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História Evanescente - Seis


Escrita por: ACeridwen

Notas do Autor


Capítulo novinho em folha.
Espero que gostem.

Agora a história começa realmente.

Capítulo 6 - Seis


Os outros três, o Olhos-Violeta, o Olhos-Verdes e o Olhos-Castanhos recebem algo no pescoço como um dispositivo prateado e desmaiam, antes de serem jogados no fundo de um caminhão preto militar. Amontoados como animais mortos em um abatedouro. Carne para um banquete.

Aguardo minha vez, sinto o dispositivo gelado tocar minha nuca. Mas nada acontece. Não o que eu esperava.

Ao invés de desmaiar sou surpreendo com um golpe no alto da  cabeça, golpe que me faz cair no chão, agora mais uma dor pulsando com o olho roxo que não consigo abrir.

― Não parece ser um ladrão muito experiente ― uma voz diz, vindo lá de cima, onde eu estava antes de cair. ― Olhe para mim, detento.

Eu ergo meu rosto na direção de onde ela vem, encontrando um corpo alto e de músculos sólidos baixos que lembram muito bem um dos nadadores da minha Casta.

― Levante-se ― ele ordena, sua voz linear, ativa, poderosa. Me levanto e a sombra dele me cobre mesmo estando de pé. ― Está sentindo dor?

Não digo nada, o uivo do vento é sua única resposta, mas ele não se parece com o tipo de pessoa que aceita isso. Percebo pela postura, a forma de olhar sobre o nariz, aquela ascendência forte de quem tem poder e gosta de usar.

― Responda, detento. Eu fiz uma pergunta.

Os braços para trás das costas agora. A neve se amontoando em sua cabeça delicadamente como um halo branco.

― Estou ― a raiva ardente faz minha voz tremer.

― Ótimo ― seu timbre tão frio quanto o halo que rodeia sua cabeça com a neve que cai ― Você sabe quem eu sou?

Cerro meus dentes para não xingar. Mas as palavras escapam de qualquer forma.

― O cara que invadiu minha casa e espancou minha família.

Outro golpe me acerta, rápido como um relâmpago, um murro de mão fechada bem em minha garganta. Se fosse um pouco mais forte seria mortal. Sequer vi suas mão se mover.

― Ninguém gosta de espertinhos. E eu não sou exceção. Vou perguntar outra vez e sua respostas irá definir o próximo golpe. Você sabe quem eu sou?

Engasgo, agonizo, sufoco, meus olhos umedecem, as mãos algemadas transformam o processo em uma tortura.

― Não... ― dor.

― Eles me chamam de Asa Carmesin. Mas também sou conhecido como Chefe da Guarda Real ― uma pausa. Asa espana a neve de suas ombreiras. ― Me diz, eu pareço carregar esse título?

Não encontro ironia em sua voz. Então respondo, para evitar outro golpe:

― Não.

Outros soldados observam e eu percebo algumas diferenças, todos usam armaduras cinzas de metal rústico e pesado, com espadas na cintura e alguns poucos com armas de fogo nas mãos. Mas não esse Asa Carmesin, ele não carrega qualquer arma, usa uma armadura mais leve, de um prateado limpo e brilhante, com medalhas no peito e ombreiras, não parece ser tão experiente quanto os outros soldados. Além do fato de que ele poderia muito bem ter minha idade.

― Por que? ― ele pergunta.

Eu demoro. Seus olhos cinzentos me observam.

― É jovem.

Ele demora agora.

― Exatamente. Eu sou jovem demais para ser chefe de alguma coisa.

Asa para, como se esperasse por mais alguma palavra minha, ou um motivo para me bater outra vez.

Eu não lhe dou esse prazer, mas o golpe vem mesmo assim, um murro no nariz. Minhas pernas fraquejam e eu caio sobre os joelhos. Olho para baixo e gotas vermelhas pingam no chão, entre pontos pretos de vertigem. A neve pisada parece me olhar.

― Levante-se.

Eu me levanto.

― Você acha que alguém da minha idade, que alcançou um posto militar por mérito, chegou aqui sendo idiota? ― Não respondo. ― Responda.

O sangue escorre por meus lábios, passa por meu queixo e pinta uma cortina rubi perfeita em minha blusa.

― Não.

― Então por que acha que pode me enganar, Neil Parker? ― as palavras vagam não ar. Dessa vez realmente é uma retórica. ― Ontem a noite a Rainha fez uma aparição pública, usando o colar que você disse ter roubado, e hoje de manhã, menos de doze horas depois você me aparece com ele. Um pouco rápido demais para um Olhos-Azul de Tesla. Não é?

Silêncio, exceto pelo ressoar das botas dos soldados contra o chão  o vento contra minha pele e o vibrar dos motores dos dirigiveis.

Asa não é frio. Não tem ar sádico. Ele age como se me espancar e me subjugar fosse uma caminhada matinal. Exala indiferença. Me sinto esmagado.

— Não faz diferença — digo. As palavras tem gosto de ferro — Eu roubei e vou morrer por isso.

Aguardo o golpe, talvez um murro no olho bom, ou joelhada no meio das pernas. Aguardo. Mas ele não vem.

— Você está tremendo. Antes de blefar, descubra até onde seu corpo pode te levar ― O chefe da Guarda Real me olha por um segundo e dá as costas para mim, seus pés se movem lentamente para longe. As últimas palavras que saem de sua boca são trazidas pelo vento. ― Você não roubou da família real apenas, roubou também de mim ao levar algo que estava sob minha proteção. E ainda ousa mentir. Sei que não fez sozinho. Me diga quem o ajudou.

A resposta que ele recebe é mais silêncio.

— Então garanta que vai morrer no Cisma, ou sua família irá no seu lugar.

Meu coração pula no peito. Sinto o frio, como o de um floco de neve em minha nuca. E não tenho tempo para raciocinar antes do céu cair sobre mim e o mundo se tornar escuridão.

Uma frase paira no nada sem fim, algo que Asa disse quando invadiu minha casa.

“É o colar da rainha. Como Effy havia dito.”

E então estou flutuando lentamente, meu corpo jogado em um oceano sem luz. Sinto as dores. Na garganta, no olho, no coração. Mas elas vão sumindo aos poucos.

Line com o rosto inchado, meu pai ferido por seja lá o que usaram nele. Os gêmeos com frio.

Effy.

Effy.

Effy.

Não há mais amor no mundo. Não há mais nada. Um dia acordamos e todas as pessoas que eram importantes para nós haviam morrido.

Uma mãe Olhos-Castanhos roubou leite para seu filho na quitanda e morreu.

Um Olhos-Verdes atropelou um garotinho na rua. Morreu.

Um Olhos-Negros enfurecido atirou ácido molecular no rosto do irmão. Morreu.

Estamos todos morrendo de qualquer forma. O inverno não está apenas lá fora. Está também aqui dentro.

E isso porque paramos de falar da Peste.

Uma luz passa pela frente de meus olhos e de repente não estou mais no escuro. A luz volta e se vai com a mesma velocidade. E outra vez. E mais outra. De cima para baixo.

“Um elevador” penso.

O metal das paredes não range, mas emite um ruído indicando que estamos subindo.

"Detentos de Z-01 há Z-10 em inserção" diz uma voz feminina que não vem de lugar nenhum, mas está em todos os lugares "Última leva."

Percebo que estou em uma cadeira presa ao chão, com travas descendo de meus ombros até as costelas.

"Dez minutos para o início do Cisma" a voz diz, sempre lentamente e ecoando por dentro do meu crânio.

Aos poucos minha visão vai se acostumando a escuridão. As luzes descendo pelas paredes, entrando por brechas fendidas. O elevador vibrando.

Consigo abrir os dois olhos, não sinto mais o cheiro de sangue, muito menos a dor dos golpes de Asa. Não sei o que aconteceu, mas não me lembro de já ter me sentido tão bem alguma outra vez em minha vida.

― Estamos chegando ― alguém diz rouco e áspero ao meu lado. Viro a cabeça, a única parte do corpo que consigo mover, para dar de cara com o Olhos-Castanhos de pele escura do dirigível, também preso a uma cadeira. ― Dez minutos para a morte certa. Agora bem menos.

Ele ri alto, paranóico, agitado.

Percebo que suas roupas estão diferentes, completamente negras, e um círculo amarelo neon no peito guarda seu número:

Z-02

― Pela Menina dos Meus Olhos, cale essa maldita boca ― uma voz mais ou menos conhecia, a do Olhos-Verdes, reclama a nossa frente.

"Nove Minutos para o início do Cisma."

O Olhos-Castanhos não parece se importar. Ele está agitado, se balança nas travas de segurança. Rindo alto. Como se fosse cuspir os pulmões para fora. Espumando.

"Sete Minutos para o início do Cisma"

Além de nós há outros detentos nas cadeiras dispostas em um círculo no centro do elevador, vejo um garoto mais novo que eu me encarando com enormes olhos azuis, Z-05. Uma mulher jovem, mas com uma cara de mãe marcada por olheiras fundas Z-07. Um idoso de olhos castanho apertando os dedos tristemente, Z-09.

Todos muito agitados, mas nenhum como o homem que está ao meu lado. Nenhum tão entregue a loucura.

"Cinco minutos para o início do Cisma" a voz anuncia e continua: "A porta sul permanecerá aberta por um minuto após do início do Cisma. A porta norte permanecerá aberta por dois minutos após o início do Cisma. A porta leste permanecerá aberta por três minutos após o início do Cisma. E a porta oeste permanecerá aberta por quatro minutos após o início do Cisma" 

O elevador para bruscamente, chacoalhando nossos corpos nas cadeiras. O garoto mais novo que eu geme. A mulher choraminga. O idoso continua a apertar os dedos. E o Olhos-Verdes grita de pavor. Deixando o Olhos-Castanhos ainda mais agitado.

― O que foi? ― ele vocifera, não está mais gargalhando, agora parece irritado. ― Sua "Casta Superior" não te preparou para isso, Olhos-Verdes? ― ele cospe no chão com desgosto. Gritando agora. E o elevador não volta a se mover. ― Porque a minha me preparou! Eu vou vencer esse jogo estupido, e você vai morrer antes de sair daqui de dentro.

Ouço alguém chorar. Ouço alguém gemer. Ouço alguém sorrir. E as portas se abrem.

"Um minuto para o início do Cisma"

Notas Finais


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