Faking It
Capítulo Trinta e Um
Por que, diabos, ela não contara logo a verdade?!
A pergunta martelava de forma torturante em sua cabeça, como se refazer mentalmente aquele questionamento fosse uma forma de castigar a si mesma indiretamente.
- E então? – Jorge se manifestou, quebrando o silêncio do quarto, e a despertando de seus pensamentos. – Já pode começar a se explicar.
A modelo deixou seu corpo cair sobre a cama de casal, sentando-se de forma desajeitada, encolhendo seus ombros em seguida.
A garota conseguia sentir o olhar do namorado queimando sobre si, o que só contribuía para aumentar a sensação de culpa que havia tomado conta de seu ser alguns minutos antes.
- Não é assim tão fácil, Jorge, eu nem sei por onde começar. – Ela confessou, em um fio de voz.
Após ser pega no flagra, Margarida conseguiu convencer o rapaz a conversarem no quarto do mesmo, com a desculpa de que lá teriam mais privacidade, porém, na verdade, a moça só queria ganhar tempo para pensar no que, e como, faria.
- Simples, comece pelo começo. – O rapaz soltou, puxando uma cadeira giratória e sentando-se nela, de frente para a morena. – Vamos lá, Margarida. Você disse que podia explicar, eu quero ouvir suas explicações.
A Garcia soltou um longo suspiro, finalmente levantando seu olhar.
- O problema não é a explicação, Jorge, o problema é a reação que você vai ter depois de ouvi-la.
- Bem, nós nunca vamos saber como eu vou reagir, se você não me contar. – O mauricinho disse, tentando manter-se calmo, detestava aquele tipo de situação. – Não importa como eu vou reagir, você tem que me contar, me deve isso.
Margarida pareceu ponderar, sabia que o loiro tinha o direito de saber o que a havia levado a mentir e tentar invadir o usuário da sogra, mas temia que ele não acreditasse nela, afinal, Rosana era a mãe dele, a mulher mais importante de sua vida, que tinha bem mais importância do que a caipira, essa que não passava da falsa namorada.
- Certo, vou te contar, mas, antes que eu comece, eu preciso que você me prometa que por mais louco e inacreditável que possa ser para você, vai confiar em mim.
O rapaz, mesmo um pouco confuso, arqueou uma sobrancelha.
- Espera um pouco. Quer que eu prometa que vou confiar e acreditar em você? – O Cavalieri questionou em tom de deboche. – Margarida, você veio me pedir o computador emprestado para fazer um trabalho escolar, e acabou sendo pega tentando entrar no usuário da minha mãe!
Margarida abaixou a cabeça, envergonhada, enquanto o rapaz soltava um longo suspiro.
- Conte, e então eu decido se confio ou não em você.
Vendo que não conseguiria adiar a conversa por nem mais um minuto, a morena pigarreou, limpando a garganta, pronta para começar a contar toda a história.
De forma lenta e cautelosa, Margarida começou a contar tudo o que lhe atormentava, desde a ameaça feita por Rosana até a história contada por Cíntia, apenas algumas horas antes.
Durante todo o relato, Jorge manteve sua expressão facial impassível, o que só deixou a Garcia ainda mais apreensiva.
- Então, quando você me falou para usar o notebook do escritório dos seus pais, eu vi que era a oportunidade perfeita para tentar encontrar algo que me dissesse, ou pelo menos me desse uma pista, do que a Rosana tanto esconde. – Ela finalizou.
O loiro manteve-se em silêncio, e, apesar de seus olhos azuis estarem fixos nos castanhos da morena, era possível perceber que sua mente estava longe, provavelmente absorvendo tudo o que lhe havia sido dito.
Preocupada com a mudez repentina do rapaz, a Garcia pigarreou, ato que despertou o Cavalieri de seu transe.
- Eu sei que minha mãe não é flor que se cheire, mas, por que ela mentiria para mim sobre conhecer o tal Antônio? – Ele questionou baixinho, mais para si mesmo do que para a namorada. – Por que ela faria isso?
A caipira mordeu o lábio inferior, um pouco insegura de compartilhar o que pensava.
- Porque ela esconde algo, Jorge, algo grande. - A modelo ajoelhou-se em frente à cadeira, entrelaçando seus dedos aos do Cavalieri. – E se tornou algo pessoal para mim, eu tenho que descobrir o que é, Jorge, e quero sua ajuda.
O mauricinho balançou a cabeça, em total estado de confusão.
- Margarida, eu não sei. Antes de qualquer coisa, Rosana é minha mãe, não consigo acreditar que ela esconda algo.
A morena aumentou o aperto em suas mãos.
- Jorge, por favor, eu preciso da sua ajuda.
O Cavalieri semicerrou os olhos, e, depois de alguns segundos, que mais pareceram séculos, deu seu veredicto.
- Certo, eu te ajudo. – Disse ele, enquanto a mais nova abria um grande sorriso. – Mas, antes que você se empolgue, não vou te ajudar a descobrir que minha mãe tem esse tal segredo obscuro.
Ela franziu o cenho.
- Não? – Questionou, completamente confusa, ao mesmo tempo em que o rapaz desprendia suas mãos do aperto das suaves mãos da moça.
- Não. Eu vou te ajudar para provar que, de obscuro, esse segredo não tem nada, deve ser só uma trivialidade qualquer.
A Garcia não voltou a questionar, entendia o namorado, se alguém viesse lhe dizer que seus pais escondiam um segredo, e insinuasse que o segredo era sobre algo ruim, ela também buscaria uma resposta que provasse a integridade dos parentes.
- Agora, acho que é melhor você ir para casa, Margarida, eu preciso ficar sozinho.
- Não sei não, Jorge, acho que você precisa desabafar com alguém, e...
- E, realmente, eu preciso, mas não acho que você seja esse alguém. – Ele a cortou. – Desculpe pela sinceridade.
A Garcia respirou fundo, levantando-se, e ficando de costas para o dono da casa.
- Está chateado comigo, não está? – Ela perguntou baixinho, já sabendo a resposta.
- Eu queria muito dizer que não, mas eu estou. –Jorge admitiu. – Droga, Margarida, deveria ter me dito quando ouviu minha mãe falando com o Antônio! Toda essa história já poderia ter sido resolvida!
A moça voltou a virar-se, encarando o namorado, esse que passava as mãos alvas pelos fios loiros, os bagunçando.
- Jorge, me desculpe, certo? – A caipira pediu, baixinho. - Eu sei que deveria ter te contado tudo desde o princípio, me desculpe mesmo, eu só não queria que você acabasse, sei lá, magoado.
- Marga, não importa se eu acabasse me magoando ou não, Rosana é minha mãe, se ela esconde algo ao ponto de te ameaçar, você tem que me contar. – O mauricinho concluiu, no mesmo tom baixo que ela havia usado. – Eu sei que nós não temos um relacionamento de verdade, mas, poxa, nós somos amigos, nosso papel é contar coisas um para o outro, principalmente, esse tipo de coisa.
Margarida sentiu seu coração se apertar, a culpa o esmagava com uma intensidade tão grande que a fez apelar para medidas desesperadas.
A morena deixou que seus braços caíssem sobre os ombros do namorado, o abraçando por trás.
- Bem, não tem nada que eu possa fazer para que você me perdoe mais rápido? – Ela sussurrou, depositando um beijo demorado em seu pescoço.
Em um movimento rápido, Jorge soltou-se do enlaço da namorada, girando a cadeira para encará-la, com uma expressão de pura indignação estampada em sua face.
- O quê?! Não! – O Cavalieri exclamou rapidamente, parecendo ofendido. – Não acredito que tentou comprar o meu perdão com coisas indecentes!
A modelo corou até a raiz dos cabelos chocolate, escondendo seu rosto entre suas mãos.
- Minha capacidade de fazer uma merda atrás da outra me surpreende. – A caipira resmungou baixinho, mas o mauricinho acabou escutando.
- Devo te dizer que hoje ela está mais surpreendente do que o normal. - Jorge soltou, recebendo como resposta uma onda de lamentações incompreensíveis – Hey, foi uma brincadeira, eu sei que meu humor não é lá dos mais encorajadores, mas pare de se lamentar, e sente-se aqui.
Ainda corada, a menina sentou-se na grande cama, logo tendo suas mãos capturadas pelas do namorado, esse que fixou seus olhos azuis nos castanhos de uma forma um pouco assustadora, na opinião da modelo.
- Certo, escute: Eu sei que, as vezes, pode parecer que eu gosto mais da parte colorida da nossa amizade, mas eu gosto dela como um todo, ok? – O loiro disse, pausadamente, recebendo um aceno afirmativo como resposta. – Se quiser meu perdão, faça por merecer, me peça desculpas, não tente usar seu corpo.
Margarida concordou, voltando a esconder seu rosto com as mãos.
A morena soltou uma risada amargurada em seguida, ação que despertou a curiosidade do mais velho.
- Do que, diabos, você está rindo?
- Você deve me achar estupidamente boba, não é? – Ela perguntou, afastando as mãos dos olhos, deixando só as bochechas e a boca cobertas.
- Um pouquinho. – Jorge deu de ombros.
O garoto se permitiu forçar um meio sorriso, mirando a imagem da namorada.
- Tudo vai ficar bem, não se desespere, e nem esconda mais as coisas, principalmente, coisas com essa gravidade. – O loiro pediu, rindo alguns segundos depois.
- Agora eu que te pergunto: Do que, diabos, você está rindo? – Margarida perguntou, franzindo o cenho.
- Não percebe o quão irônica é essa situação? Quero dizer, eu que estou chateado, e você que está sendo consolada!
- Desculpe, mas você sabe que se quiser desabafar, eu estou aqui.
- Não se desabafa com quem te fez ficar magoado, Margarida. – O loiro explicou pausadamente, como se explicasse algo a uma criança, o que fez a modelo revirar os olhos. – E, além do mais, eu não gosto de falar meus problemas para as outras pessoas. Não leve para o lado pessoal, é só que eu prefiro desabafar mentalmente comigo mesmo, espero que entenda.
A caipira soltou um último suspiro, levantando-se.
- Bem, nesse caso, eu vou me retirar antes que faça outra coisa errada.
- Tem dinheiro para pedir um táxi, ou coisa parecida?
Ela negou com a cabeça.
- Então, como vai para casa?
- Correndo. – A Garcia deu de ombros, tentando descontrair o ambiente. – É bom para perder uns quilinhos.
- Não precisa perder nem gramas, pare com essas neuroses. – Jorge bronqueou. – Mas, voltando ao assunto, desça, vou mandar mensagem para meu motorista, ele lhe deixa em casa.
A modelo concordou, fazendo menção em sair do quarto, mas antes que o fizesse, curvou-se, depositando um beijo na bochecha do Cavalieri.
- Desculpe por não te contar, prometo que não vai haver mais segredos entre a gente.
O loiro abriu um pequeno sorriso.
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Margarida apertou mais uma vez a campainha de casa, amaldiçoando o momento em que se esquecera de conferir se levava sua chave.
Ela encostou a testa na porta, estava tão exausta, seu dia havia sido tão cansativo, tudo o que ela queria era um banho e uma boa noite de sono, mas, aparentemente, seus pais não queriam facilitar seu descanso.
- Mãe! – Ela chamou mais uma vez, tentando não gritar pelo horário, que já era relativamente tarde. – Dona Hortência!
Depois de três fortes batidas contra a placa de madeira, a Garcia finalmente se convenceu de que não seria escutada, e resolveu apelar para a tecnologia: sacou o celular, esse que descarregaria a qualquer momento, do bolso da calça jeans que vestia, e discou o número da mãe, que atendeu depois de quatro toques.
- Finalmente, hein, dona Hortência?! – Margarida soltou, irritada. – Onde a senhora e o papai se meteram?!
- Filha, aconteceu um acidente com seu pai, ele passou mal durante o banho, e acabou caindo e batendo a cabeça. – A mulher explicou, de forma afobada. – Nós pegamos um táxi e estamos indo para aquele hospital de sempre, no centr...
A caipira, preocupada, franziu a testa, se perguntando o porquê da fala da mãe ter sido cortada, e olhou o visor do celular, esse que havia apagado completamente.
A bateria havia acabado.
- Droga! Droga! Droga! – Margarida xingou, tentando ligar o celular, por mais que soubesse que não teria jeito, estava sem comunicação. – Pense, Margarida, pense.
A garota começou a vasculhar a bolsa, tentando encontrar algo que pudesse lhe ajudar.
Seis reais em moedas, um desgastado prendedor de cabelo, um batom e um pacote de jujubas.
Grande ajuda.
Tentando ignorar o frio da noite e a preocupação crescente em seu peito, a morena apertou seu inseparável cardigan amarelo mostarda contra o corpo, e caminhou até a esquina da rua, que não ficava muito distante de sua residência, fincando seus pés lá, enquanto torcia para que o próximo ônibus não demorasse a passar.
- Tem como esse dia melhorar?! – Ela praguejou para si mesma, olhando para os lados, atenta a qualquer movimentação que indicasse perigo.
Como se o universo tivesse encarado aquele comentário como uma afronta, um furgão prateado parou próximo dela, e seu motorista começou a buzinar freneticamente, sem se importar com a vizinhança, que já devia estar se recolhendo.
Apreensiva, a garota ignorou o carro, tentando manter sua mente focada em pensamentos felizes, que a distraíssem da real situação, onde ela se encontrava sozinha em uma rua deserta, com um possível estuprador buzinando para ela.
- Vá buzinar para sua mãe, idiota! – A modelo berrou, reunindo toda a coragem que tinha.
Por um breve segundo, Margarida chegou a pensar que o motorista fosse se intimidar e ir embora, um erro de principiante.
O carro aproximou-se ainda mais dela, parando na sua frente.
- É assim que trata as almas boas que param para te ajudar? – A voz de seu ex-namorado questionou em tom irônico.
A Garcia teve que forçar um pouco a visão para conseguir identificar o familiar rosto do Palillo, que sorria amigavelmente.
- Jaime?! Você quase me matou, menino! – A morena exclamou, soltando o ar que nem percebera que havia prendido. – Desde quando você dirige esse carro?!
- Ah, não tem muito tempo. – Ele deu de ombros. – Meu pai quis expandir os negócios, aí teve a brilhante ideia de fazer uma mini oficina móvel, que funciona vinte e quatro horas por dia e vai até a casa do cliente. A ideia até que foi boa, aumentou em 20% o nosso faturamento, mas, em compensação, o meu tempo livre foi cortado pela metade, já que o furgão acaba sobrando para mim sempre.
A caipira tentou prestar atenção no que o garoto contava, mas estava tão preocupada com o pai, que a história de Jaime entrou por um ouvido e saiu por outro.
- Mas, voltando ao assunto, por que está no ponto de ônibus a essa hora?
- Não lhe interessa. – Margarida respondeu, tentando cortar a conversa, já havia tido problemas suficientes para um só dia.
- Bem, se eu estou perguntando, é porque me interessa, certo? – O moreno rebateu. – Qual é, Marga?! Sabe muito bem que eu não vou embora até que me conte.
A Garcia semicerrou os olhos, sem ter certeza se deveria contar ou não, mas, por fim, cedeu.
- Meu pai sofreu um acidente domestico, e estou indo para o hospital. Eu até pegaria um táxi, mas com o dinheiro que eu tenho aqui, o motorista só me levaria até o próximo quarteirão.
- Espera aí, seu pai sofreu um acidente?! Por que não me disse logo? Entra aí, eu te levo para o hospital. – O ex-gorducho disse, agitado.
- Não sei não, Jaime. – Disse ela, duvidosa, enquanto se aproximava do carro, para que conversassem melhor. – Não vai atrapalhar seu trabalho? Quero dizer, algum cliente pode precisar dos seus serviços.
- Não se preocupe com isso, nesse momento, te levar ao hospital é mais importante do que qualquer cliente. – Jaime afirmou, já abrindo a porta do passageiro para que ela entrasse.
- Eu não sei, acho que vou esperar pelo ônibus. – Margarida tentou se manter firme em sua decisão.
- Margarida, você sabe que horas são? Daqui que um ônibus passe, você já vai ter sido assaltada umas quatro vezes. – Ele argumentou, tentando convencê-la. – Isso é, se ele chegar a passar.
- Não confia na segurança pública, e nem na agilidade do transporte público?
- Sinceramente? – Palillo questionou, arqueando uma sobrancelha. – Vendo a atual situação do país, não, e acho que, se quiser chegar ao hospital o mais rápido possível e com todos os seus bens intactos, também não deveria confiar.
A modelo mordeu o lábio, ainda incerta sobre aceitar ou não a ajuda do ex-namorado, mas, no final, a vontade de chegar ao hospital e ter notícias do pai falou mais alto do que qualquer problema que a carona de Jaime pudesse trazer.
- Não vá tentar nenhuma gracinha, eu tenho spray de pimenta na bolsa. – Ela mentiu, entrando no furgão.
- Não se preocupe, não vou tentar.
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As luzes da enérgica São Paulo passavam como borrões pela janela do carro, esse que, tanto pelo horário quanto pela urgência, mantinha uma velocidade alta.
No rádio, Shawn Mendes cantava os últimos versos de Mercy, trazendo com eles o final da música, essa que foi substituída pelo som de um violão, que tocava algo familiar aos ouvidos de Margarida, mas que a mesma só foi identificar quando Jaime começou a murmurar, em um inglês arranhado e embolado, os primeiros versos da canção de Ed Sheeran, Tenerife Sea, que coincidentemente havia sido a música dos dois.
- You look so wonderful in your dress, I love your hair like that... – Ele cantarolou baixinho. – Lembra da primeira vez que dançamos essa música?
Margarida suspirou pesadamente, sem encará-lo.
- Jaime, você disse que não ia tentar nada. – A morena disse, em tom de advertência.
- Não sabia que, hoje em dia, puxar um assunto é dar em cima da pessoa. – O Palillo rebateu. – Antes de sermos ex-namorados, nós somos amigos, Marga, e amigos conversam, certo?
A caipira o fitou pelo canto do olho, ao mesmo tempo em que a canção chegava a sua ponte.
- Certo. – Ela concordou. – Foi na festa de quinze anos da Bibi?
- Exatamente. – O mais velho assentiu, mexendo sua cabeça no ritmo da música, essa que havia chegado em seu refrão. – Lembra como eu pisei no seu pé a música inteira?
A Garcia permitiu-se rir fraco, lembrando daquela histórica noite, em que ela e Jaime foram um par na valsa de quinze anos de Bianca.
- Oh, se lembro! Acho que meus pés ficaram doloridos durante uma semana inteira! – Ela contou. – Sabe outra coisa que eu lembro? Da cara emburrada que você fez a noite inteira só porque, com o salto, eu ficava uns quinze centímetros mais alta do que você!
Jaime riu com gosto.
- Bem, eu também lembro que, no final da festa, você me encheu de beijos para ver se eu desemburrava minha cara. – O rapaz relembrou, deixando a garota um pouco desconfortável. – Aliás, falando em beijos, lembra que foi naquela noite que nós demos nosso primeiro beijo?
Oh, sim, ela lembrava. Como Margarida poderia esquecer o primeiro grande beijo de sua vida?
Oh, não, ela nunca esqueceria da sensação viciante que ter seus lábios tocados pelos de outro alguém deixara em si, ela nunca esqueceria a emoção e o entusiasmo que sentira, ela nunca esqueceria a felicidade que tomara conta de si naquela noite, e que parecia poder explodi-la a qualquer instante.
Em contrapartida, Margarida também não poderia, e nem conseguiria, esquecer-se de todas as brigas e términos desgastantes que acabaram apagando a magia de momentos como aquele.
A moça olhou para os próprios pés, desconfortável, ao mesmo tempo em que uma música pop animada, que havia sucedido a canção romântica de Sheeran, ecoava pelo veículo.
- Jaime, Jaime. O que nós combinamos?
- Margarida, nós só estamos comentando sobre algumas memórias do passado. Que mal tem nisso?
- Mal nenhum, mas certas memórias devem ser mantidas lá mesmo, no passado. – Disse ela, e, vendo que o garoto estava pronto para rebater, continuou. – E não adianta retrucar, Jaime, e nem tentar me convencer de que certas memórias devem sim ser relembradas, porque essa não é uma delas, e nem é um assunto sobre o qual eu quero conversar. Eu estou aqui porque meu pai precisa de mim, porque quero chegar ao hospital, se eu quisesse falar sobre o nosso antigo relacionamento, eu teria terminado com Jorge e teria te convidado para ir ao cinema.
O Palillo, perplexo com o bombardeio repentino, manteve-se calado por alguns quarteirões, até que parou o carro.
- Bem, parece que conseguiu chegar ao seu destino, florzinha.
A modelo respirou fundo, encarando o imponente arranha-céu, que as pessoas chamavam de hospital.
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- E então, o que a recepcionista disse? – O goleiro perguntou, observando a caipira aproximar-se de si.
Margarida sentou-se no banco duro, fitando os rostos cansados das pessoas ao seu redor.
- Que meus pais estão em algum consultório, e logo devem sair.
- Qual o número do consultório?
- Ela não me falou, disse que é contra as normas do hospital. – A Garcia resmungou. – Arg! Que droga! Eu já não tenho nenhuma notícia, e nem o número do consultório querem me falar!
- Tente se acalmar, florzinha, se algo de ruim tivesse acontecido, você já saberia, noticia ruim chega logo. – O rapaz tentou tranquilizá-la.
Margarida fixou suas orbes verdes na face calma do moreno.
- Como consegue ser tão gentil comigo, depois de eu ter te falado aquilo daquele maneira no seu carro? – Questionou, passando as mãos pelos fios castanhos, em uma falha tentativa de arrumá-los.
- Eu entendo você, Marga. Você estava frustrada e preocupada por não ter notícias do seu pai, e cansada pelo dia exaustivo, estava estressada.
Ela assentiu com a cabeça, concordando.
- Bem, me desculpe mesmo assim. Mas, sobre o estresse, acho que estresse se tornou meu nome do meio hoje. – Ela brincou, um pouco desanimada. – Não faz ideia de quantas surpresinhas complicadas eu tive hoje.
Antes que Jaime pudesse proferir uma resposta, o fizeram por ele.
- Bem, e as surpresas não param, certo?
A modelo virou-se, levantando-se lentamente, realmente surpresa com a aparição inesperada.
- Jorge?! O que faz aqui? – A morena perguntou, enquanto o loiro se aproximava do ex-casal.
- Eu te liguei, queria saber se tinha chegado bem em casa, já que o meu motorista disse que a sua casa parecia vazia, mas seu celular estava desligado, então liguei para sua mãe, e ela me disse o que havia acontecido. – O Cavalieri explicou. – Então, vim correndo para cá, imaginando que você precisaria de alguém, de companhia, mas acho que cheguei tarde demais, não é? Não precisa de mim.
- Eu preciso, é claro que eu preciso. – Disse ela. – Mas, nesse momento, eu preciso de você, do Jorge que eu conheço, não de um cara cheio de ciúmes bobos.
A caipira não precisou falar mais nada, o mauricinho entendeu o recado, e a puxou para um abraço, enquanto se desculpava:
- Claro, tem toda razão, me desculpe.
Jaime, que via toda a cena, pigarreou, incomodado, fazendo os namorados se soltarem.
- Oh, sim, você ainda está aí. – Jorge disse, com o seu costumeiro ar de superioridade, que Margarida já havia até se acostumado. – Já pode ir para a casa, cara, eu assumo daqui para frente, pode ficar tranquilo.
O moreno arqueou as sobrancelhas.
- O quê? Nada disso. – O Palillo, que também havia se levantado quando o rival chegara, sentou-se. - Só saio daqui quando tiver notícias do Seu Tomás.
- Que bom, porque eu também. – O loiro retrucou, jogando-se em uma das cadeiras também.
- Ótimo. – Disse Jaime.
- Ótimo. – Jorge repetiu.
Margarida revirou os olhos, indo pegar um copo de água.
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Depois de algumas cantadas baratas e um sorrisos fingidos, Jaime conseguira arrancar da recepcionista o número do consultório em que os Garcia estavam sendo atendidos, e, naquele momento, os três jovens esperavam em frente à sala, atentos a qualquer movimentação.
- Venha, querido, cuidado. – Hortência disse, saindo do consultório com o marido.
- Finalmente! – A Garcia mais nova soltou, observando, preocupada, a cabeça enfaixada do pai. – Pai, o senhor está bem?! Eu estava super preocupada!
- Ahm, para falar a verdade, filha, eu até achava que estava. – O pai disse, parecendo confuso. – Foi a pancada na minha cabeça, ou o meu ex -genro e meu genro atual estão aqui?
- Não, pai, eles realmente estão aqui.
- Nossa, eles devem te amar muito mesmo, porque só com muito amor para perder sua noite em um corredor de hospital, esperando noticias de um velho ranzinza que não vai com a cara deles.
- Não dêem ouvidos aos comentários dele, crianças, a queda o fez perder mais alguns parafusos. – A mãe disse, tentando diminuir o clima de constrangimento que havia se instalado. – Filha, seu pai vai ter que levar alguns pontos, mas nós já voltamos, nos espere aqui.
A menina assentiu, vendo seus parentes se distanciando mais e mais a cada segundo.
- Bem, agora que já sabemos que o meu sogrão está bem, já pode ir descansar na sua casinha, Jaime. – Jorge atiçou, usando seu falso tom angelical.
O ex-gorducho ignorou o mauricinho, fixando seus olhos na caipira.
- Posso ir? Você vai ficar bem?
- Vou sim, não se preocupe, Jorge está aqui.
O moreno forçou um sorriso.
- Certo. Qualquer coisa, é só me ligar que eu venho correndo. – E, dizendo isso, Jaime também desapareceu no corredor, deixando o falso casal sozinho.
- Ih si mi ligar qui eu vinhi correndi. – O loiro o imitou, afinando sua voz.
Margarida o encarou com uma expressão divertida.
- Você sabe que a voz dele é mais grossa que a sua, certo?
- Você sabe que eu posso ficar ainda mais chateado com você, certo? – Jorge rebateu, começando a caminhar em direção ao fim do corredor, sendo seguido pela namorada.
- Se ainda está chateado comigo, por que veio até aqui? – Ela perguntou, cruzando seus braços sobre o peito.
- Porque eu não podia te deixar sozinha em um momento desses, você precisava de mim, prioridades são prioridades. – Ele respondeu, dando de ombros.
Os dois continuaram a caminhar, e, só quando chegaram no final do corredor, Jorge notou algo que havia passado despercebido até então.
- Você está tremendo. – O Cavalieri constatou. – Está com frio?
- Oh, não, não. Esse cardigan é grosso o suficiente para não me deixar passar frio. Eu acho que a tremedeira é a adrenalina das últimas horas indo embora, não sei.
O mauricinho assentiu, parecendo entender.
- Falando em últimas horas, mesmo com a agitação e com o pouco tempo, eu decidi algo sobre a história da minha mãe.
- E o que você decidiu?
- Que, se formos investigar, vamos fazer isso logo, e quando eu digo logo, eu quero dizer amanhã mesmo. – O rapaz contou. – Eu preciso ter respostas, Marga, urgentemente.
Os dois pararam, haviam chegado ao final do corredor, e a modelo aproveitou para entrelaçar seu dedo mindinho ao do namorado.
- E vai ter, eu vou me empenhar, nós vamos nos empenhar. Vamos ter respostas mais cedo do que você imagina, eu prometo.
Jorge sorriu, agradecendo silenciosamente à menina, essa que sorriu de volta.
- Filha! – Hortência chamou, chegando perto dos dois, e os tirando de sua “bolha” particular. – Eu me esqueci de contar, mas a doutora achou melhor que seu pai passasse a noite aqui, em observação. Parece que vamos dormir fora de casa, essa noite.
Vou deixar vocês se despedirem.
Com a mesma agilidade que chegou, a Garcia mais velha se foi, voltando a deixar o casal de jovens sozinho.
- Jorge, eu agradeço por ter vin...
- Hey! Não acha que vou embora, acha? – O loiro a interrompeu, arqueando as sobrancelhas, enquanto deixava um pequeno sorriso aparecer.
- Na verdade, eu achava. – Ela confessou. - Bem, você não é do tipo que prefere passar a noite sentado em um banco duro a passar a noite dormindo na sua cama gigante.
- Bem, mas eu sou do tipo que prefere passar a noite ganhando a simpatia do sogrão.
Margarida riu.
- Você sabe que nunca vai ganhar a simpatia dele, né?
- Shiu! Deixa eu me iludir!
Dessa vez, a caipira não riu, nem revirou os olhos, ela o abraçou forte, inalando todo o seu cheiro.
- Obrigada, engomadinho. –Disse ela, sua voz um pouco abafada.
Jorge não sabia o porquê do agradecimento, e estava estranhando o abraço repentino, mas deixou-se levar por seus instintos, e abraçou a morena de volta, sentindo o gostoso cheiro de seu cabelo.
-Estou às suas ordens, caipirinha.
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