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História Evanescente - Nove


Escrita por: ACeridwen

Notas do Autor


Ouçam Yellow Flicker Beat (Lorde) enquanto leem esse capítulo.

Capítulo 9 - Nove


Effy seguia a Princesa por todos os lados, suas poucas obrigações se resumiam a sorrir de tudo o que a Princesa dissesse e cochichar baixinho coisas meigas e delicadas. Era fácil, ela e as outras Damas haviam sido treinadas desde pequenas para serem o cortejo real da filha da Coroa. E para parecerem frágeis e quebraveis para o resto do mundo.

Mas diferente das outras, Effy tinha um peso extra, ela e a Princesa se gostavam, eram como irmãs. E isso estava a expondo.

A Princesa sem Coroa.

O que significava? Ou mais importante. O que a Princesa, a com coroa, achava disso?

Ela era polida.

As vinte criadas Olhos-Castanhos lavavam seu corpo, esfregavam cada centímetro, partes que ela gostaria de ter a liberdade de poder lavar por conta própria. Penteavam seus cabelos castanhos, cobrindo as ondas cor de chocolate com jóias brilhantes. Escondiam seu Verdadeiro Eu com maquiagens, pó, brilho, sapatos altos, vestidos pesados e diziam, mesmo que sem palavras: Vá, mostre a todos o que a Coroa fez com você.

Ela não era uma Olhos-Dourados, mas a corte a havia colocado em um lugar onde uma Olhos-Azuis jamais chegaria sem guerra. E por algum motivo, eles queriam que todos soubessem disso.

“Eu não acredito que Olhos-Dourados só namoram com seus primos” Foi a primeira frase completa que trocou com a Princesa. Naquele dia. Na janela. E desde então sua vida havia mudado drasticamente.

― Encontrou algo em meus sapatos hoje? ― ela perguntou para uma das criadas quando estavam sozinhas. A menorzinha, com grandes olhos cor de amêndoas e os lábios maltratados por mordidas nervosas de seus próprios dentes. A que sempre encontrava os bilhetes.

― Não, senhorita. Me desculpe ― respondeu, falando baixinho.

Era o terceiro dia. Faltavam dois para Cisma, e para a festa. E nada do Olhos-Cinzentos. Effy precisava encontrar Asa. Mas como a Boca do garoto, não poderia procura-lo. Apenas ele poderia vir até ela. Era o trato. Por segurança.

Todo mundo no Palácio conhecia a história de Alice, a Dama de Honra da Rainha, que havia sido encontrada se esfregando com um soldado nos Aposentos Reais. Ambos foram degolados, e expostos nus na frente dos portões, para que toda Devoir pudesse vê-los assim como estavam no momento em que foram flagrados. E desde então Alice passou a ser sinônimo de traição.

Não que Effy e Asa Carmesim estivessem se esfregando. Mas a Coroa tinha sua própria forma de enxergar a verdade.

― Não quero que ninguém fique sabendo disso. Entendeu? ― foi uma ameaça. Por garantia.

― Sim, senhorita.

Haviam aulas de boas maneiras. Como se sentar, como comer, como falar. As Damas não tinham qualquer dificuldade em fazer os exercícios. Mas Effy era excepcionalmente perfeita em tudo. A definição de Nobreza.

Até mesmo nas aulas teóricas ela era a primeira. Entendia também de política e diplomacia. E todos os Lordes das famílias governantes de Einar gostavam dela.

A Princesa sem Coroa.

Ela encontrou o bilhete no dia da festa, na manhã do Cisma, e ainda assim foram poucas palavras frustrantes, nada explicativas. Não valeram a animação da criada esquálida que entregou o pequeno papel, muito menos sua animação, que morreu quando ela as leu:

"Qual cor melhor combina com dourado?"

Ela o amassou e mandou a mesma criada se livrar dele. Asa a tirava do sério as vezes, seu jeito nada metódico a irritava.

Eram cinco Damas, cada uma de uma Casta diferente, filha de um nobre diferente, nascidas para a corte. Exceto Effy.

Não que ela fosse pobre, estava muito longe disso. Sua família vivia em Devoir, a cidade com prédios de trinta andares e pontes que ficavam suspensas sobre os rios por cabos de aço. Apenas o status de ser um morador da capital fazia dela uma pessoa rica, com o futuro já garantido por pensões gordas. Mas ela não era nobre, havia vivido desde criança na casa de seu tio Rowan Balthier, Chefe da Família Balthier e Governador de Tesla, e então, por sorte, foi parar na corte, porque seu amado tio usou a proximidade com o Rei para colocar seus pais dentro do palácio.

“Vá, Effy” 

Ele lhe disse na noite da mudança, sentado em sua poltrona, fumando um charuto de cheiro podre, apreciando os milhares de globos de neve dispostos pelo aposento sobre estantes, brilhando na semi-escuridão fria como estrelas brancas no céu a noite.

“Minha velhice e esse uísque azulado me corromperam, já não sou um homem apto a grandes feitos. Mas seus ossos jovens ainda vão ter muita história para contar. Não fiz isso por seus pais, fiz por você. Jamais será Princesa, ou Rainha, mas seja o que esse mundo precisa. O que essa família precisa. O Inverno está chegando e tenho medo de que dessa vez seja para sempre”

Ela tinha sete anos na época. Conheceria a princesa dali a sete meses. Estaria lembrando daquele dia pela primeira vez sete anos depois, enquanto as criadas a arrumavam para a Festa do Cisma. 

A noite chegou rápido, não faltavam mais que poucas horas para o início do Cisma. O Salão de Vidro, onde a festa estava acontecendo fervia de pessoas frias, estátuas de gelo batizados em fogo, e Effy sabia, eles procurariam por ela.

"Princesinha"

O vestido azul tocava o chão, crescia ao redor de sua cintura e atiçava as pequenas curvas ossudas de seu corpo. Era lindo, costurado pelas vinte criadas excepcionalmente para ela. Effy não era menos fria que os outros lá no Salão de Vidro, mas o olhar que as criadas lançaram para ela tocou uma parte de seu corpo que fez a menininha Olhos-Azuis se reavivar.

― É incrível ― ela disse em tom sonhador. ― Me lembra um lago cristalino refletindo o céu azul da Primavera.

As criadas trocaram sorrisinhos.

― São seus olhos, Senhorita ― a menorzinha disse. ― É a cor de seus olhos.

Das cinco Damas, ela e Ada Carmesin eram as mais bonitas. Ela delicada, azul, brilhante. Ada voraz, cinza e branca, sugando todo o brilho do mundo.

Elas estavam ao lado da Princesa quando os fotógrafos e os câmeras Olhos-Verdes aparecem. Fazia parte da obrigação delas: estar alí, uma a direita outra a esquerda, como brincos de prata, jóias a serem usadas.

Effy estava porque a amizade da princesa tinha vantagens e o povo queria vê-la alí, onde Olhos-Azuis, não chegavam.

Ada porque sua família tinha poder.

As outras Damas não carregavam tanto peso. Elas sempre eram liberadas para suas famílias mais cedo. E apesar de não terem o favoritismo do Reino, eram incríveis por conta própria.

Bonnie Alesi, filha do conselheiro do Rei tinha um gênio alegre e divertido, sorria mostrando os dentes, gargalhava de boca aberta. Desaparecia fácil entre os nobres pedantes e reaparecia com a mesma sutileza, contando piadas e fazendo pessoas estupidas sorrirem. Seus cabelos curtos, brancos como o chão no Inverno e os olhos violetas brilhantes tiravam mais que apenas sorrisos dos Lordes, tiravam também suspiros apaixonados.

Kira Azucena, a Olhos-Negros de braços e pernas finas era mais contida, não usava vestidos exuberantes ou penteados espalhafatosos. Mas era esperta, ela não caminhava por entre as pessoas como Bonnie, mas bastava sentar-se em uma mesa que seus 1,50 de altura se tornavam igualmente impressionantes. Ela e seus olhos indiferentes teriam uma resposta para tudo, desde economia até as estatísticas do Campeão que ficou em primeiro lugar no último Cisma.

Até mesmo Calista Ophira, a menos favorita, Olhos-Verdes, tinha seus dons, sua forma de falar fluente e a lábia faria dela uma ótima diplomata.

Todas tinham algo que as tornavam úteis.

Mas aos olhos da Princesa sem Coroa, ela era exatamente isso, uma princesa sem coroa, sem poder, sem utilidade.

― Senhorita Balthier, está belíssima.

Ela levou um susto. Suas pernas doíam, pelo tempo em que ficou de pé, e estava aproveitando a cadeira da mesa de sua Família para descansar, enquanto a princesa estava com os seus. Havia acabado de se sentar.

― Alteza.

Seguiram-se as saudações,  sempre demasiadas, dos membros da Família Balthier. Effy ergueu o olhar a tempo de ver o Príncipe dispensar as pomposidades com um aceno de mão indiferente.

A pele pálida, os cabelos dourados fortes, quase castanhos e os olhos faiscando como ouro derretido ainda fervendo. Era assustador. Poderia dispensar a Guarda Real inteira e ainda assim ninguém teria a coragem para enfrentá-lo.

― Alteza... ― sua saudação foi mais sutil, quase imperceptível.

O Príncipe sorriu, dentes retos e brilhantes.

― Desculpe-me. Deve estar ocupada, sei que não vê sua família há muito tempo, e que seria covardia minha convidá-la para uma dança em um momento como esse. Mas admito que estou ansiando por isso desde o início da festa. Posso roubá-la por um minuto?

Ela corou. Não era de corar. Sua guarda sempre alta e a soberba a qual havia sido imposta a impediam de ser uma garota sentimental. Apesar de ter apenas quatorze anos. Mas ainda haviam alguns raros momentos de fraqueza.

― Seria uma honra, Alteza. Mas não temos música.

Ele arregalou os olhos em uma careta divertida.

― Não sei onde estou com a cabeça ― novamente o sorriso de dentes brancos.

Ele se inclinou para um dos guardas, seus lábios se movendo minimamente perto da orelha do outro, deixando um recado que o soldado treinado levou quando se foi. Ainda restavam outros dez guardando o príncipe de perto e Effy percebeu que Asa estava entre eles. Os olhos de pedra fria não foram em sua direção sequer uma vez.

Não levou meio segundo. Uma música lenta e doce começou a soar tímida pela cúpula transparente, vinda da orquestra de Olhos-Verdes no palco.

Ninguém reclamou da música fora de hora. Pelo contrário. Os Lordes Governadores e suas Ladies, e até mesmo as crianças tomaram um par. Todos absolutamente incólumes e implacáveis, esbanjando do poder que tinham, e começaram a dançar.

A mão de dedos compridos do Príncipe estava apontando em sua direção, ela não olhou para sua família; seu pai, sua mãe, seu tio Rowan; o Príncipe estava pedindo e ela tinha a obrigação de aceitar.

“Qual cor melhor combina com dourado?”

Asa sabia que o príncipe faria isso e tentou brincar com ela.

Seus dedos delicados encontraram os do príncipe e leve como um pena azul ela se levantou.

O Príncipe comemorou sorrindo, como se ela tivesse tido escolha, como se ele não pudesse ter qualquer garota que quisesse. E eles se dirigiram para o centro do Salão de Vidro.

― Acredito que seja essa a hora em que digo que não sei dançar ― ele brincou, a coroa brilhando em sua cabeça, combinando com o preto e dourado de seu uniforme militar.

― O Príncipe me parecia bem confiante quando fez o convite.

As mãos dela encontraram no corpo dele o lugar exato que deveriam encontar.

― Na verdade é fácil ser confiante quando ninguém pode ir contra sua vontade.

E desconsiderando suas próprias palavras ele a segurou da forma que deveria segurar.

A cúpula de vidro erguida ao redor do salão era quase invisível, eles poderiam imaginar que estavam ao ar livre, se não fosse pela falta do frio e de ruídos da noite. Algumas poucas estrelas brilhavam entre as nuvens no céu, mas eram quase todas ofuscadas pelo brilho que vinha de dentro, das luzes e dos nobres.

Effy suspirou uma exclamação frustrada. 

― Vejam só. Admitindo que abusa do poder?

Eles começaram a se mover, em perfeita sincronia, apesar de nunca terem estado tão perto antes.

As mãos da garota estavam suando.

― Bem ― o Príncipe disse. ― Abusar do poder é o que Olhos-Dourados fazem de melhor.

― Não acredito, Alteza. Tenho certeza de que tem muitos talentos.

Estavam dançando junto aos outros pares, mas no centro de um círculo de soldados.

― Tem razão. Sabemos fazer biscoitos.

Effy sorriu.

― Biscoitos?

― Exatamente. Eu faço a massa, o Rei assa, e a Rainha e minha irmã fazem a decoração.

― Eu não consigo imaginar a Princesa desenhando sorrisos em homenzinhos comestíveis.

― Ah! Alvorada? Ele é ótima. Desenha sorrisos de chocolate como ninguém.

― Está brincando...

― Estou ― o Príncipe admitiu.

Ambos sorriram. A música mudou, não era mais uma dança de movimentar os pés em três passos e sim de se mover pelo salão e rodar. Eles fizeram o melhor que podiam rodeados por seguranças.

Effy e Asa cruzaram os olhares uma vez, rapidamente, e ainda assim foi sem qualquer significado.

― Minha irmã fala muito de você.

Seu corpo pequeno e magro agora mais afastado do corpo grande e forte do Príncipe. Ele já era um homem, estava em idade de se casar e assumir o Trono. E Effy sabia que naquele momento atraia mais atenção do que desejava. Haviam garotas Olhos-Dourados na festa, todas elas aptas a se tornarem Rainhas de Einar no futuro. Pessoas que a Olhos-Azuis não queria ter como inimigas. E que era exatamente o que estava fazendo enquanto dançava com o Príncipe.

― Se é verdade o que a Princesa conta sobre mim, sabe que seria sábio manter distância.

― É audacioso chamar a Princesa de mentirosa dessa forma, senhorita Balthier.

― Tenho de ser audaciosa, estou cercada de pessoas mais poderosas que eu.

O Príncipe não pareceu gostar de seu comentário, mas a expressão no rosto de traços fortes e angulosos continuou bem humorada.

― Talvez nem tanto quanto imagina.

E por um segundo ela perdeu o ar, um mísero erro no passo da dança fez sua postura desmoronar. O pé esquerdo, debaixo do pano do vestido, tombou para o lado. O salto do sapato que usava lascando ao meio. Mas antes mesmo que fosse ao chão as mesmas mãos que a tiraram para dançar seguraram seus ombros. Não antes que seus lábios se chocassem contra as medalhas no peito do uniforme preto e dourado.

― Está bem? ― o Príncipe perguntou. Parecia realmente preocupado. ― Se machucou?

― Estou bem ― Effy respondeu. Suas palavras com gosto de sangue. Um corte fino no lábio superior. ― O que quis dizer com 'Talvez nem tanto'?

Mas a resposta não chegou.

O tempo pareceu parar. Ela escutou os fogos acima do Salão de Vidro e quando viu o rosto do Príncipe vir em sua direção, sentiu como se a cúpula estivesse fragmentando-se em flocos minúsculos e chovendo ao seu redor.

Não acreditava no que estava acontecendo. E continuou não acreditando até que percebeu que realmente não aconteceria.

A testa do Príncipe tocou a sua e ela viu quando o ouro fervente em seus olhos esfriou e se apagou. Sentiu o cheiro de metal um milésimo antes do sangue começar a escorrer do ponto onde suas cabeças se tocavam. E eles caíram. O corpo de Effy sob o corpo do Príncipe morto.


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