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História Feita de Cor e Palavras - A visita da Morte.


Escrita por: weirdgirl1945

Notas do Autor


Olaaar ! Capítulo narrado pelo Rudy,tá ? ^^
Espero que gostem <3

Capítulo 19 - A visita da Morte.


Fanfic / Fanfiction Feita de Cor e Palavras - A visita da Morte.

-Certo,e o que vamos fazer ?

Perguntei enquanto eu e Henry andávamos na direção oposta das ruas movimentadas e seguíamos para o caminho denso dando espaço para as árvores.

-Nada tão interessante comparado ao serviço das meninas. Nem teremos trabalho-Disse enquanto chutava uma pedra pelo caminho.-Vamos pegar alguns judeus escondidos celeiro na casa de um senhor. Era pra ser mais cedo,mas eles preferiam discutir e atrasar com tudo !

-Se é tão ‘’fácil’’ assim,por que discutiram ?.-Perguntei fazendo aspas com os dedos.

Passamos praticamente a tarde toda esperando Abiel e Endler decidirem o que teríamos que fazer,e enquanto Liesel estava fora,me questionei se teria feito uma boa escolha,e se iríamos confiar realmente nossas vidas em dois homens que mal conseguiam se entender.

-Você vai ver.-Respondeu Henry descontente.

Eu esperava ter passado confiança para Liesel quando lhe disse silenciosamente para ir porque,sinceramente,eu não faço ideia do que estou fazendo.

Em certo ponto,eu estou entusiasmado com a ideia de me arriscar por outras pessoas. Pessoas que eu mal conheço,mas que sei que estão sofrendo e que perderam grande parte da família injustamente. Ajudá-los a colar os pequenos cacos de seus corações esgotados,seria uma honra para mim. Nem que,para isso, fosse necessário pedaços do meu próprio coração esgotado.

Mas por outro lado,eu me perguntava se aquilo daria certo. Por mais otimista que eu tento ser,não sou tolo,sei que toda mentira no final é descoberta. E que eu posso atrasar esse fato,mas que cedo ou tarde minha família,ou melhor,minha mãe irá descobrir. Ela e Emmalyn. Assim como a Gestapo também irá nos descobrir. No entanto,essa nem é a pior parte.

A pior parte não é acabar com tudo,e quem sabe sermos mandados para o Campo ou algo assim. Para mim,o pior de tudo seria a decepção. Eu consigo imaginar minha mãe me encarando firmemente com seus olhos azuis,se perguntando aonde foi que ela errou. Eu já a vi com esse olhar.

Duas vezes.

A primeira vez foi quando meu pai me me empurrou para dentro de casa pintado de preto.

Enquanto meu pai esfregava todo o meu corpo,minha mãe dizia a ele para não ficar bravo e que eu não sabia que era errado. Mesmo com essas palavras,e com seu pequeno sorriso,pude ver lá no fundo do seu olhar uma ponta de decepção.

Ela estava certa,eu não sabia. Mas na segunda vez eu tinha total consciência do que estava fazendo,e mesmo assim o fiz.

Foi quando ela descobriu que eu estava faltando nas reuniões da Juventude Hitlerista. Parece algo estúpido para ficar tão chateada,mas eu entendo seu ponto de vista. Eu estou mais acostumado com os olhares de reprovação do meu pai,os dela me incomoda muito mais.  Acredito que assim como qualquer família,temos também a nossa ovelha negra.

E sou eu.

Admito que aquele olhar não estava me incomodando mais,e que talvez seja por isso o motivo pelo qual eu parei de me preocupar com o que eu fizesse. Mas agora,a ideia de vê-la daquele jeito novamente está surgindo um desagradável efeito em mim. Deve ser porque estou,de fato,fazendo algo realmente errado.

Então,é esse o efeito da paranoia.

-Você acha que Miriam vai melhorar ?.-Henry me tirou de meus pensamentos com uma pergunta surpreendente.

Há algumas horas atrás,Henry me contou o motivo de Miriam estar tão doente.

Como eu desconfiava,ela não é alemã. É uma polonesa. Ela e sua família moravam no Gueto de Varsóvia,a maioria dos seus parentes morreram,ficando apenas ela e o pai já idoso que logo em seguida, morreu de exaustão,deixando-a sozinha no Gueto.

A comida de lá era escassa,mas diziam que era bem melhor do que a do Campo. Para piorar a situação de Miriam,ela foi convocada,assim como centenas de pessoas,para trabalhar no Campo. Ela não sabia para qual iria,então quando estava espremida no trem com os outros judeus,descobriu que iria para Ravensbrück que é aqui na Alemanha,entrou em desespero junto com os outros. Miriam jurou para os pais lá no Gueto,que se dependesse dela,jamais pisaria na Alemanha.

Então,junto com os outros abriram um buraco no chão do trem, e alguns conseguiram escapar junto com ela,mas era tarde,já estavam em solo Alemão. Junto com Miriam,estavam cinco judeus. Quatro foram pegos,ela e o outro fugiram e se esconderam na floresta em pleno inverno. O resultado não poderia ser pior,o amigo de Miriam morreu de frio e fome. Ela estava desnutrida e se recusou a arrancar um pedaço sequer de carne do homem,então vagou pela floresta comendo insetos e raízes e se esquentando com as roupas do amigo. Até que encontrou Abiel,ele a levou para o prédio da Resistência,onde está até hoje.

Ela foi diagnosticada com a Doença de Raynaud.

E bem,todos sabem como é essa doença.

-Hã,acho.-Menti.-Acho que sim.

-Sério ? Eu acho que não.-Ele disse franzindo o cenho.-Ela está doente já faz um bom tempo. E ninguém pode levá-la para casa ou pagar algum porão. Ninguém quer um judeu saudável. Quem dirá um doente.

-Mas os dedos dela ainda não estão deformados. Não é assim que sabemos se a doença está piorando ?-Perguntei em vão,já sabendo que não importa o que o corpo de Miriam demonstre,a doença a está corroendo por dentro.

-Não sei.-Admitiu Henry.-Ela tem mais alguma coisa,sei disso. Mas minha mãe esconde de todo mundo. Não quer nos deixar mais assustados que o normal.

-Não era sobre a doença que você queria perguntar,não é ?

Ele não só estava preocupado com o estado de Miriam,estava pensando também em uma questão além dessa.

Uma questão que eu sabia qual era,mas fiquei com medo que ele dissesse em voz alta.

E ele disse.

-O que vamos fazer um cadáver judeu ?

-Ela não vai morrer.-Falei,tentando não convencer a ele,mas eu mesmo.

-Estou falando se ela morrer.- Henry disse parecendo extremamente desconfortável. A morte também era um assunto delicado para ele.-Nunca tivemos que lidar com isso. Não podemos simplesmente levá-la para fora do prédio e falar ‘’Olha,encontramos um corpo ! Que estranho,não ?’’

-Ela ainda não está morta !.-Protestei.

-Ainda !.Ela ficou cinco dias dormindo !-Henry rebateu se irritando também.-Você acha isso normal ?

-Quando isso acontecer.-Eu disse cerrando os dentes.-Se isso acontecer,todos nós vamos pensar em um jeito.

Ele não disse nada.

Apesar de eu não ter gostado nem um pouco do que Henry disse,eu não podia culpá-lo. Miriam vai morrer logo.

Eu sei disso.

Ele sabe.

Até Miriam sabe.

Qualquer um consegue ver.

É como se ela estivesse segurando um cartaz escrito ‘’Querida Morte,estou pronta.’’

Mas infelizmente,eu faço parte daquele grupo de pessoas que acreditam que não falar sobre a Morte,diminui a intensidade da dor que vamos sentir futuramente.

Continuamos em silêncio,e por mais estranho que pareça,não era aquele silêncio incômodo. Era de certo modo,confortável adiar uma conversa que teríamos mais cedo ou mais tarde. Fazia nos sentir no controle da situação.

O caminho a nossa frente se estendia,cercado por altas árvores. Não estávamos dentro de uma floresta,ou no coração dela onde provavelmente Hannah cometia seus assassinatos. Estávamos andando na verdade,em uma trilha .-essa parte além do cheiro comum de mata,tinha um pequeno odor pairando sobre o ar-. e se você parasse e ouvisse com atenção,poderia ouvir vozes,e até os carros passando na rua não muito longe de nós.

Mas algo no caminho fez Henry hesitar.

-Merda.-Murmurou.-Só tente não vomitar,está bem ?

Eu tentei perguntar o por que,mas o que eu vi me deixou completamente sem fala.

Não exatamente a nossa frente,mas sim do lado esquerdo ao nosso,estava a pior coisa que eu já vi em toda a minha vida.

Uma vala coletiva.

Com praticamente centenas de corpos jogados em cima de outros e mais outros a ponto de formar uma pilha. Corpos de homens,mulheres e até mesmo crianças.

Era dali que vinha o odor.

A cena era de um horror tão grande que eu cambaleei para trás,não acreditando no que estava vendo. Alguns cadáveres já estavam em estado de decomposição,já outros estavam tão estranhamente calmos que pareciam estar dormindo.

Henry tocou meu braço,fazendo com que eu voltasse a andar.

-Abiel faz questão que todos vejam isso.-Ele disse enojado.-As garotas tiveram sorte de não serem mandadas pra cá.

Eu ainda não conseguia dizer nada.

Eu sentia um nó no estômago,na garganta e na cabeça. Era informação demais para registrar,digerir e aceitar.

-Ás vezes.-Continuou Henry.-Eles não se dão o trabalho de levá-los a Gestapo. Então acabam por fazer o trabalho aqui mesmo.

Era por isso que Endler não queria que viéssemos.

Para não ver esse show de horrores.

Meu Deus.

Aonde eu fui me meter ?

Henry me empurrou um pouco mais,apressando o passo para sairmos o mais rápido possível dali.

Eu não sabia o que dizer.

Não sabia nem como estava de pé.

E quando as palavras finalmente vieram,saíram tão frias,tão absurdas que senti nojo de mim mesmo quando as disse.

-Acho que sei o que fazer com o corpo de Miriam.

Henry conseguiu dar um risinho. Um sorriso triste. Daqueles que dizem ‘’Estou destruído também,mas vamos fingir que não.’’

-Já sugeri isso uma vez. Mas eles se recusam a deixá-la aí.-Ele respirou fundo,mais calmo porque finalmente saímos daquele cemitério coletivo.-Existe um certo orgulho em não aceitar nada dos nazistas. Nada que venha deles. Nem mesmo uma vala coletiva. Não que Endler e Abiel estejam errados,mas talvez essa vala seja o único jeito de não sermos pegos.

Eu entendia. Queria dizer isso,mas não consegui.

A imagem daqueles corpos juntos,voltaram a minha mente.

Alguns ainda tinham a estrela amarela,outros tinham insetos comendo seus rostos e tinha aqueles que os ossos estavam começando a aparecer. E também tinha aqueles que eram tão recentes que ainda tinham sangue manchando o corpo.

E é tão desumano a forma como os deixaram ali,praticamente a vista de todos. Sem se dar ao trabalho de esconder o que fizeram.

-Chegamos.-Anunciou Henry.

Eu mal tinha notado que estávamos nos aproximando de uma simples casinha no meio do nada.

Literalmente no meio do nada.

Ela estava no meio da clareira das árvores,simples com algumas cercas em volta e um pequeno estábulo ao lado.

-É aqui que mora o senhor Kalthenbach.-Disse Henry.-Ele é um pouco...solitário. Então tentamos sempre dar uma passada aqui.  

Me perguntei como o homem conseguia morar ali,sabendo que não muito longe tinha uma vala coletiva. Por um instante,o julguei como um homem frio,mas logo afastei esse pensamento. Talvez o senhor Kalthenbach seja como Liesel. Tão acostumado com a Morte que já não a vê como inimiga e sim como uma amiga que mora ao lado. Apenas esperando o momento certo para uma visita.

Batemos na porta.

Esperamos.

Sem resposta.

Repetimos,e mais uma vez nada.

Henry decidiu entrar.

-Senhor Kalthenbach ?.-Chamou.-AH MEU DEUS !

Henry deu um passo para trás e eu pude ver o que o assustou.

Preferia não ter visto.

Sentado á mesa daquela cozinha simples,estava um senhor grisalho baleado.

A cabeça jogada na mesa com sangue escorrendo por toda parte,os olhos azuis abertos e vidrados no vazio,duas marcas de bala marcavam sua camiseta que era para ser branca,mas agora estava tingida de vermelho.

O sangue cai no chão.

O vermelho vivo jorrando de algo morto. O sangue transbordando vida,enquanto o homem não transbordava nada além do aroma da morte.

Ela já fizera a sua visita,e agora partia para a próxima.

O primeiro instinto de Henry foi correr até o homem,mas eu o impedi.

-Ele está morto ! Chegamos tarde.-Eu o segurei.-Onde os outros estão escondidos ?

Ele estava pálido e imaginei que eu não estava diferente. Em apenas uma hora eu vi mais cadáveres do que conseguiria ver em toda a minha vida. ( Bem,eu espero só ver estes.).

-Os outros !.-Repetiu Henry e sai em disparada pela casa.

Eu o segui.

Corremos para a entrada de um minúsculo porão no quarto do senhor Kalthenbach,a porta escondida com um tapete.

Estava vazio.

Reviramos a casa inutilmente,torcendo para que algum dos judeus tivesse conseguido escapar e se escondido. Nossa busca pela casa foi em vão,então corremos para o pequeno estábulo.

Não tinha nenhum cavalo.

Reviramos o feno,chamando por eles.

Nada.

Quando estávamos começando a aceitar que todos foram pegos,lá no fundo,no meio de feno e fezes de cavalo,surgiu um par de olhos negros. Depois outro.

Esperei que surgissem mais,mas era só aqueles. Os olhos assustados de um pai e um filho.

Disparamos até eles,falando em cima um do outro,fazendo todo o tipo de pergunta. O homem pegou o filho no colo e disse em um alemão desajeitado.

-Garotos do Endler,onde estão os outros ? Onde está Kalthenbach ?!

Contamos a ele sobre a morte do homem,e que precisávamos sair dali o mais rápido possível.

-Parece que só vocês conseguiram escapar.-Falei.

-Não faz muito tempo que eles saíram.-Disse o homem.-Eu os vi de longe,quando sai com Aldon para levá-lo um pouco para fora. Ficamos dias naquele porão ! Tentei avisar os outros,mas era tarde demais,então nos escondemos aqui. Ouvi os tiros,mas me neguei a acreditar que fosse para Kalthenbach...Que Deus o tenha !

Estávamos saindo do estábulo quando ouvimos cavalgadas. Corremos de volta para o feno,e não só o som dos cavalos se aproximava,como vozes também.

Me arrisquei a espiar para fora do feno,já que eu estava o mais perto da porta,não consegui ver os rostos,mas vi aquelas botas extremamente lustradas que eu tanto conhecia se aproximando cada vez mais.

Misericórdia.


Notas Finais


:3 Acho que preciso explicar melhor a Doença de Raynaud.
Normalmente acontece depois de uma grande exposição ao frio. Afeta os vasos sanguíneos do corpo,principalmente dos dedos,deixando-os brancos,frios e dormentes. Em alguns casos raros eles até ficam deformados. Ah,e até podem ser amputados durante o tratamento.
Uma explicação pequena só pra vocês terem uma idéia mais ou menos aushushsu
Bjs no core,mamíferos ! <3


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