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História Expresso - Capítulo 1: A sorte está a meu favor


Escrita por: Irwinsexappeal

Capítulo 1 - Capítulo 1: A sorte está a meu favor


 Certo, eu não acreditava que mudanças podiam mexer tão drasticamente com as nossas vidas. 

 Primeiro fato: Eu estava completamente enganada quanto à isso. Mudanças podem sim acontecer em qualquer momento e elas movem sua vida de uma ponta a outra, dando aquele giro sensacional de trezentos e sessenta graus como aprendemos em matemática.

 Segundo fato: Eu sempre fui péssima com matemática. 

 Mas que inferno! Meu pai, além de morrer de overdose e me deixar sozinha; ainda me deixava sem dinheiro algum. 

 Minhas mãos — por mais que já estivessem acostumadas de tanto lavar as louças da lanchonete e de pegar os livros pesados como trabalho extra na biblioteca municipal —  estavam ficando calejadas por conta de estar tentando encontrar algo de valioso por debaixo dos pedaços de madeira que eu chamava de piso. 

 Vocês devem estar se perguntando o porquê de eu não estar organizando minha mala para a grande e tão esperada viagem (Sintam a ironia nesta frase, amigos). A resposta mais complicada é: Por que me importar com duas calças velhas, sapatos gastos e camisas rasgadas? O que minha "família" pensaria de mim se eu aparecesse na casa deles vestida como um trapo?

 Mas caso também queiram saber, o motivo mais simples é "prefiro não estar gastando tempo sem necessidade", ou também cientificamente conhecido como "Síndrome da Preguiça".

 Depois de minutos pensando no que faria se alguém tentasse falar em alemão comigo, finalmente consegui organizar a mala rosa com adesivos de bonecas e animais. O passaporte já estava separado com as passagens e o visto. Agora nem me pergunte como o conselho tutelar conseguiu organizar isso tudo em menos de uma semana. 

 Foi como aquelas questões de química que o professor explica e não conseguimos entender, mas mesmo assim não fazemos se quer questão de procurar saber como foram feitas. 

 No dia em que Georgia me ligou, eu ainda estava presa no trabalho de auxiliar de cozinha. De primeira, eu pensei que era alguma brincadeira sem-graça, mas quando escutei sua voz soando mais séria que o normal, pude então perceber que ele realmente havia ido embora. E dessa vez não apenas por algumas semanas como da última vez. Essa era a última vez que eu veria o seu rosto sem ser por retratos.

 Eu sabia que Messias estava sumido por duas semanas, e de acordo com ele, eu não deveria procurá-lo pois só lhe traria mais problemas. Na última vez eu fiquei com um roxo nas regiões dos olhos por alguns dias, e depois disso, eu aprendi que não deveria desobedecê-lo novamente.

 Faziam duas semanas que eu estava sozinha.

 Faziam duas semanas que, possivelmente, meu pai estava morto e eu nem sabia.

 Messias era um homem repugnante. Eu ainda tento entender o que Nina, minha mãe, tinha visto nele. O desprezo era, com certeza, a única coisa que ele merecia. 

 Mamãe era uma mulher de beleza única e excêntrica. Ela era de baixa estatura, com cabelas cacheados tão pretos quanto a noite e por mais irônico que fosse, sua pele era muito bronzeada. Os olhos eram belíssimos e sempre me diziam que eu havia os herdado dela. Eram os azuis mais bonitos que eu já havia visto. Cristalinos como a água.

 Eu não sabia o que tinha de meu pai. Eu era completamente o oposto dele. Mamãe dizia que quando eu me irritava, ficava idêntica à ele. Explosiva, como uma bomba que não é possível desarmar. 

 Desde que minha mãe morreu, eu não fui a mesma pessoa, e muito menos meu pai. Eu sabia que tudo mudaria a partir do momento em que ela fosse enterrada. E eu estava certa o tempo inteiro. 

 Eram noites e mais noites trabalhando para sustentar aquela casa sozinha. Eu não podia se quer descansar sem ter o medo afoito de sofrer algum tipo de abuso. Felizmente, Messias não era tão baixo àquele ponto.

 Eu não sabia o que fazer a partir de agora. Eu não conhecia o tio Charles (E mentalmente esperava que ele não usasse cadeira de rodas e fosse dono de uma mansão) e também não sabia se ele me trataria bem. 

 Eu não odiava nenhum alemão, bem o contrário. Desde nova eu sempre me interessei em conhecê-los, pois as histórias que minha mãe contava eram magníficas. Ela nos dizia que todo natal as luzes coloridas piscavam pelas ruas e entravam em contraste com a neve que caia lentamente do céu. 

 Os enormes perus e os doces sobre a mesa enchiam meus olhos esbugalhados quando eu ainda era uma inocente criança. Mamãe contava todos os pequenos detalhes que ela sentia falta para minhas vizinhas e eu. As árvores de natal gigantescas e brilhantes, os adornos vermelhos e dourados pelas escadarias e até mesmo os cachorros com raça Husky Siberiano entravam na festa trajando roupinhas de renas.

 Todas as histórias me impressionavam e enchiam minha mente com falsas esperanças. Mas acho que essa é a função dos adultos: Nos "envenenar com algo que não podemos sonhar em ter ou chegar perto". 

 Eu me perguntava agora, em meio a tantas questões, o porquê de minha mãe ter sido expulsa de casa?

 Eu não sabia como aprender a língua dos alemães, mas eu já tinha uma ideia em mente: Toda vez que um deles viessem falar comigo, eu acenava com a cabeça, sorria confirmando e fingia tossir e arrotar ao mesmo tempo em que tentava falar. 

 Perfeito, plano brilhante até um policial local me prender por violação de algum código idiota. 

 Imagine meu tio recebendo uma ligação no meio da madrugada como: "Senhor Charles, gostaria de lhe informar que sua sobrinha, Amélia Andrade Kröner, acaba de ser presa por desacato à autoridade". Ah, e não esqueça do sotaque.

 Okay, talvez eu não devesse radicalizar. Até que me mudar poderia ser uma chance de recomeçar a vida bosta que Deus me deu, certo? Errado novamente, pequeno Gafanhoto. 

 A partir do momento em que eu pisar naquele lugar que faz mais frio que as lojas de departamento com o ar-condicionado ligado, eu tinha absoluta certeza de que entraria em alguma enrascada. É sempre assim. Sabe quando dizem que viemos para o mundo por alguma razão? A minha era de ser trouxa. E missão dada, é missão cumprida.

 Eu mal notei quando a lua caiu e deu lugar ao tão resplandescente sol. A empresa que fornecia eletricidade não contou que eu ainda estaria em casa quando cortaram a luz. Agora a única coisa que iluminaria o ambiente seria a do próprio sol.

 Encarei tudo ao meu redor, tentando guardar todos os meros detalhes para nunca esquecer. Por mais que tenha sido uma vida sofrível, eu não negaria que sentiria falta daquele lugar. 

 Eu sentiria falta do calor inundando as praias de Copacabana. As aulas de balé na comunidade. E até mesmo as goteiras do telhado quando haviam grandes tempestades. Todas essas coisas faziam parte da minha vida, e eu não podia simplesmente lançá-las em uma lixeira qualquer. 

 Quando me aprontei por inteira, peguei a mala rosa que estava em cima do sofá e guardei todas as documentações necessárias na bolsa de mão. Quando fui até o pequeno e estreito corredor, pude notar que quase havia esquecido uma coisa de extrema importância. 

 Abri a caixinha que estava nas prateleiras empoeiradas e de lá retirei o papel amassado e com tons amarelados. Não pude evitar abrir um sorriso canteiro quando toquei aquela foto. A segurei firmemente entre meus dedos e apertei-a contra meu peito trazendo em mente as recordações daquele dia. 

 Na foto estavam Messias, mamãe, Georgia e seu marido Sr. Cláudio, Lorena e Milla — as filhas de Georgia — e eu. Os adultos estavam sentados no sofá vermelho quase em pedaços e as meninas e eu estávamos sentadas no tapete empoeirado junto de Bolota, nossa cachorro de estimação.

 Naquele dia a nossa casa inteira gotejava pelos canos furados mas isso não nos impedia de comemorar o natal. Eu ainda lembro que com as poucas economias, minha mãe havia me comprado uma daquelas bonecas de pano e um conjunto de panelas de plástico. O cheiro de canela nas rabanadas adocicadas e os panetones estavam fixos dentro de mim. E aquilo era, com certeza, algo que eu jamais esqueceria.

 Ao sair de casa, optei por trancar a porta e por alguns curtos segundos observei o exterior dela. Estava caindo aos pedaços como sempre foi. As janelas com algumas partes estilhaçadas, a porta arranhada e os telhados quebrados eram notáveis. Antes de deixar aquele lugar, certifiquei-me de despedir-me de Geórgia e toda a sua família. Eles estavam exatamente como eu imaginava. Acabados e desolados. 

 A despedida tinha sido grande e triste, mas extremamente necessária. Quase fiquei sufocada com os abraços de urso que Geórgia dava. O Sr. Cláudio desejou-me tudo de bom, e eu sempre acreditei que ele era como um pai para mim. Já Milla e Lorena foram as que mais choraram. Talvez por conviverem mais comigo, eu verdadeiramente não sei. 

 — Eu tô' chorando de felicidade, sua boba. — Milla dizia ao me abraçar. — Eu sei que você vai conseguir uma vida melhor.

 — Como pode ter tanta certeza? — indaguei rindo. — Talvez eu nem desça do avião. Vai que explodem ele.
 Milla sorriu e negou com a cabeça.

 — As suas linhas são fáceis de ler. — ela respondeu. — Haverão muitos contratempos na sua vida à partir de agora, mas eu sinto que você não deixará que eles os impeça de conseguir o que quer. Sinto presenças diferentes perto de você. — Milla me encarava ão profundamente que parecia analisar minha alma. — Nem todas serão boas, por isso peço que tome cuidado, Amélia.

 — Estou me mudando e ainda não consigo entender como você consegue descobrir esses tipos de coisa, garota. 
 Milla desde pequena conseguia descobrir coisas que não podíamos saber. Ninguém nunca entendeu, mas os mais próximos diziam ser um dom. Ela conseguia sentir algo que aconteceria à alguém em um curto tempo. A única coisa que não descobria eram as respostas das provas de matemática e física. 

 Encarei o relógio em meu pulso e vi o quão atrasada eu estava. Eu não sabia qual era a pior parte: 

 Saber que eu estava atrasada quase dez minutos e possivelmente tinha perdido meu voo ou saber que eu estava presa no engarrafamento em pleno centro do Rio de Janeiro.

 As conduções no Brasil são péssimas, tanto os ônibus quanto os trens. Os que se safavam eram táxis e Uber's, mas eu não estava em condição de decidir como chegaria ao aeroporto. Meu tio já estava gerenciando todo o translado de mudanças para mim, e por sorte havia conseguido agilizar tudo sem confusões.

 De acordo com o que Diana havia me dito, Charles era um homem de grande estabilidade econômica, e talvez por isso, tudo estivesse ocorrendo rapidamente.

 Quando eu decidi descer do ônibus, vi que não podia estar mais errada em fazer isso. Os carros começaram a andar e eu quase fui atropelada por um táxi. Arregalei os olhos e me desculpei rapidamente ao motoristo que apenas acenou com a cabeça. Um homem alto e de terno saiu do mesmo com a pressa de um furacão. 

 Meus pés doíam muito — e não por falta de exercícios — de tanto correr. O suor já emergia em minha testa e descia pelo pescoço. Nesse ponto eu já estava completamente descabelada e com os pulmões em pleno declínio.

 Ao chegar dentro do Aeroporto do Galeão pude notar o quão imenso ele era. Na verdade, imenso era apelido. Aquele lugar podia abrigar meio mundo. Eu mal sabia para onde olhar sem acabar me perdendo. E no meio desses devaneios alguém esbarrou em mim me derrubando de cara ao chão.

 Suspirei e olhei para cima.

 O homem era robusto, ruivo e tinha um olhar sugestivo, como se pedisse desculpas. Respirei fundo e aceitei sua mão para me levantar. Quando ele começou a falar pude notar que não era brasileiro. Ótimo, esse idiota estava falando comigo em inglês. Eu não podia perder a chance de debater com ele.

 — Vocês, gringos, acham que vem para o Brasil e todos devem saber falar inglês, vocês são muito arrogantes, sabiam? 

 Meu inglês não era o melhor de todos, mas eu tenho absoluta certeza de que ele havia capitado a mensagem. Ele ajeitou a gravata preta que parecia combinar perfeitamente com seu terno. Estávamos em um calor de 40°C e ele estava vestindo terno?

 Ele revirou os olhos e murmurou algumas palavras que eu nunca havia escutado antes em toda a minha vida.

 —  Você sabe me informar onde fica o local de embarque para a Alemanha? — ele perguntou ajeitando as malas em suas mãos. Suas linhas de expressão eram bem contornadas, e ele parecia ser alguém importante.

 Deve ser um daqueles chefões da máfia ou cafetões estrangeiros. Tenho quase certeza.

 Eu nunca tinha falado com um britânico, mas eu estava quase certa que ele não poderia ser da Inglaterra, e muito menos dos Estados Unidos. 

 Ele estalou os dedos em frente aos meus olhos. Dei um salto.

 — E então? 

 Antes que eu pudesse respondê-lo os auto-falantes soaram e então eu comecei a correr com medo de ter perdido o avião. Meu tio me mataria. Tenho certeza.

 "Senhores passageiros, gostaríamos de informá-los que o embarque para Dresden, Alemanha ocorrerá daqui à quinze minutos, na plataforma 2D-491. Agradecemos pela paciência e nos desculpamos por qualquer transtorno."

 Eu havia corrido como se minha vida dependesse daquilo, e realmente dependia. 

 Quando cheguei para fazer o check-in, entreguei a passagem e o passaporte. A mala já estava rodando junto com as de outros passageiros. Eu pensava que era como nos filmes, onde tudo ocorria rapidamente, mas não era bem assim. Todo aquele processo durou quase dez minutos. 

 E novamente lá estava eu correndo desengonçada.

 A fila era bem curta, até porque poucos pagavam primeira classe. Lembrei-me mentalmente de agradecer ao tio Charles e sua grana da máfia.

 A aeromoça nos indicava como deveríamos nos acomodar, explicou os processos de rotação e nos disse o que deveríamos fazer caso ocorresse algum contratempo. Também explicou sobre as turbulências. Meus olhos já estavam fechados quando o avião decolou, e eu só gostaria de poder acabar logo com toda essa tormenta dramática.
 



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