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História Far far away - O caminho


Escrita por: yifantasticff

Notas do Autor


Escrita por mmbenetti

Capítulo 1 - O caminho


   Eu me sentia vivo quando ele estava perto, me sentia respirando e imortal. Ele era meu mundo e ele se foi. Eu não vi chegando...

  Mas foi naquele momento, em que tudo se apaga da sua mente, quando as lágrimas cegam e quando o coração esmigalha, no momento em que nada mais fazia sentido, que inesperadamente me dei conta. Eu caminharia sozinho.

  Sufoquei minha necessidade de cair, abracei a mim mesmo, engoli o desespero e assisti impotente com meus olhos quase cegos pelas lágrimas, pela chuva e pela dor, o caixão descer para a sepultura lentamente. Eu estava só, não apenas só literalmente já que apenas eu e os dois coveiros estavam presentes no enterro, mas também completamente só.  Era um fato.

  Minseok descia para a terra e para o descanso e eu fui deixado para trás, sem poder segui-lo. Eu queria, desejava segui-lo, mas ele jamais teria me perdoado, não depois de tudo o que passamos. Ele ia, eu ficava, era frio e simples assim.

  Saber daquilo não fazia diferença nenhuma. A dor me consumia, a dor me sufocava. E então, joguei o cravo que segurava sobre o caixão negro e observei, desesperado, a terra cobrir seu corpo, com cada pá, ele ia mais longe até que tudo o que restava era a terra batida.

  Eu esperei mais alguns minutos, para ser capaz de andar e então contornei a cova e segui pelas lápides evitando olhar para o chão, evitando agir, evitando pensar.  Sai do cemitério mecanicamente, contornei o lugar imenso o mais normal que fui capaz e só respirei de verdade quando entrei no carro e me tranquei dentro. Estava feito.

  Tinha conseguido, mas aquele não era o fim. Min faria o mesmo? Seria capaz de algo mais do que ficar ali e chorar? Sim, ele dirigiria até a interestadual, iria embora, deixaria tudo, como sempre tinha feito. Sem olhar para trás. Eu seria capaz?

  E como não seria? Voltar não era opção. Não havia nada para mim agora, sem ele ali nada era importante, não poderia dormir na mesma cama e comer na mesma mesa. Ficaria louco. Eu não podia voltar. Definidamente. Mas para onde iria?

“Para casa, Yifan, finalmente para casa”.

  Era a voz dele em minha cabeça. Como se ainda estivesse ali, vivo, reluzente.

  Eu sorri olhando para a chuva que se transformava em temporal. Para casa... Tantos lugares no mundo e ainda assim ele estava certo, mesmo sendo apenas uma voz imaginada em minha mente. Eu não tinha nada a perder. Não precisava ficar em lugar nenhum para estar em todos os lugares. Eu escrevia anonimamente, eu vivia livre, ninguém conhecia meu rosto. Sim... Eu iria para casa.

  Um dia depois eu continuava na estrada para o norte. Sempre para o norte, um dia viemos de lá, juntos, cheios de planos, jovens e apaixonados. Meu lindo amor sempre dizia que o mundo era uma imensa tela em branco onde poderíamos pintar o que nos viesse à mente, o mundo e o futuro seria o que quiséssemos pintar, nas cores que desejássemos usar, na textura que escolhêssemos.

  Ele era o mais magnânimo artista que eu conhecia, criativo, único. Ele me inspirava. Era meu motivo para escrever. Éramos um belo par que a mesma tela em branco pronta para ser pintada, arrancou de mim. Telas em branco, páginas vazias, partituras apenas com pentagramas esperando ser preenchida com belas melodias e harmonias... Fosse como fosse descrito o destino, ainda assim tinha tirado o que eu mais prezava de mim, eu deveria deixar de ser poético, mas vivi muito tempo com ele. Estava arraigado.

  E apesar de tudo a escolha de voltar era quase etérea. Só havia eu e a estrada naquele momento e meus ouvidos quase podiam captar o canto das fadas ressoando dos ventos, o perfume da terra molhada e o sussurro das dríades escondida em recantos de árvores centenárias. A floresta me dava passagem benevolente, ela sabia do meu luto. Eu voltava, eu retomava o caminho.

  Quando cheguei ao fim da estrada de terra, sai do carro, ajoelhei diante do veículo e com uma oração enterrei a chave em uma cova rasa sorrindo da ironia. Ao menos um dia alguém encontraria a chave, eu jamais encontraria o amor da minha vida nessa vida novamente.

  Me ergui e caminhei para a cerca destruída pelo tempo, aquela parte era quase desconhecida, só os que vinham a usavam, todos os que entrassem sem conhecer se perdiam, a floresta falava para ouvidos atentos e mantinha os desavisados afastados, mas eu cruzei as fronteiras uma vez e agora fazia o caminho inverso, sozinho.

  Eu entrei e continuei para o norte, sempre o norte, o tempo passou, a noite se tornou dia e o dia noite, eu era acompanhado, lamentos quase inaudíveis soavam ao meu redor, meu luto era espalhado, todos entoavam um canto pelo meu companheiro, meu doce, inspirador e apaixonante companheiro. O canto era triste, era evocativo, eu fui enviado para o passado e como se fossem horas atrás, eu me vi agarrado a mão de Minseok, sorrindo, arrastando ele floresta a fora, para a estrada que nos levaria para a civilização que ele tanto gostava e sentia falta, ele tinha vivido por anos entre a fronteira do meu lar e a floresta, ele queria voltar e começar de novo.

  Ele também foi para a fronteira por luto, nos encontramos então e nada foi o mesmo. Deixei minha casa para trás e o segui, ou talvez ele tenha me seguido. De uma forma ou outra, nós partimos juntos e juntos ficamos até que seu passado veio e cobrou o preço de seus últimos anos felizes. Ele tinha feito uma escolha, tinha que aceitar o ônus. Eu não sabia, mas se soubesse nada teria mudado. Eu o amava e iria com ele até o fim.

— Yifan... 

  A voz sábia, velha e tranquila me fez parar. Voltei ao mundo real e olhei para a grossa árvore diante de mim. Ao seu lado um velho homem curvado me sorriu e estendeu uma concha comum, perolada e levemente retorcida. Eu me curvei a ele e aceitei a concha.

— Obrigada por guardar, meu senhor.

— Sim – Ele me encarou sério, seu sorriso se tornou terno - Era a hora Yifan e quando chega a hora, temos que aceitar. Agora vá, o fim do caminho te espera.

  Eu assenti e segui adiante sabendo que se me virasse, eu já não o veria mais. O velho só podia ser encontrado por aqueles que não queriam achá-lo. O guardião da floresta era tão invisível quanto o vento. Sempre presente, quase nunca visto.

  Outro dia nasceu e finalmente, finalmente a fronteira surgiu diante de mim, à floresta ficou para trás e eu entrei na vastidão de areia branca à frente. O som do mar me deu as boas-vindas, o sol nascia e o dia reluzia fresco, vivo.

  Andei devagar até a pequena casa de vidro e madeira que ficava além da areia, na terra vermelha e pedras antigas. Eu tinha visto Minseok pela primeira vez diante daquela casa, olhando para o oceano, perdido em sua dor e angustia. Seus pais foram levados pela doença do coração e ele tinha vindo se refugiar na antiga casa de pesca de seu avô, tão longe quanto podia da capital. Em um lugar que os contos de seus antepassados diziam ser mágico.

  Ele pintava sobre magia, mas nunca teve certeza. Eu nunca contei, era parte do meu acordo. Eu poderia seguir o jovem artista triste por quem havia me apaixonado nas longas manhãs de conversas perdidas a beira da praia, mas nunca dizer a ele de onde vim, quem eu era ou que magia existia. Eu podia amá-lo, mas ele jamais saberia quem de fato ele tinha amado. Tudo o que sabia era que um garoto simples que morava na ilha distante do continente e que vinha pescar naquela praia todas as manhãs se tornou ao passar dos meses o dono do seu coração, como ele do meu. Um órfão como ele, um pescador como seus antepassados.

“Para casa, Yifan, finalmente para casa”.

  A voz dele voltou serena em meus pensamentos. Talvez ele soubesse, só fingiu não saber. O mundo era misterioso.

— Yifan... Tantos anos e ainda assim é como se apenas um dia passasse...

  Eu respirei fundo e me voltei para as águas de ondas suaves.

  Uma linda mulher nua saía do mar e vinha em minha direção. Quem a visse poderia facilmente a confundir com Iemanjá. Longos cabelos negros, face benevolente, olhos sagasses e inteligentes. Pele clara, alva, úmida. E eu era como uma cópia masculina dela. Treze anos humanos eram para nós, como horas. Um piscar de olhos para nossa longevidade.  Entretanto eu troquei a vida longa, pelo amor. A idade humana refletia em mim, mas nada severo que apagasse a beleza inerente a minha raça.

  Entretanto a beleza nunca importou para mim. Fez nossas vidas mais fáceis na metrópole, mas não era nada significativo para que eu realmente me importasse. Eu conhecia a verdadeira beleza e agora ela estava escondida por sete palmos de terra bem distante dali.

— Mãe.

  Eu me curvei e ela parou a minha frente.

— Poderia ter lhe dado um funeral digno dos nossos, Yifan.

— Ele pediu que fosse enterrado junto dos pais, eu não podia trazê-lo.

— Seu coração um dia iria parar amor, você sabia.

  A voz dela sou triste. Eu suspirei, sim, um dia seu coração iria parar, mas nunca imaginei que aconteceria tão cedo. Foi súbito, como nosso amor.

— Eu o perdi, mãe, para sempre.

— Perder aqueles que amamos nessa vida, não significa que os perdemos em nosso coração ou nas nossas lembranças, eles vivem e viverão nelas para sempre. Entretanto, a vida é assim meu filho, tudo o que ela nos dá, ela leva. É o ciclo, é à roda da vida, meu caro Yifan - Ela me estendeu a sua mão gentil - Volte para casa querido, um dia você irá para ele, como deve ser, contudo esse dia não será hoje, hoje você retorna ao lar.

  Eu finalmente sorri de verdade. Estava sendo aceito de volta.

  Olhei uma última vez para a casa que continuava de pé, resistente ao tempo e firme, como eu sabia que seria meu amor por Minseok. Voltei-me para minha mãe, aceitei sua mão e segui com ela para o mar escuro e calmo. Enquanto as ondas tocavam os meus pés e depois minhas pernas, minha verdadeira natureza tomava posse do meu corpo. Logo eu mergulhei nas águas e minha calda longa, esverdeada e forte bateu no mar gritando saudosa a sua verdadeira forma. Minha pele tocou o sal como um velho amigo, meus cabelos se avolumaram em um negro mais profundo vibrando nas ondas como as próprias ondinas faziam, brilhando sob a superfície, me recebendo em meu fúnebre retorno.

  Os golfinhos nadaram em minha direção cantando e chorando. Um tritão perdia o companheiro. Um tritão voltava para casa. Era bom e era certo, mas era triste e doloroso.

  Ainda assim minha mãe me sorriu tranquila, coberta e circulada pelo oceano e eu soube que apesar dos pesares, como a canção das nereidas antigas dizia, por mais dor que existisse no mundo, nada era mais certo do que voltar para os braços do mar em seus últimos dias.

  Aqueles não eram meus últimos dias, mas eu definitivamente voltava para os braços do mar, eu voltava para casa.



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