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História As Flores de Seul Desabrocham no Limbo - Tulipas Afogadas


Escrita por: Siena

Capítulo 1 - Tulipas Afogadas


1 — Tulipas Afogadas

 

Do lado de dentro, ele assistia as gotas escorrendo pela janela. O sol já brilhava lá fora, o jardim reluzia cores fortes, cores vivas. Como uma gota que desce pelo vidro, sua vontade de sair e ir até lá naquele dia era às vezes contínua e insistente; De repente, alguma barreira invisível aos olhos aparecia e suas vontades paralisaram por mais um período de tempo.

Ouviu batidas na porta. Virou-se na direção do som — ou seria na direção das breves alucinações que às vezes lhe ocorriam? Não havia mais ninguém naquela imensa casa. Era só ele agora. Dois anos de pisos de mármore e pés direitos imensos apenas para ele. Dois anos que todos os empregados, mordomos e afins foram demitidos.

Buscava a solidão externa. Externa, pois, dentro de si, tudo jazia abandonado desde que ele se fora em sua farda.

Olhou outra vez para sua mão. Tocava o frio vidro da janela, perdido em pensamentos, observando tanto as gotas quanto as belas flores que ele plantou em um dia de sol pouco depois de se mudarem para aquela casa. Suas flores favoritas; Suas belas e vermelhas tulipas.

Novamente voltando do devaneio, inspirou profundamente. Retirou a mão da superfície gélida e voltou-se para a mesa de madeira onde estavam seus papéis perdidos e sua pena. Quatro anos. Quatro anos de cartas. Cartas que enviou, cartas abertas, cartas lidas. Cartas que nunca mandou, cartas longas, cartas jamais vistas por alguém além de quem as escreveu.


And it's never gonna feel like it's done
(E isso nunca vai parecer terminado)

 

Quando viu o mais velho sair pela porta, de farda e vestindo um olhar que afastava a todos, as tulipas pareceram desbotar. Já haviam murchado havia dias, quando ele soube que seria chamado pelo exército. Daquela carta em diante, ele se escondeu. Se aprisionou dentro de si e distanciou ao máximo todos os que pode.

Era certo que, naquela época, dois homens morando juntos numa casa era no mínimo instigante para comentários maldosos e perseguição. Mas como dois bons estudiosos, como dois importantes membros da sociedade, os comentários se acalmavam quando diziam que aquilo era para facilitar pesquisas e estudos.


Had me feeling like you were the one
(Me fez sentir como se você fosse o único)

 

Mas já não importava. Agora aquela enorme mansão, aquele palácio, aquela arquitetura europeia em meio à Coreia, aquele jardim de tulipas, as prateleiras enormes e cheias de livros. Tudo esquecido, debaixo das grossas camadas de pó. Tudo abandonado por um homem que perdeu o coração na Guerra da Coreia.

Sentou-se, já tonto, na poltrona em frente aos papéis espalhados pela mesa. Eram tantas cartas que nem mesmo sabia quantas escrevera. Algumas ainda seladas, algumas aparentemente amassadas, como se tivessem passeado no bolso de uma roupa por dias. “Ele as carregou consigo”.

Notou então a carta sob a pena. A carta que escrevera na noite anterior. E como se tomado por um arrepio no corpo todo, fechou os olhos. Cerrou os punhos e apertou os lábios. Num impulso, levantou-se da poltrona. Ainda sentia-se tonto, as paredes pareciam girar, os livros embaralhavam seus nomes pelas prateleiras.

Com apenas quatro passos, tocou na mesa escura. Virou suas costas para esta e alisou o verniz como se nunca tivesse tocado naquele mobiliário antes. Movendo-se de pouco em pouco, terminou deitado sobre as cartas.

Virou-se de lado, e deitado sobre o ombro esquerdo, deixou-se levar pelos pensamentos, pelas letras embaralhadas e pela dor. Encolheu-se o máximo que pode. Deitado como uma criança que sente frio, viu sobre o tapete no chão os feixes de luz que vinham das janelas. A chuva se foi, o sol voltava a brilhar. “O sol retorna toda vez. Porque você não?”.

 


 

 

Seoul, 13 de Outubro de 1954

 

Querido        ,

Hoje eu fiquei mais velho. Tu permaneces tão jovem, não é?

As tuas tulipas continuam a florescer. Tem tulipas aí? Flores? Não tenho mais visto como estão os jardins do outro lado. Não me recordo bem quando foi a última vez que sai desta biblioteca. Ela parece maior cada vez que eu a observo.

Minha vontade é de que envelhecer me trouxesse a tua maturidade, tua sabedoria. Lidavas tão bem com os problemas, com as críticas, e sabia contornar todas as suspeitas sobre nós. Talvez estivesses certo. Eu era uma criança e serei para sempre. Não sei agir como adulto. O mundo adulto parece trazer apenas dor. E a vitória é tua, serás o mais velho, para sempre.


And in a moment I'm older; In a moment, you've won.
(Num momento eu sou mais velho; No outro, você venceu)

 

No fundo, minha vontade é apenas de poder dizer o teu nome. Dizer o teu nome sem sentir uma dor imensa; demasiada culpa. Pois é isso o que parece. A culpa sempre parecerá minha. Fui eu quem não te seguraste naquela porta. Fui eu quem não insistiu, quem te deixou engolir-te a ti mesmo, a sumir nas tuas próprias águas profundas.


And I hate that I can't say your name without feeling like I'm part of the blame
(E eu odeio não conseguir dizer seu nome sem sentir que eu seja parte da culpa)

 

E foi assim que eu te perdi. Tu atravessaste por entre meus dedos. Feito água. A mesma água na qual tu se jogaste, sem me levar junto; sem mim. E tudo isso como se nós dois fossemos nada. Será que fomos tão pouco assim?


And you escape me like it's nothing.
(E você me escapa como se isso fosse nada)

 

Os ombros pesam toda vez que vejo aquelas flores do lado de fora. Não bastasse tudo me lembrar de ti, elas parecem te trazer de volta do fundo das minhas memórias. O ar foge dos pulmões quando teu nome me toca a garganta. Assim como o ar fugiu dos pulmões, dos teus pulmões, quando se afogaste na tuas águas de solidão.


You're pushing down on my shoulders, and emptying my lungs
(Você está puxando meus ombros para baixo, e esvaziando os meus pulmões)


You're next to me again, but we're still tugging on each other
(Você está próximo de mim de novo, mas ainda estamos puxando um ao outro)

 

Eu queria te contar porque, ainda que nesse estado de dor e sofrimento; ainda que definhando lentamente; ainda que perdido num caminho sem volta, eu não ouso tentar me unir a ti sem que por meio das forças da natureza. Sem que por meio do ciclo natural da vida.

As mesmas coisas que me trazem tanta agonia, mista de saudade e alucinação, são as coisas que me mantém vivo. São as coisas que me impedem desistir, que me impedem largar todas estas cartas aqui e ir até ti.

Nosso tempo juntos. Nossas memórias. Nossos momentos. Eu sentia e eu ainda sinto o mesmo. Eu amava e eu ainda ainda amo o mesmo. E isso jamais irá mudar. Nunca irá mudar, Yoongi.


And it's never gonna feel quite the same, but it's never gonna change.
(E nunca parecerá o mesmo, mas nunca irá mudar)



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