História Eu, monocromática; Tu, infinita paleta de cores; - Capítulo Único

Aquela mulher tinha dificuldade.

Ela se fechava para todos, e para tudo no mundo.

A cada dia que passava ficava cada vez mais difícil tentar abrir a concha que a isolava.

Mas ela não perdia as esperanças. De que um dia, em algum dia, essa concha fosse aberta. E não por si só, mas sim, com ajuda e que enfim pudesse ver com os próprios olhos, a beleza que o mundo exala.

Por que ela ainda sonhava com seus contos de fadas.

***

Era mais um dia em que aquela mulher seguia a rotina monótona. Acordava, fazia a higiene, comia e iria trabalhar. Seguia direto para o trabalho. Não gostava de sair por ai, sozinha e perdida. Com medo do que o mundo pudesse lhe oferecer.

Essa mulher, apesar de muito solitária e triste, emanava uma aura que –acredite quem quiser – encantava certa pessoa. Ele já compartilhava o mesmo escritório com ela e outras duas pessoas a mais de 2 anos. E sempre –sem nenhuma exceção – gostava de vê-la todo dia e entregá-la bilhetes. A beleza e fragilidade que ela emanava o encantavam e ele se sentia cada vez mais curioso sobre ela.

            Se sentir assim, tão bobo apaixonado sendo que apenas se comunica por bilhetes, nunca pensou que seria tão feliz realizando uma missão diária como essa.

***

E mais uma vez o tempo passava correndo durante o trabalho. A mulher se perguntava: “Por que o tempo nunca passa assim lá em casa?”. Gostaria de ficar tão confortável assim em casa. Pois não era daquelas que saem desbravando o mundo afora. Mas sabia, no fundo do coração, que o mundo era belo. E que trazia tantas coisas boas e felicidade para muitas pessoas. “Por que eu não posso ser uma dessas pessoas? Que enxergam tão facilmente a beleza do mundo e tudo de bom que ele pode trazer?” se perguntava olhando tristemente para onde pregava os bilhetes dados por um dos seus vizinhos de escritório.

***

O tempo ia passando, o metro ia esvaziando e a neve caia com mais força, tornando a cidade branca, ainda mais linda do que já é.

Olhando assim para a janela e vendo toda aquela neve ela pensava nos bilhetes dados pelo seu colega de trabalho. Todo dia era uma cor diferente na escrita, mas por que, agora que ele não entregava faz um tempo os bilhetes, ela se sentia tão vazia? Como se a razão para levantar e dar sorrisos falsos na frente do espelho fosse apenas desculpa para esperar ansiosamente o bilhete do dia?

Porque se sentia tão acolhida depois de ler aquelas frases tão simples?

“ Hoje é um dia de recomeços. E o meu primeiro dia de trabalho em que te mando um bilhete. Nas férias, irei qualquer dia viajar e mostrarei as fotos que tirar do mundo a você. Você tem várias coladas de vários locais diferentes na sua mesa. Gostaria de ir a tantos lugares assim também.”

“ Mal ele sabe que eu nem se quer fui ao ponto cultural mais procurado da minha própria cidade.”

“ Hoje é dia de descansar em casa. Já experimentou cappuccino de chocolate? É nesses dias que eles somem das prateleiras dos supermercados. E das minhas prateleiras também!”

“ Eu também adoro cappuccino de chocolate..”

“ Hoje esta nevando! Em comemoração a toda essa neve que nos cerca desenharei um floco de neve para você no bilhete. Olhe atrás!”

“ Que lindo...vou guardar esse em outra parte da mesa para ver todo dia.”

“ Hoje não é um dia muito bom. Ir a vários lugares é bom, mas às vezes cansa olhar sempre a mesma paisagem. Você não se sente fatigada?”

“Eu não saio muito...mas me sinto muito fatigada quando não tenho nada para fazer em casa.”

“ Hoje planejo ir visitar minha família, você é daqueles que toda vez que chega em casa tem uma tia que pergunta sobre os namorados? Se sim, não se preocupe, você não é a única que passa uma humilhação dessas.”

“ Hahaha. Que fofo ele..”

“ Hoje você parece estar meio mole. Não interprete no sentido ruim! Mas enfim, você esta bem? Gripe? Febre? Dor de cabeça? Quer ajuda?”

“ Gostaria de ter coragem para no mínimo responder essas perguntas. Ele está tão preocupado e eu só fiquei a noite toda vendo uma série...”

“ Hoje tive que pensar um pouco sobre que cor escolher. Geralmente você emana cores aconchegantes e as vezes algumas mais tristes, e essas eu capto facilmente. Que cor você quer ser hoje?”

“ Eu nunca parei para pensar que cor eu gostaria de ser, nem se quer na minha favorita...”

“ Hoje novamente tive dificuldades em escolher as cores apropriadas. Desculpe  se o bilhete saiu do horário de sempre e lhe atrapalhou em algo. Porque ultimamente você emana apenas azul? E não um azul qualquer, mas sim, daqueles bem profundos?”

“ Eu me culpo muito. Eu quero conversar com ele, mas eu não consigo...”

“Hoje decidi que vou pular por cima do que vejo. Aconteceram umas coisas e descobri porque apenas enxergo azul. Você é uma pessoa muito solitária? Sabe que agora já sou seu amigo, certo? Eu estou aqui para te ajudar!”

Sussurrei um ‘obrigada’ que acho que ele não percebeu, mas eu fiquei muito feliz com esse bilhete.

“ Hoje gostaria que você correspondesse os bilhetes. Que me mandasse respostas. Gostaria de saber oque você pensa a cada dia, a cada bilhete. Você parece ser uma pessoa muito criativa!”

“ Eu ainda não estou pronta! Ahrrr, o que eu faço?? ”

“ Hoje estou muito feliz. Pedi que você correspondesse os bilhetes semana passada e de repente você me responde, mesmo eu tendo perdido as esperanças ontem. Obrigado.”

“ É que ele pareceu tão triste essa semana...queria animá-lo.”

“ Hoje você parece meio incomodada. Algum problema? Você mudou seus sapatos de trabalho, certo? Esses novos incomodam muito?”

“ Na verdade, sim. Uou. Como ele percebeu?”

“ Hoje estou meio decepcionado, mas consigo entender. Você não é muito de se socializar, né? Suas respostas são sempre tão curtas. Mas mesmo assim você me responde. Obrigado e apenas permaneça do jeito que você é.”

“ Desculpe. Ele não é a primeira pessoa a me falar isso. Me desculpem...”

“ Hoje decidi que não vou mais fugir do que eu devo fazer! De repente senti uma vontade de comer amendoim. Você gosta? Já provou?”

“ Sim, mas eu não gosto muito. Oque mais será que ele gosta? ”

“ Hoje me sinto renovado. Estou com os sentimentos a flor da pele. Depois de passar a noite em claro –trabalhando óbvio –descobri que estou começando a gostar de alguém. Tanto como pessoa – porque ela era meio difícil de decifrar – como mulher. Oque devo fazer?”

“...”

“ Desculpe. Ultimamente meus bilhetes só são sobre isso mas, como deve ser feita uma declaração? Você já recebeu alguma? Entre rosas, lírios e tulipas. Qual dessas você escolheria?”

“ Não, eu nunca recebi uma declaração. E eu amo Lírios Star Gazer.”

“ Hoje vamos deixar de lado essa historia toda sobre gostar de alguém. Incomoda, né? Estou sendo muito chato? Não tive muitas experiências e não entendo muito, mas vou parar de lhe importunar.”

“ Eu incomodei ele? O que eu fiz? Desculpe...eu magoei ele? E agora?”

“ Hoje estou com uma folha especial. Totalmente preta. Nesse bilhete me despedirei de você, ultimamente você anda meio diferente, mais incomodada e inquieta. Desculpe. É por minha causa, né? Pararei de mandar os bilhetes. Obrigado por tudo. Acho que posso lhe chamar de amiga, certo? Até, minha amiga.”

“ Não, por favor...” e naquele dia ela chorou, como nunca.

E então os bilhetes pararam. Aquela mulher percebeu que ele anda meio estranho no trabalho. Estava mais distraído. Sorria menos. E pior, não lhe observa mais durante os intervalos. Apesar de se sentir incomodada quando essa observação começou, porque ela agora se sente tão triste? Decepcionada? Ela não vê mais as cores no mundo que ele tanto gosta.

Mas oque essa mulher pode fazer? Como pode pedir que os bilhetes voltassem? Como pode tentar entendê-lo e ajudá-lo se nem os próprios pensamentos e sentimentos ela não consegue controlar e organizar?

***

A mulher passou a noite pensando. Virava-se de um lado, de outro, levantava, bebia água e voltava à cama. Porque é tão difícil entender as outras pessoas? De repente se tocou. Por que se importava tanto com isso? Desde quando pensa tanto em algo ou alguém?

A mulher finalmente entendeu. No dia seguinte ela declararia seus sentimentos e pediria para os bilhetes voltarem. Não. Mais importante, pediria o sorriso dele de volta.

***

A noite passou, o dia raiou e hoje aquela mulher se levantou mais animada que o normal. Analisou com cuidado ao escolher as roupas do trabalho. Demorou mais no banho e colocou seu melhor perfume. Mas com todo esse trabalho ela acabou se atrasando um pouco do horário normal que saia de casa. Mas mesmo um pouco atrasada ela estava feliz. Finalmente a concha poderá ser aberta, depois de tanto tempo de persistência, por outra pessoa.

***

Assim que chegou ao trabalho deu bom dia a todos. Alguns a olharam estranhamente, outros sorriram de volta e desejaram uns ‘bom dia’ também, levemente surpresos. Mas assim que chegou a sua sala, o enorme e verdadeiro sorriso que estampava seu rosto sumiu.

Não viu ele na mesa de sempre. Ele também estava atrasado? Não, impossível. Ela até se atrasara algumas vezes, mas sempre que chegava o encontrava sentado na mesa no horário certo. Imaginando infinitas possibilidades para a falta, foi em direção a sua mesa. Seus pensamentos variaram entre: ele deve estar doente, e, ele pode ter sofrido um acidente!

De repente toda aquela calma e tranquilidade evaporou do seu corpo. Começou a imaginar inúmeras coisas. Ficou com a respiração pesada e se levantou rapidamente indo a encontro da mesa central. A mesa do seu chefe.

***

Aquela mulher não lembrava muito de qual foi o acontecimento seguinte depois de ouvir as palavras do seu chefe. Se foi ficar em choque e desmaiar, entrar em pânico e começar a gritar ou simplesmente ir se sentar na mesa e se afogar em trabalho pelo resto do dia.

Ela temia que não fosse nenhuma dessas alternativas.

Ela sabia muito bem que nenhuma delas era adequada naquela situação.

Então ela pensou que simplesmente agradeceu ao chefe pela informação e disse que voltaria mais tarde e que iria procurar por alguém. Que também pode ser chamado de algo. As cores e luzes que inundavam o mundo que ela começara a ver. Ela iria trazê-las de volta.

***

Não se preocupou em abandonar o emprego e sair correndo pela rua. Não se importou com os gritos que seu chefe dava perguntando oque estava acontecendo.

Ela não se importou com mais nada. Nada mais possuía cor. Nada mais valia a pena para se prestar atenção. Era tudo monocromático. Branco, preto e principalmente cinza.

Enquanto corria saída a fora e se dirigia a rua principal do ponto onde o seu trabalho se encontrava, ela apenas pensava em uma coisa.

As palavras que seu chefe cuspira sem mínima importância, mas que valiam mais que ouro para ela.

“ Quem você esta procurando? O ********? Ahh, sim! Ontem a tarde eu encontrei ele na rua. Fomos num café, conversamos um pouco e ele pediu demissão! Ele disse que não via mais ‘cores’ no trabalho e perdeu a diversão em trabalhar aqui! Vê se pode! Alguém desistir tão fácil assim do trabalho! Fiz bem em aceitar a demissão dele, desse jeito ele não devia levar o trabalho muito a sério. Mas é mesmo uma pena. Mesmo não se importando ele era tão bom no que fazia! É realmente uma pena!”

Lágrimas já podiam ser sentidas pela mulher enquanto ela corria desesperada pela avenida principal. Ela só sabia de poucas coisas:

Ele era uma pessoa muito simplista. Se não tinha mais graça e paixão em algo, ele procuraria algo que lhe trouxesse felicidade.

Ele não tinha carro. Ia sempre a pé de volta para casa.

Ele adorava tomar cappuccino de chocolate no inverno. E amendoim às vezes.

Ele gostava de viajar bastante. Ele quer ver outras cores ao redor do mundo.

A única coisa útil que se lembrou de perguntar ao seu chefe era o local da casa dele. Mas essa informação não precisou ser usada. Ao entrar um pouco mais no centro da cidade ela o encontrou.

Carregava um enorme caderno de desenho e uma mochila pairava sobre um dos ombros. A camisa, mesmo sendo vista de longe, tinha borrões e tiras de tintas por todos os lados.

Sem olhar muito ao redor, a mulher se concentrou naquele único ponto: Ele. Agora corria rapidamente na direção dele.

Antes de conseguir alcançá-lo a mulher cai. Obviamente esquecera-se de retirar os saltos enquanto corria. Com dor ela o via indo embora da sua visão, cada vez mais longe. Então fez a única coisa que conseguia pensar no momento: gritar a ele.

“Jungkook! Jungkook!!”

O homem se virou procurando a não tão conhecida voz chamando por seu nome. Olhava em todas as direções, mas como a mulher estava caída, não foi vista e ele já se voltava a caminhar pelo parque.

Já desesperada a mulher mesmo sentindo uma dor estridente, se levantou e procurou o alcançar. Desviava das pessoas ao redor e já em lagrimas chamava novamente o nome dele.

Em mais um momento de distração do homem – a procurar pela voz – ela conseguiu chegar perto dele. Ele inicialmente se espantou ao vê-la. E já ia enchê-la de perguntas preocupadas quando ela grita:

­­“Traga de volta as cores ao meu mundo! Volte a me mandar bilhetes todos os dias, que preenchem meu coração de alegria! Me mostre mais as cores do seu mundo! Fique e viaje comigo e me ajude a enxergar as cores novamente! Por favor...não deixe meu mundo monocromático.”

 Completou já chorando fortemente pela dor e por finalmente criar voz e mostrar seus pensamentos a ele. Após declarar tudo aquilo que pesava no coração, a mulher o abraça e diz:

“Eu amo as cores do seu mundo!”

***