No domingo, o tempo virou.Virou mesmo ,naquelas transformações repentinas de Busan.
O vento assobiou por toda a madrugada,cobrindo com uma fina camada de areia a varanda,a sala,a cozinha.Ir a praia parecia impossível.
Vovó deu a ideia...
-Sabem o que descobri? Lá na cidade uma mulher me falou de uma praia aqui perto,herança de povos antigos.É uma praia isolada,só se chega lá por um caminho de terra.Dizem que é bem bonita.Que tal conhecer?
Pusemos a ideia em votação. Lalice ampliou a sugestão.
-E se a gente fizesse um piquenique?
-Piquenique com esse tempo?-perguntei.
-Se ventar demais a gente come no carro-completou Lalice.-É pelo passeio.Conhecer um lugar diferente...
Topamos.E no entusiasmo de "lugar diferente",até Jimin ajudou a embrulhar sanduíches em papel-alumínio.
Pegamos a estrada asfaltada até uma placa indicando a praia.Era um caminho estreito,passava um carro por vez,ladeando uma montanha.Vovó dirigia devagar,enfrentava muitos buracos e barro.Uns vinte minutos depois,soltou um "oh" excitado e brecou.Deu ré e manobrou o carro diante de um portão de ferro.
-O que foi, vó?-perguntei.
-Mas é um cemitério! Aqui no alto do morro...à moda antiga.Deve ser bem interessante. -apontou para as cruzes visíveis acima do muro azul e branco.
-Interessante? Cemitério? Dá um tempo,vó!-disse Taehyung, irritado.
-Qual o problema? -Vovó olhou para ele, a seu lado,e depois para nós quatro,no banco de trás.
Explicou que orientava uma tese de mestrado cujo tema era justamente signos da morte, e sua mestranda andava maluca, atrás de túmulos expressivos que ilustrassem as teorias. Tirou a máquina fotográfica da bolsa e saiu do carro.
-Queridos,vou entrar.Se quiserem, esperem aqui.Não vou perder essa oportunidade.
-Eu não vou ficar aqui que nem um idiota!-Suga me empurrou para descer.
-Eu também vou- disse Lalice.
Apressei-me atrás deles.Aquele cretino do Taehyung que fizesse companhia para Jimin.Mas ele me surpreendeu com a frase " até que enfim alguma coisa interessante" e nos seguiu.
-Que vista linda!- Yoongi respirou fundo e apontou o cenário.
Realmente era uma paisagem incrível. O cemitério ficava no alto da ladeira e dali se avistavam a nossa praia, algumas ilhas e outras e mais outras praias,além das árvores imensas que cobriam os morros abaixo de nós. O cemitério era pequeno,um descampado estreito entre os morros, com os túmulos espalhando-se de modo irregular pelo terreno que subia e descia.
Vovó nem esperou por nós. Estava com a máquina nas mãos, registrando tudo.Às vezes murmurava:"que interessante!","incrível o trabalho do tempo" e "o que as pessoas colocam como homenagem!".
A maioria era de túmulos rente ao chão, de tijolos escurecidos que margeavam um retângulo encimado por cruz de madeira.Li os nomes e conferi as datas:"Park Sun-lee 12/02/1934-23/05/1998" ou "Kim Mury 22/04/1965-11/09/2004".
Mas havia aqueles interessantes , como dizia vovó, com fotografias azulejadas e frases do tipo "Viveu uma vida repleta de realizações e morreu feliz" ou "Ele amou a natureza e jamais será esquecido ",e havia objetos.
De todo tipo,não apenas religiosos, como santos de barro,crucifixos e rosários, de pedras ou madeira.
Acima da fotografia de um senhor sorridente de cabelos brancos("Um grande vovô", dizia a descrição no túmulo,"Saudades eternas dos seus netos"),havia um cachimbo. Mais à esquerda destacando-se como um obelisco,vimos...
-Uma prancha de surfe!-gritou Jimin.
Seguimos até o túmulo. Era realmente uma prancha, e servia de lápide.
"Ao grande aventureiro Jeon Jungkook, na sua maior viagem "
A data 13/01/1988-24/12/2002 indicava que Jungkook tinha 14 anos ao morrer.
Taehyung deu a volta no túmulo e alisou o material.
-Que ideia! Colocar uma prancha. E é mesmo uma prancha!No túmulo do cara...Será que foi a mãe dele que fez isso?
-E que fim de ano teve essa mãe - Concluiu minha irmã, conferindo as datas.-Morreu na véspera do natal.
-Será que foi afogamento? -perguntou Jimin.
-Vai saber...-disse Suga.
-Deve ser- falei.-Pra colocarem a prancha...
-Pode ter morrido de qualquer coisa - racionalizou Taehyung.
Seu irmão prosseguiu nessa ideia ...
-Vai ver que morreu de doença, acidente... Só colocaram a prancha porque o Jungkook gostava de surfe.
-"Jungkook "?- repetiu Jimin.-Que intimidade com o defunto, Yoongi!
-Foi só um jeito de falar.
-Era quase da minha idade- disse Taehyung, sério.-Ia fazer 15 anos dali a um mês. Já imaginou? Morrer assim tão novo? Nem viu nada, nem fez nada direito pra morrer...
Silêncio. Nós nos olhávamos fixamente para a lápide-prancha. Jimin alisou os braços, num arrepio forçado.
-Credo,como vocês estão mórbidos! Eu,hein?- resmungou e se afastou.
Apesar da reclamação, parecia estranhamente excitado. Nem pensou em voltar ao carro. Pulou agilmente a cruz tombada de um túmulo escurecido de umidade e puxou Taehyung com ele.
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