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História Filhos da Noite - Humanidade Perdida


Escrita por: Caus

Capítulo 2 - Humanidade Perdida


Fanfic / Fanfiction Filhos da Noite - Humanidade Perdida

Em um quarto de grandes dimensões e iluminado apenas por um castiçal de velas, Adam encarava o espelho ao provar um terno.

— Tem certeza que essas são as roupas apropriadas para um cavalheiro inglês? — Perguntou o homem de longos cabelos na altura da cintura, e olhos que refletiam o tremeluzir das chamas.

— É um legítimo Armani, Senhor Adam, um terno digno de seu status. — respondeu Lincoln, um homem de cabelos crespos e grisalhos, barba aparada e roupas elegantes.

Adam sorriu satisfeito, começando a se sentir à vontade com as novas roupas. Já fazia uma semana desde que voltara do túmulo, noites de descobertas e aprendizado constantes. Luz elétrica, televisão, rádio, telefone, internet... tudo era uma grande novidade para ele, confusa, misteriosa e fascinante. O conhecimento humano deu um salto inimaginável nesses últimos séculos, e não seria nada fácil se adaptar a era da tecnologia.

— O homem foi capaz de vencer grandes barreiras através da inteligência, Lincoln, então acredite quando digo: em breve, nem você me distinguirá de um homem do século XXI!

— Estou certo que sim, senhor. — respondeu ele, num misto de incredulidade e sarcasmo.

...

Para o vampiro, ter Jonathan Lincoln à sua disposição pareceu uma forma dos céus compensarem um pouco do mal que lhe afligiram. Afinal, de que outra forma ele encontraria alguém confiável para lhe apresentar a esse mundo novo, sem ser tomado por louco? O encontro entre os dois se deu na manhã seguinte ao despertar do vampiro, quando o homem fazia a limpeza pós festa. Recolhendo garrafas quebradas e latas de cerveja, o homem de pele muito negra e olhos castanhos seguiu o rastro de sangue que levava até o cômodo acima das escadas, dando de frente com um indivíduo com roupas de época, longa cabeleira e pele pálida, deitado na cama de um quarto arrombado. Lincoln quase teve um ataque cardíaco!

— Não posso crer. É real ... você é real. — disse ele, caindo de joelhos e levando as mãos a cabeça, com o sorriso de um louco na face. Então se ergueu, tocando o rosto do vampiro, lágrimas molhando seu rosto. — O imortal dono desse castelo, enfim retornou a casa. Hora de trabalhar.

Quando Adam despertou, horas depois, encontrou o homem diante dele. Barba e cabelos feitos, vestindo um terno gasto e em postura de reverência.

— Sou Jonathan Lincoln, o sétimo a suceder Willian Connor como guardião da sua casa. Cada um de nós fez o melhor que pôde para guardar seu túmulo até que o senhor acordasse. — disse com emoção genuína na voz, diante de um Adam surpreso. — Me sinto feliz como um menininho por ser testemunha do retorno daquele a quem jurei servir ainda na juventude. Aquele sobre quem a ninguém mais eu pude falar. Aquele que em certos momentos,  até mesmo duvidei se de fato existiria, ou se tudo não passava de delírios de um louco a me doutrinar em sua insanidade.

— Prazer Lincoln, é bom estar de volta. — ajudando o homem a se erguer. — Então Willian, meu leal amigo foi o responsável por isso? Cuidar do meu túmulo e posses?

— Sim, segundo os registros, foi o único dos seus homens a sobreviver a tragédia, tomando como missão pessoal cuidar de tudo até que o senhor voltasse. Como isso demorava, decidiu escolher uma pessoa para tomar seu fardo após sua morte. Essa tradição foi seguida pelo seu sucessor, e isso até chegar a mim.

Ouvir sobre aqueles acontecimentos o arrastaram de volta até a fatídica noite, onde Adam a perdeu, onde Connor foi seu último amigo.  

...

Após o último suspiro abandonar sua Marie, o desolado vampiro permaneceu um longo tempo contemplando o corpo de sua esposa, como quem esperasse por um milagre. Um milagre que não aconteceu. Deu voltas pelo quarto, sem saber o que fazer com o sentimento que lhe subia pela garganta. O som da chuva caindo era uma música triste a lhe preencher os ouvidos, um som de fundo a melodia dos próprios passos sobre o piso. Uma vez que não suportou mais esses ruídos enlouquecedores, sentou-se ao lado dela, segurando em sua mão.

— Como pode me deixar sozinho? E ainda me pedir para continuar sem você? — Todo o corpo tremendo. — Eu devia aguardar o raiar do dia em nossa sacada, queimando bem na sua frente! Então você veria que faço o que quero, assim como você o fez.

Então, com as costas na parede e caído, ele chorou. Chorou como nunca havia chorado antes, dando vazão a dor que lhe dilacerava o peito. Chorou até as lágrimas secarem e a chuva cessar. Só voltou a si quando viu Connor ajoelhado diante de si, suplicando perdão por ter falhado em protegê-la.

—  Não sei como lhe dizer o quanto lamento. Tentei, esforcei-me inutilmente em mudar o desejo daqueles homens por sangue... mas falhei. Falhei e sequer consegui voltar a tempo de avisá-los, a tempo de protegê-la.

Connor também chorava, seu rosto marcado por hematomas de espancamentos pelos quais deveria ter passado nas mãos daqueles homens, agora molhado de lágrimas sinceras. Algo sem sentido para Adam, pois se alguém poderia tê-la salvo, era ele. O vampiro não tinha palavras, apenas se ergueu e estendeu a mãos para levantar seu único aliado. E foi um homem sem rumo ou esperança que deixou aquele quarto, com sua propriedade queimada e violada.

Ele não deixaria o corpo de sua esposa ser profanado por homens perversos. Seus servos fiéis também não mereciam aquele destino. Se não poderiam receber um enterro cristão, que suas cinzas subissem a Deus em um último ato de respeito.

— Que encontrem a paz que nunca encontrarei. —  disse ele para seu único amigo. —  E assistam do céu, com olhos piedosos, nossa sina e miséria.

As chamas consumiram os corpos dos seus, diante dos olhos tristes de homens desolados. A única lembrança que restou de sua amada, o bracelete dourado que adornava seu braço. E foi com grande pesar que Willian cumpriu o último desejo de Adam, providenciando um descanso adequado para se entregar ao sono dos mortos, de posse apenas dessa lembrança.

— Não posso tirar minha própria vida, meu amigo. Não se quiser vê-la de novo, e isso é o que mais quero. Mas a verdade é que a dor é grande demais para continuar. Preciso de descanso, Sir Connor, preciso escapar da dor. Então dormirei pelos próximos anos, décadas, séculos! Até o fim dos tempos se preciso for! Dormirei até que meu pesadelo acabe. Até que eu possa ouvi-la me chamar de novo.

Seja nesse mundo ou no outro.

...

Enquanto Adam foi apresentado a banheira, pasta de dentes e roupas limpas, ouviu como Lincoln recebeu uma propriedade já em estado precário, com rachaduras, infiltrações e até mesmo áreas semi-desmoronadas. Alguns de seus antecessores fizeram pequenas reformas e melhorias, mas a verdade é que a obra necessária demandaria uma quantia de dinheiro muito acima do que dispunham. Alugar o imóvel para sediar festas, casamentos e farras de universitários foi a forma que ele encontrou de manter a si e ao enorme casarão.

— Você cumpriu seu dever, Lincoln, agora venha comigo. Vejamos se ainda tenho alguma moeda. — disse o vampiro, caminhando por áreas do casarão já interditadas.

Quando Adam revelou a câmara secreta, Lincoln ficou estupefato! Armaduras medievais, coleções de armas, moedas de vários países, anéis, colares, braceletes, pedras preciosas...uma verdadeira fortuna!

— Entreguei minha riqueza a Connor, como um último presente. Ele teve tudo isso a sua disposição e não usou, preferindo guardar para um improvável e tardio retorno meu. Era mesmo um homem raro e leal. — Adam disse, sorrindo para um homem cujas pernas tremiam de nervosismo. — Está ai minha fortuna, confio tudo em suas mãos, Lincoln. Reerga esta casa, contrate empregados, invista o dinheiro, torne possível meu retorno a esse mundo com dignidade!

Adam caminhou entre os objetos brilhantes, sem dar qualquer atenção a eles. Tirou do bolso do terno o bracelete dourado. A última lembrança de sua Marie.

— Preciso reerguer minha casa e entender esse mundo antes de ir até ela. Não posso correr o risco de confundi-la e assustá-la, como posso ter feito em nosso primeiro encontro.

— Uma decisão sensata. — disse o homem, sorrindo de orelha a orelha, e sem acreditar que esteve a vida toda ao lado de uma pilha de dinheiro. — O senhor tem a juventude, o poder e a dignidade, só lhe falta o conhecimento. Aproveitemos para corrigir isso.

...

Foi com o coração acelerado que Claire atendeu a ligação pela qual esperou por toda semana. Não que sua voz traísse alguma parte desse sentimento.

— Adam? Oi, tudo bem sim. É, apesar de tudo cheguei bem em casa.

A jovem estava no quarto, com tudo que se esperava de um. Guarda-roupa grande, criado-mudo, mesa de computador e uma cama. Na parede, prateleiras abarrotadas de livros de todos os tipos. Sentada na cama, cercada de papéis e livros abertos, ela segurava o celular com uma mão enquanto acariciava sua gorda gata com a outra.

— Hoje a noite? Desculpa, estou meio atolada com as coisas da faculdade, hoje não tem como. Deixa eu dar uma olhada aqui em que noite eu estou livre. Vejamos...

Ela sabia perfeitamente a data, assim como poderia fazer um esforço para sair com ele ainda naquela noite. Mas obviamente, ela não faria nada daquilo.

Passei uma semana inteirinha esperando pela boa vontade dele, preciso manter um mínimo de amor próprio. Se quer me ver, que espere, pensou ela.

— ...então, livre, livre eu só fico na terça mesmo. Maaas se você quiser, a gente pode se ver antes. Amanhã é aniversário da Evelyn, minha amiga, e vai rolar uma comemoração. Você pode ir comigo se quiser, o que me diz?

Um instante de hesitação do outro lado da linha, até a confirmação.

— Ótimo. Então anota ai o endereço onde podemos nos encontrar.

Ao fim da ligação, ela era “só alegria”. A verdade é que desde que se despediram, não conseguiu parar de pensar naquele homem. Sua voz, suas palavras, seus olhos... Claire ficou envergonhada ao se lembrar do toque dos lábios dele em suas mãos, algo tão simples, mas que ainda a deixava toda arrepiada. Suspirando, agarrou o bichano.

— É, Fionna, a vida dos gatos é tão simples, porque será que a gente fica complicando as coisas, hein? — a resposta do felino foi um miado, seguido de tentativas de se soltar do abraço. — Gata malvada...

...

As 20h00 da noite marcada, um veículo de luxo estacionou em frente a praça em que foi combinado. Um potente e belo carro preto, de vidros fume. O local estava bem movimentado e iluminado, com um punhado de crianças nos brinquedos e grupos de jovens namorando. Em um dos bancos de madeira, a jovem ouvia música no celular, sem notar a aproximação do seu gentil predador.

— Uma boa noite. — Adam disse, seu rosto próximo ao dela.

Ela se assustou, quase deixando o celular cair. Depois sorriu sem graça para o homem a sua frente, guardando o aparelho e ficando de pé. Era uma noite fria, mas sem sinal de chuva.

— Não faz isso, quase me fez ter um treco aqui. — disse, ainda sem graça.

Adam vestia seu terno preto, com o cabelo preso em um rabo de cavalo. Enquanto Claire usava um conjunto mais casual: calça de couro marrom, botas da mesma cor e uma blusa com casaco por cima. Os cabelos presos em um penteado mais elaborado, que deixava apenas algumas mechas caídas sobre o rosto.

— Me deixe me redimir, declarando o quanto a senhorita está linda essa noite. Poderia passar a noite inteira só admirando, e garanto que não me cansaria. 

— Obrigada, você também está ótimo. — respondeu, sorridente. — Mas, por mais que eu gostaria de pôr a prova essa sua persistência obsessiva em me admirar, temos um lugar para ir.

Adam seguia em direção ao carro, quando travou! Uma presença que não sentia a mais de trezentos anos se fez presente. A presença de outro ser das trevas como ele, um vampiro. Ele olhou em volta, mas não encontrou a fonte daquilo.

— Problemas? — Claire perguntou com um sorriso zombeteiro, devido a expressão assustada que ele fez.

— Desculpe, pensei ter visto um conhecido.

Ela cumprimentou Carlos, o motorista latino, estranhando o fato de Adam ter um motorista particular. Um imigrante brasileiro contratado por Lincoln, sem qualquer ideia de que trabalhava para um vampiro.

— Boa noite, senhora, as suas ordens. — respondeu, com um sorriso tão grande quanto o sotaque.  

A viagem foi curta e agradável, por mais que o vampiro não parasse de pensar na sensação que teve. Adam lhe disse que após passar os últimos anos viajando, resolveu enfim voltar as suas origens, assumindo a propriedade que era sua por herança. Ela achava engraçado o jeito peculiar daquele homem falar, seus modos de cavalheiro inglês empolado, contrastando com sua juventude e intensidade do olhar.

Em pouco tempo estavam no lugar, música alta, carros e motos em volta de uma casa de dois andares, meia-dúzia de jovens do lado de fora, tomando cerveja e rindo, e todos parando de repente para observar quem sairia do possante que acabara de chegar.

Claire ficou ruborizada, ciente de todos os olhos conhecidos sobre os dois. Após caminharem pelo meio daquelas pessoas, duas garotas apareceram, cochichando e indo na direção deles. Evelyn usava um vestido roxo, com abertura entre os seios e costas, para além de deixar a maior parte das suas belas pernas de fora. Uma jovem, negra e atraente. Com ela, uma morena de minissaia, ambas se cutucando para ficarem sérias. Claire abraçou Evelyn, parabenizando a aniversariante e trocando brincadeiras.

— Miga, quem é esse gatão que você trouxe? — Evelyn perguntou.

— Meninas, esse é o Adam, o cara que me ajudou na festa.

— O tal dono do casarão!? — Perguntaram, alto o suficiente para todos ao redor ouvirem.

Adam apenas confirmou, tenso com toda aquela gente desconhecida e barulhenta tão perto.

— Você trouxe o melhor presente da noite! — Evelyn disse, enquanto agarrava o vampiro pelo braço e o puxava para dentro da casa.

— Mas que safada... — resmungou Claire, que ficou para trás com a amiga que a enchia de perguntas.

O som alto incomodava os sentidos aguçados do vampiro, os corpos suados dos jovens dançando ao seu redor, assim como o calor do corpo da jovem contra o seu próprio começavam a mexer com seus instintos de predador. Só então se deu conta do quão faminto estava, sem se alimentar a dias.

— Nunca te vi antes, pretende ficar na cidade? — Ela perguntou, o puxando mais para o centro da casa e pegando uma bebida no caminho.

Ele se esforçou para manter a boca fechada, pois sentiu que as presas já teimavam em aparecer.

— Essa é minha cidade... vou ficar.

— Diz a verdade, o que realmente aconteceu naquela noite? Você e a Claire ficaram, não foi? — Ela falou ao ouvido, os seios pressionados contra ele.

— Como assim, “ficaram”? — perguntou o inocente vampiro, o que ela interpretou como sarcasmo.

A dança continuava, o corpo daquela mulher voluptuosa mexendo com seus instintos. O cheiro de suor e bebida pareciam afetá-lo ainda mais, tudo ao som de música eletrônica e hip-hop. O monstro sentiu que estava perdendo o controle, com a voz da garota perdendo aos poucos o sentido, apenas o som do coração acelerado e suas veias expostas importando. Apenas o fluir do sangue precioso e irresistível, se tornando uma tentação poderosa! Ele tentou se afastar, mas ela não deixou, o puxando para mais perto de si. Corpos colados, ao ritmo da dança daqueles que os rodeavam. Uma dança mortal.

— Não tão rápido, gatinho. — Seus grandes olhos o encarando com um estranho interesse. — Você parece um cara muito... Interessante. Prometo manter os olhos bem vivos em você.

Tudo parecia uma armadilha diabólica para revelar o monstro. Ele afastou o rosto dela, tentando esconder as presas já visíveis, tentando se focar em algo que pudesse impedi-lo de pôr tudo a perder. Quando levou a mão ao bolso do terno, sentiu o bracelete que trouxe com ele. Sua salvação. As lembranças que ele representava foram o suficiente para fazê-lo recuperar o controle, e enfim afastar-se da garota.

— Perdoe-me, senhorita Evelyn. Mas minha acompanhante me espera. — Mal ele proferiu as palavras, ouviu uma voz conhecida atrás de si.

— Olá... Evy. — Claire disse, encarando a amiga.

A garota sorriu, devolvendo o acompanhante a amiga.

— Tava só aquecendo o gato pra você, Clairzinha. — sorriso zombeteiro. — Acho que agora ele já tá no ponto.

O casal pareceu sem graça com a situação, mas ele ao menos pôde suspirar aliviado. Conseguiu reassumir o controle. Então saíram do meio do salão, a procura de um espaço mais calmo.

— Sua amiga é um pouco...animada demais. — disse, enquanto virava um copo de vodka, desejando que fosse outra coisa.

— Desculpe por isso. Ela é atrevida, desequilibrada, alcoólatra, aproveitadora... mas apesar de tudo isso, tem lá suas qualidades.

De repente o som da festa abaixou, com todos olhando para a aniversariante no centro.

— Gente, esse é o Adam, amigo da Claire e dono daquele casarão enorme no alto da colina, que geral zuava de ser mal-assombrado. Deem boas vindas pra ele!

Um momento de silêncio, seguido de um grito em uníssono:

— Bem vindo, Adam!

Todos comemoram, levantando as garrafas. A maioria seguiu dançando, enquanto o casal tentava abrir caminho até a parte de trás. Mas foram logo cercados por uma dúzia de curiosos, e ai seguiu-se uma chuva de perguntas de todos os lados. Após quase meia hora de interrogatório, com Adam seguindo um roteiro já decorado, e sendo tão evasivo quanto pôde, conseguiram se afastar do grupo, pois ele “precisava de um pouco de ar”.

— Achei que era só desculpa, mas você não parece estar muito bem mesmo.

—... Nada demais. — respondeu, tentando ignorar a sede. — O que você estuda é medicina?

— Sou psicóloga clínica em formação. Ajudo nos problemas da mente, não do corpo.

— Então você lê a alma humana e tenta guia-la, é isso? — questionou. — Entendo a filosofia, mas esclareça a um leigo, o que exatamente um psicólogo estuda?

— Nossa, ai está uma definição que nunca ouvi! Como posso dizer: a resposta a essa pergunta varia, dependendo de quem responder. Um psicanalista provavelmente dirá que o objeto de estudo da psicologia é o inconsciente. Um behaviorista, que é o comportamento. Um cognitivista, que é a aprendizagem. Acho que a definição mais abrangente, seria: subjetividade. Nós estudamos a subjetividade humana, esse universo de ideias, comportamentos e questões que envolvem o ser humano.

Adam colocou a mão no rosto dela, deslizando suavemente os dedos até o queixo.

— Tenho um problema, Claire, e preciso de uma psicóloga experiente para me ajudar. — ela apenas sorriu, apoiando as mãos nos ombros dele. — Desde aquela noite, não consigo parar de pensar em você. Existe uma cura para isso?

— Não rolou mesmo nada entre a gente, não é? Minha cabeça ainda tá uma bagunça.

— Não. — disse ele, passando as mãos pelo cabelo dela. — Naquela noite não.

— Hoje é sua noite de sorte, então. Acho que tenho seu remédio bem aqui...

Os dois lentamente se aproximavam um do outro, os olhos se fechando, os lábios ansiando por se encontrarem. O coração da garota acelerava de expectativa, ao que ele podia ouvi-lo batendo, e mesmo assim não lembrava da sede. Ele apenas a desejava, como amante, jamais como vítima. E quando estavam próximos o suficiente para sentirem a respiração um do outro... ele parou. Sentindo algo que podia pôr em risco a única pessoa com quem se importava.

— ...o que foi? — Perguntou Claire, confusa.

— Adam, certo? — Voz de mulher, interrompendo o casal a um passo do beijo. — Posso falar com você um minutinho?

Adam olhava para ela, perturbado por ver uma vampira tão perto da Claire. A aproximação foi silenciosa como a de uma gata, mas não o bastante para iludir os sentidos do vampiro. Isso fora a sensação que a presença de um dos seus lhe causava, uma agitação a instigar seu lado selvagem, um sutil alerta da ameaça que outro predador poderia representar em seu território.

— Escuta, não acho que seja uma boa hora... — Claire começou a frase, olhar assassino, mas logo sentiu o toque de Adam em seu ombro.

— Claire, vou pedir que aguarde por um momento. Foi ela a pessoa que pensei ter visto na praça, temos um assunto urgente a tratar.

— Aaahhh, tá. Claro que sim, com certeza eu aguardo. — Disse ela, se afastando aborrecida e entrando no salão.

A mulher à sua frente era muito atraente, Claire teria toda razão em ter ciúmes, ele percebeu. Cabelos castanhos em rabo de cavalo, um vestido que deixava os belos seios em destaque, e olhos que pareciam examinar cada minúsculo detalhe seu.

— Quem é a senhorita e o que quer comigo? — perguntou Adam, ao mesmo tempo aborrecido e intrigado com seu primeiro contato com um vampiro do século XXI.

— Jeanne Hillton, e o prazer é todo meu, senhor mal educado. — Mão estendida para apertar a dele.

— Que seja. — Adam pegou sua mão, dando um beijo suave, e sentindo que cheirava a sangue.

— Parece um pouco abatido, senhor Adam. — Disse ela, se posicionando ao seu lado. — Será que posso te dar algo para beber? — Um olhar malicioso e ele percebeu o sangue nos lábios dela, assim como o rapaz inconsciente no banco, à poucos metros. Respingos de sangue na roupa.

— Dispenso, mas agradeço pelo convite. — Adam disse, usando todo o autocontrole que possuía, ao sentir o demônio interior as portas.

— Uma pena, tanta gente nessa festa, tantas opções diferentes. Poderíamos secar tudo. Taça por taça, até a última gota. — Ela o rodiava, como se estudasse suas reações. Logo deslizando os dedos suavemente pelo rosto dele.

— Eu disse não. E não gosto de me repetir. — Olhos vermelhos e presas a mostra. Sua mão rapidamente segurando o pulso da vampira.

Ela riu em resposta, usando o poder do sangue vampírico para lhe dar força sobre-humana. Força essa que se mostrou totalmente inútil contra a mão firme do vampiro, que a manteve sob controle sem sequer ter que apelar para esses truques.

— Que pena, adoro beber em boa companhia. Mas acho melhor me soltar agora, ou meus amigos ficarão chateados com você.

E olhando ao redor, Adam se deparou com a presença de outros dois vampiros, posicionados ameaçadoramente atrás de jovens distraídos. Ao que o vampiro apenas sorriu.

— Se tivesse apenas afrouxado o braço, eu a teria deixado ir sem problemas. Mas como não só resiste, como tenta me ludibriar com seus truques, aceitarei seu convite para uma bebida.

E dito isso, discernindo perfeitamente que aquela cena se tratava de uma ilusão, torceu o pulso da vampira, abrindo um corte nele com a unha e deixando que o mesmo respingasse no copo que trazia na outra mão. Movimentos rápidos e camuflados de quaisquer olhares curiosos. Ele bebe daquela pequena quantidade de sangue, diante dos olhos frustrados de uma vampira totalmente subjugada, incapaz de se soltar ou manipular os sentidos de seu alvo com seus dons ilusórios.

Ele a solta, ao que ela leva a mão ao pulso ferido, massageando o antebraço e regenerando o corte. Por fim ela engoliu o orgulho, sorrindo para um morto-vivo muito superior. E tirando um cartão da bolsa, o estendeu para o vampiro.

— Apesar de tudo eu gostei de você. Quando quiser bater um papo é só me ligar, prometo que não ficará entediado.

Adam pegou o cartão e o pôs no bolso, virando-se para a direção da casa, mas não antes de lhe proferir as últimas palavras:

— Agora vá, senhorita Hilton. E não esqueça de limpar sua bagunça.

Após algum tempo rodando em meio aos convidados, encontrou Claire, conversando com as amigas e com um sorriso forçado. Quando ela o notou se aproximando, seguiu rumo a entrada. Logo estavam os dois na porta, Claire com uma irritação mal disfarçada transformada em frieza, e Adam com mãos que começavam a tremer pela necessidade de sangue. Afinal, as poucas gotas do sangue vampírico não eram nada diante da sede que o consumia.

— Está melhor, Adam? Já resolveu seu problema? Deu um trato nos seus assuntos?

— Acredite, o assunto era realmente urgente, mas gostei ainda menos da visita do que você. E para falar a verdade, ainda não estou muito bem. Creio que a viagem de carro me deixou enjoado.

— Então é isso, Adam. — Claire começou. — Te trouxe na festa como falei, e você até mesmo já fez amigas, logo, logo será muito popular por aqui! — Um sorriso forçado e ela fica de lado. – Acho melhor deixar pra lá a conversa de sair junto. Com isso estamos quites, até qualquer dia.

Depois de três passos ela sentiu uma mão segurando a sua, assim como seu corpo sendo puxado contra o dele. O vampiro a beijou intensamente, olhos nos olhos, ela relutando por um breve instante, mas logo se entregando. E por um momento os dois foram tomados por um sentimento muito forte, poderoso e antigo. Algo que ela não conseguia explicar, ou sequer entender. E Após um longo beijo, ela afastou o cabelo do rosto, sem graça.

— Não vá embora, não ainda. Quero vê-la muitas vezes a partir de hoje, Claire, e espero que aceite isso como um sinal da minha gratidão pela sua companhia.

Quando ela se deu conta, ele colocou o bracelete de ouro em seu pulso, muito bonito, precioso e brilhante.

— Eu não... não posso aceitar isso, parece muito caro. Nós... nós mal nos conhecemos, Adam! — Olhar de quem disse isso, mas sentia diferente.

— Pelo contrário, sinto como se já nos conhecemos há muito tempo. — disse ele, beijando as mãos de uma garota totalmente sem reação. — Agora realmente preciso ir.

Ele se afastou em direção ao carro que sumiu no escuro da noite, deixando uma garota com um sorriso bobo no rosto, para trás.

...

Pouco depois.

Adam caminhou em direção ao carro que passou os últimos minutos a sua espera na beira da estrada, à cerca de cinco minutos de distância da festa. Numa área mal iluminada, cercada pela vegetação nativa e com um motorista impaciente o aguardando.

— O lugar é meio sinistro pra ficar parado, chefe. Mas como dizem: melhor pra fora que pra dentro. — Brincou o motorista, achando que seu patrão havia bebido demais.

O carro logo voltou ao seu destino, deixando para trás uma garota bêbada e inconsciente, que quando acordar vai se sentir extremamente fraca e anêmica. Enquanto o carro comia a distância entre a vítima e a mansão, o vampiro olhava para o nada, com ar melancólico:

Eu sou um monstro Claire, uma besta que se alimenta de sangue humano. Marie me amou como ninguém mais, mas eu sei que você é só parte ela. Será que essa parte poderá me amar? Amar um monstro?

E enquanto refletia sobre essas coisas, ouviu um uivo cortar o silêncio da noite. Algo nele lhe dizendo que não era o som de um lobo comum.

— Algumas coisas não mudaram. — sussurrou o vampiro para si mesmo, ciente de que lobisomens ainda habitavam aquela cidade esquecida por Deus. 


Notas Finais


No próximo capítulo: hora dos lobos!


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