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História Eu, Eu Mesma e Minha Ignorância - Seven


Escrita por: MadeixasNegras

Notas do Autor


Espero que gostem! :,)

Capítulo 7 - Seven


Fanfic / Fanfiction Eu, Eu Mesma e Minha Ignorância - Seven

Só se ouvia o barulho dos pneus da minha bicicleta no asfalto úmido da South Main Street naquela noite de Halloween. Eu pedalava o mais rápido que podia para chegar em casa e encontrar minha mãe ainda acordada, e pedalava mais rápido ainda para me afastar ao máximo de Luke Warren, Hazel Smith e Carter Lewis. 

Abalada era pouco para me descrever depois daquela festa. Arrependimento era pouco para expressar o que eu sentia. Eu poderia ter ficado em casa com Lucy ao invés de gastar meu tempo indo até aquela maldita festa, porque Hazel conseguiria muito bem se cuidar sozinha - ou melhor, se cuidar nos braços de Carter. Pobre Miles, não fazia ideia de que sua mais nova namorada havia o traído com o mais imbecil e desprezível de todos os garotos que ela poderia tê-lo feito. 

Meus pensamentos estavam ainda a mil quando cheguei em casa, lá pelas onze horas. Estava muito tarde e Lucy iria gritar comigo por ter chegado àquela hora. Inadmissível. Mas, para a minha surpresa, as luzes não estavam acesas na sala de estar. Franzi as sobrancelhas, imaginando que ela já tivesse ido dormir.

-Melhor assim. - disse a mim mesma, girando as chaves na fechadura.

Entrei em casa e, de fato, não vi ninguém. Acendi as luzes e me joguei no sofá da sala, exausta e incapaz de produzir mais um pensamento sequer a respeito do que Hazel havia feito. Fiquei imóvel no sofá, encarando o teto branco da sala de estar por um tempo, apreciando o silêncio absoluto que havia se instalado na casa. 

-Quieto até demais... - comentei comigo mesma, me sentando no sofá cheio de almofadas.

Resolvi que iria tomar banho para tentar esvaziar minha mente da festa de Halloween, e depois iria checar se Lucy estava bem. Subi as escadas enquanto tirava meu casaco de lona, depois entrei no banheiro e trabalhei um bom tempo tirando as manchas pretas de lápis do rosto. Tentei fazer o mínimo de barulho possível para não atrapalhar o sono de Lucy. 

Quando terminei de tomar banho, enrolei meu cabelo e corpo nas minhas duas toalhas mais felpudas e saí do banheiro. Por sorte, a casa não estava tão fria, apesar do vento gelado que soprava do lado de fora. Fui para o meu quarto, ainda pingando água quente, e fui checar meu celular. Estava apagado, e foi então que me lembrei do que Luke disse sobre a bateria. Pluguei meu celular antiquado no carregador e o vi acender. De fato, como Luke havia dito, havia mensagens na caixa postal. Enquanto me vestia, deixei as mensagens correrem.

-Oi, Amie! É o Miles. Só queria ver se a gente pode se encontrar essa semana pra conversar sobre... Bem, você sabe! - Miles riu, animado com algo que provavelmente não chegaria a acontecer - É isso. Tchau!

Parei, depois de ouvir a mensagem de Miles. Suspirei e passei para a próxima mensagem.

"Pobre Miles". Era tudo o que eu conseguia pensar. Embora não fosse pelo motivo inicial, eu iria me encontrar com ele na próxima semana. Tinha que contar o que aconteceu naquela festa. Mas, antes, eu teria que conversar com Hazel. 

-Filha, como você está? - a mensagem seguinte era de Lucy, e foi mandada um pouco antes das dez horas, provavelmente no momento em que Luke e eu estávamos nos espacando - Só mandei isso pra te dizer que tá tudo bem. Não precisa responder agora, aproveite, ouviu bem? 

Ouve um chiado. Sorri, enquanto vestia minha calça larga do pijama, e passei para a penúltima mensagem. Também era de Lucy, e tinha sido enviada meia hora depois da anterior. 

-Am, tenho certeza de que você está se divertindo e tudo o mais, mas você poderia vir mais cedo pra casa? Não sei se estou me sentindo bem. Talvez sejam só gases, mas eu me sentiria melhor com você aqui. - Lucy respirou pesadamente - Vem logo pra casa.

Parei, pensativa. E fiquei em silêncio por uns minutos, tentando entender. Tive a impressão de que a última mensagem me daria uma luz. 

-Amie, estou chamando a emergência, não estou bem... - houve um barulho estridente, como o de estilhaços, e a respiração pesada de Lucy - Tomei alguns analgésicos, mas não entendo... Você não quer atender, atenda, por favor!

Pausei a mensagem. Minha mente tinha passado de um estado de calmaria para o completo caos. A última mensagem havia sido enviada há poucos minutos depois da penúltima, e se eu conhecia Lucy Silvermann, ela tinha demorado para admitir para si mesma que estava passando mal. Continuei.

-Acho que vou para aquele hospital que fica perto de casa, não demore, por favor...

Novamente, o chiado.

-Seu correio de voz está vazio! - a voz eletrônica informou.

Foi tudo tão rápido que eu não consigo me lembrar ao certo. A primeira coisa que fiz foi bater a porta do quarto de Lucy com força e acender a luz. Apenas travesseiros e cobertores amassados na cama, e um copo de vidro caído no chão. Os cacos estavam espalhados por todo o chão, perto de uma cartela de analgésicos, e o piso de tacos de madeira do quarto estava molhado. Enquanto eu descia as escadas correndo, vestindo o primeiro casaco que vi pela frente, eu pensava no que teria feito Lucy passar mal a ponto de ser levada por uma ambulância. Gostaria muito de acreditar que os analgésicos não tinham sido um pedido de ajuda desesperada. 

Perto da meia-noite, lá estava eu, pedalando pela vida de minha mãe em plena West Main Street, vazia e escura àquela hora da noite. A única coisa que eu tinha pego antes de sair de casa foi o meu celular e minha ID. Nem ao menos de roupa eu troquei, apenas saí com minha calça azul larga e meus chinelos cor-de-rosa, com o coração batendo tão rápido que achei que eu fosse precisar de uma ambulância. 

Quando eu estava perto de chegar ao Cortland Regional Medical Center, algumas quadras longe de casa, as luzes claras dos refletores fizeram meus olhos arderem. Não havia ninguém na rua, apenas dentro da recepção - e não eram muitos quando cheguei. Deixei minha bicicleta perto da recepção, do lado de fora do hospital, depois de pedalar tremendo de frio e de medo pelas ruas escuras do centro da cidade. Apenas uma mulher negra de lábios carnudos e brilhantes estava na recepção àquela hora, e não havia muita gente esperando para ser atendida para os parâmetros de um hospital geral. 

Tentando controlar minha respiração, me apoiei no balcão frio da recepção e recebi um olhar apático da enfermeira, que vestia uma típica túnica verde clara de hospitais, o que deixava tudo mais frio e impessoal. A enfermeira - ou, como se lia em sua identificação, enfermeira Suzanne Fields - tinha óculos com armações grossas e lentes que deixavam seus olhos enormes. Suas sobrancelhas bem feitas estavam totalmente retas e não demonstravam nenhum tipo de empatia pelo meu desespero àquela hora da noite.

-Preciso ver minha mãe, por favor. - disse, ofegante - Lucy Silvermann.

-Identificação, por favor. - falou a enfermeira Fields, aparentemente acostumada a dizer aquela frase todo santo dia.

Entreguei a ela, com as mãos tremelicando, minha ID. Suzanne digitou poucas vezes olhando para a tela pequena do computador obsoleto à sua frente e voltou seu olhar para mim.

-Lucy Silvermann, 45 anos, natural de Leicester, Inglaterra? 

Confirmei os dados, assentindo brevemente. Geralmente, era de se esperar que desconhecidos se surpreendessem com o fato de que minha mãe fosse estrangeira e não tivesse sotaque britânico, mas para Suzanne Fields, era algo banal. Eu já tinha me acostumado, mas observando a reação da enfermeira, me veio na cabeça que realmente minha mãe era surpreendente. E só ali, naquela recepção do hospital geral de Cortland, eu percebi que ela nunca tinha dito uma só palavra sobre seu passado em Leicester, ou onde quer que fosse. 

-A sra. Silvermann deu entrada por volta das dez e quarenta com um quadro grave de arritmia cardíaca, mas não foi constatado que seria um pré-infarto. Foi direto para a internação e aqui consta que ela estava realizando alguns breves exames há pouco tempo. 

-Espere, internação? Não temos plano de saúde. - disse, tamborilando minhas unhas no balcão frio da recepção.

-Não, não têm. Entretanto, o homem que acompanhava a sra. Silvermann tem, e pagou pela internação dela durante o tempo que ela precisasse. Foi embora logo depois da internação. - a enfermeira Fields bateu em algumas teclas com uma caneta e me olhou - Derek Carson. Conhece o sr. Carson?

Derek Carson, o nome que me fazia estremecer. Engoli em seco.

-Sim, conheço... - passei uma de minhas mãos no rosto, respirando fundo - Pode me dizer qual é o quarto de minha mãe? 

-Como a senhorita é menor de idade, terá que esperar pelo dr. Bridges, responsável pela sra. Silvermann, para te acompanhar até o quarto. Peço que aguarde, por favor. Antes disso, pode deixar um telefone para contato?

Concordei sem pensar muito. Ditei meu celular e me retirei do balcão onde estava a enfermeira Suzanne. Sentei em uma das poltronas de couro sintético da recepção, perto de alguns pacientes que aguardavam ser chamados. Enquanto eu aguardava, vi alguns deles irem embora, outros serem chamados, e nesse meio tempo, o nome de Derek Carson não saiu da minha cabeça. Minha mãe tinha mentido sobre a ambulância. Na verdade, meu pai tinha levado ela até o hospital, mas eu sabia que ela teria um bom motivo para tanto, e não a julguei. Além disso, eu não tinha atendido as ligações dela, e seria muito melhor que ela fosse para um hospital com Derek do que morresse sozinha em casa. 

"Morresse sozinha em casa", repeti as palavras na minha cabeça. Minha mãe não iria durar muito. Eu soube disso desde o momento em que ela caiu no banheiro, dias atrás. Mas a possibilidade de ela não estar mais ali em pouco tempo era muito mais assustadora vista de perto, sem ser somente em pensamentos. Eu tinha pouco tempo para perguntar a ela tudo o que eu queria, mas iria me focar em apenas duas perguntas. Se ela pudesse responder, eu ficaria grata por toda a eternidade. 

-Srta. Silvermann? Pode me acompanhar, por favor?

Um homem na casa dos 60 anos, vestindo uma jaleco branco, sapatos lustrosos e um estetoscópio brilhante ao redor do pescoço, sorriu para mim depois de sair de um elevador. A enfermeira Fields me olhou e fez um sinal discreto para que eu o seguisse. Levantei de meu assento e fui até o médico - pelo que eu me lembrava, o dr. Bridges que Suzanne tinha falado - e o cumprimentei com um aperto de mão. A pele do dr. Bridges era fina e com algumas manchas, e suas veias, saltadas. 

-É um prazer conhecê-la. Dr. Otto Bridges. 

Entrei no elevador com o dr. Bridges e o observei apertar o botão de número 2. As portas do elevador se fecharam e eu passei a encará-las, tentando evitar contato com o médico idoso ao meu lado. 

-Receio que não saiba que conheço a sra. Silvermann de muitos anos atrás. 

Não consegui evitar e me virei para os olhos castanhos e profundos do dr. Bridges.

-Mesmo?

-Sim, conheço a sra. Silvermann desde 2009, quando ela deu entrada neste hospital depois do feio acidente em que ela se meteu. Foi muita sorte, se me permite dizer, ela sair de uma lesão grave como aquela. Pelo que me lembro, as sequelas seriam para sempre, mas só o fato de ela se encontrar viva deve ter sido um alívio para a família de vocês. - o dr. Bridges relembrou o acontecimento mais traumático de minha infância com uma facilidade que eu não teria.

-É, eu também me lembro bem. Acho que é por causa das sequelas que ela está aqui hoje, inclusive. - comentei, tentando parecer madura o suficiente para falar de uma questão daquelas.

As portas do elevador se abriram e eu e o dr. Bridges demos um passo a frente no mesmo momento. Andamos em silêncio por um corredor amplo e bem iluminado, com portas dos dois lados, até que paramos em frente à porta que carregava as inscrições "2J". O dr. Bridges pegou uma prancheta cheia, que estava pregada na parede ao lado da porta do quarto de Lucy, e folheou-a. 

-Se minhas suspeitas estiverem certas, realmente as sequelas são parte do motivo pela sra. Silvermann estar aqui. - o médico me olhou e começou a desfiar as notícias complicadas que ele tinha que contar a uma garota de 16 anos - Desejo ser breve e resumir a situação o mais rápido possível, srta. Silvermann. 

Assenti e respirei fundo, me preparando para as possíveis más notícias.

-A sra. Silvermann deu entrada neste hospital se queixando de tonturas, batimentos cardíacos irregulares e vômitos constantes, além de apresentar confusão mental e incapacidade de ver claramente. Fizemos alguns exames de precaução e descartamos qualquer problema cardiovascular, mas mesmo assim pedimos para que houvesse a internação da sra. Silvermann para maiores esclarecimentos e observações com o passar dos dias. 

Meu coração palpitava e eu escutava tudo com atenção, tentando prever o que o médico falaria a seguir.

-Apesar de o quadro da sra. Silvermann não aparentar ser grave, o hemograma que realizamos apresentou quantidades significativas de substâncias tóxicas presentes em antidepressivos como a nortriptilina, que são extremamente nocivas ao organismo humano se ingeridas em excesso, o que foi o caso da sra. Silvermann. Os sintomas de superdosagem desse medicamento condizem com os apresentados, e se estes forem somados à quantidade absurda de analgésicos ingeridos pela sra. Silvermann, eu digo com propriedade que foi muita sorte ela não ter ido a óbito.

O dr. Bridges notou a minha expressão confusa, talvez assustada, e tentou explicar melhor a situação de Lucy, cautelosamente.

-Veja bem, senhorita Silvermann. Conheço o quadro clínico da sra. Silvermann, e posso dizer que é complicado, exige muitos cuidados por parte de quem a tem por perto. Transtorno de Estresse Pós-Traumático e depressão são doenças complexas, e ter uma mãe doente é uma carga muito pesada para uma jovem carregar. - o dr. Bridges pousou a mão em meu ombro - Não creio que esse seja o caso, mas os exames indicam que a sra. Silvermann pode ter cometido uma superdosagem proposital desses medicamentos. Tendências suicidas são comuns em casos em que há a dosagem errada de antidepressivos. 

-O senhor acha que ela tentou se matar? - pronunciei, com dificuldade, algo que já tinha passado pela minha mente há tempos.

-Não, não creio. Isso é o que os exames apresentaram. Para ser justo, eu acreditaria se não conhecesse a sra. Silvermann. Acredito que o caso dela seja um pouco mais complexo. Veja, o acidente proporcionou a ela sequelas difíceis de se conviver. A perda de memória é uma delas. A sra. Silvermann tem tido problemas com a memória ou perda dos sentidos?

Apenas fiz que sim. Eu já tinha entendido onde o dr. Bridges queria chegar.

-Srta. Silvermann, tenho todos os motivos para acreditar que o que causou a superdosagem de medicamentos foi a confusão mental e perda de memória da sra. Silvermann. Acredito que, ao achar que não tinha tomado as quantidades certas, ela acabou por se medicar sem excesso sem perceber o que estava fazendo. O que digo faz sentido para a senhorita? - o dr. Bridges tinha agora as sobrancelhas arqueadas, tentando explicar a complexidade do caso de Lucy para mim.

-Sim, é exatamente isso que eu acho. Na verdade, eu sempre dizia a ela que não tomasse seus medicamentos sem a minha supervisão. Isso já vem acontecendo há tempos, mas eu não sabia que poderia fazer tão mal. Parte da culpa é minha. 

-Não veja a situação desse ângulo, srta. Silvermann. Eu, como médico responsável, apenas peço que tenha mais cautela com os medicamentos da sra. Silvermann. Não os deixe à vista, supervisione-a sempre que possível, não a deixe sozinha. A perda de memória, com o perdão da palavra, está acabando com ela. Vamos impedir que uma situação como esse aconteça novamente, sim? - o dr. Bridges sorriu levemente e envolveu minhas mãos nas dele, num gesto reconfortante.

-Sim, obrigada. - sorri, assentindo.

-Bem, a recomendação é que a sra. Silvermann permaneça internada por mais alguns dias, apenas para a realização de mais exames toxicológicos e preventivos. Posso dizer, superficialmente, que a sra. Silvermann não corre risco de vida, mas é bom ficar atento. Medicamentos como a nortriptilina demoram a serem expelidos do organismo, e isso pode fazer com que a sra. Silvermann tenha mais reações adversas. 

-Ok, obrigada, dr. Bridges. Agradeço a cautela com que o senhor está tratando tudo isso.

-Não agradeça, é o meu trabalho. - o dr. Bridges tocou meu ombro mais uma vez antes de ir, e se afastou calmamente pelo corredor.

Suspirei por mais tempo que eu achei que deveria e abri a porta do quarto em que estava minha mãe. Ela dormia, debaixo de muitos cobertores verdes claros. O quarto em que ela estava era decorado de maneira simples, e não era muito aconchegante. Lucy estava pálida, parecia frágil, prestes a se quebrar ao meio. Ela tinha envelhecido uns dez anos em questão de horas. Sentei na poltrona de couro claro ao lado dela e a observei abrir os olhos, lentamente. 

-Amie, que surpresa... - disse Lucy, com sua voz rouca, mas ainda marcante.

-Surpresa? Achou que eu não viria? - rebati, um pouco ofendida.

-Achei que você viria depois. Está tarde, não está?

-Sim, já é mais de meia noite. Olha, eu peço desculpas por não ter atendido as ligações e ter feito você vir parar aqui.

-Não precisa pedir desculpas, eu disse que você tinha que curtir a sua juventude enquanto ainda pode. Acho que você já sabe que foi Derek que me trouxe até aqui, não?

-Já. Eu não a julgo, teria feito a mesma coisa no seu lugar. - disse, olhando para meus polegares, que eu movia em círculos. 

-Não queria ter mentido, mas se eu não tivesse, você não viria. Eu sei, mais do que qualquer um, o quanto aquele homem te faz mal.

-O quê? Eu viria, claro que viria! - me aproximei, tocando o braço nu de Lucy - Eu teria vindo mesmo se você estivesse acompanhada do maior maníaco do mundo. Você é minha mãe.

Lucy sorriu, se ajeitando na cama. Eu iria falar para que ela não se movesse, mas ela diria não. Mesmo assim, era visível o quão fraca ela estava.

-Am, preciso te falar algumas coisas. 

-Espera, antes sou eu que preciso fazer algumas perguntas. Elas são bobas, mas eu sinto que preciso perguntar. - prensei meus lábios, meio desconfortável.

-Claro, pergunte. 

-Por que você nunca fala sobre a sua vida na Inglaterra? Sobre família, sobre qualquer coisa?

Pude ver o brilho nos olhos de Lucy diminuir. Ela não estava esperando aquela pergunta.

-Não há muito para dizer. Eu... - a cabeça de Lucy balançava, negando algo que eu não conseguia ouvir ou ver - Eu nasci em Leicester, perto de Birmingham, e passei minha infância lá. Fui para Londres quando estava um pouco mais velha e depois vim para cá. Foi a melhor coisa que fiz. Qual é a próxima pergunta?

"Ela claramente não quer falar sobre isso. Não vou pressionar. Terei outras oportunidades", pensei.

-Tudo bem, ahn... Com quem você tava falando quando eu cheguei na noite do meu primeiro dia de aula? Sabe, o dia em que eu levei bagels.

-Ah sim... Fazia parte do que eu iria te contar depois, mas já que você perguntou... Bem, era uma velha amiga minha, Fumiko Okamoto. Nós nos conhecemos na faculdade, ainda em Londres. Ela me ligou depois de muito tempo sem que a gente se falasse. Ela disse que está de mudança, mas não me lembro o local... Achou meu telefone em umas caixas cheias de papéis e resolveu me ligar. Me alegrou muito falar com ela novamente. - Lucy disse, de maneira saudosista, e me fez tentar lembrar se eu conhecia alguma Fumiko.

-Ah, que ótimo... Eu achava que era algum cara. - disse, meio envergonhada.

-Cara? Um homem? Amielise, eu não tenho mais idade para paquerar, você devia saber disso mais do que qualquer um. - Lucy gargalhou contagiosamente.

-Ah, mãe! Nunca se sabe, seria bom, sei lá... - eu ri ao ver a alegria repentina de Lucy, que provavelmente ficaria deprimida ao se ver naquele estado deplorável.

-Chega disso, tudo bem? - Lucy sorriu, se encostando novamente na cabeceira da cama - Preciso conversar com você sobre coisas sérias. 

-Sou toda ouvidos. - sorri, envolvendo as mãos de Lucy nas minhas, assim como o dr. Bridges fizera para me confortar.

-Filha, eu não vou durar muito tempo. 

Abri a boca instantaneamente para protestar, com as batidas e vagas palavras de incentivo que eu dizia sempre que Lucy falava algo do gênero, mas minha mãe fez um sinal para que eu me calasse. Não disse nada, só olhei para o piso branco do quarto.

-Não diga nada, eu sei que estou definhando e sei que você também sabe. Você é madura o suficiente para encarar isso da melhor maneira possível, sendo corajosa. - Lucy fechou os olhos por um momento e respirou fundo - Eu sei que é difícil de aceitar, mas é melhor você fazer isso o quanto antes. 

Escutar aquilo para mim era, realmente, como a morte. Eu relutava em não chorar, mas conforme as palavras de Lucy, eu não pude evitar. Deixei as lágrimas rolarem, suavemente, sem escândalos ou soluços.

-Escute, quando eu me for, não quero você totalmente sozinha. Aceite a ajuda de Derek quando ele oferecer, continue com o auxílio mensal, não se deixe levar pelo orgulho. Lidar com luto é algo extremamente complicado, eu sei. Eu já tive que lidar com ele uma vez e não recomendo a experiência para ninguém, mas é necessário. Faz parte da vida, e isso só se torna pior quando você tenta fugir de algo inevitável. Só aceite, tudo bem? - Lucy me viu meus olhos marejados e apertou minha mão com um pouco mais de força - Não chore. Seja forte. 

-Isso é tão difícil de assimilar... - enxuguei uma lágrima que caía pela minha bochecha e respirei pela boca, tentando me acalmar - Dias atrás você tava tão vívida, parecendo que estava recuperada, e agora eu tenho que aceitar que você vai morrer em breve?

-Eu peço perdão por deixar tudo tão difícil para você, filha, mas eu repito que é necessário. Você foi tão forte todos esses anos, cuidando de mim, tentando me convencer de que eu estava bem... - Lucy sorriu, passando a mão em meus cabelos úmidos - Você é uma garota incrível, Am. E eu sempre vou te amar, não importa onde eu esteja, entendeu?

-Sim, eu sei. - concordei e beijei a face de Lucy, improvisando um abraço - Vou aproveitar o pouco tempo que nos resta. 

-Essa é a minha garota. Vamos, me conte como foi a festa de hoje. Pode me contar? - indagou Lucy, sorridente.

Reconheci a tentativa dela de tentar me reconfortar. Era difícil, era doído, mas eu iria conseguir. 

-Posso. Foi insano. - eu ri junto de Lucy ao limpar minhas lágrimas, voltando a respirar normalmente, me acalmando pouco a pouco. 

Contei partes da festa. Não podia contar sobre Hazel ou sobre Luke. Não era para proteger a minha privacidade, mas sim, deixar Lucy longe de qualquer coisa que pudesse agravar o estado dela, fazê-la ficar nervosa ou emocionada. Meu relato foi simples, sem mentiras ou invenções mirabolantes. Fiz Lucy sorrir, e isso bastava para mim. Não conversamos por mais muito tempo, porque Lucy estava caindo de sono e precisava descansar. Queria que ela tivesse seus últimos dias plenamente calma. 

-Escute, Am. Quero que você vá embora desse hospital assim que acordar, porque você é apenas uma criança, e não deveria estar aqui. Isso fere minha função de mãe; deixar você num hospital. Ouviu bem?

-Pelo menos a noite eu vou passar aqui. Não vou te deixar sozinha. - disse, estendendo um cobertor a mais na cama de Lucy.

Minha mãe me observou com um olhar que era de puro orgulho, disfarçado em desaprovação. Sorri para ela e prendi seus cabelos, que antes estavam soltos, e poderiam prender alguma coisa. Coloquei-a para dormir perto da uma e meia da manhã. Minhas pálpebras estavam pesadas e eu precisava me recolher e pensar sobre o emaranhado de emoções que tinha sido aquele dia. 

Passei praticamente a noite em claro, olhando as cortinas do quarto balançando contra o vento frio da madrugada, encolhida na poltrona clara ao lado de minha mãe. Meus olhares se revezavam entre as cortinas e o medidor de pulsações cardíacas, que variava entre altos e baixos infinitos em seu monitor verde. Os barulhinhos eletrônicos da cama e aparelhos ao lado dela formaram uma sinfonia que embalou meu sono, por pouco tempo. 


Notas Finais


Espero que tenham gostado! :)


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