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História Eu tentei - Ruínas - Parte 1


Escrita por: Eric_Elgae

Notas do Autor


Oie pessoas queridas!

Eis que eu volto com a cara grande e encerada depois de milênios.

O capítulo de hoje seria o penúltimo porém, como ficou muito grande e a carga emocional de forma direta poderia ficar meio massante, achei melhor dividir.

Há uma música para o capítulo. Se puderem ouvir "Mad world- Gary Jules" vão entrar melhor no clima do capítulo. O link vai estar nas notas finais.

Sem mais enrolações, boa leitura. Nos vemos lá embaixo.

Capítulo 21 - Ruínas - Parte 1


Fanfic / Fanfiction Eu tentei - Ruínas - Parte 1

Amanheceu.

Quando Frei chegou para me buscar era quase horário de almoço. Eu ouvi o chamado dele, mas estava meio que dormindo ainda.

-Céus, esse lugar está fedendo. Ikki? Ikki? Está tudo bem?

-Hã? Frei?

A expressão dele parecia preocupada, mas ele sorriu quando eu o respondi.

-Ei, boas notícias. O juiz aceitou seu habeas corpus. Seu irmão está te esperando com os outros aí fora. Shaka foi realmente caloroso em suas ações.

Confesso que eu ainda estava atordoado. A última noite não apenas fora um pesadelo para mim, mas se transformou em um. Posso dizer com clareza que foi ali, naquela cela, que eu finalmente decidi o que queria para a minha vida.

Nunca mais eu iria me envolver em problemas. Nem que fosse a última coisa que eu fizesse.

-Ikki?

-Hã?

-Venha, você vai ser solto. Quer ajuda?

Frei entrou na cela e torceu o nariz. Havia um cheiro de urina indecente no ar que não estava presente na última vez que Frei passou por ali para me entregar os sanduíches. Ele se aproximou da cama, com os olhos atentos em volta. Todos estavam de costas, deitados e em silêncio absoluto.

-Eu te ajudo.

Estendi a mão e ele me ajudou a levantar.

-Ainda está fraco? Chegou a comer ontem?

-Deve ser a quantidade absurda de remédios. Eu vou ficar bem, só preciso…

Tudo girou por um instante e minha cabeça parecia ter ficado submersa em algo, como quando você mergulha a cabeça numa pia, sente o resto do corpo normal mas a cabeça parece estar em outro mundo. Frei me amparou.

-Ikki?

Ainda confuso mirei ele com certa ansiedade.

-Tudo bem. Vamos…

Ao sair da boca do inferno, me encostei as grades enquanto Frei trancava a cela. Antes de sair do corredor, pude ouvir a voz de Moa, um tanto sarcástica.

-Boa sorte… Vai precisar se quiser se manter livre…

A risada que veio em seguida comprovava o nível de loucura de Moa. Nunca mais tive notícias dele até o ano seguinte.

Ao chegar a sala onde fui interrogado na noite anterior, fui recebido pelo delegado e por Shaka. Não precisei dizer nada, foi tudo muito rápido. A única exigência legal é que eu tinha que sair dali e ir fazer um exame de corpo de delito. Fiquei ligeiramente tenso. Shaka percebeu minha expressão e foi inquirindo logo de cara:

-Ikki? Tudo bem? Por que ficou tenso de repente?

-Eu… Não precisei fazer exames para vir, por que fazer isso agora?

-O caso foi diferente em todos os aspectos. Você estava hospitalizado, por isso suas condições estavam claras nos relatórios. Mas é rápido, nós vamos passar no Instituto Médico Legal e depois estaremos livres em definitivo.

-Até o julgamento.

-Não sei se teremos um julgamento, uma vez que o pedido feito para sua prisão foi efetuado em caráter de falsidade ideológica do solicitante. De todo modo, farei o máximo para que isso acabe rápido. Meu objetivo maior no momento é prender a Pandora. Tentei fazer isso provando o envolvimento dela com vários negócios ilegais mas não consegui um resultado satisfatório. Agora, com as imagens das câmeras de segurança e algumas amostras de DNA que conseguirei graças ao arquivo de um bom laboratório e alguns fios de cabelo encontrados em uma peruca e no uniforme da pobre coitada que ela fez de vítima…

Mirei Shaka com uma expressão assutada, pois ele balançou a cabeça com uma expressão triste.

-A enfermeira foi assassinada. Encontraram em uma lixeira afastada do hospital algumas quadras uma bolsa com um uniforme, uma peruca e frascos que provavelmente eram da droga que te deixou daquele jeito. Estão levantando todas as filmagens que possam indicar a passagem de Pandora por ali. Agora sim é uma questão de horas até a justiça colocar as mãos nela.

Não havia o que falar. Por mais que, confesso, eu ainda não achasse que ela era aquela vilã toda, a situação chegava próxima do final. Apenas resmunguei alguma coisa e finalmente comecei a sair daquele inferno.

Ao colocar o pé para fora, amparado por Frei e de uma forma que achei estranha, por Shaka, pude ver Saori e Saga sorrindo. Logo atrás deles, Shun, Shiryu e Hyoga. Senti a vista ficar turva.

-Irmão!!!

Shun logo me abraçou com força e genuína alegria. Não tive como não desmoronar em seus braços após alguns segundos de relutância. As lágrimas vieram sem que eu quisesse.

-Irmão… Não fique assim, eu vou cuidar de você, está bem? Agora vou retribuir todo o carinho que você sempre teve comigo, pode ficar tranquilo…

A voz dele era firme e doce. Meu irmãozinho era agora um homem forte que estava disposto a cuidar de mim.

Como aquilo foi importante naquele momento.

Não demorei a sentir uma pressão maior e pude ver Shiryu e Hyoga se juntando ao abraço. Os dois sorriam tímidos, mas assim como Shun, prometeram estar comigo e cuidar de mim. Quando deram espaço, Saori tomou minhas mãos e falou algumas coisas sobre descanso, não lembro ao certo. Saga pousou a mão em meu ombro e também disse que não desistiria de mim, ainda que eu desconfiasse dele.

Eu não sentia que merecia o amor daquelas pessoas

Sorri de maneira tímida. Eu iria com Saori e Shun para o instituto médico legal, e de lá para casa. Mas ainda que eu estivesse cercado de carinho, senti falta de alguém.

Sempre dele.

Seiya não estava lá. Eu imaginava o por que, não tinha como culpá-lo.

Mas eu queria que ele estivesse. Era uma ilusão boba, eu sei, mas…

Na verdade era a única coisa que me importava. Mas eu sabia que era simplesmente impossível viver aquilo que eu sonhava com ele.

Foi pensando nisso que nem vi o tempo passar. Fizemos tudo que precisávamos fazer e depois de um período infernal eu finalmente pude ir para casa.

 

All around me are familiar faces / Ao meu redor estão rostos familiares

Worn out places, worn out faces /Lugares desgastados, rostos desgastados

 

Os dias seguintes passaram de maneira cansativa. Era mais um desgaste emocional do que qualquer outra coisa. Passei por uma sucessão de depoimentos, testes, audiências e tudo o mais que podem imaginar.

Perdi as contas de quantas vezes revi o assassinato de Shina. Descobri o envolvimento de Pandora com coisas tão baixas que nem de lembrar gosto – e olhem que eu a vi participar de um assassinato. Tive que aguentar olhares desconfiados se tornarem olhares de piedade. Aguentei o estranhamento de muita gente que sempre convivera bem comigo até que eu fosse judicialmente considerado inocente.

Mas fui inocentado mesmo antes de um julgamento oficial. Todas as provas colhidas revelaram que os depoimentos de Saga, os meus e dos outros eram completamente verdadeiros. Shaka estava obcecado em capturar Pandora, e os melhores detetives além da polícia vasculhavam o país atrás dela.

Shun e os outros se revezavam para nunca me deixar só. Foi tão bom redescobrir meus amigos e meu irmão nesse tempo que posso dizer que praticamente renasci graças aos cuidados deles.

E sim, eu continuei o tratamento com Saga e Saori. A primeira consulta após tudo isso foi mais clínica do que qualquer coisa. Exames de sangue, ajustes da dosagem do remédio, uma dieta ligeiramente restritiva nas primeiras semanas…

Mas logo eu estava fisicamente recuperado.

As duas primeiras sessões foram estranhas. Eu ainda sentia raiva de Saga por não crer totalmente que ele fosse de todo inocente na confusão que me envolvi, mas ele ignorou meus achismos e desconfiança e prosseguiu, me forçando a expor o que sentia com todo o caos que se abatera sobre mim.

Na verdade parecia que ele queria achar em mim algum remorso ou culpa, além do caso de Shina. Eu poderia dizer sem sombra de dúvidas que Saga estava me analisando de outra maneira.

Ele parecia querer confirmar algo.

Talvez por isso depois da ida ao inferno eu não tivesse mais ficado sozinho, sempre havia alguém por perto, como que de olho em tudo que eu fizesse. O que eu, na verdade, não achei ruim.

Eu já não confiava em mim de qualquer forma.

Depois do período do choque, da raiva e tudo o mais, o que começou a me abater profundamente foi uma tristeza imensurável.

Tudo que um dia eu gostara parecia perder a graça aos poucos. A comida estava insossa. Eu tinha insônia a noite e passava os dias mole, cansado, sem ânimo ou vontade de fazer nada. Meu corpo parecia pesado, e eu me irritava com qualquer coisa. As pessoas pareciam marionetes de um filme repetido, tudo era…

Cinza.

 

Bright and early for their daily races /Claro e cedo para sua corrida diária

Going nowhere, going nowhere /Indo a lugar algum, lugar algum

 

-O que você está tentando esconder?

-Como é?

Devo dizer que naquele dia a sessão já começou com um ar estranho. Saga me disse que não parecia satisfeito com o efeito dos medicamentos. As perguntas dessa vez eram invasivas, agressivas até na forma como foram feitas. Já tinha o que? Três ou quatro meses após minha detenção e lá estávamos nós de novo.

Repetindo o mesmo toda vez. Ele perguntava. Eu respondia. Ele incitava. Eu falava.

E nada parecia mudar ultimamente.

-Você está respondendo coisas que acha que eu ou Saori gostaríamos de ouvir, Ikki. Mas não está dizendo a verdade sobre o que realmente está acontecendo com você. Acha que ninguém percebeu?

Mirei Saga com certa falta de vontade. Não queria falar sobre nada, queria simplesmente sumir um pouco. Sabe, meio que desaparecer no ar por um tempo e depois ver como seria quando voltasse.

-Eu já disse que estou bem.

-Sim, disse várias vezes. Mas Shun me contou que você come pouco, passa muito tempo no quarto, não se concentra no trabalho… Dorme mal… Hyoga e Shiryu também sentem você mais distante, menos aberto a fazer coisas com eles…

-É uma fase, só ando cansado.

-E eu sou um Papa. Serei um pouco direto. E o Seiya?

Sabe o que me deixava incrédulo aquela altura? Saber que apenas de ouvir o nome dele eu… Sei lá, mudava.

-O que tem ele?

-O que tem você. Seus sentimentos em relação a ele.

-Sentimentos?

-Sim Ikki. Você se envolveu em toda essa bagunça por causa dos seus sentimentos em relação ao Seiya. Você usava as pessoas para preencher o vazio que sentia por não tê-lo a seu lado, por isso se entregava a qualquer um. Se te oferecessem algo que você imaginava, por um segundo que fosse, que seria dele com você é claro.

Não respondi. Ele estava certo.

-E depois dessa… Catástrofe… Você nunca mais sequer perguntou sobre ele. Isso me intriga, e preocupa de certa forma. Antes você tinha crises extremas de ansiedade, e de repente entrou em uma espiral depressiva. Ou você está me escondendo algo que aconteceu entre o início do seu tratamento e sua saída da prisão ou você está mais doente do que eu e Saori pensamos.

Mirei ele com certa vontade de acertar um soco naquela cara de quem não tem noção do que é ter problemas sérios na vida.

-Depois de cometer um assassinato e ser humilhado publicamente queria que eu me comportasse de maneira expansiva e alegre?

-Não faça joguinhos comigo Ikki, você já sabe que não funciona. Me responda, quero saber sobre como se sente em relação ao Seiya. O que sente realmente, não o que acha que queremos ouvir.

A tensão ficou palpável no ar. Mas mesmo irado com Saga eu estava desanimado para brigar ou coisa do tipo. Discutir era cansativo.

Então se eu dissesse a verdade, talvez ele me deixasse em paz.

-Eu pensei muito… Ainda penso na verdade, sobre ele… E percebi que ele não é capaz de me encarar depois de saber que eu sempre fui apaixonado por ele. E mais ainda depois que matei Shina. Não o culpo. Mas o que eu posso fazer?

 

Their tears are filling up their glasses /E suas lágrimas estão encharcando seus óculos

No expression, no expression /Sem expressão, sem expressão

 

Saga pareceu inquieto com essa declaração.

-Ikki, já falamos sobre isso antes, lembra-se? Você não é culpado do que aconteceu. E eu duvido que o Seiya…

-Não repita mais isso, Saga. Eu cansei de ouvir e concordar pra que me deixem em paz, mas a verdade é que eu não acredito nisso, está bem?

Saori como sempre, permanecia em um canto da sala onde a sessão ocorria. Sempre ficava quieta, limitava-se a responder algo quando Saga solicitava uma opinião, mas dessa vez ela caminhou até a mesa de Saga e parou ali, fixando o olhar em mim. Saga pareceu subitamente cansado, como um professor de primário ensinando o bê-á-bá pela milésima vez.

-Ikki… Vamos ter que recontar a você a situação toda até que entenda que você não teve culpa na morte da Shina? Você foi drogado, forçado a fazer o que fez por conta de uma droga e da psicose de Pandora. Você sequer se lembra, salvo por flashes aleatórios. Você mesmo disse, nem se forçar consegue lembrar de tudo. Por que ficar assumindo uma culpa que não lhe cabe?

-Me dê outra explicação para Seiya resolver sumir da minha vida. Ele me ouviu confessando que o amava na situação mais humilhante e louca possível. Ele viu o vídeo onde, drogado ou não, eu matei a Shina. Ele me viu gozando chamando por ele, pelos deuses. Ainda que ele conseguisse lidar com a minha paixão platônica como ele lidaria com o fato de perder uma amiga querida de toda uma vida, sabendo que ela foi brutalmente assassinada logo pelo cara que é doente de paixão por ele?

-ACALME-SE!

Não sei em que momento eu havia me levantado e batido na mesa, sequer percebi que estava gritando. Saga estava me sacudindo pelos ombros e Saori parecia perplexa com aquele estouro.

-Está me ouvindo? Ikki?

Minha vista estava turva. Logo senti que algumas lágrimas brotaram de forma involuntária. Não adiantava tentar segurar o choro.

-Estou. Eu… Desculpe por isso, não percebi…

-Tudo bem, tudo bem… Sente-se, respire devagar e profundamente. Alimentar esse pensamento depreciativo e culposo é desgastante, uma hora você precisava por para fora.

Saori me ofereceu um copo de água. Depois da explosão inesperada foi como se toda energia do meu corpo fosse sugada.

-Estou cansado de tudo isso…

Mantive a cabeça baixa. Fechei os olhos e imaginei que se eu desejasse com toda força, quem sabe daquela vez meu desejo de sumir realmente funcionasse.

Claro que não aconteceu. Pude ouvir a voz de Saga.

-Isso tudo é pelo fato de Seiya ter se afastado? Todo essa autodepreciação, essa crise depressiva… Por que Seiya está afastado?

Suspirei sem forças naquele momento.

-No lugar dele, eu sendo uma pessoa normal, faria o mesmo. Simplesmente sumiria da vida dele se a situação fosse inversa, e não me sentiria mal por isso em hipótese alguma.

O silêncio durou alguns minutos após isso.

 

Hide my head I want to drown my sorrow /Escondo minha cabeça, eu quero acabar com meu sofrimento

No tomorrow, no tomorrow /Não há amanhã, não há amanhã


 

-Você chegou a falar com Seiya depois que saiu da prisão?

-Não.

-Não quis conversar com ele? Ter notícias ou coisa do tipo?

-É claro que quis. Mas eu não me senti com coragem o suficiente para me aproximar dele. E muito menos com coragem de perguntar dele ao Shun ou aos outros. Eu… Só não quis me machucar mais. Não sei como vou lidar com a rejeição explícita dele, por isso estou evitando esse assunto. Não é como se eu tivesse alguma esperança de um dia voltar a sermos amigos ou algo além disso. Não tenho esperança nenhuma. Só estou adiando o inevitável.

-Que seria…

-Que pergunta, Saga! Uma hora eu vou ouvir dele ou saber que ele disse que não quer me ver nem pintado de ouro, que jamais quer ver minha cara outra vez e coisa do tipo. Como sei que a hora que isso acontecer eu não terei mais motivação para viver, estou fugindo. Por causa do Shun, dos outros… De você Saori, por que sou grato e quero expressar essa gratidão que sinto por tudo que tem feito e tentado por mim. Mas saiba que não está sendo fácil. Eu simplesmente cansei.

Saga e Saori trocaram um olhar novo, carregado de ansiedade. Não passou despercebido por mim, mas como eu disse, eu só queria ficar quieto.

-Ikki… Então aquelas crises de ansiedade realmente melhoram com os remédios? Você acha que se não estivesse tomando a medicação, reagiria tão… Desinteressadamente com o afastamento do Seiya?

-Não sei. Acho que, se foi pra me acalmar ou coisa do tipo, sim, os remédios funcionaram.

-Hum… Ikki, me diga uma coisa. Quero que me acompanhe em um raciocínio. Se por acaso o Seiya…

-Por favor. Por favor Saga, se for pra criar uma fantasia onde as coisas se resolvem e eu poderia ter um mínimo de esperança… Pare. Eu não quero me agarrar a ilusões outra vez.

-Apenas me acompanhe. Não estou pedindo que crie nada, só me acompanhe.

Suspirei cansado.

-Anda…

Saga fixou os olhos em mim.

-Suponha que Seiya converse com você. Suponha apenas que no mínimo vocês voltaram ao nível de relação anterior: bons amigos que se veem esporadicamente. Como você se sentiria?

Levei alguns minutos pensando. Não seria ruim, mas eu acharia estranho fingir que estava tudo bem quando não estava.

-Acho que da mesma forma que antes. Não sei, ficaria imaginando que tudo que ele fizesse que me envolvesse seria por pena, sei lá. Simplesmente não seria possível ser como antes. Não depois de tudo.

-E se fosse melhor?

-Melhor? Sim… Se ressuscitassem a Shina, talvez houvesse conserto.

Saga piscou algumas vezes.

-Certo… Entendi.

Saga levantou-se e foi até a janela. Mirou a paisagem e perguntou em uma voz estranha, rouca e distante.

-Não sente como se houvesse esperança. Entendo o sentimento. Mas caso, por algum milagre do destino, você se apaixonasse novamente e fosse correspondido… As coisas não poderiam ser diferentes? A vida não teria uma outra motivação?

Nem demorei a responder pois eu já havia pensado nisso. Muitas vezes.

-Não. Eu vivi a viva pensando em como ela seria maravilhosa com outras pessoas. Eu criei um estilo de vida onde minha existência girava em torno dos outros. Seja por não correspondência do sentimento ou por intervenção do destino, o que eu imaginei nunca funcionou. Eu não acredito que viver como vivi tenha sido bom, e eu não me acho um motivo suficiente para continuar seguindo. Então nem eu, nem uma paixão me motivariam outra vez a… Seguir como tenho feito.

Saori se aproximou e falou com uma voz séria:

-Seu tom pareceu muito pessimista. Quando diz que não quer seguir, quer dizer que pensa em acabar com sua vida ou não quer seguir procurando algo que o motive?

Não preciso falar a verdade a vocês, a resposta está clara.

Mas Saori ficaria extremamente perturbada, portanto decidi mentir. Encenei até. Confesso que foi mais fácil do que eu esperava.

-Não consigo encontrar algo que me motive… Eu… Preciso de ajuda mas nem sei…

Abaixei a cabeça e deixei algumas lágrimas quietas rolarem. Senti as mãos de Saori em meus ombros mas continuei ali.

-Ikki…

Palavras vazias de esperança rolaram, eu fingi que acreditei, agradeci, enrolei e me despedi. Ainda que Saga se mantivesse reticente em acreditar em mim, pelo menos paz para aquele momento eu consegui.

Podia voltar para a minha mesmice habitual. Para meus amanhãs repletos de ontens.


 

And I find it kinda funny /E eu acho isso meio engraçado

I find it kinda sad /Acho isso meio triste

The dreams in which I'm dying /Os sonhos em que estou morrendo

Are the best I've ever had /São os melhores que já tive

 

As cinco ou seis sessões seguintes foram de puro fingimento. Eu atuei como nunca, afirmando que queria me sentir motivado. Que precisava fazer isso pelo Shun e pelos outros. Que seria uma forma de me desculpar com a Shina, se eu vivesse por nós dois…

Entre outras tantas besteiras.

Estranhamente, Saga deixava as sessões serem conduzidas por Saori nesses dias. Ele iniciava, mas depois assumia o papel dela, de expectador. Na última, porém, ele agiu de maneira inusitada.

-Muito bom… Fico feliz que esteja buscando um meio de sair dessa nuvem de culpa e mágoa. Portanto, como tem evoluído tão bem, na próxima sessão teremos um convidado especial. Alguém importante que vai conversar com você e conosco na sessão.

-Convidado?

-Não se preocupe, você o conhece bem. Na próxima sessão, iremos a uma clínica diferente. Você irá aguardar em uma sala e ouvir minha conversa com nosso convidado, depois solicitarei que se junte a nós.

Não nego que fiquei curioso sobre quem Saga traria. Logo pensei em Shun.

-Não sei se quero isso.

-Não perguntei o que você quer. Estou te comunicando como acontecerá a próxima sessão, só isso.

Lá estava o velho Saga de sempre. Confesso que aquele ato grosso dessa vez me deixou até mais tranquilo. Revirei os olhos.

-Que seja.

-Será. Só mais uma pergunta: como tem sido seus sonhos ultimamente, Ikki?

Saga cruzou as mãos em frente ao rosto enquanto perguntava isso. Seu olhar estava fixo em mim de maneira intensa.

Senti um arrepio na espinha. Como ele poderia saber que eu andava sonhando muito ultimamente?

E eram sonhos… Bem…

Escuros.

E que me deixavam confortável.

-Ikki?

-Sim?

-Sonhos?

-Eh… Sim, tenho sonhado bastante, mas não me lembro bem.

-Hum hum…

Ficamos alguns segundos nos encarando. Saga sorriu de maneira sarcástica.

-Que pena… Mas fico satisfeito em vê-lo bem. Até semana que vem.

A maneira como Saga sorria era a mesma maneira que você percebe quando alguém descobre algo mas não pode dizer que sabe.

Simplesmente irritante.

 

I find it hard to tell you /Acho difícil dizer isso pra você

I find it hard to take /Pois acho difícil de encarar

When people run in circles /Quando as pessoas andam em círculos

It's a very, very /É um muito, muito

Mad world, mad world / Mundo louco, mundo louco


 

Não vi o tempo passar, obviamente.

Quando chegou o dia da próxima sessão, Shun saiu cedo de casa dizendo que precisava ir a academia logo. Supus que ele fosse antes de mim a sessão e me despedi de maneira desinteressada.

O endereço que Saga passou era em um bairro residencial afastado. Vi muitas casas grandes e velhas, algumas mansões, e em frente a um portão de grades altas e redondas pude ver uma casa não muito velha toda pintada de branco.

Ao entrar depois de me anunciar, fui recebido por uma moça que me disse que já sabia sobre meu atendimento com o Dr. Saga e eu deveria acompanhá-la. Após passarmos por um corredor pintado em cor creme, que me remetia a uma riqueza velha, entrei em uma sala.

-Sente-se por favor. Os lenços e água com açúcar estão na mesa e o botão verde ativa o microfone. Quando o Dr. Saga chegar, ele irá apertar um botão e aquela parede a frente da mesa irá se erguer. Tudo que precisa fazer é assistir e ouvir.

Confesso que achei aquilo estranho demais. Mas quando pensei em perguntar o que era tudo aquilo, a atendente já havia se afastado.

Andei pela sala e me sentei. Não entendi o por que de lenços e água doce. Demorou algo em torno de dez ou quinze minutos até que ouvi o som de uma máquina como se fosse um elevador, e de repente a parede da sala em frente a mesa se ergueu. Era espelhada e me permitia uma visão ampla de uma outra sala a frente, que tinha apenas dois sofás escuros e uma poltrona.

Bem o estilo de Saga.

Ele entrou e olhou em volta. Parecia que olhava diretamente para mim e soltou uma risada estranha, sinistra até. Meneando a cabeça, ele sentou-se na poltrona e virou-se, bem de cara para mim, apontando em direção ao botão verde. Ao apertá-lo, pude ouvir a voz dele.

-Consegue me ouvir?

-Sim, consigo.

-Muito bom. Eu irei receber uma pessoa, como você sabe, que tem feito terapia assim como você, comigo e Saori.

-E o que eu faço?

-Ouça. Mas em hipótese alguma se mexa. Não saia da sala, e fique longe do maldito microfone, sua presença não pode ser revelada. Fui claro?

-Foi.

-Muito bem. Quando eu acabar aqui chamarei você. Ainda que sinta vontade de fugir, permaneça aqui.

-Por que eu…

-Apenas permaneça. Agora irei cortar o microfone, e você faça o mesmo apertando mais uma vez o botão verde, assim não ouviremos sua voz deste lado. Meu convidado já está chegando pelo que vi. Ele passou a ser estranhamente pontual de uns tempos para cá.

Obedecendo a Saga, apertei o botão e em menos de um muito a porta se abriu. Saori entrou sorrindo para Saga, dando passagem para o convidado tão misterioso.

Que quando vi, confesso, me deixou sem respirar por um instante.


Notas Finais


https://www.youtube.com/watch?v=4N3N1MlvVc4

Link da música.

Pois é, tão perto do fim o autor se enterrou no muro do bloqueio criativo, e antes disso empacou na ideia de que o final não era o que ele queria. Por isso essa fucking demora. Mas espero MUITO que logo menos eu poste a parte dois desse capítulo e o capítulo final.

Agradeço imensamente a paciência e a companhia a quem ainda estiver aqui.

Beijos e abraços e até o próximo.


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