Esse mundo era a idealização do que conhecemos como utopia. Nesse mundo não há guerra, fome, doenças e nenhum outro male que a humanidade convive no seu dia a dia. O tempo nunca passava ali, sem nuvens no céu e um mar sem ondas, a areia da praia virgem dos milhares de calçados de couro abalando uns contra os outros sob a sinfonia de gritos de guerra, a regência dos metais se chocando e do sangue carmesim pintando-a como uma tela. A noite nunca chegava, o sol permanecia no céu imponente iluminando tudo e todos, criando a segurança que o dia fez consigo.
Esse era o mundo que pertencia aos bravos que sacrificaram suas vidas e deixaram suas marcas na história da humanidade, para o bem ou mal, não importava, todos tiveram seus papéis e cumpriram com que fora lhes dado.
Porém, em algum momento todos que vivem ali deixarão a paz e harmonia para retornar ao caos que é a humanidade em busca dos seus anseios e de terceiros, aqueles a quem juram sua lealdade. O preço a se pagar para viver na utopia era este, lutarem entre si até a morte na busca dos desejos que não conseguiram realizar em vida.
O Trono dos Heróis, como é conhecido por todo mundo mágico. Um lugar distante que guarda todos os grandes personagens das lendas, mitos e da história da humanidade.
Assim como esses heróis, anti-heróis e vilões, haviam pessoas que também tinham seus desejos queimando em seus corações tornando-os milagres que apenas uma fonte de poder onipotente, onipresente e onisciente seria capaz de realizar. Essa fonte era o Santo Graal, um instrumento criado pelos três clãs originais: Makiri, Einzbern e Tohsaka. Uma tentativa de alcançar a “Espiral da Origem”, o que rege o mundo é tudo que conhecemos nele.
Contudo, o Graal poderia atender apenas um deles, gerando um enorme desentendimento que se desenrolou no conflito conhecido como Guerra do Cálice Sagrado – ou Guerra do Santo Graal –, onde o Graal seleciona sete magos capacitados para lutar os concedendo três Selos de Comando, ordens absolutas sobre os Espíritos Heroicos que eles não podem desobedecer, mesmo que vá contra seus ideais e convicções. Os sete Mestres invocam sete Espíritos Heroicos que são divididos em sete classes principais - Saber, o espírito espadachim; Lancer, guerreiro da lança; Archer, o herói do arco; Berserker, o ensandecido sanguinolento; Rider, o cavaleiro das montarias; Caster, o guardião da feitiçaria; e por último Assassin, o herói dos assassinatos.
Em nome de seus Mestres, os Espíritos Heroicos demoníacos Servos devem lutar em nome dos que o chamaram ao mundo até que reste uma dupla vencedora. A dupla terá o direito de materializar o Graal e ter seus desejos realizados, que aplicam em atingir a “Espiral da Origem” e transmutá-la sem alterar todo click de evolução da humanidade e correr o risco de iniciar o fim do mundo. Óbvio, dependendo da pessoa que o alcançar.
Até os dias atuais a tradição se mantinha, o Graal mais uma vez convocava os Mestres para lutarem, os sete que finalmente dariam início ao conflito oculto dos olhos mortais por mais de séculos.
Uma jovem de cabelos loiros longos e olhos azuis límpidos como a água cristalina das nascentes tinha mas costas de sua mão direita três chagas que se assemelhavam a uma borboleta escarlate. Íris Westerfeld, descendente do clã Westerfeld que deixava sua marca no mundo da magia nas longas nove gerações, fora reconhecida como um dos sete Mestres, assim como o jovem de cabelos brancos e olhos cinzas que caminhava a sua frente tomando um delicioso milk-shake de chocolate, Lewis Harrington.
Como parte do seu serviço de babá, ela passeava com o pequeno homúnculo pela tradicional cidade de Londres para lhe mostrar mais e mais do mundo moderno, os olhos dele brilhavam a cada novidade, a pureza em seu coração o fazia facilmente impressionável e de fácil manipulação para ganhar sua confiança.
Saindo de uma loja de roupas femininas de alta costura estavam aqueles que seriam seus Servos nessa guerra do Santo Graal. Uma jovem de longos cabelos negros e olhos cor de âmbar, a cortesã que fora a maior espiã durante a primeira Guerra Mundial envolvendo-se com homens importantes de ambos os lados do conflito e arrancando informações como quem tira doce de uma criança, Mata Hari, que estava igualmente impressionada com tudo que o mundo moderno poderia oferecer. A acompanhando, um belo homem de cabelos ruivos com olhar sereno e que ainda hoje tem grande influencia no mundo da literatura mundial, sendo autor de peças famosas como “Hamlet” e “Romeu e Julieta”, William Shakespeare.
Mesmo achando entediante acompanhar a cortesã por todas as lojas e dar sua opinião de vestido em vestido, de joia em joia, ele a tratava com calma e se mostrava interessado em sair com ela rua afora.
- Onde vamos agora? – Mata Hari questionou. – Íris recusa a fazer coisas de mulheres comigo, então já estou satisfeita com o que consegui por hoje.
- Eu não me recuso – rebateu Íris –, apenas acho chato ficar saindo de loja em loja olhando roupas.
- Realmente pode ser entediante, mas não vejo outra saída – argumentou Mata, ainda sorridente, passando algumas sacolas de uma mão para a outra tentando equilibrar o peso. – Uma mulher precisa se esforçar para conseguir os homens que deseja.
- Não quero nenhum homem aos meus pés – bravejou Íris.
- Mas você é muito bonita e tem um ótimo visual – continuou Assassin, sem dar atenção ao que a amiga falou. – Outro dia podemos combinar de sair, adoro passear com Lewis, Shakespeare e você. Que tal um piquenique semana que vem?
- Podemos ver isso depois, minha querida – respondeu Shakespeare, sorrindo. – Agora vamos até uma livraria, gostaria de procurar um livro falando sobre minha influência na arte ao longo desses seduções.
Íris às vezes não conseguia acreditar no que a Serva Assassin falava, ela agia como se não estivesse prestes a lutar em uma guerra, agia como que estivesse tendo algum momento em família com os três. Ela nem mesmo tratava Lewis como seu Mestre, ela agia quase como uma mãe para o homúnculo. Diferente de Shakespeare que se referia a Lewis como “Pequeno Mestre” e recitava várias de suas peças para ele, o que deixava o menor contente sendo um grande fã do Servo Caster, os livros dele foram sua primeira fonte de leitura e conhecimento sobre a vida, o que alimentou em partes o ego do dramaturgo junto com os elogios que o pequeno sempre lhe fazia.
Lewis Harrington, um homúnculo recém-criado que acabou caindo mas graças do casal Harrington e adotado por eles, se tornando membro da família e o filho que nunca tiveram, sendo bem recebido até mesmo pela primogênita Rose Harrington, que era praticamente o oposto de Lewis, quieta e reservada com comportamento taciturno sempre se esgueirando pelas sombras e ouvindo as conversas dos outros.
A preocupação do casal com Harrington era tanta que o pai, temeroso do diagnóstico de que o homúnculo poderia morrer em menos de um ano por falta de mana por conta de seus fracos circuitos mágicos, passou a Crista Mágica da sua parte da família para ele, o ligando as linhas leys, veias de energia subterrâneas que circulam por toda Terra e a mantém funcionando, a taumaturgia da sua família, mesmo nenhum membro do clã tendo conseguido aprimorar a magia. O corpo herdeiro reagiu bem, as Cristas foram acolhidas e os circuitos mágicos foram ativados de forma que não prejudicou o corpo delicado de Lewis. E, como resultado, quando começou o treinamento, sua magia se desenvolveu de uma maneira ao ponto dele conseguir manipular a mana em si, podendo usar qualquer magia e ser capaz de realizar as maiores façanhas. Fora um momento de festança para a família.
Quando as chagas apareceram no peito dele, os pais mais uma vez entraram em desespero, não queriam perder seu pequeno tesouro para algo insano. Mesmo tentando argumentar com o ancião e líder do clã para que os Selos fossem transplantados para outro representante na guerra, este negou afirmando que Lewis era o mais capacitado para lutar.
Íris conseguia se lembrar como se fosse ontem. A senhora Harrington, uma mulher elegante e de etiqueta refinada desde criança a chamou para uma conversa quando soube que a babá, uma estudante da Torre do Relógio e prodígio na alquimia ao ponto de desenvolver uma nova forma de se usar a magia para defesa, contratada pelo fato dos Westerfeld terem uma relação de amizade com os Harrington, também fora escolhida para ser um dos sete Mestres.
- Por favor – implorava a dama sem perder a pose, mas com o desespero evidente em sua voz. – A gente irá te ajudar a conseguir os materiais para invocar seu Servo, mas não deixe o pequeno Lewis desamparado. Mesmo que mate os Servos dele para tomar o Graal para si, por favor, ampare meu filho mais uma vez contra esse mundo cruel e as atrocidades que podem lhe acometer nessa disputa sem razão.
Íris não pensou duas vezes, lembra-se bem disso. Ajudou a cuidar de Lewis desde seus primeiros passos no mundo fora da mansão dos Harrington e o apresentou ao mundo e tudo que podia usufruir nele. Ela aceitou o acordo sem precisar a assinar um contrato entre magos, um acordo absoluto entre ambas as partes que as consequências podem atingir até mesmo várias gerações dos descendentes caso um deles quebre sua parte.
Os Harrington mandaram uma equipe de mercenários da família atrás do item que Íris pediu, algo pertencente à família de executores reais na época da Revolução Francesa. Ela queria invocar o Espírito Heroico Assassin, enquanto Lewis para garantir seu bem-estar, invocaria William Shakespeare que deveria vir com o Caster, sendo realizada sua invocação uma semana atrás – duas semanas antes do conflito começar. Tudo aconteceu como deveria, com exceção de uma coisa, Mata Hari, o segundo Espírito Heroico que veio ao chamado de Lewis por conta da sua personalidade, o lado familiar.
O senhor e senhora Harrington não estavam presentes quando a invocação aconteceu, portanto foram informados através das ligações diárias que faziam para falar com o filho e Íris, afim de saber o que acontecia na casa e como tudo andava. Eles ficaram em choque ao saber que dois Espíritos Heroicos foram invocados. Perguntaram se Íris gostaria de pedir um segundo catalizador, mas ela opitou por não, afinal a equipe ainda estava em busca de um pertence da família Sanson, os executores reais, não terá um como arrumar um segundo catalizador em cima da hora, ainda mais quando Íris não tinha idéia de qual outro Servo chamar. Tentaria na sorte. Ela precisava confiar nos seus talentos como uma maga e que conseguiria um Servo que a ajudasse a alcançar a vitória, mesmo que confie a Assassin esse papel, deixando o conflito desenrolar como deveria a atacando o último Servo restante pelas costas quando este se encontrasse desgastado pelo combate.
Precisava que tudo desse certo, seu pai dependia disso. Ele era a razão para estar sacrificando sua vida na Guerra do Santo Graal. Recuperar a honra dele e o devolver de cabeça erguida para o mundo dos magos é seu único milagre a ser atendido.
Há muito tempo atrás, quando ainda era pequena, talvez com dois anos, seu pai iniciou um estudo que manteve escondido da família.
- Será uma grande surpresa – falava animado, tendo confiança em seus estudos.
Os outros lhe chamavam de louco, suas palavras eram executadas como alucinações de um idiota patético de geração recente para ganhar fama entre os magos e deixar sua marca. Mesmo assim, ele seguiu imutável e inabalável. Dias e noites acordado sobre aquela mesa que ele nem toca mais, sentado na poltrona em um escritório que agora está fechado e acumula poeira dentro da escuridão. Finalmente chegou o dia da sua apresentação, estava na hora de mostrar que todos estavam errados em duvidar dele e que a magia poderia ir muito além do que se tinha até então.
Deu tudo errado.
No início, segundo relatos de alguns poucos sobreviventes, o ritual seu certo e seguia os conformes. A coisa desandou quando a figura chamada de materializou emergido em uma nuvem escura e opaca, somente um par de olhos vermelhos brilhantes como os de um predador eram possíveis de distinguir, e logo que ficou nos presentes atacou enfurecido, destruiu e matou todos que vai pela frente e alcançava com suas mãos, fora preciso destruir o círculo de invocação pelo próprio Daniel Westerfeld e esperar até que a mana da figura acabasse, o que levou a mais horas de destruição e matança em uma pequena cidade no interior britânico.
A Associação de Magos interferiu com sua própria equipe de socorro que apagou todas as lembranças sobre o incidente e as substituiu por um ataque terrorista em massa. Levando um ataque do exército russo a uma cidade na Síria dominada pelo exército do Estado Islâmico e muitos inocentes acabaram atingidos e falecendo com o bombardeio.
O nome de Daniel Westerfeld fora mergulhado em vergonha, o clã Westerfeld anulou a união do casal para prevenir danos maiores sobre si, seu pai então foi largado sozinho com sua filha pequena nos braços enquanto o nome McGuire caía em desgraça, tendo todas as portas fechadas para si e sua filha perdendo todas as chances que poderia ter como uma grande maga. Os Harrington, em nome dos laços que criaram com os McGuire, mantiveram contato apiedados de toda aquela situação e ajudando como podiam.
Íris devia muito a eles por isso, tentaria ao máximo compensar protegendo Lewis na guerra. Por isso a preferência por Assassin. Ninguém leva a classe Assassin a sério por não serem combatentes, eles são fracos em questão de luta, nunca poderiam acabar batendo de frente com algum outro Servo como Saber, Lancer e Archer, os "Três Cavaleiros", as classes mais importantes e de tamanho poder na guerra. Passaria despercebido e faria o que faz de melhor, obrigar todos a engolirem sua arrogância os pegando de surpresa e separando duas cabeças dos pescoços.
***
Berlim, capital alemã – castelo von Fagner, 12h06
Do lado de fora da janela uma forte nevada acontecia, manchando o horizonte de branco e cinza, o vento gélido atingia como afilhadas fazendo as pessoas se envolverem dentro de seus casacos, gorros e cachecóis. As árvores que cercavam o jardim da mansão de encontravam sem vida, seus galhos se tornaram garras sem folhas e o canto dos pássaros abandonaram o local, fazendo com que o Castelo fosse apenas mais uma construção morta no meio da montanha.
Nesse castelo agora sem vida – talvez nunca tivesse existido vida ali – digno de um conto de fadas mórbido e sem esperanças, está um jovem de cabelos brancos com alguns fios negros que ainda resistiam aos vários testes que ele fora obrigado a passar desde o dia que nasceu. Seu único olho que ainda funciona encara seus progenitores sem interesse enquanto falam algo sobre o catalizador (ou falaram no plural?), aquelas bocas que servem apenas para desferir palavras vazias e egoístas.
- Entendeu, Heiko? – perguntou a mulher.
Parecendo voltar a realidade, ele respondeu:
- O quê?
- Não prestou atenção em nada do que falamos!? – reclamou o homem batendo a mão sobre a mesa de pinheiro irritado.
Sem querer gerar uma discussão desnecessária, ele respondeu:
- Sim, entendi.
Não esperando uma resposta do casal que o encarava do outro lado da mesa, Heiko von Fagner se levantou e deu as costas simplesmente, fechando a porta atrás de si sob as reclamações da sua falta de cordialidade e educação. Seguiu pelos corredores vazios com alguns poucos quadros com seus antepassados e janelas. Os von Fagner são uma família que vem desde a época dos vikings, quando os deuses nórdicos ainda regiam e as runas eram o dialeto e a magia. Uma magia tão antiga que seu significado ainda é oculto, tendo como conhecimento que elas estão ligadas à “Origem”, cada runa significa uma coisa, podendo distorcer o tempo-espaço para criar e formar a coisa a qual sua origem está ligada.
A lenda das runas é antiga, começando com Odin, o pai de todos, saindo de Asgard, o reino dos deuses, e indo até a Yggdrasil, a árvore que sustenta os nove mundos, onde encontrou a maior das provações e alcançou a fonte de toda sabedoria: as runas. Mas havia um preço para alcançar, seria necessário um sacrifício para ter acesso às runas. Disposto a tudo, pendurou-se na árvore por nove dias pelo coração com sua própria espada, aguentando toda a dor nesse tempo, até que finalmente pode receber toda sabedoria.
A lição que Odin deixa, que as runas exigem, é um sacrifício para esvaziar a pessoa e transformá-la em um recipiente para ser preenchido. Basicamente, derramasse todo conteúdo dentro do copo para que ele fique vazia e portanto seja possível preenchê-lo com um novo, um mais refinado e que permite novos caminhos.
Os von Fagner seguem esse ensinamento à risca, criando desafios para seus membros desde o momento que nascem até decidirem que estes estão prontos para herdar a Crista da família. O primeiro teste de Heiko assim que nasceu fora ficar o máximo que aguentava sem o leite materno. Por mais que chorasse de fome, seus pais não protestavam e o ancião apenas ignorava. Quando finalmente desistiu de que seria alimentado e ficou em silêncio, o ancião deixou que sua desse seu peito para mamar.
Aos cinco anos, fora largado dentro de um celeiro em chamas amarrado, ele deveria usar o que lhe fora ensinado para escapar, apagar as chamas ou esperar a morte. De lembrança, leva uma queimadura na panturrilha esquerda.
Aos seis fora largado na floresta congelada infestada de lobos famintos. Seus pais não fizeram nada, mais uma vez. O ancião tratou como um teste idiota que qualquer criança poderia fazer. A família não protestou. Ele carrega até hoje as cicatrizes das garras e dentes dos lobos que o atacaram, antes de uma runa explodir em lâminas de vento e os lobos serem transformados em montes de carne despedaça.
Com dez anos, passou por uma longa sessão em que fora obrigado a ficar nu enquanto dois tios e um primo feriam seu corpo com lâminas afiadas. Por um momento, ele sentiu que estavam adorando fazer aquilo, descontando a raiva por não serem os herdeiros da Crista da família e nunca poderem usar das runas para atender seus desejos sórdidos. Um dos tios usou a faca para furar o olho direito.
Agora, com 19 anos, era obrigado a participar da Guerra do Santo Graal em nome dos von Fagner porque o clã simplesmente quer o Graal para si com intenção de aumentar sua fama entre os magos ao ponto de sua voz na Associação de Magos ser maior que a dos Tohsaka, Einzbern e Matou – o antigo clã Makiri, que mudou o nome ao se instalar em Fuyuki, uma cidade no interior do país do sol nascente, Japão. Nem mesmo qual catalizador arrumaram para seu Servo.
“Babacas” – pensou irritado.
Jogou-se na cama chegando no quarto, batendo a porta. Ali, naquele enorme cômodo, conseguia ter seu mundo intacto. Mesmo com a falta de acesso a internet e outras tecnologias modernas no castelo, digno de uma família de magos tradicionais que se recusam a ceder ao mundo atual e suas evoluções, ele conseguiu vários livros e outras ferramentas hoje obsoletas, como um toca CD que um empregado trouxe escondido a pedido de Heiko, assim como vários CDs que ele mantém escondido em uma câmara secreta no seu armário. Um outro empregado trouxe um Nintendo DS com carregador portátil que gera energia através da luz solar. Tudo que ele pudesse manter escondido da vista dos olhos dos membros da família. Ele agradecia à existência dos empregados, por alguma razão, todos sentiam pena dele.
Os empregados sempre o trataram com carinho que ele não recebia dos pais, foi com eles que aprendeu o que era certo e errado, ser querido, o que ele queria que seus pais sentissem quando ele era obrigado a algum teste maluco para receber o conhecimento das runas. Foi com os empregados que ele se tornou humano, não uma máquina que aceitava tudo que faziam com ele sem reclamar, achando corretor. Mesmo não ligando mais para ser ferido ou quase morto, ainda havia humanidade dentro dele.
Estava jogando Pokémon quando alguém bateu na porta, escondendo rapidamente o aparelho sob o colchão, habilidade que aperfeiçoou ao longo desses anos.
- Irmãozão? – perguntou uma voz aguda de garotinha.
- Acho que, ele... não, está... – respondeu uma voz mais baixa e suava de um garoto com problemas de fala.
Sorriu feliz com quem estava do outro lado.
- Podem entrar – anunciou.
A porta se abriu, revelando duas crianças de no máximo 7 anos, mas ambos os gêmeos tinham apenas um ano e meio de existência. Foi uma recompensa do clã por ter cumprido todos os requisitos do treinamento, achavam que ele estava um tanto quanto isolado e que deveria aproveitar o que restava da sua adolescência antes de começarem os preparativos para um casório com alguma família de renome para gerar descendentes com ótimos circuitos mágicos que manteriam o nome von Fagner por mais décadas e décadas.
Habermas e Gertrudes os seus nomes. Criados em uma transação comercial com o clã Einzbern, runas encantadas que ajudariam na criação de vida artificial mais humana e um mago quase perfeito em troca de um frota de homúnculo.
Deve estar se perguntando porquê os próprios von Fagner não fizeram os homúnculos com as runas que tinham. A resposta é simples. Eles sabiam como usar as runas para animar objetos como bonecas e dar-lhes o que podiam chamar de vida, agindo quase como um humano de verdade, e ganhando circuitos mágicos que podiam ser melhorados com treinos, mas não tinham conhecimento para criar homúnculos, seres compostos basicamente de circuitos mágicos e que possuem toda composição de um ser-humano e deficientes em usar magia mais poderosas. Fora uma troca de favores. Um tinha a magia para transformar homúnculos em magos quase perfeitos e outro sabia como criar humanos artificiais.
- Onde estiveste hoje? – perguntou a menina de fios, sentando na cama ao lado do irmão.
- Os senhores von Fagner me chamaram para uma reunião chata – respondeu acariciando os cabelos brancos da menina. – Logo, logo serei obrigado a fazer a invocação do Servo para a Guerra do Santo Graal.
- Você não, pode... mudar de idéia...? – questionou Habermas com sua costumeira voz suave, parecia um sussurro quase, mas era alto demais.
Seus olhos avermelhados como rubis encararam o mais velho, pareciam um pouco vazios, entretanto isso se dava a sua capacidade limitada de expressar suas emoções. Heiko conseguia ver a preocupação dentro deles, e a tristeza por ficar sem seu irmão mais velho, sem saber se poderia vê-lo novamente.
- Infelizmente não.
Agachou-se e ficou com os olhos na altura dos gêmeos, seu sorriso não desapareceu. Habermas e Gertrudes melhoravam seu humor de uma maneira que não sabia explicar, mesmo sabendo que eles foram programados para gostar dele incondicionalmente e agirem como se fossem seus irmãos, os acolheu de braços abertos, eram duas crianças inocentes que não sabiam de nada da vida, limitavam-se ao castelo e suas extensões aos jardins.
“Gostaria tanto de curá-los” – pensava. Para ele, mesmo que não fosse causada por alguma razão biológica como vírus ou genética, ser limitado a algo era uma doença imposta por pessoas sem escrúpulos que enxergam suas vidas... Na verdade, que vidas? São apenas bonecos que devem obedecer sem questionar.
- Vai ficar quanto tempo fora? – perguntou Gertrudes meio tristonha, não queria que seu irmão mais velho fosse embora, a diversão acabaria e ela não poderia fazer mais nada além de sentar e observar a vista com seu gêmeo.
- Se tudo der certo, duas semanas – respondeu. – E finalmente poderemos sair.
- Sair...? – disse Habermas confuso.
Uma das razões para participar da Guerra do Santo Graal eram os seus “irmãozinhos”. O líder deixou bem claro que caso falhasse com sua missão de levar o Graal para os von Fagner, morrendo ou retornando derrotado, não haveria mais razão para Habermas e Gertrudes continuarem funcionando, seriam descartados e Heiko seria obrigado a voltar para os treinos intensivos para melhorar sua magia.
“Como posso ligar se não tenho direito de saber quem será meu Servo?” – perguntava-se.
Relação entre Mestre e Servo é uma chave importante para se ter sucesso na guerra, o vínculo e a forma como trabalharem juntos pode decidir se serão vitoriosos ou fracassados. Sem ter conhecimento sobre qual catalizador o ancião arrumou, não há como Saber qual será o Servo. Pode ser o tirano imperador romano Nero, alguém com quem jamais aceitaria trabalhar tem o em vista o que fez, como incendiar a própria cidade e enquanto as pessoas morriam e fugiam em desespero, compunha em sua lira. Ou o honrado rei Arthur, que governou com justiça e prosperidade seu reino, sendo lembrado como “Rei dos Cavaleiros” por toda eternidade, cujo as palavras daria ouvido e confraria as estratégias de guerra.
Belo jeito de manter as amarras.
Algumas vezes se pega olhando para a lua, pensando como seria simplesmente sair levando seus irmãos e andar sem rumo pela imensidão do mundo, se virando, lutando para conquistar seu espaço – tanto entre os magos quanto os humanos. Mas uma voz sempre o alertara de que as coisas não seriam tão fáceis quanto pareciam e acabava amedrontado por essa ideia, pela sombra da falha e da desgraça, de que arruinados sua vida e dos pequenos, que não tiveram chance de ter uma. Qual deles teve?
“Talvez eu seja apenas um covarde com medo das mudanças.”
- Sim, sair. Vocês finalmente vão conhecer Berlim e desfrutar das guloseimas que todas as crianças comem lá fora. Imaginem poderem mascar chicletes de vários sabores, balas coloridas, biscoitos recheados, pirulitos de puro açúcar coloridos que mancham suas línguas...
- Parece bom... – concordou Habermas dando um leve sorriso. – Eu quero, chiclete...
- Agora fiquei com vontade de um pirulito de açúcar! – reclamou Gertrudes, pegando uma almofada e batendo com ela Heiko, o derrubando. – Irmãozão mal.
Heiko riu, se levantando e pulando em cima dela com as mãos estendidas.
- Lá fora eles também punem crianças malcriadas com cócegas! – brincou. A menina se encolheu sob o ataque incessante dos seus dedos ficando com o rosto vermelho devido às risadas incessantes e a falta de ar.
- P-para... – implorava em meio aos risos.
- Que forma, cruel, de... tortura – observou Habermas, se divertindo com a situação da irmã.
- Acha mesmo? – sorriu Heiko, atacando o menor, que também passou a gargalhar com o rosto vermelho e dificuldade para respirar.
- Hora da vingança! – bradou Gertrude.
Logo, as mãos delicadas e pequenas dos dois estavam fazendo cócegas pelo tronco e pescoço de Heiko, que guardava em suas lembranças as risadas para os momentos que faltasse esperança e precisasse de incentivo para seguir em frente.
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