História Find-me - Dake

Nasci no Setor 48. Meus pais fugiram comigo para o Setor 46 quando eu era um bebê.

Fomos encontrados depois de muitos anos e mandados para uma audiência no Setor 47 .

Tudo dessa época parece confuso e sombrio para mim, não tenho muitas lembranças.

O fuzilamento de meus pais aconteceu quando tinha 9 anos, e a cena ainda é fresca em minha memoria depois de tanto tempo. Era um inverno rigoroso, minha mãe estava quase nua e eu sabia pelas marcas em seu corpo que homens fizeram coisas terríveis com ela, mas mesmo com o rosto escorrendo sangue ela ainda era a mulher mais bonita pra mim, ela me viu na multidão e seu semblante ficou congelado antes dela gritar para que me tirassem de lá.

Um homem fez questão de me colocar na primeira fileira e ela gritou com todos, eu chorava desesperado para ajudar, mas me seguravam e mantinham minha cabeça em sua direção, quando ela viu que não tinha outra opção eu vi murmurar algo como " Eu te amo meu pequeno" e algumas frases soltas como "Tudo vai ficar bem", " Eu vou sempre estar com você" , " Não se preocupe e não chore por mim" , "Seja um bom garoto" , e ela repetia várias e várias como se tentasse me tranquilizar mas quando os sons preencheram o meu mundo eu despenquei e nunca mais achei a borda.

Meu pai também viu o fuzilamento e chorou tanto quanto eu, quando sua vez chegou ele disse as mesmas coisas que minha mãe e poucos segundos antes dos fogos começarem ele gritou " Derrube O Restabelecimento" . Dessa vez os sons não eram tão altos, e a sua frase se repetia junto das outras várias e várias vezes.

Eu estava sozinho.

O Comandante Supremo não estava presente na cerimonia, mas o líder do Setor 47 assistiu tudo com um sorriso sádico, ele que considerou a fuga de meus pais como um ato de revolta contra O Restabelecimento. 

Minha punição foi ir para uma base de treinamento, sem família, amor ou esperança eu segui as ordens que me deram, eu iria morrer se não seguisse o que ele disse, e eu sentia ódio de tudo ali, esse sentimento fervia por todo meu corpo em todas as horas do dia.

Eu já não era mais uma criança.

Eu queria vingança.

Eu queria honrar meus pais.

A Base em que treino e moro é como qualquer alojamento do exercito, beliches nos quartos, espaços grandes para as lutas, salas que ensinam tudo que o Restabelecimento permite,  e o refeitório que é um ótimo espaço para rir de piadas sem graça.

Eu poderia ter me conformado com meu passado e o destino dos meus pais, seguido em frente como meus companheiros,a maioria perdeu os pais da mesma forma, Hesher e V dizem que eu sou idiota por reclamar, temos comida e um teto, somos sortudos por conseguir dormir sem medo. Eles se esquecem que quem colocou o medo, a fome a miséria lá fora foi o Restabelecimento, o lugar que eles sentem gratidão.

Eles são meus únicos amigos no entanto, nos conhecemos no meu segundo ano aqui,hoje  Hesher tem 17 e V 23, a situação em que nos encontramos naquele ano não era uma das melhores. Foi no dia que descobri meus "poderes".

Eu surtei. 

Gritei como uma garota.

Não conseguia acreditar que uma pessoa tinha permissão para fazer coisas como as que eu faço.

Hesher me encontrou e depois de alguns minutos de choque ele voltou a realidade e disse para eu me acalmar, era algo normal, disse que ele por exemplo conseguia saber como uma pessoa mentia sempre, acho que isso me assustou mais ainda, eu não queria acreditar que aquilo era normal, ele deu risada e me ajudou a lidar com tudo, um pouco depois me apresentou a V, o mais velho disse que eu deveria aprender a usar meu dom, que eu tinha algo especial e que se alguém lá dentro descobrisse iria atras de mim.

Eles me protegeram de mim mesmo, meu humor atrapalhava minhas habilidades, e eu tive que lidar com isso. Eu tentei pelo menos.

Era dificil pensar em amor e paz quando eu via as torturas dentro da Base, eu queria ajudar, eu queria explodir cada um dos soldados que riam enquanto maltratavam seu próprio povo, mas a culpa não era deles. A culpa é do Restabelecimento.

Ele é meu inimigo.

Ele é o meu foco.

Hoje estou na área Azul, treinando com os meus "Líderes espirituais" que só sabem rir e tropeçar. Não sei como rir é algo tão natural para uns e tão dificil para outros.

- Vamos treinar de verdade - Eu resmunguei pela quinta vez olhando eles correrem em círculos no chão de terra, estávamos na parte descoberta com um Sol enfurecido no céu, eu sentia as gostas gigantes deslizando pelo meu rosto e pescoço, voltei a encarar com cara feia os dois, V foi o primeiro a parar, o loiro sorriu inocentemente e deu um risada procurando uma garrafa de água.

- Você esta parecendo um velho rabugento! - Gritou Hesher pulando em minhas costas e o empurrei para baixo - Nós fazemos isso todos os dias, aproveita pelo menos um dia de férias. Em pouco tempo estaremos trabalhando em locais diferentes e não teremos tempo para mais nada.

- Não quero aproveitar - Disse encarando o ruivo de olhos verdes espertos, Hesher poderia enganar muitos com seus traços delicados mas eu sabia que ele era um demoninho só esperando uma chance para te irritar.

- Então vamos ver seus poderes! - Disse animado e V lançou um olhar para as câmeras, na mesma hora Hesher viu seu erro e encolheu os ombros - Só estava tentando animar...

-  Não falamos sobre isso. Eu não uso essas coisas mais - Eu disse entre dentes.

- Ele só queria ajudar Dake - Disse V com as sobrancelhas franzidas - E você deveria escutar,  você não pratica conosco desde os 12 anos! Não vai te machucar.

- Já me machucou - Disse o encarando e ele negou. - E machucou outros.

- Aquilo foi um acidente, se você treinar as coisas podem ser diferentes.

- Não quero arriscar - Disse encarando a poeira ao nosso redor - Não quero pessoas sofrendo.

- E se você... - Começou Hesher e bufei.

- Não fale sobre isso novamente - Eu o cortei me afastando.

Se eles não queriam, eu treinaria sozinho, não posso dar chances de algum superior arrumar desculpas para me torturar. Eu tinha que ser perfeito o tempo todo, precisava arrumar uma missão e sair desse lugar.

Meu objetivo sempre foi derrubar o Restabelecimento,  a alguns dias escutei sobre um grupo de pessoas com capacidades sobrenaturais que recrutam civis para uma guerra, foi um dos poucos dias que realmente senti algo como a felicidade. Eu não sei aonde estão mas eu os seguiria a qualquer lugar.

Não era apenas um grupo com os mesmos ideais, eles tinham poderes. Eles me entenderiam, um deles poderia me ensinar a controlar isso, essa coisa que as vezes consome toda minha energia para manter desligada.

E eu não quero me desligar mais. 

Não quero sentir medo.

Não quero sentir ódio.

Eu quero a liberdade que tanto ouvi falar, a que fez meus pais lutarem e morrerem por isso.

Eu quero a paz que li em uma poesia e não encontro em lugar nenhum.

Eu quero despedaçar-me, sentir meu corpo se partir junto com todas as memorias, esquecer meu passado e fazer-me novo.

Eu quero escolher meu destino.