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História Evanescente - Oito


Escrita por: ACeridwen

Capítulo 8 - Oito


Ela encontrou a porta no final do corredor, seus dedos delicados giraram a fechadura e as pernas rápidas a levaram para dentro da sala escura, antes de fechar a porta com uma velocidade memorável. A rapidez de uma Olhos-Azuis que encontrou seu talento já criança. Uma corredora.

Ela esperou um tempo, dez segundos, e pigarreou para a escuridão que a envolvia. Até mesmo no som era delicada.

E no segundo seguinte as cortinas pesadas que cobriam uma única janela se afastaram, a luz fraca apresentando uma sala pequena, com poltronas grandes, uma mesinha e estantes de livros empoeiradas espalhadas pelas paredes. Provavelmente o lugar favorito de algum Rei antigo, um lugar secreto onde histórias de amor começaram, ou, mais provável, onde casais apaixonados se consumaram, e que foi esquecido e apadrinhado pelas traças.

― Você está atrasada ― a voz que ela esperava ouvir veio de um dos cantos ainda escuros da pequena sala.

Não precisou se aproximar para ver quem era, continuou com as costas na porta. Apesar de audaciosa não era de pedra. Tinha o conhecimento de que seria morta se, como uma dama da Princesa, fosse encontrada com um garoto em um aposento escuro. Por isso tomou muito cuidado antes de entrar.

― Sabe que é impossível ― disse. ― Eu vim com a alvorada. Ela nunca se atrasa.

Ele caminhou para a parte mais clara, com uma calma contagiante e se jogou na poltrona, apoiando os pés na mesa de centro. E seus olhos eram de um cinza morto, contrastando com o uniforme branco e prata.

― Por ser a alvorada ela tem seu próprio tempo ― ele disse, calmo, despreocupado. ― Hoje é o primeiro dia do Equinócio. Caso tenha esquecido.

Ela se lembrava, o Inverno começava com o Equinócio, o Sol mais distante Terra. Dias mais curtos e... Noites mais longas.

― Como imaginei ― o garoto voltou a falar. Não parecia ter apenas dezesseis anos. Tinha a calma e a esperteza de alguém com cinco décadas de vida. ― O único motivo pelo qual não se esquece dos olhos é porque estão grudados em sua cara.

Ela torceu o nariz.

― Cala a boca.

Se afastou da porta e assumiu seu lugar na poltrona a frente do Olhos-Cinzentos. Retirou as sandálias e colocou os pés de dedos pequenos para cima do assento de tecido macio, abraçando as pernas.

― Não vejo onde está toda essa delicadeza de que tanto falam ― o garoto dos olhos de pedra disse em desdém ―  E em primeiro lugar, o termo correto é 'Cale a boca', deveria saber. Tanto tempo na corte e ainda insiste em manter a natureza de um cavalo selvagem.

― Cale a boca ― corrigiu ácida, provocativa. ― Como conseguiu colocar o bilhete em meus sapatos?

― Gentileza altruísta acaba sendo útil cedo ou tarde ― ela achou ter visto um sorriso no canto dos lábios dele. Mas poderia muito bem ser apenas a sombra da luz em seu rosto. ― Aparentemente Olhos-Castanhos tem um fraco por homens de uniforme.

“Sendo útil” ela pensou. “Quem consegue persuadir uma criada a colocar bilhetes nos sapatos, consegue persuadir também a colocar outra coisa em outro lugar.”

― Como se houvesse um pingo de altruísmo em qualquer coisa que você faz.

― Realmente ― ele respondeu.

Os encontros secretos sempre a irritavam. Aquele garoto de cabeça raspada e vestido como um animal adestrado pela coroa deveria, no mínimo, estar acorrentado.

― Diga de uma vez.

― Antes nosso combinado ― ele segurava um livro de capa dura nas mãos, o folheava, mas sem ler nada. ― Falou de mim para a Princesa?

Ela bufou.

― O melhor guerreiro. É exemplar. Todos falam bem dele. Merecia ser chefe da Guarda Real ― equanto entoava as frases a garota forçava uma voz nervosa, apesar de baixa. ― Eu falei tudo o que pediu. Mas duvido muito que ela tenha prestado atenção. A Princesa nunca ouve ninguém além de seus pais.

― Ótimo.

Ela torceu o nariz, atiçando as sardas em suas bochechas. Odiava os encontros, mas não poderia viver sem eles. Aquele garoto, Asa da família Carmesin era seus olhos e seus ouvidos no mundo lá fora, o mundo que via através das janelas. E isso era o máximo que poderia conseguir.

― Vamos ― estava ficando impaciente. Não poderia demorar muito mais. ― Me diz o que viu lá fora dessa vez.

Houve uma eternidade. Enquanto o esperava começar ela sentiu estar assistindo a queda de um floco de neve. Três anos? Quatro anos? Seis? A quanto tempo eles se conheciam? O quanto ela conhecia ele?

― Não muito. Desde que me mudaram de posto minhas expedições tem sido um tanto... curtas, além de entediantes. Não há muito o que fazer atrás do volante de um caminhão.

― Eu quero detalhes, Asa. Conte tudo ― ela fez uma pausa, sua mente rodopiando ao redor do trato. ― Suas palavras por minhas palavras.

― Você, minha boca. Eu, seus olhos e ouvidos ― o garoto completou.

Asa pareceu analisar, por alguns segundos as páginas do livro pararam de passar com seu frenesi ritmado.

― A Peste está voltando. Matou alguns Olhos-Azuis em Tesla. Olhos-Castanhos em Bona Dea e outros indistinto na Cidade dos Barris. Mas não é só lá, há relatos de que a Segunda Muralha inteira está sofrendo com a doença. Nós aqui em Devoir não corremos risco e, aparentemente, os Olhos-Negros encontraram uma forma de linear o número de mortos. Para evitar outra epidemia.

― Linear como? ― ela perguntou um pouco exaltada.

― Vacina. Imunidade temporária.

―  Vacina para a escória?

― Apenas para as Castas que puderem pagar.

― Ou seja, nenhuma.

― Você se importa, Princesinha?

― Não me chame assim. Eu não sou princesa.

― Mas é como estão lhe chamando fora daqui. A Princesa sem Coroa.

Havia se enganado. Asa Carmesin não era um floco de neve. Ele escondia algo quente por detrás de tudo aquilo. Algo perigoso. E apesar de saber que a distância era sua melhor armadura contra ele, a mania de autodestruição era o que a movia. Seis anos e ela continuava se enganando a respeito dele dia após dia.

― Não.

― Não o quê? ― ele perguntou.

― Eu não me importo.

Ela viu quando Asa apertou os lábios grossos em um quase sorriso, e dessa vez não era a luz. Seis anos e ela também nunca o havia visto sorrir de verdade.

― Ninguém se importa. O Inverno não está apenas lá fora, está dentro de cada um de nós. E essa é a verdadeira Peste.

― A vida não é fácil para ninguém.

― Para ninguém?

Ela não respondeu. Havia sido pega em uma armadilha e estava queimando. Asa era fogo. Um boneco de neve por fora. Um inferno ardente por dentro. Ele não sorria, mas ainda assim ela esperava.

― A família real vai dar a festa das Efemérides do Cisma no quinto dia do Inverno ― Asa se levantou e sua sombra pareceu cobrir o mundo. ― Esteja lá.

Ela fez uma careta.

― Sabe que eu estarei. Não tenho escolha.

Um segundo se passou, a sombra densa estática não se moveu meio centímetro sequer.

― Não esqueça de olhar seus sapatos, Princesinha.

― Effy, eu me chamo Effy.

― Eu sei.

E ele se foi. Ela ainda iria esperar três minutos antes de tomar o mesmo rumo.


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