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História Feiticeiros - Coração Alado


Escrita por: KathKlein e YoruHiiragizawa

Capítulo 69 - Coração Alado


Fanfic / Fanfiction Feiticeiros - Coração Alado

FEITICEIROS

Por Kath Klein & Yoruki Hiiragizawa

Capítulo 69

Coração Alado

Shaolin, Marie e Kazuo viajavam de carro em direção ao sítio arqueológico do Monte Albán.

Kazuo reparou que o irmão vinha a viagem toda calado com o olhar vago para fora da janela do carro. A aura dele, apesar de estar mais controlada, ainda estava agitada. Duas ou três vezes, viu-o trincar os dentes e cerrar os punhos como se estivesse com raiva de algo… Raiva de si mesmo?

Não queria que o irmão pensasse daquela forma. Nada tinha sido culpa dele. Os poderes que havia recebido provavelmente lhe foram entregues justamente porque ele seria capaz de controlá-los e usá-los de forma correta.

Shaolin tinha um senso de honra e de responsabilidade exacerbada. Agia como se tudo fosse responsabilidade dele. Kazuo sabia exatamente o que era ser cobrado exaustivamente. O pai e Sakura treinaram-no desde que tinha oito anos, pelo que soube e, embora o pai não usasse de violência, realmente cobrava um bocado de Shaolin. Nos poucos treinamentos que fizeram juntos,  criticava-o bastante, repreendendo-o por cada erro. Ele sabia que Syaoran fazia isso para ajudar o menino a melhorar a técnica e, se hoje Shaolin conseguia lutar de igual para igual contra ele e os outros adversários, conseguindo, inclusive, lidar com um grupo enorme de inimigos, fora justamente por conta das lições do pai. Mas não podia ignorar que ele ainda era um pirralho.

‘Hei…’ Chamou o irmão que virou-se para ele, erguendo de leve o queixo perguntando o que foi. ‘Você entendeu errado o que eu falei.’ Falou mais uma vez.

Marie estava no banco da frente, olhando os mapas e falando com o motorista em espanhol enquanto os dois estavam no banco de trás. Ela virou-se para trás rapidamente e olhou para o namorado sem conseguir disfarçar a preocupação que sentia. Ela sorriu de leve. Kazuo talvez nunca admitisse, mas adorava o garoto.

Shaolin respirou fundo e soltou o ar devagar. Desviou os olhos do rapaz. ‘Acho que não.’ Respondeu em voz baixa. Não queria conversar. Ainda estava remoendo aquela visão que tivera.

‘Você… para sua idade… tem muita coragem.’ Kazuo falou sem jeito.

Shaolin voltou a fitar o irmão e sorriu de leve. Kazuo estava pensando que ele estava calado por conta do que concluiu sobre evitar contato com as pessoas.

‘Eu estou bem, Kazuo. Não estou preocupado com isso. Não mais…’ Respondeu de forma suave, ainda sorrindo de leve.

Kazuo ajeitou-se no banco do carro. ‘Eu sei… que você foi cobrado sempre por oyaji e…’

‘Kazuo!’ Shaolin o interrompeu, fazendo o irmão se calar. Soltou um suspiro. ‘Estou preocupado com o que eu vi… ou revivi...’ Falou desviando os olhos do irmão. ‘Aquela hora no estacionamento.’ Achou melhor esclarecer.

Kazuo franziu a testa, sem entender. ‘Mas você não disse que tinha sonhado com a pirralha gulosa?’

‘Era ela, mas também não era.’ O menino virou o rosto, olhando através da janela do carro. ‘A-acho que… Acho que eu e Kasumi nos conhecemos desde antes… antes desta vida.’ Ele falou devagar.

Marie parou de prestar atenção nos mapas que analisava ao ouvir o comentário do primo e franziu a testa. Realmente, os dois pirralhos sempre foram bem unidos. Desde que os conhecia, eles estavam sempre cuidando um do outro, aprontavam e tramavam travessuras que, não só deixavam a tias morrendo de preocupação, mas também lhe davam bastante trabalho. Lembrava-se que, inclusive, sentia um pouco de inveja pela cumplicidade dos dois quando era mais nova.

‘Antes desta vida?’ Kazuo perguntou, sem entender direito.

‘Isso… Assim como nee-san foi Khala’a antes e agora ela é humana.’

O rapaz batia de leve a mão no joelho. ‘Vocês também eram demônios antes?’

Shaolin fechou os olhos de forma dolorida e soltou um suspiro. ‘Acho que não… Não sei…’ Abriu os olhos e voltou a fitar o irmão. ‘Eu realmente não sei.’

Kazuo franziu a testa, observando Shaolin. O que será que estava acontecendo com ele? Abriu a boca para questioná-lo quando Shaolin voltou a falar.

‘Kasumi sempre me falou que não podia lutar com espadas, mas ela nunca me explicou isso direito.’ Shaolin desviou os olhos do rapaz, fitando os próprios joelhos. ‘Ela simplesmente se recusou a fazer as aulas de bastão, que é o primeiro passo para as espadas. Sempre quis ficar apenas na luta corporal.’

‘Ela luta muito bem.’ Kazuo comentou. ‘Eu a vi treinando com você e oyaji no dojo.’

O menino confirmou. ‘Ela realmente luta muito bem… É muito rápida. Muito mesmo. Tem vezes que eu mesmo não consigo acompanhá-la. Tousan também já comentou sobre isso comigo.’

Kazuo concordou com a cabeça e sorriu de leve. ‘Oyaji gosta muito dela. Ele me falou que ela era uma lutadora nata… desde bem pequenininha.’ Falou lembrando-se do que o pai falava de Kasumi. Realmente, tanto ele quanto Sakura consideravam muito a menina. Se bem que não tinha como não gostar dela. Ela era demais!

Shaolin ainda tinha o rosto sério. ‘Eu acho que a visão que tive foi da nossa outra existência…’ Cerrou os punhos. ‘Na verdade, na outra existência dela, porque eu era um… sei lá… um fantasma, acho. Ninguém me via ou ouvia.’

Kazuo não entendeu. ‘Fantasma?’

‘Eu não sei explicar, Kazuo… Isso que estou tentando entender.’ Fechou os olhos e jogou a cabeça para trás, batendo-a no banco do carro. ‘É isso que eu estou tentando entender. O porquê dela não conseguir me ver nem me ouvir.’

O rapaz deu de ombros. ‘Talvez porque nada daquilo era real. Foi só uma visão. Você não estava realmente lá…’

‘É…’ Shaolin soltou. ‘Tomara que seja isso.’

Kazuo sorriu de lado. ‘E o que ela estava fazendo? Aposto que estava comendo!’ Comentou, animado. ‘Ou cozinhando. E provavelmente era alguma coisa com muita carne…’ Estranhou quando a aura do irmão se agitou e o viu fechar as mãos em punhos com força.

Franziu a testa. Tinha algo errado. Desviou os olhos do irmão e olhou para a Marie que estava calada, embora olhasse para trás, prestando atenção na conversa dos dois. Voltou a olhar para o irmão.

‘O que Kasumi estava fazendo, Shaolin?’ Perguntou e engoliu em seco. Será que o irmão a havia visto com algum outro garoto? Já havia percebido o quanto ele era ciumento. ‘E lembre-se que tudo não passou de uma visão…’ Disse devagar.

Shaolin abriu os olhos e virou o rosto, fitando o irmão. ‘Eu a vi retalhar 5 homens maiores que você com uma katana. Em questão de segundos.’

Kazuo arregalou os olhos. Realmente não era isso que esperava ouvir.

Marie colocou a cabeça entre os bancos e fitou o primo que estava atrás dela. ‘O que você disse?!’

‘Que eu a vi retalhando cinco homens em segundos.’ Ele repetiu.

‘Retalhando?’ Ela perguntou, com o rosto sério. ‘Matando? É isso? Você a viu matando pessoas usando uma espada?’

Ele confirmou com a cabeça. ‘Exatamente. E ela tinha uma aura púrpura, assim como a sua e de Kazuo.’

Marie franziu o cenho, desviando o olhar do primo.

‘Ela era um demônio?!’ Kazuo perguntou, sem conseguir disfarçar o espanto.

‘Eu não sei!’ Shaolin respondeu com a voz em desespero. Fechou os olhos e colocou a mão no rosto. ‘Eu juro que eu não sei! E isso está me incomodando demais.’

Marie respirou fundo e soltou o ar devagar. ‘Shaolin-kun…’ Chamou o primo com a voz doce, fazendo-o olhar para ela. ‘Foi apenas uma visão… Uma ilusão. Eu nunca vi magia nenhuma em torno de Kasumi-chan.’ Ela forçou um sorriso. ‘E nem os meus ou os seus pais detectaram magia nela, porque já teriam comentado alguma coisa se o tivessem visto. E eles são, provavelmente, os feiticeiros mais fortes deste universo.’ Ela encolheu levemente os ombros. ‘Não se preocupe, pirralho. Kasumi-chan é uma garota normal. O que você deve ter visto foi a manifestação dos seus medos. Talvez como um efeito colateral dessa sua nova sensibilidade, mas não muito diferente do que aquele Feiticeiros das trevas fez eu e Kazuo-kun vermos enquanto esperávamos por você na casa do guardião da chave de Heimdall. Apenas um sonho.’

Kazuo chegou a se tremer ao se lembrar. ‘Aquele desgraçado entrou na minha cabeça e me fez ver…’ Ele soltou um suspiro. ‘Não quero nem me lembrar da merda que…’ Deixou a frase morrer, mostrando que realmente se sentia bem incomodado ao falar no assunto.

Shaolin franziu a testa, olhando para a prima. ‘Acha que foi realmente isso, nee-san?’

Ela abriu o sorriso para passar confiança ao primo. ‘Sim, Shaolin-kun. Kasumi-chan é fechada daquela maneira, mas é um doce de pessoa. Apenas é um pouco excêntrica e avoada. Você só viu… talvez… o seu maior receio.’

Shaolin assentiu, sentindo-se um pouco mais aliviado. ‘Talvez você esteja certa…’

‘Com certeza!’ Kazuo apoiou a teoria de Marie. ‘A pirralha gulosa só atacaria alguém que tentasse pegar um pedaço de bolo que ela estivesse comendo… mas só isso.’

Shaolin sorriu levemente, sentindo a dor no peito diminuir. ‘Sim… Acho que pode ser isso. Obrigado, nee-san.’

Marie virou-se para frente, sorrindo satisfeita ao perceber que a aura do primo estava mais tranquila. ‘O que seria de você sem a sua babá, pirralho?’

Shaolin balançou a cabeça sem retrucar. Olhou a paisagem através da janela do carro e sorriu. Sim… Aquela visão era apenas o seu medo. Kasumi nunca seria capaz de fazer aquilo. Kasumi não era aquela assassina fria que ele tinha visto.

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‘A gente vai ter que continuar a pé.’ Marie explicou assim que o carro parou nas imediações de um morro onde ficava o sítio arqueológico do Monte Albán. ‘Dai-san me falou que o protetor da chave que estamos procurando é um velho conhecido do senhor Tao, mas que ele não tem residência fixa. Como todo xamã, ele gosta de ficar em contato direto com a natureza. Provavelmente, está acampando em algum ponto do monte Albán.’ Concluiu abrindo a porta do carro e saindo.

‘Este senhor Tao conhece todo mundo, não?’ Kazuo comentou, franzindo a testa de leve.

‘Já falei que a família é influente. E ele é xamã, não? Eles devem se conhecer.’

‘Não é bem assim. Você conhece todos os feiticeiros?’ Shaolin replicou.

Marie deu de ombros. ‘Bem, ele é um xamã bem desenvolvido. Acho que é normal ele conhecer os outros que são os protetores das chaves, não?’

‘Deve ser.’ Kazuo falou. ‘Se não fosse a ajuda dele, as coisas seriam mais complicadas.’

Shaolin sorriu de leve, lembrando do comentário da mãe sobre ter conhecido o senhor Tao e brigado feio com ele. Era realmente difícil de acreditar naquela história. Primeiro, porque era difícil de imaginar a mãe lutando de forma mortal; e, segundo, porque ele tinha reparado que o homem olhou para a mãe de maneira bem parecida com o tio Touya. Bem, pensando por esse lado… Desviou os olhos para Kazuo que conversava com Marie. Também precisou brigar feio com o irmão para começar a se entender com ele.

O motorista desceu do carro e abriu o porta-malas, chamando Marie que caminhou até ele. Ela sorriu de lado, vendo as mochilas prontas para eles, com tudo que precisariam até encontrar o protetor.

Kazuo olhou desconfiado ao ver a namorada pegar uma das mochilas e colocá-la nas costas.

‘Ele realmente pensou em tudo.’ Ela comentou e virou-se para o namorado. ‘As mochilas têm sacos-de-dormir, alimentos e água para nos ajudar na caminhada.’ Ela esclareceu, repetindo o que o motorista tinha lhe informado.

O rapaz foi até o porta-malas e pegou uma, Shaolin pegou a última e a colocou nas costas. O motorista se despediu e partiu com o carro. Tai Dai havia entregado a Marie um aparelho que faria discagem para ele direto, caso precisassem entrar em contato. Pediu apenas para ser econômica com a bateria.

O carro desapareceu em uma curva, deixando os três ali olhando para o extenso vale a sua frente.

Shaolin pegou o Rashinban e fechou os olhos, deixando a magia circular ao seu redor.

Kazuo e Marie se entreolharam, reparando na aura diferente do garoto. Aos pés dele, surgiu a mandala octogonal do baguá com os trigramas se ajustando até pararem na formação do céu primordial. Ao centro, estava uma estrela, com a lua a o sol ao lado. Marie já tinha visto a configuração nova da mandala do primo, só que achou estranho o surgimento de um par de asas, acima da estrela, na mandala dele.

‘As quatro direções dos poderes sagrados.’ O Rashinban começou a brilhar nas mãos do garoto e as coordenadas começaram a se mover de forma frenética. ‘Deuses dos relâmpagos e das tempestades elétricas que dominam os cinco elementos.’ Shaolin sentiu quando o tabuleiro começou a tremer de leve e o segurou com mais firmeza nas mãos. ‘Metal, Madeira, Água, Fogo, Terra…’ Abriu os olhos devagar e reparou nas mudanças do tabuleiro. Franziu a testa de leve. ‘Deuses dos relâmpagos e das tempestades elétricas que dominam os cinco elementos. Mostrem-me com seu raio de luz a chave…’ Ele reteve-se um segundo, pensando em seu último sonho. ‘...a chave dos deuses astecas Ometecuhtli e Omecihuatl que se encontra nesta região.’ Solicitou com a voz firme e viu a configuração finalmente se estabilizar e um raio de luz sair do tabuleiro, apontando para o monte à frente deles.

‘É isso aí… Vamos lá.’ Kazuo falou, sorrindo de leve e começando a caminhar.

Marie e Shaolin foram atrás dele.

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Kazuo observava a vegetação e os animais da região. Era um lugar bem agradável e bonito. Olhou para cima, vendo a copa de algumas árvores e sorriu de leve.

‘Calor infernal’. Ouviu Marie, reclamando enquanto passava a mão pela testa suada.

Ele olhou para a jovem ao seu lado. Ela tinha prendido os longos cabelos ruivos em um coque alto, deixando o pescoço a mostra. Ele estreitou os olhos, pensando que gostaria de beijá-lo. Arregalou de leve os olhos e voltou a fitar o caminho a frente. Não era hora de pensar em namorar. Estavam numa missão e, pelo jeito, o humor da namorada não estava muito bom por causa do calor. Dava para ver pela agitação da aura dela.

‘Humph.’ Kazuo murmurou. ‘Você esqueceu rápido o calor do mundo das trevas.’ Ele comentou e a viu olhá-lo com a testa franzida.

‘Aqui é tão ruim quanto.’ Ela rebateu.

Kazuo não aguentou em soltar uma risada irônica. ‘Você realmente esqueceu.’

‘Não tem como se acostumar com esse calor.’ Ela falou e abanou alguns mosquitos que estavam perto do seu rosto. ‘E ainda tem estes insetos irritantes. Vou queimá-los... Todos!’ Ela pensou alto, realmente tentada a invocar uma magia para fazer isso. Arregalou os olhos de leve. ‘Será que não seria mais fácil eu usar Flutuação e a gente vai pelo alto?’ Perguntou abanando os insetos. ‘Isso é irritante!’

‘A gente vai chamar atenção sem necessidade.’ Shaolin comentou.

Ele passou a mão na testa, também sentindo o calor. Fez uma careta. O suor salgado acabava fazendo os ferimentos dele arderem.

‘Detesto insetos.’ Marie voltou a reclamar. Ela olhou para o primo que caminhava alguns passos atrás deles e inclinou a cabeça, vendo-o tropeçar. ‘Hei, você está bem?’

Shaolin levantou os olhos para ela e sorriu de leve. ‘Está tudo bem.’ Passou novamente a mão na testa e sentiu o curativo molhado de suor. ‘Talvez tenha que trocar só os curativos.’

‘Vamos parar um pouco.’ Ela falou e Kazuo parou, olhando para a namorada. ‘Estou cansada.’

Kazuo franziu a testa. Era impressão dele, ou ela estava fazendo corpo mole? Marie nunca reclamava que estava cansada, pelo contrário, eles sempre precisavam mandar a teimosa garota descansar. Será que estaria doente? Observou-a sentando no chão e tirando a mochila pesada das costas.

Marie soltou um suspiro e fechou os olhos, levando uma das mãos até o rosto para secar novamente o suor.

Ela estava mais pálida que o normal.

Shaolin foi até a prima e sentou ao lado dela. Ele também parecia cansado, mas não reclamava tanto quanto ela. Tinha alguma coisa estranha.

Kazuo caminhou até Marie e se abaixou a frente dela. ‘O que está acontecendo com você?’ Perguntou com a voz firme.

‘Deve ser pressão baixa.’ Ela explicou. ‘Por causa deste maldito calor.’  

Shaolin ergueu uma sobrancelha e olhou de esguelha para a prima. ‘Você não tem problema de pressão baixa.’

‘Nunca estive num lugar tão quente como este.’

‘Isso não é motivo.’ O menino retrucou.

Marie levou uma mão a altura do peito e respirou devagar. ‘Estou apenas indisposta. Só isso.’

‘Você anda assim há bastante tempo já. Não é a primeira vez que está pálida desta forma.’ Kazuo comentou.

‘Vocês dois me deixem em paz. Eu vou ficar bem. Estou apenas irritada por causa destes insetos.’ Justificou, abanando as mãos a sua frente. ‘Ah, que se dane!’ Ela invocou sua magia, primeiro, usando vento para repelir os insetos e, depois, criando uma barreira mágica com escudo para impedir a aproximação deles.

Shaolin meneou a cabeça e rolou os olhos pela impaciência da prima. Olhou ao redor, notando alguma coisa diferente na proteção mágica que ela havia conjurado. Estreitou os olhos, vendo alguns pontos escurecidos espalhados pelo escudo.

‘O que diabos está acontecendo com você, nee-san?!’ Voltou-se para ela, com o semblante sério.

Marie voltou-se para ele, com o rosto duro. ‘Já expliquei, pirralho. Estou indisposta.’

‘E o que são essas manchas no seu escudo?’ Ele falou, apontando.

Ela virou-se para o escudo avermelhado e inclinou a cabeça. ‘Do que você está falando? Não tem mancha nenhuma no meu escudo.’

Shaolin olhou para o irmão que também observava. ‘Também não vejo nada de estranho.’ Kazuo confirmou.

O garoto se levantou e caminhou até a barreira mágica levantada por Marie. Levantou a mão, tocando de leve em um ponto luminoso e forte, vendo-o resistente. Deu um passo para o lado e tocou em uma mancha. Estreitou os olhos nela e tentou bater no escudo como antes e sua mão o atravessou.

Ele virou-se para ela, com os olhos arregalados. ‘Seu escudo está com falhas.’

‘Ah! Pirralho! Deixa de ser chato… Não é nada.’ Ela falou, levantando-se para ir até o ponto que o primo mostrava, quando se sentiu mal. Ela cambaleou, assustando tanto Shaolin quanto Kazuo, que segurou a jovem em seus braços, impedindo-a de cair no chão.

‘Hei! Fala a verdade de uma vez!’ Kazuo ordenou, segurando-a forte.

Shaolin se aproximou, observando-a com atenção. A aura dela parecia bem, não parecia fraca. Muito pelo contrário. Estava forte e agitada.

‘Eu… Eu não sei…’ Ela falou, colocando uma mão na testa. ‘São esses mal-estares. Eles estão mais frequentes.’ Finalmente admitiu. ‘Mas eu vou ficar bem daqui a pouco. Preciso só de um tempo quieta…’

Kazuo sentou no chão e puxou a namorada para sentar e encostar-se no peito dele. Beijou a cabeça dela com carinho e olhou para o irmão. ‘Talvez fosse melhor ligar para o Tai Dai e pedir para ele trazer algum remédio ou coisa assim?’

‘Também não é para isso…’ Marie falou e soltou um suspiro, fechando os olhos. ‘Eu já tomei um remédio para dor de cabeça… Daqui a pouco vou melhorar.’

‘Mas não é só dor de cabeça.’ Shaolin falou em tom o sério.

Kazuo assentiu com a cabeça. ‘Talvez esteja doente…’

‘Não…’ Marie murmurou. ‘Eu só preciso descansar um pouco.’

Kazuo franziu a testa e voltou a olhar o irmão. Estava preocupado, mas sabia o quanto Marie era teimosa. Soltou um suspiro irritado com a situação.

Shaolin se sentou ao lado do irmão e estreitou os olhos na prima. Reparou que ela tinha uma das mãos na altura do peito, estava com os olhos fechados apoiada em Kazuo que passava a mão de leve nas costas dela.

Franziu a testa e inclinou-se um pouco mais, aproximando-se da prima com estranhamento conseguindo visualizar algo na aura dela com mais clareza.

‘O que você tem no peito?’ O menino perguntou.

‘Está tudo bem, Shaolin-kun.’ Ela murmurou baixinho.

‘Sua aura está intacta, não está enfraquecida.’ Ele falou sério, de forma analítica. ‘O problema é este ponto colorido que você tem na altura do peito.’

Marie arregalou os olhos e desencostou-se de Kazuo, encarando o primo que estava inclinado, olhando para ela. ‘Do que está falando?’

‘Disso.’ Ele falou, apontando para o peito dela, onde ele via claramente os raios multicoloridos, como a aura da mãe. ‘O que é isso?’ Perguntou, levantando o rosto e encarando a prima.

Marie levou as duas mãos até o peito, protegendo sua carta, e franziu a testa. ‘Isso não é da sua conta.’ Falou na defensiva.

‘É sim, a partir do momento que a está afetando.’ Shaolin respondeu.

‘Não! Isso nunca me faria mal.’ Ela falou com a voz brava.

‘Essa energia está com manchas, nee-san. Isso está lhe fazendo mal.’ Shaolin afirmou.

‘Não!’ Ela repetiu.

O que ele estava querendo dizer com aquilo? Agora que, finalmente, estava gostando de alguém, que estava usando aquele sentimento que recebera de seus antigos mestres e que tinha a oportunidade de amar alguém, o menino queria que ela o tirasse? Nem pensar!

‘Isso é meu! Nunca me faria mal.’

‘Do que vocês dois estão falando?’ Kazuo perguntou, olhando de um para o outro que se encaravam sérios. Nenhum respondeu ao rapaz que franziu a testa. ‘Dá para explicar a merda que está acontecendo?’

Shaolin fez um gesto em direção de Marie. ‘Responde para ele, nee-san.’

Ela apertou as mãos mais forte na altura do peito. ‘Já falei. Isso nunca me faria mal. Pelo contrário, foi isso que me salvou.’

Shaolin desviou os olhos dela por um segundo e depois voltou a fitá-la. Aquela energia não podia ser da prima, era completamente contrária a aura dela como um todo. Além disso, era uma energia tão parecida com a da mãe…

Inclinou a cabeça de leve, pensativo. Se a mãe estava sendo bombardeada por energias negativas através do ataque de um outro pilar e, por isso, sentia-se tão fraca e sua aura estava manchada... Então, aquela energia no peito da prima também era de um Pilar? A prima tinha a mesma função da mãe?

Abaixou o rosto, fitando as folhas caídas no chão. Não fazia sentido aquilo… Não poderia haver dois Pilares no mesmo universo.

Peraí! Marie falou que aquilo a tinha salvado! Então a mãe, talvez, tenha lhe dado parte daquela energia poderosa que sustentava o Universo a que pertenciam.

Voltou-se para a prima com o rosto sério. Precisava tirar a limpo aquela história. ‘Isso não pertence a você.’

‘Isso foi dado para mim! Então me pertence.’ Rebateu. ‘Agora que eu…’ Ela olhou de esguelha para Kazuo. ‘Isso não interessa a você, pirralho. Não se meta nisto!’

Kazuo olhou de Marie para Shaolin, que se encaravam ainda com os rostos sérios, sem entender do que estavam falando.

A jovem desviou os olhos do primo e encolheu os ombros. ‘Não posso abrir mão disso agora. Não quero. Não vou.’

O menino sentiu-se desarmado ao perceber o tom de voz da prima. Detestava vê-la daquela forma.

‘Nee-san…’ Ela a chamou com a voz suave, fazendo-a voltar a fitá-lo. ‘Isso…’ Ele falou, apontando para a luz multicolorida que ele agora conseguia ver nitidamente no peito da prima.

Aproximou o braço e sentiu quando conseguiu tocar naquela luz multicolorida, franziu a testa e foi obrigado a fechar os olhos quando a luz aumentou, envolvendo-o.

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Quando conseguiu abrir os olhos, percebendo que a luminosidade havia diminuído, viu-se entrando num quarto infantil feminino. Sentia-se triste, terrivelmente triste. Os passos estavam arrastados. Tinha recebido uma notícia muito triste agora pela amiga.

‘Que pena. O Syaoran-kun vai voltar para Hong Kong…’ Ele se ouviu falando e sentindo uma tristeza ímpar no peito. ‘...mas eu não quero… eu não quero porque… eu acho que gosto… do Syaoran-kun… Essa não…’ Ouviu-se novamente, sentindo os olhos arderem enquanto fitava o chão. Sentiu as lágrimas saírem de seus olhos e viu a mandala da mãe se formar aos seus pés. Olhou assustado para os raios multicoloridos que saiam da mandala e subiam, sentindo a magia aumentar e girar em torno do seu corpo.

Reparou quando os raios se concentraram a sua frente, primeiro formando um pequeno ponto, mas, conforme se agrupavam, tomando a forma de uma lâmina que brilhava de forma intensa multicolorida. Levantou as mãos, sentindo-se incerto e a pegou com cuidado. A magia ainda levou alguns segundo para diminuir e a mandala desapareceu. A lâmina mágica multicolorida diminuiu seu belo brilho e finalmente ele conseguiu identificar o emblema das cartas de sua  mãe.

‘Uma carta Sakura.’ Falou intrigado.

Virou a carta devagar para ver a imagem do outro lado da lâmina mágica e arregalou os olhos, vendo a figura de um coração alado. Sorriu, sentindo a certeza do que era aquele sentimento. Fechou os olhos e levou a carta até o peito, abraçando-a.

‘Meu querido Syaoran.’ Falou feliz, tendo a certeza de que o amava.

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Shaolin afastou-se de Marie, chegando a cair sentado no chão enquanto olhava para a prima com os olhos arregalados. Reparou que ela abaixou os olhos, não querendo encará-lo e apertou mais as mãos contra o peito, como se quisesse proteger o que quer que estivesse ali.

‘Nee-san…’ Shaolin a chamou, mas ela não o fitou. Pelo contrário, se encolheu mais e se aproximou do peito de Kazuo.

‘O que está acontecendo com você, Marie?’ O rapaz perguntou, abraçando-a, pois sentia o corpo dela tremendo.

Ela não respondeu, queria só ficar ali quietinha abraçada a ele. Agora que estava conseguindo usar aquele sentimento, sentindo-se tão feliz, tão completa, não queria perdê-lo. Não queria deixar de gostar de Kazuo, e ela tinha certeza que a carta que seus mestres haviam lhe dado enquanto era Khala’a era a responsável por permitir que sentisse aquilo.

Shaolin respirou fundo e colocou a mão na cabeça. Não entendeu direito o que viu, não sabia o que tinha acontecido ou como a prima tinha ficado com aquela carta. No entanto, não era tolo. Aquela aura que a prima tinha no peito realmente não pertencia a ela como havia desconfiado.

Tinha se visto envolvido pela aura multicolorida e sabia que estava relacionada ao Pilar, então aquela carta Sakura que a mãe havia criado não era um demônio aprisionado como as outras, mas alguma manifestação do enorme poder do Pilar do Universo.

Franziu a testa olhando novamente para Marie enquanto tentava montar aquele quebra-cabeça. Sabia que a prima não o ajudaria a entender. Ela estava apavorada, apertava as mãos contra o peito como se fossem tentar arrancar aquilo dela à força.

Marie havia sido uma das cartas Clow. Lembrava-se do que a prima tinha lhe contado quando recuperou suas lembranças. Ela tinha sido colocada em uma “solitária” por quase 500 anos pelo Mago Clow. Depois conseguiu se libertar e a mãe a transformou em carta Sakura. A carta Esperança, mas antes ela era conhecida como Vácuo, pois havia absorvido o poder de todas as outras e conseguia anulá-las. Respirou fundo e soltou o ar devagar. Por alguma razão, a mãe havia dado aquela carta para ela, mas por quê?

Voltou a fitar a prima que estava aconchegada no peito de Kazuo. Levantou os olhos, fitando o irmão, que a observava preocupado. Marie havia trazido Kazuo para este universo. Franziu a testa novamente, tentando se lembrar daquele dia, daquele momento.

Os dois estavam envolvidos pela magia de Areia e Vento que formaram uma verdadeira tempestade de areia até que ele anulou a magia para ver o que estava acontecendo com a prima. Ela estava com as mãos na altura do peito e a energia multicolorida havia se expandido de tal forma que ela conseguiu abrir uma brecha com o Mundo das Trevas.

O irmão comentou, naquela ocasião e várias outras vezes depois, que parecia que havia sido chamado pela brecha.

Marie expandiu seu poder de maneira tão violenta… ou será que foi ao contrário? Aquela energia que a prima carregava em seu peito é que tinha se expandido de tal forma, obrigando-a a elevar sua magia de maneira astronômica. Por quê? Com que finalidade? Obviamente para trazer o irmão.

O poder do Pilar seria capaz de abrir uma brecha entre os Universos e, inclusive, entre o mundo das trevas. Não havia dúvidas: aquela energia realmente era parte da aura da mãe, por isso, assim como ela, Marie estava sofrendo.

‘Foi esta energia que trouxe o Kazuo, não foi?’ Ele perguntou, fazendo o irmão arregalar os olhos de leve e fitá-lo.

Kazuo sentiu Marie tremer. Abaixou o rosto. ‘Foi você quem abriu a brecha para eu passar, não foi?’

Marie engoliu em seco. ‘Foi…’ Murmurou. ‘Não me pergunte como ou por quê, pois não sei.’

‘Você sabia da existência do Kazuo, nee-san?’ Shaolin perguntou em tom sério. Sabia que estava forçando a prima, mas ela tinha que falar a verdade. Alguma coisa estava errada naquela história.

Marie sentia o corpo tremer. ‘Por que está falando sobre isso?’ Ela rebateu.

Shaolin se aproximou da prima, que abriu os olhos ao perceber sua aproximação, e os dois se encararam. ‘Você sabia da existência do Kazuo, nee-san?’ Perguntou em tom baixo, mas assertivo.

‘Não...’ Respondeu por fim, desviando os olhos dele.

‘Não? Tem certeza disso?’ O menino perguntou devagar.

Marie se encolheu novamente no peito de Kazuo. ‘Eu não sei! Eu não tenho todas as lembranças de Khala’a! Não me amola, Shaolin-kun!’ Explodiu finalmente, sem conseguir mais segurar as lágrimas.

Kazuo levantou o rosto, fitando o irmão que ainda olhava desconfiado para a prima. ‘Shaolin… é melhor…’

O menino respirou fundo e soltou o ar devagar, afastando-se. Sentia-se mal em ouvir o choro da prima, mas sabia… tinha certeza que ela estava escondendo algo. E algo bem dolorido para ela. A energia de “culpa” ao redor dela naquele momento era muito forte, muito intensa. E, agora, ele tinha certeza que, o que quer que fosse, estava relacionado com o irmão.

Levantou o rosto, encarando Kazuo. ‘Quando a brecha surgiu na sua frente, no que estava pensando?’

Kazuo franziu a testa, não entendendo aquela pergunta. ‘Como assim?’

‘Você ainda estava com um machucado enorme no braço.’ Shaolin o lembrou. ‘Provavelmente tinha acabado de lutar ou estava lutando contra um demônio?’

‘Por que quer saber disso agora?’

‘Apenas me responda!’ Shaolin o interrompeu, impaciente, com a voz dura. Estava começando a ter ideia do que realmente tinha acontecido aquele dia. ‘Você estava lutando ou estava pensando? Pensando que queria sair daquela merda de lugar ou estava com medo de morrer? O que você estava pensando quando a brecha abriu?!’

Kazuo desviou os olhos do irmão. Sentiu que Marie ainda chorava agarrada a ele e isso o incomodava demais. O irmão não precisava forçar tanto assim a namorada. Não conseguia ver que ela estava sofrendo?

‘Estava querendo sair daquela merda de lugar.’ Respondeu por fim. ‘Estava desesperadamente infeliz por estar naquele inferno.’  Voltou a encarar o irmão. ‘Agora para, Shaolin! Marie não está bem.’

Shaolin assentiu com a cabeça, concordando. Respirou fundo soltando o ar devagar, teorizando que, por algum motivo, naquele exato momento em que o irmão pensava desesperadamente em sair do mundo das trevas, havia sincronizado com algum pensamento de Marie. Por isso a energia do Pilar se expandiu a ponto de criar aquela brecha para trazer o rapaz.

As brechas entre os universos surgiam de maneira aleatória devido a uma grande vontade comum, mas entre o plano inferior e superior a coisa era mais complicada. Apenas o poder do Pilar, talvez, fosse capaz de abrir uma. Mas precisaria de uma  chave ou uma forte motivação.

O menino apoiou uma mão no chão e se levantou. Soltou um suspiro e desviou os olhos de Marie e Kazuo. ‘Um dia… Terá que encarar a verdade, Nee-san…’ Falou, sabendo que a prima ouvia.

Marie engoliu em seco, novamente. Sabia que o primo estava certo… um dia teria que encarar aquela culpa que ainda sentia.

‘O que quer que tenha sido… foi decisão de Khala’a e não sua.’ Shaolin continuou. ‘Mas se continuar com este sentimento e ainda por cima com esta energia…’ Ele soltou outro suspiro e olhou para as folhas secas no chão. ‘Não tem como isso terminar bem.’

Kazuo arregalou os olhos. ‘O que diabos está acontecendo?’

Shaolin encarou mais uma vez o irmão. ‘Nee-san vai contar para você… Quando achar que é a hora certa.’ Ele respondeu por fim, afastando-se do casal.

Kazuo observou o garoto, atravessando o escudo sem problemas e olhando em volta com o rashinban nas mãos. Abaixou o rosto, olhando para a namorada.

‘E quando será a hora certa?’ Ele perguntou baixinho.

Ela se encolheu mais ainda, segurando as roupas do rapaz. ‘Eu não sei, Kazuo. Eu não sei…’ Sussurrou.

~*~*~*~KK~*~*~*~KK~*~*~KK~*~*~

Tomoyo parou em frente ao templo Tsukimine. Levantou o rosto observando o enorme portão bem talhado que servia de entrada para aquele lugar sagrado e especial. Normalmente ia até o local apenas nas festividades e adorava aquelas ocasiões em que fazia quimonos tradicionais para toda a família, principalmente para Kasumi. Sorriu de leve, lembrando-se do acanhamento da menina quando vestia alguma roupa especial e o pai a elogiava. Balançou a cabeça de leve, lembrando-se do último festival em que percebeu o rosto corado de Kasumi quando Shaolin a elogiou depois de ficar um bom tempo apenas a admirando. Quando ele segurou a mão dela como sempre faziam desde já andavam sozinhos, reparou que tanto a filha quanto o menino tinham os rostos vermelhos. Estava na cara que alguma coisa tinha mudado entre eles. A experiência da vida já tinha lhe dado capacidade de perceber estas sutis mudanças, principalmente as mudanças da pessoa mais importante da sua vida.

Kasumi já não sentia amor fraternal pelo amigo de infância, e Tomoyo havia percebido que Shaolin também sentia algo diferente. Foi agoniante demais acompanhar de forma silenciosa a filha tentando entender o que sentia. Sabia exatamente o que era se sentir “culpada” e “perdida” em seus pensamentos e desejos. Sabendo que o que sentia por quem antes era como um irmão havia mudado, mas acreditando de forma culposa que não era certo aquela mudança.

Soltou um suspiro lembrando-se de quando ela mesma sentia-se daquela forma quando mais nova que Kasumi e havia percebido que seus sentimentos pela prima tão querida haviam mudado de alguma forma. Questionava-se todas as noites se isso era certo. Sofria achando que era errado. Exatamente o que percebia pelos olhos castanho-avermelhados de sua princesa. A mesma dor, o mesmo sentimento de “estar perdida”. Precisou conversar com Kasumi, alertá-la a não cometer o mesmo erro que ela. Mas percebeu a resistência de sua pequena em entender o que era o amor.

Desde pequenininha Kasumi sempre associava o sentimento de amor a dor. Quando aos seis anos de idade, Kasumi havia flagrado ela e o marido se beijando, Kurogane tentou dar uma desculpa e “enganar” a filha, mas Tomoyo não permitiu. Conversou com a menina e estranhou quando depois de toda a sua explicação Kasumi havia concluído que eles se amavam, se aproximou da mãe abraçando-a apertado e chorando, ao mesmo tempo que exclamava que não queria deixar de ver nem a mãe e nem o pai. Que não queria que os dois fossem afastados um do outro.

Tomoyo não entendeu inicialmente. Tentou explicar a menina que ela e Yuo a amavam muito, mas antes mesmo que conclui-se o pensamento de que um dia a filha encontraria alguém especial, Kasumi se agarrou novamente de forma desesperada a ela, chorando mais ainda e dizendo que não queria ser afastada dela nem do pai. Que queria estar juntos deles para sempre… Sua pequena estava tão nervosa que nem conseguiu terminar a conversa naquela ocasião, apenas prometeu e até mesmo jurou que nunca se afastaria dela.

‘E se nos separarem a força, kaasan? Eu não quero… Não quero ficar longe da senhora e de tousan.’ Lembrou claramente das palavras que Kasumi gritou de forma dolorida enquanto se agarrava às suas roupas e chorava.

Naquela época conversou com o marido e pensou em levar a filha a algum psicologo. Yuo achou exagero da parte dela. Talvez realmente fosse, mas sabia que havia alguma coisa dentro da alma da filha que ainda era dolorido demais para ela.

Sempre deu todo o carinho e atenção que podia para Kasumi, muitas vezes deixava de fazer coisas para si para estar ao lado dela. Sorriu de forma suave, pensando que sua menina também era de ouro, como Yuo costumava falar. Kasumi simplesmente era incapaz de falar “não” para ela. Vestia as roupas que ela confeccionava e percebia que a menina não tinha aquele sentimento de vaidade natural feminino, porém quando Tomoyo a elogiava e exclamava que estava tão feliz em vê-la linda em um dos seus modelitos, aí sim Kasumi abria um imenso sorriso. Era claro para ela que Kasumi não estava feliz por ter ganhado uma roupa nova e especial, como a maioria das meninas de sua idade. Kasumi sentia-se feliz por perceber que aquilo fazia a mãe ficar feliz. E foi o mesmo princípio para a entrada dela nas aulas de teatro e canto.

Já tinha conversado com as professoras tanto de teatro e canto sobre o desempenho e motivação da menina as aulas há algumas semanas atrás quando pensou que estava sendo muitas atividades para sua pequena e ponderou que o melhor era ela se afastar de algumas. No entanto, se surpreendeu com o relato das duas professoras e dos professores auxiliares sobre o desempenho de Kasumi nas aulas. Inclusive a professora de teatro a considerava sua melhor aluna. Não sabia exatamente se isso a preocupava ou a deixava orgulhosa.

Entrou no templo devagar observando as pessoas que estavam lá passeando pelos jardins ou que vieram para orar. Em poucos minutos encontrou quem gostaria de conversar e pedir orientação, a sacerdotisa Kaho Hiiragizawa que havia assumido o posto a alguns anos atrás.

Kaho aproximou-se da morena com um sorriso suave nos lábios. As duas se cumprimentaram.

‘Fico feliz em revê-la. Principalmente em dias normais e mais calmos que nos festivais ou datas especiais.’ Kaho comentou satisfeita. Sempre achou Tomoyo, desde criança quando fora sua aluna tanto nesta como na outra existência, uma pessoa sensível e perceptiva ao ponto dela mesma se questionar se realmente Tomoyo não possuía magia.

Tomoyo sorriu de forma suave. ‘Gostaria de vir mais… porém com a correria do dia-a-dia, acabamos infelizmente sempre postergando estes momentos de agradecimento e reflexão.’

Kaho assentiu com a cabeça, concordando. As duas começaram a caminhar devagar pelos jardins do templo.

‘Veio por um motivo especial, não?’ A sacerdotisa perguntou com o tom sereno.

Tomoyo confirmou com um gesto. ‘Estou preocupada com minha pequena.’ Fechou os olhos brevemente. ‘Não sei como posso ajudá-la e… isso… me deixa tão impotente.’

Kaho observou Tomoyo em silêncio por alguns segundos, ela tinha se tornado uma mulher muito bonita. Lembrava-lhe muito Nadeshico, mãe de Touya e Sakura. Na verdade, os olhos violetas de Tomoyo davam-lhe um aspecto até mais angelical se fosse possível.

‘Entendo o que sente. Acredito que por ironia do destino, nós duas passamos pela mesma provação. Na verdade… tenho certeza que a sua é inclusive maior.’ Kaho falava de forma pausada sabendo que Tomoyo prestava atenção a cada palavra. ‘Ensinar o que é um sentimento tão complexo e peculiar como o amor a uma alma tão sofrida é uma missão extraordinária.’

Tomoyo permaneceu em silêncio alguns segundos, apenas caminhando devagar ao lado de Kaho.

‘Kasumi-chan é o que mais amo nessa vida.’ Tomoyo finalmente falou. ‘É um amor tão grande e tão intenso que seria capaz de abrir mão de tudo pela felicidade dela… Amei e amo muitas pessoas, assim como acredito que todos já passaram também por isso, mas para mim… é tão intenso e dolorido perceber que ela sofre por motivos que não deveriam existir… por motivos que os Deuses não deveriam permitir que uma criança na idade dela sofra.’

Kaho parou de caminhar e virou-se encarando seriamente a morena que também parou. ‘Não existem coincidências nesta vida, Tomoyo-san. Se Kasumi-chan veio como sua filha foi porque os deuses tinham certeza que apenas você seria capaz de orientá-la. Não é questão de certo ou errado, o universo não comete erros, a força maior que guia nossas vidas considera exatamente todos os pequenos detalhes que para nós está acima de nosso entendimento, e inevitavelmente tudo é decidido de forma a ajudar que toda alma continue seu ciclo evolutivo.’

Tomoyo observou o semblante sereno de Kaho e assentiu concordando. Deveria sim ter um explicação porque sua menina estava sofrendo tanto, mas apenas saber o motivo não ajudaria Kasumi a superá-lo.

Kaho soltou um longo suspiro e desviou os olhos de Tomoyo e voltou a caminhar sendo acompanhada pela ex-aluna.

‘Mas mesmo sabendo disso… Mesmo eu, uma sacerdotisa xintoísta, não consigo evitar com  que meu coração de mãe deixe de sofrer por conta das provações de minha filha.’ Kaho confessou de forma sincera. ‘Entendo o que está passando, Tomoyo-san. É muito duro e agoniante saber que não podemos fazer nada definitivamente eficaz para evitar que nossos filhos sofram.’

Tomoyo sorriu de forma triste. ‘Marie-chan também está com problemas, né?’

Kaho assentiu com a cabeça. ‘Problemas parecidos com o de Kasumi-chan porém não tão intensos. Marie veio para superar um grande ressentimento e entender que o amor é um sentimento inerente a alma humana e não é vinculado a algo. Tentei passar inúmeras vezes esta lição para ela, desde pequenina, mas ela sempre foi resistente pois sempre esteve apegada demais a sua existência anterior. Sua maior provação será superar esta existência para conseguir se libertar do rancor e finalmente conseguir enxergar que o amor está dentro da alma dela.’

Tomoyo virou-se rapidamente para Kaho e depois baixou os olhos sem parar de caminhar. No fundo, todas as mães sofriam em silêncio por seus filhos, até mesmo os considerados maiores conhecedores e mais sábios em relação aos mistérios do universo.

Soltou um suspiro. ‘Kasumi-chan me contou ou tentou pelo que conseguiu entender, o que está acontecendo com ela.’ Tomoyo falou, sorrindo de leve, verdadeiramente feliz pela filha ter confiado nela. ‘Mesmo eu já desconfiando de algo tão profundo e perturbador que ela carregava em sua alma… sinto-me tão impotente em ajudá-la.’ Não teve como não disfarçar o tom aflito. ‘Sei que não há como proteger nossos filhos de suas provações, mas… é difícil demais sentir-se impotente.’

Kaho concordou com um gesto. ‘Mas creio que no caso de Kasumi-chan… você já fez sua parte. Ela é uma menina adorável e principalmente, recuperou a capacidade de olhar o outro, independente de quem seja, como um ser humano e não como apenas um alvo ou uma missão.’

Tomoyo arregalou os olhos de leve, surpresa pelas palavras de Kaho.

A sacerdotisa parou em frente ao lago da lua. Tomoyo parou ao lado dela observando o espelho d’água imóvel.

‘Kasumi-chan veio alguns dias atrás aqui para orar.’ Ela começou a explicar. ‘Não soube exatamente o que aconteceu mas senti energias grandiosas agirem naquele momento no templo.’ Ela soltou um suspiro. ‘Inclusive circulando Kasumi-chan. Então…’ Ela fez uma pausa e fez um gesto suave com a mão direita em direção ao lago. ‘Vim buscar respostas no lago da Lua.’

Tomoyo franziu a testa, comprimiu os lábios mostrando-se tensa e receosa pelo que estava a espera de ouvir, mas manteve-se calada, aguardando a conclusão de Kaho.

‘Kasumi-chan e Shaolin-kun são ligados de maneira muito forte, infelizmente por passarem por tantos sofrimentos e horrores na existência passada dos dois. Esta dor… inimaginável… ficou marcada na alma deles. Eles vieram na esperança de poderem ter a chance de estarem apenas juntos já que não foi possível anteriormente.’

Tomoyo não desviou os olhos dos de Kaho. ‘Kasumi-chan tem lembranças horríveis de decisões erradas que tomou. Isso não deveria ser certo… Isto é, se é uma nova existência, não é certo ela ser assombrada pelo passado que não pode mudar.’

Kaho de um sorriso gentil para Tomoyo e tocou a mão no ombro dela. ‘E aí está sua missão, Tomoyo-chan… Uma missão que apenas uma mãe poderia ter. Ajudar uma alma a superar seus erros passados e perdoar-se para que consiga ser feliz. Não é uma missão fácil, não é uma missão trivial, é uma missão extraordinária que foi destinada a você. Kasumi-chan esteve sempre destinada a ser sua filha.’

Tomoyo fechou os olhos e respirou fundo soltando o ar devagar.

‘Não conheço pessoa mais capaz de ensinar a uma alma tão sofrida a se perdoar que você, Tomoyo-san.’ Ouviu Kaho e abriu os olhos, voltando a fitar o rosto sereno da sacerdotisa.

‘Tenho medo de falhar…’ Tomoyo confidenciou.

Kaho aumentou o sorriso. ‘Pelo que eu constatei quando encontrei Kasumi-chan… tenho certeza que está fazendo um trabalho maravilhoso. Aconselhar, dizer o que é certo e errado, apontar a direção que acha correta, ordenar que tome esta ou aquela atitude são métodos que muitos pais acreditam ser os corretos e eficazes para instruir seus filhos… Compreendê-los, verdadeiramente conhecê-los e plenamente apoiá-los na hora de enfrentar seus medos e receios… são caminhos que exige abnegação e um coração aberto e livre de conceitos definidos em nossa sociedade.’ Kaho desviou os olhos dos de Tomoyo e fitou o espelho d'água a frente das duas. ‘E são estas qualidades que você possui, Tomoyo-san, que a tornam capaz de salvar a alma de sua filha.’ Concluiu sorrindo de leve.

Tomoyo voltou-se para o lago da Lua. Soltou um suspiro que não soube se de apreensão ou alento pelo que ouvia com atenção.

‘Espero… sinceramente, espero que eu seja capaz, Kaho-san.’

Kaho virou-se para Tomoyo, observando-a com os olhos no lago. Sorriu de leve, tinha absoluta certeza de que ela era capaz. Tomoyo sempre fora especial demais, independente de possuir ou não magia. Inclusive… voltou a estreitar os olhos no lago místico, apesar de lhe doer o coração constatar isso, Tomoyo, mesmo sem magia e conhecimento vasto sobre as forças do universo como ela e Eriol, era muito mais capaz de orientar uma alma tão mais ferida e instável como a de Kasumi do que eles orientarem a de Marie.

~*~*~*~KK~*~*~*~KK~*~*~KK~*~*~

Kazuo olhava para o céu estrelado e sorriu. Era lindo ver aquele manto negro com aqueles pontinhos brilhantes. Eles tinham caminhado durante o dia inteiro e resolveram parar para dormir. Shaolin sentia demais os ferimentos e Marie, apesar de se fazer de durona, também teve que dar o braço a torcer.

‘É bonito, não?’ Shaolin comentou. Estava deitado no saco de dormir próximo ao irmão.

Marie estava esgotada e agora dormia abraçada a Kazuo, enquanto ele afagava de leve os cabelos dela.

‘É bonito mesmo. Lá em casa não dá para ver tantos pontinhos.’ Ele comentou.

‘É que lá em casa há muitas luzes. Aqui estamos quase no meio do nada. A cidade está afastada. Quando eu era mais novo, às vezes acampávamos fora da cidade e eu e Kasumi ficávamos até tarde olhando as estrelas.’ Ele falou, sorrindo ao lembrar-se dela.

‘Está mesmo morrendo de saudade da pirralha gulosa.’ Kazuo comentou, soltando uma risadinha.

‘Muita.’ Ele concordou, não tinha porque esconder do irmão. ‘Nunca estivemos tanto tempo separados.’

93 Million miles from the sun

(93 milhões de milhas do sol)

People get ready, get ready

(As pessoas preparam-se, preparam-se)

‘Cause here it comes, it's a light

(Porque lá vem, é uma luz)

A beautiful light, over the horizon

(Uma linda luz, além do horizonte)

Into our eyes

(Dentro dos nossos olhos)

Oh, my, my how beautiful

(Caramba, como é linda)

Oh, my beautiful mother

(Oh, minha bela mãe)

She told me: Son, in life you're gonna go far

(Ela me disse: Filho, você irá longe na vida)

‘Vocês se conhecem desde sempre, não é?’

‘Sim. Sempre estivemos juntos.’ Ele soltou um suspiro. ‘Apesar de que esta separação me dá, às vezes, uma sensação de déjà vu.’

‘Déjà o quê?’

‘Como se isso já tivesse acontecido antes.’

‘Mas você não falou que nunca ficaram tanto tempo separados?’

‘Sim… Por isso que é uma sensação de dèjá vu. Déjà vu é uma sensação que surge às vezes. Ocorre quando fazemos, dizemos ou vemos algo que dá a sensação de já termos feito ou visto antes, porém que nunca ocorreu. Como um “replay” de alguma cena, onde a gente tem certeza que já passou por aquele momento, mas realmente isso nunca ocorreu. Teoricamente.’

‘Deve ser estranho.’

Shaolin sorriu de leve. ‘É realmente muito estranho… e incômodo.’ Estreitou os olhos nas estrelas e levantou o braço apontando para algumas e ligando-as como lembrava que a menina fazia. ‘Kasumi gostava de tentar ligar os pontinhos e fazer formas. Ela tem muita imaginação.’

‘Ela é uma menina legal. Confesso que me pergunto o tempo todo o porquê ela não se importou de saber que eu era um demônio. Os caras lá da última chave estavam morrendo de medo de mim. O velho estava louco para cortar minha cabeça só porque eu sou o que sou.’

‘Sim… Ela não se importou com nada… Ficou chateada apenas por eu ter escondido dela por tanto tempo sobre magia.’ Ele falou, soltando um suspiro. ‘Ela é especial.’

‘Você perdeu o controle quando o velho idiota a ameaçou, não foi?’ Kazuo perguntou, estava com aquilo preocupando-o demais.

‘Isso.’ Ele respondeu e fechou os olhos. ‘Não vou me perdoar nunca se algo acontecer com ela por minha culpa.’

‘Mas… Isso deveria ser uma escolha dela, não? Se ela quer ficar ao seu lado independente do risco.’

‘Eu sei… Mas, às vezes, eu sinto como se… tivesse sido tão difícil para a gente ficar juntos que, se agora acontecer alguma coisa com ela, que se por algum motivo eu não conseguir mais vê-la ou tocá-la, seria como se esta vida não tivesse sentido.’

‘Como assim?’ Kazuo perguntou franzindo a testa.

Shaolin balançou a cabeça de leve. ‘Eu não sei explicar direito. É apenas o que eu sinto.’ Respondeu.

‘O tal do dèjá alguma coisa?’

Shaolin suspirou. ‘Um pouco mais forte que isso. Mas deixa isso pra lá.’

If you do it right, you'll love where you are

(Se fizer isso certo, amarás o lugar onde está)

Just know, wherever you go

(Apenas saiba, onde quer que vá)

You can always come home

(Você pode sempre voltar para casa)

O menino abriu os olhos e sorriu, observando as estrelas. ‘Aqui dá realmente para ver melhor as estrelas. Dá até para identificar algumas.’

Kazuo arregalou os olhos e olhou para irmão. ‘Identificar? Como assim?’

‘Algumas estrelas e conjuntos de estrelas têm nomes. Quer dizer, os astrônomos, que são os estudiosos delas, costumam nominá-las.’

‘Vocês colocam nomes em estrelas também?’ Ele comentou, rindo.

‘Como eu falei… são os estudiosos. Kasumi criava algumas imagens que, sinceramente, acho que só ela conseguia ver.’ Ele falou e apontou. ‘Está vendo aquelas três estrelas ali juntas? Uma do lado da outra?’

‘Hum.’

‘A primeira se chama Alnitak, a do meio é Alnilam e a da outra ponta é chamada de Mintaka.’ As três juntas formam o que chamamos de constelação. Essa aí é chamada de “Cinturão de Órion”.’

‘Constelação?’

‘É… Antigamente, quando não tinha muitas distrações no mundo como agora, os homens gostavam de ficar olhando as estrelas e imaginar várias coisas e colocavam nomes nelas. Há várias lendas sobre pessoas que morreram e se transformaram em estrelas.’

‘Quando se morre aqui vira-se um destes pontinhos?’

‘Não! Isso é história. Lenda.’ Shaolin consertou rapidamente. ‘Os homens sabiam menos sobre a vida e imaginavam mais sobre ela. Mas não é só história de pessoas que morreram. Também tinha histórias de deuses, heróis e monstros. Tem um monte de constelação que eu sei que existem, mas não sei identificar.’

‘Hum… Isso parece legal. Ficar estudando as estrelas e dando nome às elas. A luz de umas é mais forte que a de outras. Sua aura agora está com o brilho muito parecido com as delas.’

O garoto deu um suspiro. ‘Eu não sei direito o que está acontecendo.’ Falou, olhando o céu e sorrindo de leve. ‘Mas é como a kaasan sempre fala: no final, tudo vai dar certo.’

‘Vai dar, sim.’ Kazuo concordou. ‘Só falta mais uma chave e a gente volta para casa.’

‘Sim…’

240 Thousand miles from the moon

(240 mil milhas da lua)

We've come a long way to belong here

(Percorremos um longo caminho para pertencer a esse lugar)

To share this view of the night

(Para partilhar essa vista da noite)

A glorious night

(Uma noite gloriosa)

Over the horizon is another bright sky

(Além do horizonte há outro céu brilhante)

Oh, my, my how beautiful

(Caramba, como é lindo)

Oh, my irrefutable father

(Ó, meu pai irrefutável)

He told me, son, sometimes it may seem dark

(Ele me disse, filho, às vezes, pode parecer escuro)

But the absence of the light is a necessary part

(Mas a ausência da luz é uma parte necessária)

Just know, you're never alone

(Apenas saiba, que você nunca está sozinho)

You can always come back home

(Você sempre pode voltar para casa)

‘Deve estar com saudades da sua mãe, não?’ Kazuo comentou. ‘E de oyaji.’

Shaolin olhou rapidamente para o irmão e depois voltou a olhar a noite. ‘Você se parece bastante com tousan…’

Kazuo sorriu de leve. Sempre detestou quando falavam isso para ele, mas agora, ouvindo isso do irmão, sentia algo totalmente diferente de antes.

‘E… eu tenho visto kaasan, às vezes.’

‘Visto? Como?’ O rapaz perguntou, sem entender.

‘Quando eu me encontro com Gabriel para receber as informações da próxima chave, ela tem me encontrado lá.’

‘Deve ser bom.’

‘Ela está sofrendo bastante, mas está bem preocupada com a gente também.’

‘Ela falou comigo pelo telefone da última vez. Foi muito gentil.’ Ele comentou. ‘Ela é sempre muito gentil.’

Shaolin sorriu de leve. ‘Kaasan gosta de você. Gosta muito.’

You can always come back

(Você pode sempre voltar)

Kazuo franziu a testa de leve, observando uma estrela. ‘Ela é gentil com todos.’ Ele argumentou.

‘Ela gosta de você.’ Ele repetiu. Kazuo tinha uma dificuldade enorme de aceitar que alguém gostasse dele.

‘Ela é gentil com todos.’ O rapaz retrucou novamente.

Shaolin sorriu de lado. ‘Acho que não é bem assim… Você viu como ela não foi muito gentil com obaa-sama nem com os anjos, não?’

O rapaz concordou com a cabeça e sorriu de lado também. ‘Realmente, ela brava vira uma fera.’

‘Eu avisei.’ O garoto retrucou. ‘Tousan fala que kaasan parece uma loba quando fica brava.’

O rapaz riu. ‘É uma boa comparação.’

Shaolin sorriu de leve, lembrando-se da mãe. Estava com saudades dela, assim como do pai. Queria logo voltar para casa.

Every road is a slippery slope

(Toda a estrada é uma ladeira escorregadia)

There is always a hand that you can hold on to

(Há sempre uma mão que você pode segurar)

Looking deeper through the telescope

(Olhando bem fundo pelo telescópio)

You can see that your home's inside of you

(Você pode ver que o seu lar está dentro de você)

Soltou um suspiro lembrando-se de um detalhe que não comentou ainda com o irmão. ‘Gabriel está todo enrolado. No último encontro que tivemos, ele me explicou sobre a espada do velho idiota.’

Kazuo franziu a testa e ficou calado. Estava louco para perguntar para o irmão o que tinha acontecido. Ouviu um suspiro de Shaolin.

‘O anjo que eu vi e que me mostrou como destruir a barreira que prendia você e nee-san era o superior dele.’

‘Outro anjo?’ Kazuo perguntou. ‘E como assim “Superior”?’

‘É como um chefe. É o que manda, entendeu?’

‘Humph.’ Kazuo murmurou. ‘Mandar em quê se eles não fazem merda nenhuma.’

Shaolin respirou fundo e soltou o ar devagar. ‘Falando em merda…’ Ele reteve-se por uns segundos. ‘Acho que podemos ter problemas. Gabriel falou que, provavelmente, alguns demônios superiores atravessaram do mundo das trevas para este universo.’

Kazuo fechou os olhos, tentando controlar a irritabilidade. Apertou Marie que estava abraçada a ele, e se inclinou para beijar a cabeça da jovem.

‘Eles realmente não fazem merda nenhuma. Como é que permitiram isso?’

Shaolin deu de ombros. ‘Eu não sei. Mas a tal espada que o velho tinha, deveria estar com tousan que é o Guardião, mas acho que o Gabriel se distraiu, ou sei lá, e deixou passar isso.’

‘Rá! Não fazem merda nenhuma e, quando fazem alguma coisa, ainda é merda mesmo. É muita incompetência.’

‘Enfim…’ Ele falou antes abafar um bocejo. ‘A espada é uma arma celestial. É para combater demônios.’

‘Hum… O velho estava mesmo doido para cortar a minha cabeça com ela.’ Ele falou, estreitando os olhos em uma estrela mais forte. Sorriu de leve, constatando que realmente parecia muito com o brilho da aura do irmão. ‘Você foi muito corajoso em enfrentar todos sozinho.’

Just know, that wherever you go

(Apenas saiba, onde quer que vá)

No, you're never alone

(Não, você nunca está sozinho)

You will always get back home

(Você sempre voltará pra casa)

‘Eu não fui corajoso…’ Ele retrucou e se virou, tentando se ajeitar para dormir. Bocejou mais uma vez. ‘Eu só entrei em pânico com medo dele matar você.’ Falou, já fechando os olhos. ‘Boa noite, nii-san.’

Kazuo arregalou os olhos de leve ao ouvir Shaolin o chamando daquela forma. Já tinha perdido as esperanças de um dia o irmão chamá-lo assim.

Abriu um sorriso enorme e olhou para o menino, reparando que ele já estava de olhos fechados. Estava cansado. Talvez nem tivesse se dado conta de como o chamou, mas isso não importava.

‘Boa noite… ore no otouto (meu irmãozinho).’

93 Million miles from the sun

(93 milhões de milhas do sol)

People get ready, get ready

(As pessoas preparam-se, preparam-se)

‘Cause here it comes, it's a light

(Porque lá vem, é uma luz)

A beautiful light, over the horizon

(Uma linda luz, além do horizonte)

Into our eyes

(Dentro dos nossos olhos)

 

Continua.

 

 

 


Notas Finais


Música do Capítulo: 93 Million Miles (93 Milhões de Milhas) por Jason Mraz


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