História Fim da Luz - Capítulo Único

A princípio eu gostava dele, e ele parecia gostar de mim também. Preferia pensar assim, apesar de saber que não faria muita diferença. Afinal, ele era só um anjo na forma de um pingente em um colar no meu pescoço, apenas um pequeno adereço de vaidade, nada realmente necessário. Mas me era muito importante.

Os pequenos símbolos vazios em que concentramos o desejo até que neles habite parte de nossa alma, então são parte de nossa identidade, símbolos de poder, formas vazias, mas importantes.

Demorei, e acabei aprendendo do jeito mais difícil aquilo que todo fiel a Deus sabe: todos os demônios foram anjos. Tudo que está morto já esteve vivo, e todo cruel desalmado já foi inocente de tudo.

Tudo que está quebrado já esteve concertado e pode ser concertado mais uma vez. Isso não é uma verdade, se quebra e os estilhaços são despedaçados pelos homens como sal nas ruas, até não passar de um pó esquecido.

O anjo era o símbolo que me lembrava. Me lembrava dos anos perfeitos, dos dias lindos e das horas mágicas. Aqueles tempos no grande paraíso. Engraçado. Parecia que seria eterno.

Ele era o símbolo de algo grande de mais, não conheço outra palavra se não anjo, as luzes que morreram para as trevas reinarem. Amarrado em volta de mim, em cima de meu coração, o delicado peso familiar que me confortava.

Nosso amor morreria como uma árvore em chamas. Chamas negras, que eu não tive força para apagar. Aquele abismo de silêncio entre nossas almas. Aquela dor doce de um milhão de lâminas contra a minha pele. “Que Deus te abençoe”, de novo e de novo. As vozes se repetem como ventos sem destino, e ninguém sabe mais quem é Deus.

Um presente do passado, sempre constante, que agora morre diante da magnitude do poder de meu amado demônio, que nunca vai me abandonar.

Acredito em Deus, nem todo anjo é Lúcifer. Acredito no Fim, porque nem todo anjo é Miguel. Mas o fim da luz é o meu lar e meu coração é de Lúcifer. Meu coração negro.

Mesmo que ninguém acredite, eu sei que meu Inferno será eterno. Porque nunca chove nas terras sem anjos, e os ventos vazios sem destino são os únicos que os demônios cavalgam.

A deliciosamente cruel dor do peso do demônio que não sai de meu pescoço, sempre me puxando para baixo. Primeiro arrasta minhas pernas, depois minhas mãos, depois os olhos. Enfim, minha alma está no Inferno. Isto eu sei que será eterno.

16/04/2015