele levasse minha bicicleta para a casa dele, porque eu iria pegá-la mais tarde. 

Tive um déjà vu quando entramos na Clinton Avenue, em direção à rodovia interestadual, lembrando do dia em que fomos ao Wendy's. Se eu tivesse lembrado disso antes, ficaria bem óbvio para onde ele estaria me levando. Luke estacionou na frente de um McDonald's e nós descemos, lutando contra o vento frio até entrarmos na loja quentinha. Não havia muita gente. Luke perguntou o que eu queria, e eu não estava com fome, então só pedi um milkshake de baunilha. Ele optou por uma Coca-Cola grande e uma porção de fritas pequenas. Resolvemos comer no carro.

-Você tem tara em levar as pessoas em fast-foods? - comentei, dando uma risadinha irônica.

-Talvez sim. Até o momento eu só levei você. - ele olhou bem dentro dos meus olhos, e mesmo sem querer, me senti um pouco intimidada - Como você tá lidando com a parada da sua mãe?

"Todo mundo me pergunta isso. Eu não aguento mais falar sobre luto, que inferno", pensei, amargurada.

Só depois percebi que falei em voz alta. Luke ergueu um pouco as sobrancelhas e continuou comendo suas batatas.

-Imagino que bem, então.

-Foi mal, eu não queria ter sido grossa, mas é chato ter que lembrar disso toda hora. Eu só queria esquecer que minha mãe morreu pra poder passar por cima disso logo, sabe?

Ele assentiu depois de tomar um gole do refrigerante. Luke batucava os dedos da mão desocupada no volante, criando um ritmo próprio.

-Eu fui meio idiota, te trouxe aqui justamente pra você esquecer disso e acabei perguntando. - ele sorriu, me olhando - Mas eu queria saber se você tá bem. Tirando a cagada que eu fiz.

-Atualmente eu não tenho onde ficar. - olhei pra ele, com os lábios prensados, com um sorriso - Tô ficando no Miles todo dia dando uma desculpa diferente. Meu pai se mudou com a esposa dele e me deixou pra trás. No momento minhas coisas tão na garagem de uma mulher praticamente estranha, eu tenho menos de cem dólares no bolso e não sei o que fazer. 

-Você pode ficar nos fundos da minha casa, eu te pago umas coisas, sei lá, a gente inventa.

-Luke, isso é sério, eu não quero ninguém me bancando.

-Você não tem muita escolha considerando tudo isso aí que você acabou de falar. Engole o orgulho e aceita. - ele argumentou, amassando o papel das fritas depois de acabar.

-Eu vou ficar revezando na casa de um e de outro até quando? - balancei minha cabeça em negação, sentindo a raiva arder o meu peito - Por que isso tinha que acontecer? 

Luke largou o volante e pendeu na minha direção, com a mão em meu ombro, e falou num tom otimista que eu não achei que ele pudesse ter:

-Eu já falei que a gente vai inventar um jeito. Você vai improvisando até achar alguma coisa, eu vou te ajudar. - Luke se aproximou um pouco mais e continuou, num tom mais baixo - Vai dar tudo certo.

Nesse momento, pensei que meu coração fosse sair pela minha garganta e minhas pulsações estivessem num auto-falante, de tão intensas. Luke pousou sua mão em meu pescoço e me beijou suavemente, esperando que eu retribuísse. Deixei meu milkshake de lado pela metade e o fiz. Eu já tinha beijado antes, não era novidade para mim. Mas fazia toda a diferença você estar beijando uma pessoa que você realmente quer beijar, e nessa hora, tudo realmente parecia certo. 

Luke e eu ficamos de beijos e romantismo por tempo suficiente até que o meu milkshake derretesse e molhasse o tapete do carro. Enquanto ele passava a mão pelos meus cabelos e segurava a minha mão, eu me senti quase que totalmente bem. Lá no fundo, eu sabia que nós dois queríamos que esse momento chegasse desde quando ele conversou comigo na garagem de Carter. Parecia que estava tudo certo, que minha vida estava resolvida e que eu não teria que me preocupar com um lugar para passar a noite. Mas era um sentimento temporário, assim como o de Luke por mim. Quer dizer, eu achava. 


Notas Finais


Espero que tenham gostado! :)


Gostou da Fanfic? Compartilhe!

Gostou? Deixe seu Comentário!

Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.

Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.


Carregando...