História Felix Culpa - Lacrimosa

O perfume amadeirado e marcante já era perceptível antes mesmo das portas metálicas do elevador se abrirem por completo. Não era forte ou enjoativo. Era apenas impossível não sentir, era bom, inebriante, na verdade. Assim que a jovem Camila sentia pela segunda vez, assim como o mesmo pensamento de quando a viu pela primeira vez.

A recém contratada pela empresa multinacional, Camila era oposto de todos como pensavam em relação a Senhora Jauregui. Enquanto para todos da empresa era mais conhecida por sua postura intragável, para a jovem e delicada Cabello, a morena com os olhos verdes que mesclavam de uma singela pedra quartzo verde opaca, para um esmeralda brilhante em questão de segundos, era de encantamento.

Lauren Jauregui saiu da caixa metálica sem dizer um palavra sequer a qualquer pessoa que ali estava próxima dela e seguiu rumo a porta de madeira maciça onde ficava seu escritório. Era engraçado como todos ficavam tensos e pareciam que prendiam a respiração para ela passar, apenas o som de seu salto alto batendo ritmado no chão de mármore brilhoso era possível escutar até que chegasse a sua sala. Normal, pensou a jovem latina. Já conformada de que sua trajetória na empresa seria assim. Nenhum contato com a dama de ferro. Mas em sua mente não deixava de reparar, era apenas a segunda vez que via e seu rosto, e ele permanecia na mesma forma, sem expressão, tão distante. Camila acha que era por isso que todos a odiavam e tinha medo de certa forma. Mas para ela, não se passava de uma alma ferida. Todos ali sabiam o que a Sra.Jauregui tinha passado. Mas diziam "já se passaram 6 anos, ninguém fica tanto tempo inerte assim. E isso não é desculpa pra ser assim, ela é babaca assim mesmo." Mais precisamente, sua amiga Dinah, sua principal ligação para conseguir seu singelo emprego de auxiliar. E como ela precisava dele.

- Então Mila, falou com seu pai? - Dinah perguntou assim que sentamos na mesa, era horário de almoço. Um refeitório dentro da própria empresa para os funcionários. Claro que ela ia perguntar sobre meu pai, claro.

- Ainda não... Sabe como é, deixa eu me adaptar mais um pouco... Ai, claro que ligo pra ele, antes mesmo dessa semana acabar! Prometo! – Finalizo rápido já recebendo um olhar torto de Dinah.

- Você sabe que ele deve está louco de preocupação né? Bom, a filha dele sai do país sozinha, fala que vai dividir um apartamento com uma doida que conheceu pela internet há... Quanto tempo mesmo nosso relacionamento? - Diz rindo levemente, como tudo nela.

- 4 anos eu acho... Alias, já podemos fazer bodas de alguma coisa aí... Palha, talvez? - Dinah ri balançando seus cabelos loiros.

- É tão pouco tempo né? Mas aquela velha sensação de que nos conhecemos antes mesmo de nos conhecer?

- Acho que éramos irmãs na outra vida, só isso explica minha capacidade em te aguentar.

- Ein, olha aqui sua anã... - Enquanto Dinah continuava a resmungar, minha mente já havia se desligado por completo, minha cabeça apenas vagava. Como seria daqui pra frente?

Havia deixado pra trás seu país de origem, Camila sabia desde criança que ali não conseguiria alcançar nada novo, seria apenas mais do mesmo. Se tornaria exatamente como sua mãe. E isso não era desgosto nenhum, pelo contrário, sua mãe sempre foi fonte de orgulho e inspiração, mas sabia que ela e sua família mereciam mais. Então, quando o convite inesperado de Dinah veio, ela teve pouco tempo pra se decidir. Ficar com sua família, e viver do mesmo sempre? Com o básico para sobreviver? Ou ao menos tentar buscar algo melhor para ela mesma e para aqueles que ama? Então, juntou as poucas roupas que tinha, alguns dólares que seu pai guardava para emergência e foi, deixando México e seus pais para trás. Sabia que não ia ser fácil, ia ganhar muito pouco pra se manter, mas já era um start. Um dia ela voltaria pra casa.

- Mila, hoje eu falei com a Senhorita Jauregui, você vai ser responsável em levar os documentos que ela pedir até ela! Avisei que preciso tirar essa tarde para resolver as compras dos móveis, principalmente sua cama.

Camila franziu a testa e com o olhos semicerrados direcionados para sua amiga.

- Dinah! Eu disse que não precisava gastar dinheiro com isso, mais que droga! Eu podia muito bem ficar no sofá até conseguir comprar uma. Você sabe que vou pagar por isso, né? Teimosa.

- Jamais deixaria você continuar dormindo no sofá, né. A gente vê isso depois! Vou indo! Vou colocar pressão naquele gerente, quero que entregue o quanto antes. Ah, relaxa, Jauregui é imbecil as vezes, mas você dá conta. Tenho certeza que separei toda a documentação de hoje. Caso ela peça algo que não esteja lá, me liga!
- Sem problemas! Acho que dou conta sim... Beijo!r

                                     ***

Camila estava ociosa e nervosa. Lauren ainda não havia lhe chamado ou dado uma ordem sequer. Já preocupada com a demora, a jovem latina já estava quase levantando e indo até o escritório da diretora, quando seu ramal toca, a luz vermelha indicando que era Lauren.

- Boa tarde, Senhorita Jauregui, posso ajudar em algo?

O tom doce e melodioso da jovem garota quase fez Lauren acalmar os nervosos.

- Se eu preciso de ajuda? Eu que pergunto Senhorita Cabello. Tem alguma duvida ou dificuldade em imprimir um simples relatório e deixar na minha mesa? Estou esperando.

E assim desligou. A voz rouca, firme e irônica assustou Camila. Olhando para sua mesa, viu uma ordem que Dinah deixou. Como ela poderia saber que já era pra ter deixado em sua sala? Engoliu o ego ferido e pegou a primeira pilha de papéis e foi em direção à sala da diretoria. Com os joelhos levemente trêmulos, parou enfrente a enorme porta, dando dois toques leves.

Do outro lado, um breve “entre”, deu permissão para prosseguir. Porque estava tão nervosa? Camila já cultivava uma admiração secreta pela Senhorita Jauregui, ela estampava algumas revistas sobre mercado financeiro, esbanjava inteligência por onde passava, admirava sua história desde o inicio. Era uma inspiração. Lauren veio de baixo, quem sabe ela não poderia ter o mesmo caminho?

- Finalmente, não demore de novo como hoje. Não tem ideia de como atrasou meu lado.

Lauren, nem ao menos levantou os olhos sobre a tela de seu notebook para olhar quem trazia seu relatório. 

Camila olhou intrigada a mulher em sua frente, descrente de que nem mesmo um olhar irônico, ou raivoso por parte dela teria. Pigarreou suavemente para recuperar a voz que nem sabia que tinha perdido.

- Desculpe Senhorita Jauregui... Pensei que fosse me chamar para trazer... Sinto muito mesmo. Nunca foi minha intenção te atrapalhar, eu sei o quanto a Senhora é ocupada..

- Exatamente, ainda bem que sabe. Por favor, pode deixar na minha mesa ou precisa de ajuda com isso também?

Camila sentiu os olhos marejarem. Mas segurou a insistente lágrima que queria escapar dos olhos castanhos. Desde criança sempre fora sensível demais, frágil demais. Mas não era ingênua, sabia que esse começo de trabalho estava sendo péssimo. Temia por isso.

Dando alguns passos que restavam até estar próxima a mesa de vidro, a jovem latina depositou a pilha de papel como se fosse algo precioso, com calma e delicadeza. Lauren, pela primeira vez ergueu suas órbitas verdes para apreciar a visão em sua frente. E se repreendeu mentalmente por não ter olhado antes. Foi segundos lentos, mas segundos. Viu o rosto delicado da jovem, que não devia passar dos 19 anos. Olhos vagos e inseguros no momento. 

- Desculpe, não devia exigir algo assim. Senhorita Jane não deve ter te instruído de forma correta...

- Não! Dinah não tem culpa alguma Senhora Jauregui, ela não tem nada a ver com minha falta de capacidade.

Camila diz interrompendo Lauren, nem se deu conta de que aquilo podia irritar ainda mais a diretora. Lauren, apenas observou e escutou. Achou tão leal sua defesa por Dinah que não contestou, um sorriso ameaçou sair de Lauren, porém, apenas encarou Camila, que já não respirava direito. 

- Calma, Senhorita Cabello. Não se desmereça desse jeito. Eu que exagerei. Pode se retirar.

Camila, soltou o ar de seus pulmões e com um simples balançar de cabeça, e mais um desculpa sussurrado e antes de se virar e tentar sair o mais rápido daquela tensão dentro daquele escritório.

- Obrigada jovem Cabello.

Foi isso que escutou antes de fechar a porta atrás de si.