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História Fire Meet Gasoline - Um


Escrita por: CarolLetocevic

Notas do Autor


Bem, essa era para ser uma one, mas o que aconteceu... Quando terminei de escrever deram 13.372 palavras! Como eu fiz umas coisas bem diferentes nessa fic (trilha sonora), pensei: "Vou dividir em duas partes para não ficar pesado." E depois eu também pensei no fato de "Será que vão gostar?". Enfim, vou depender de vocês. Se vocês acharem que devo postar a continuação, eu posto. Se vocês falarem: "Cruzes! Para mundo que eu descer!", eu apago. Último recadinho, toda vez que vocês verem um (*) no diálogo, é porque tem uma música (Não é obrigado ouvir)... Que vocês não estão muito acostumados em ver em fics sabe... kkkkkk (Eu acho né?) Boa leitura!

Capítulo 1 - Um


-DEUS É PAI E NÃO É PADRASTO, MARIA ISABEL! –Senti braços me envolverem e pulei de susto, justamente no momento em que estava tirando a água para o chá.

-MUITO BEM HUGO! –Soltei a chaleira na pia, ainda com todo o cuidado, e passei a bater palmas. –ME DEIXA MORRER QUEIMADA MESMO! ISSO AI! –O encarei. Seus olhos estavam vermelhos e úmidos por conta das lágrimas. Um sorriso deslumbrante estava em seu rosto e fiquei assustada. –Mas... O que aconteceu?

-Maria Isabel... Vai ter um festival de música brasileira aqui! –Pegou-me no colo, abraçando meu corpo e me girando pela pequena cozinha. Passei a dar gritinhos assustados, com medo de esbarrarmos em algo e nos machucarmos feio. Com certeza, a cozinha não era lugar para aquela proeza. –Você tem noção o que é isso Maria Isabel?! Tem noção? Os jardins de Vossa Majestade serão invadidos por um trio elétrico, escola de samba, sertanejo universitário...

-Opa! –Me separei dele. –Me diz que você não está chorando por conta de um festival de música brasileira.

-Maria Isabeeeeeeeeeel! –Girou feito um louco pela cozinha e bateu palmas para que eu acordasse. –Hello Maria Isabel, querida! –Passou a estalar os dedos perto do meu rosto e me afastei. –É a nossa terra! Uma parte da nossa terrinha linda vai estar aqui, nesse país cheio de “cara de bunda”, céu nublado e gente branca leitosa, darling!

-Não fala assim da terra da rainha Hugo. –Minha voz mostrava o quanto estava desaprovando o comentário dele e me virei de costas pegando duas canecas no armário. –Eu gosto daqui, poxa. –As enchi com água. –Sempre foi meu sonho. –Peguei a caixa de chás e ofereci a ele.

-Erva doce... Eu também tinha o sonho de morar aqui, miga! –Sentou-se a mesa. –Mas, o pessoal daqui é meio paradão. –Fez uma voz engraçada e ri. –Eu gosto do meu povo safadão, Bel!

-Ai Hugo! –Entreguei a caneca a ele e me sentei. –Sente falta do Brasil?

-Mas... –Terminou de engolir e tossiu, quase engasgando. –Mas é claro! –Respirou fundo. –Sinto falta da minha família, dos meus boys, da música, da comida... Eu nunca me acostumei com esse cinzeiro! –Tomou mais um gole e sorri de lado. –Mas você gosta daqui, não é darling? –Acariciou minha mão e sorriu de forma serena. –Dá pra ver que você ama o que faz aqui desde que se formou e viemos pra cá.

-Gosto. –Sorri orgulhosa, lembrando-me do que eu mais gostava de fazer.

  Sempre tive fascinação por literatura inglesa. Então, assim que terminei a faculdade no Brasil, vim para Londres fazer a pós em literatura inglesa e pouco depois passei a lecionar na faculdade. Muitos não iriam gostar de tal emprego, mas eu amava passar meu conhecimento para outras pessoas que também estavam em busca dele. –Aqui é meu lugar no mundo. Mesmo sentindo falta da minha família, amigos... Eu gosto daqui.

-Eu também gostava muito daqui... E ainda gosto um pouquinho, sabe? –Girou a caneca na mesa pela alça. –To indo bem com o estúdio. Essa temporada de casamentos está um sucesso e estou sendo chamado por muita gente pra fotografar, mas... Sei lá. –Encarou o nada. –Me falta churrasco na laje.

-Pelo amor de Deus! –Gargalhamos. –Você não existe.

-E é por isso que você me ama, leãozinho. –Acariciou meu rosto e sorri.

-Amo mesmo! –Tomei mais um gole do chá. –As torradas estão prontas! –Levantei-me assim que ouvi o barulho da torradeira.

-Você ainda usa a torradeira da sua avó? Em nome da igrejinha do Senhor, mulher! Esse treco explode aqui, ai eu quero ver!

-Vira essa boca pra lá! –Coloquei as duas últimas torradas com as outras em um prato. –Essa torradeira está há anos conosco e minha vó me deu de presente para começar com sorte aqui e... Deu certo! –Sorri com todos os dentes e peguei a geleia que estava no armário. –Quando é esse festival ai?

-Esse final de semana. –Ele bocejou.

-Hmmm. –Fiz uma cara nada feliz. –Não posso. Tenho que...

-AHHHHHHHHHHH NÃO! –Bateu palmas. Ele tinha mania de fazer isso toda vez que estava nervoso e queria atenção. –Nem vem com essa darling! –Levantou-se e ficou bem ao meu lado. –Nós vamos!

-Eu tenho provas pra corrigir. –Coloquei meu dedo sujo de geleia na boca.

-Corrigi isso antes! Você vai sim! –Pegou a minha torrada, já pronta, e comeu.

-Ei! –Fiquei de boca aberta pela petulância dele. –Isso é...

-Era. –Acrescentou. –Tá na minha barriga agora. –Bufei e passei a fazer outra. –Ah Bel! –Me abraçou por trás, enquanto eu passava geleia em outra torrada. –Vamos! –Começou a dançar abraçado comigo. –Vamos lembrar que fevereiro era a época mais importante do ano pra nós. –Falou no meu ouvido e sorri. –Lembra... –Apoiou a cabeça no meu ombro. –Quando a gente ficava uma semana pulando carnaval? AHHHHH! –Me virou de frente pra ele e ri. –Quando fomos a Apoteose!

-E o Salgueiro foi campeão. –Acrescente e ri.

-UI! VEM NO *TAMBOR DA ACADEMIA... –Passou a sambar na cozinha e quase me engasguei de tanto rir. –Fomos embora e eu nem consegui virar rainha de bateria. –Fechou a cara e cruzou os braços.

-E homens podem? –Ergui a sobrancelha.

-Direitos iguais para todos Maria Isabel, darling. –Beijou meu rosto. –Vai me dizer que você também não quer balançar essa bunda ao som de um sambinha.

-Para... –Disse manhosa, enquanto ele me balançava.

-Imagina a cara desses ingleses, Maria Isabel! –Olhou para o nada e se balançou. –Vai ser a mulher mais cobiçada desse lugar! –Me sacudiu. –Larga essa pose de professora santinha, porque eu conheço teu passado tá?

-Hugo! –Chamei a atenção dele.

-*A poderosa é você... –Começou a cantar e ri. –Vou nadar e morrer na beira da praia...

-Para! –Me abraçou e voltou a dançar.

-Se não tiver você, se não tiver você o meu coração choraaaaaaaaaaa! –Me separei dele e fui me sentar. –Chora, chora, chora a falta de você.

-Pelo amor de Deus Hugo. –Revirei os olhos. –Senta e toma o café.

-Você vai. –Disse certo e se sentou.

-Não mesmo, darling. –Sorri cínica.

-Vai.

-Não vou.

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-*A COR DESSA CIDADE SOU EEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEU! –Ele segurava minha mão, ao mesmo tempo em que me arrastava para o meio das pessoas que estavam no gramado. A maioria era o povo local que estava curioso sobre aquele som animado que os mesmos não estavam acostumados. Os brasileiros que estavam lá (muitos por sinal), assim como nós, dançavam com todo fervor e olhos emocionados.

  Todos querem mais na vida. Ir em rumo ao desconhecido... Mas a saudade existe e é latente algumas vezes, isso até comigo que costumo não demostrar, já que morar em Londres era o que eu mais queria.

 –O CANTO DESSA CIDADE É MEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEU!

-Meu Deus! –Sorri e olhei em volta. –Nunca vi tanto brasileiro junto aqui! –Tentei falar mais alto e competir com música, mas Hugo parecia nem ligar, dançando feito cobra no asfalto quente.

-UÔOOOOOOOOOOOOOOOOO VERDADEIRO AMOOOOOOR! –Ele levantou a mão, enquanto berrava a música. –UÔOOOOOOOOOOOOOOOOOO VOCÊ VAI ONDE EU VOU! OLHA DANIELA RAINHA! –Acenou para o palco como se fosse muito íntimo e gargalhei.

-Só você pra fazer isso comigo! –O puxei e gritei em seu ouvido.

-Não me venha com essa de que não tá gostando, porque seus quadris balançando me dizem outra coisa Maria Isabel! –Chacoalhou-se e voltei a rir. Finalmente, ele parou bem perto do palco. Não estava tão cheio ali, o que foi ótimo para o Hugo que dançava como um louco. Parecia que tinha recebido algo no corpo.

  O dia estava em um meio termo, mas pela minha vasta experiência e conhecimento sobre o clima desse lugar, sabia que poderia chover a qualquer momento e babar com todo o festival. Mas, enquanto isso não acontecia, eu só observava o palco, encarava os Food Trucks com comidas tão cheirosas e conhecidas por mim, que deu água na boca. A decoração era bem carnavalesca e tinha até uma roda de capoeira ao longe. Com certeza, teria que ver isso depois.  

  Todo aquele cenário tinha saudade. Sentia aquela saudade marota de casa todo dia, então eu ligava para minha mãe e resolvia o problema. Eu ligava para ela todos os dias, no mesmo horário desde que me mudei, isso em qualquer circunstância, e nunca falhei. Ela esperava por isso e o dia que não o fizesse, tinha certeza que atravessaria o oceano atrás de mim para ter certeza que algo grave não aconteceu.

  Naquele dia, eu estava com uma jaqueta jeans, sandálias rasteirinhas e um vestido que amava usar quando passávamos as férias na praia. Ele era longo e nos tons de azul e branco, manchado, mas visualmente era lindo e havia sido feito especialmente pra mim pela vovó Becca, a mesma que me deu a torradeira. Ela falava que combinava com a minha pele que era muito morena e os meus cabelos cacheados negros que eu pouco os soltava aqui, já que sempre gostava de manter o ar sério. Quando eles estavam soltos, eu parecia uma rebelde sem causa ou um leãozinho como o Hugo gostava de me chamar.

  Hugo... Meu melhor amigo desde a quinta série quando mudei de escola. Permanecemos juntos até o terceiro ano como inseparáveis e quando pensei que ficaríamos longe... Passamos no vestibular para a mesma faculdade, eu em letras e ele em fotografia. Como se não bastasse a vida ser uma roda gigante, consegui uma chance de fazer minha pós aqui e ele abriu um estúdio de fotografia com o ex dele que, infelizmente, se apaixonou por um romeno que estava para se casar em um mês, e eles seriam os fotógrafos do casamento. Quando fugiram, o que sobrou para mim foi um Hugo devastado e uma Annie Marie, a noiva, a ponto de um ataque para a morte. Nos tornamos um trio desde então, mas Annie Marie havia viajado para Chicago para visitar os pais , então só restou Hugo e eu aqui em Londres. Minha tão amada Londres que Hugo amava colocar pra baixo. Mas aqui, ao meu ver, era o lugar mais perfeito do mundo, onde eu podia me esconder nas cabines telefônicas vermelhas, podia me divertir no andar de cima do ônibus e também correr pelos museus que já estava careca de conhecer. Até os soldados que, realmente não podiam dar um pio, esboçavam um pequeno sorriso quando me viam chegando alegre e saltitante, quando toda terça eu deixava alguns sanduiches em uma bolsa para o lanche deles. Eu amava a minha Londres.

-Ô, RECALCADA, ESCUTA O PAPO DA BEYONCÉ! –Hugo fez uma pose de “diva” e nem percebi que o funk rolava solto. –Aqui... –Ele me cutucou. –Maria Isabel, se for pra ficar igual esses soldados, pega uma dessas roupas vermelhas ai e fica em posição de sentido atrás da rainha!

-Ai! –Fiquei sentida. –To dançando! –Me mexi igual uma retardada.

-Mas que coisa horrível! Que coisa trevosa! É decepcionante!–Ele colocou as mãos na cabeça em desespero. –Você precisa de álcool! –Me puxou para um Food Truck.

-Hugo não! –Passei a puxa-lo de volta. –Pelo amor de Deus, eu não posso e não quero ficar bêbada! –Passei a fazer corpo duro.  

-Pelo amor de Deus digo eu Maria Isabel! Eu que digo pelo amor de Deus! –Me puxou com tudo e passou a fazer os pedidos.

  Nós matamos nosso desejo de comer comida brasileira e tomamos algumas cervejas que, Graças a Deus, pareciam não fazer muito efeito em meu corpo.

-Ai! –Ele passou a mão pela barriga. –Comi feito um rei! –Ergueu os braços para o alto. –E você deusinha? Que tal uma caipirinha ou uma cachacinha?

-NÃO! –Me desesperei. –E... Também comi feito uma rainha! –Sorri fofa. –Até que não estou me arrependendo de ter vindo. –Olhei ao redor.

-Eu sei que não! E quando foi que te meti em furada?!

-Sete vezes. –Disse precisamente e ele ficou pensativo.

-Mas eu só contei seis! –Ficou indignado.

-Sete com semana passada... O engenheiro. –Meu tom era cínico e ele pôs as mãos na boca de forma “afetada”. 

–Bichaaaaaaaaaaaa! Se você falar naquele cretino de novo eu mando cortar sua língua! –Fez bico e cruzou os braços.

-Desculpa meu carrancudinho! –O abracei e ele retribuiu com um sorriso.

-Mas, vem cá!... E o Carl? –Havia certa maldade em sua voz.

-Não sei. –Dei de ombros. –Foi mais... Um lance amigável.

-E não rolou sexo? Me engana que eu gostou. –Revirou os olhos e tomou um gole da cerveja, recostou-se na cadeira com cara de entediado.

-Não.

-O QUE? SEM SEXO?! –Arregalei os olhos e virei a cabeça para todos os lados.

-Fala mais alto que ainda não escutaram. –Escondi meu rosto em minhas mãos.

-Miga helloooooooooo! Estamos falando em português!

-Tem brasileiros aqui tá? –Estava irritada. –Não rolou nada. –Mordi o lábio inferior. –Da parte dele, até que rolava, mas da minha... Eu não me senti confiante com ele. Com... Desejo sabe? –Cruzei os braços e me encolhi na cadeira.

-Own leãozinho! –Apoiou os braços nos joelhos pra se aproximar. –Você precisa de uma foda master com um cara master!

-Eu preciso de sossego e dinheiro no bolso para os meus luxos.

-Livros e coisas antigas empoeiradas... Ai sua cafona! –Bebeu mais um gole de sua cerveja e ri. –ESSA MÚSICA! *ÔOOOOOOOOOO MIIIIIIIIIIIIIIIIIILLAAAAAAAAAAAAA MIL E UMA NOITES DE AMOR COM VOCÊ! NA PRAIA, NUM BARCO, NO FAROL APAGADO... CANTA MARIA ISABEL! VOCÊ AMA ESSA MÚSICA! –Não sei porque, mas eu acabei cantando com ele... Na mesma intensidade, altura e tom, feito dois malucos.

-LÁ EM HOLLYWOOD PRA DE TUDO ROLAR VENDO ESTRELAS CAINDO VENDO A NOITE PASSAR! –Dancei sentada com os braços para o alto.

-EU E VOCÊEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEE, NA ILHA DO SOOOOOOOOOOOOOOOOOL! –Cantamos juntos e levantamos. Eu já não sabia dizer se a bebida estava fazendo efeito, mas acredito que não, pois eu sabia muito bem o que estava fazendo naquele momento. Eu precisava daquilo. Precisava extravasar um pouco e esquecer meu lado certo e conservador que me acompanhava aqui em Londres.

  Então eu dancei. Dancei e dancei como se não houvesse amanhã.

  A noite ainda não havia caído. Pra falar a verdade eram quatro e meia da tarde. Mas eu iria dançar e cantar até o final daquele festival para lavar minha alma e abrandar minha saudade de casa que agora estava em evidência pelo meu corpo que mexia levemente, desprendendo-se de tudo que eu me agarrava, se esquecendo do mundo real e vivendo um sonho lindo onde era só eu e a música que ecoava em meus ouvidos. Me sentia leve e protegida em uma bolha imaginária que criei no meio de pessoas tão diferentes uma da outra. Era eu ali. Era a Maria Isabel que se divertia no Brasil e vivia a mil por hora antes de se focar no futuro. Jogava meus cabelos para os lados e ria com o impacto deles sobre a minha pele que transpirava por conta dos movimentos que eu sincronizava com a música.

-LEÃOZINHO OLHA VEVETA AGORA! –Hugo segurou meus ombros e sorri. –PUTA MERDA, ESSA MÚSICA!

-*E TÁ UM EMPURRA-EMPURRA AQUI, MAS TÁ GOSTOSO! –Voltamos a cantar juntos e pulamos abraçados, rindo feito dois idiotas. Voltamos a ser o Hugo e a Maria Isabel de antigamente, que não ligavam para as consequências e o que seria do amanhã. Nós vivíamos o hoje e isso bastava.

  Balançava meu corpo para todo lado, pulava, fechava meus olhos e cantava. Me sentia livre como não me sentia até agora naquele lugar, mesmo sendo meu país do sonhos e tenha sido bem acolhida nele. Algo me prendia a esse lugar.

-Jesus! –Hugo pulou e me puxou pra ele. –Chorando se foi! Vem! Ainda se lembra como dança, né? Tanto tempo no mofo... –Revirou os olhos e gargalhei.

  Hugo não se aguentava mais e eu também. Ficávamos com a promessa de “só mais uma música”, mas ela não foi cumprida em nenhum momento.

-Eu vou te mostrar o que é dançar coladinho! –Grudamos nosso corpo e mais uma vez, começamos a cantar e dançar.

-*CHOOOOOOOOORANDO SE FOI, QUEM UM DIA SÓ ME FEZ CHORAR! –Viramos a cabeça pra trás e tentamos dançar lambada como há alguns anos atrás, quando éramos parceiros nas festas e nas aulas de dança que minha mãe dava.

  Hugo apoiou as mãos nas minhas costas e dançamos grudados. Até que não estávamos tão enferrujados assim e quase no fim da música, nos soltamos e pulamos agarrados ao som de Ivete.

-Disfarça. –Hugo cochichou no meu ouvido. –Boy ás uma e meia te encarando com um sorriso mais que gostoso e sapeca. Parece que gostou de ver você dançar.

-Que?! –Me assustei.

-Homem, Maria Isabel! Macho! E dos grandes! –Ele olhou por cima dos meus ombros. –Cruzes! – Arregalou os olhos. –Parece até que já vi esse boy em algum lugar! Deixa eu pensar...

-Eu não quero. –Me encolhi manhosa. –Quero aproveitar com meu melhor amigo, como nos velhos tempos! –Cruzei os braços e fiz bico.

-Nos velhos tempos, cada um seguia seu rumo quando o assunto era bofe, que por sinal... –Sorriu com todos os dentes e acenou. –Minha deixa para felicidade apareceu.

-Como?! –Arregalei os olhos. –Vai me deixar sozinha aqui?! –Tentei ver quem era o cara, olhando de canto, mas era impossível já que nossos olhos não vão a um raio maior dessa forma.

-Sozinha? –Ele me cutucou. –Dou 1 minuto pra ele vir aqui ou nem isso. –Beijou minha testa. –Se liga no celular ok? Se ele for um boy que se prese, vamos para um hotel maravilhoso e te ligo confirmando que não vou pra casa. Faça a mesma coisa, mas acredito que você não vai mesmo pra casa... Ou, pode ir se eu não for pra lá. Se eu for, nem vá, a não ser que queira um coletivo você, o bonitão e eu.

-Ai! –Fiz cara de nojo. –É ruim hein!

-Viu? –Acenou. –Te vejo depois ou amanhã, leãozinho.

-Até Hugo! –Acenei de volta e me encolhi segurando meu casaco com força no meio de toda aquela gente que dançava e cantava. Até os ingleses estavam dançando e era engraçado ver essa cena. Alguns brasileiros os ensinavam, mas era um grande trabalho a ser feito.

  Em um movimento não intencionado olhei para onde Hugo disse e, realmente, tinha um cara me olhando e ele não me era nem um pouco estranho.

  A princípio, o sorriso dele era tímido. Não mostrou os dentes e ele parecia até meio sem jeito quando o encarei de volta. Estava com uma cerveja em mãos e parecia deslocado no meio de toda aquela gente. Na verdade, ele se destacava no meio deles. Estava com uma camisa xadrez azul marinho com listras verdes, calça jeans, cinto... Na minha opinião, parecia um  lenhador sexy. Ele era grande na largura e altura também. Com certeza, ao lado dele eu seria uma criancinha. Ele tinha a pele branca e os cabelos castanhos muito bem arrumados de um jeito tão...

  Algo apitou em mim e fiquei corada com meus pensamentos. Não seria má ideia ele vir até aqui, mas não sei se conseguiria dizer uma só palavra depois do que imaginei. Meu Deus! O que estava acontecendo comigo?

  Ele abriu um sorriso digno de comercial de pasta de dente e meu coração acelerou. Acelerou de uma maneira que não consegui sair dali e fazer isso parar, o que eu não queria.

  Ele veio caminhando e senti minha pele transpirar, e não era pela agitação em que me encontrava minutos atrás. Meu coração estava para sair pela minha boca, que estava entreaberta para melhor ventilação, se é que isso tinha lógica. Meus olhos acompanhavam cada passo dele, o mirando de cima a baixo. Devo dizer que o mesmo também não disfarçou. Veio me encarando de cima a baixo também e parecia ter respirado fundo, como se estivesse tomando coragem e... Finalmente chegou. Parou bem na minha frente. Parou a centímetros de mim com um sorriso de lado que faria qualquer mulher derreter. A boca dele parecia ter sido desenhada, o nariz, os olhos claros que, percebi de primeira uma manchinha marrom em um deles. No olho esquerdo precisamente. E a mandíbula dele... Meu Deus do céu!

  Quando uma mulher treme na base perto de um homem, só tem um significado... Tá querendo. E eu queria mesmo. Como não ficar deslumbrada com um homem tão bonito e sexy? E grande! Estava me sentindo uma nanica e me lembrei da época que tomava aquelas fórmulas pra crescimento que nunca deram certo.

-Dá pra perceber que eu estou meio deslocado aqui? –Sorriu de lado, tímido. O sotaque dele era forte... Era a coisa mais fofa que já havia visto. Parecia um bebê grande.

-Que nada! –Ri um tanto desesperada e virei a cabeça de lado. –Você parece ser parte de toda essa... –Olhei em volta. –Agitação.

-Eu estava indo pra casa, mas fiquei curioso para saber o que estava acontecendo aqui, dai resolvi parar. Encontrei uns amigos que... –Ele também olhou em volta. –Já sumiram. –Suspirou, vencido.

-Eu te entendo bem. –Concordei com a cabeça. –Estava com alguém que, simplesmente foi embora e me deixou aqui, sozinha. –Arregalei meus olhos quando os mesmos se depararam com o peitoral firme e grande.

-Seu namorado? –Perguntou sem maldade e tomou um gole da cerveja.

-Meu... –Ainda encarava o peitoral dele e balancei a cabeça, rápido. –Ah não! –Me encolhi sem graça e sorri. –Ele é meu amigo. –O som parecia ter aumentado e ele fez uma cara de quem não estava entendendo nada, aproximando o rosto pra perto de mim para ouvir melhor. Mas só serviu pra me deixar ainda mais quente e vermelha.

-Desculpa! –Ele disse um pouco alto. –Eu não entendi muito bem! Você disse que ele é seu amigo?!

-Isso! –Disse perto de seu ouvido e... Ele era muito cheiroso! Mas muito mesmo! –Dividimos um apartamento aqui! Ele é gay!

-Ah sim! –Disse no meu ouvido e minhas pernas trincaram. A voz dele era grave, um pouco rouca. –Aqui tá muito barulho né? –Olhei em volta e vi um lugar um pouco mais calmo.

-Vem! –Não sei porque, mas peguei na mão dele e o puxei até lá. A mão era grande e macia, o que foi suficiente para minhas pernas quase falharem no meio do caminho. Ele girou a mão e a entrelaçou com a minha. Isso para uma mulher carente não é nada bom. –Pronto. –Sorri com o pouco de sossego e olhei nossas mãos entrelaçadas, tirando a minha correndo.

-Nossa. –Ele ficou surpreso. –Muito melhor. –Sorriu com todos os dentes e derreti novamente. Estar com ele era exatamente isso. Derreter, refazer e derreter de novo.

-É. –Confirmei meio sem graça.

-Que sem educação eu sou! –Ficou indignado. –Henry. –Ergueu a mão.

-Maria Isabel. –Toquei sua mão e ficamos em um cumprimento leve e sorridente.

-Maria Isabel. –Aquele ser humano tentando falar meu nome era a visão dos céus. –Maria Isabel. –A voz grave pronunciava com vontade cada sílaba.

-Se achar muito difícil, pode me chamar só de Bel mesmo. –Coloquei um dos meus cachos atrás da orelha.

-Bel... –Ficou pensativo. –Maria Isabel. –Sorriu e sorri de volta. –Eu gosto mais desse. Tem algo na pronuncia que me deixa... –Mordeu o lábio. –Não sei. –Deu um risinho fofo. –Só gostei mais de te chamar assim.

-A maioria das pessoas diz isso. Acham meu nome forte.

-Você não é daqui. –Confirmou, encostando-se em um poste de madeira, mantendo-se sempre perto do meu corpo... E eu não conseguia me afastar. –Você é diferente das garotas daqui.

-Acertou. –Afirmei. –Sou do Brasil. –Sorri. –Rio de Janeiro. –Completei e ele abriu um sorrisão enorme.

-Eu tomei muita caipirinha quando fui lá. –Rimos. –Um dos melhores lugares que visitei, mas não consegui ver muito. Tive que ir pra São Paulo em dois dias, mas gostei muito. Eu fui no Cristo Redentor. –Era tão fofo vê-lo explicando tudo, que fiquei prestando atenção em cada palavra com um sorriso idiota no rosto. –Eu fui divulgar um filme.

-Um filme? –Fiquei surpresa. E foi então que a minha ficha caiu e comecei a tremer. Ele era ator.

  Bem, eu não ligava muito para super-heróis e vilões de quadrinhos. Não era muito a minha praia, mas meus sobrinhos amavam e Hugo só assistia mesmo para avaliar os atores com aquelas roupas apertadas. Quando lançou Capitão América eu me arrependi amargamente de ter ido com ele assistir ao filme. A partir do momento em que o tal do Steve Rogers virou O STEVE ROGERS, Hugo só sabia ficar gemendo feito um cavalo relinchando e fazendo comentários que só me matavam de tanta vergonha. E a mesma coisa foi em Superman. Eu dormi o filme inteiro, mas meus olhos abriam assustados toda vez que ele gritava por conta do tal de Henry Cavill, o cara que estava bem a minha frente.

-É. –Ele ficou um pouco assustado. –Você... Não sabe quem eu sou? –Ficou em dúvida. –Não que eu seja grande coisa e melhor que as outras pessoas, sabe? –Ficou sem graça e coçou a cabeça. Ele ficava tão fofo assim. –Porque isso pode ter soado meio egoísta e...

-Tudo bem. –Toquei no braço dele automaticamente. –Você não parece ser o tipo de pessoa que... Gosta de aparecer. 

-Ufa. –Respirou fundo. –Não quero passar essa impressão pra você. Eu... Sou um cara normal. Gosto de fazer coisas normais como uma pessoa normal.

-Como cuidar de uma fazenda? –Brinquei e ele riu.

-Como cuidar de uma fazenda. –Confirmou e acabamos rindo. Ele tinha um riso tão lindo e seus dentes brancos apareciam quando fazia isso. –Tá, eu não faço isso. Eu nem sei tirar leite de vaca pra ser mais exato.

-Nem eu. –Ri. –É difícil? –Perguntei sem jeito e coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha.

-O que? –Ficou confuso. –Tirar leite de vaca?

-Não! –Gargalhei. –Sair e sempre ser reconhecido. E dai, as pessoas ficam loucas e te cercam.

-As vezes sim, mas eu sempre soube das “consequências”... –Pôs entre aspas. –De ficar famoso. Seria conhecido pelo mundo e várias pessoas me teriam como exemplo. Então, disse a mim mesmo que se eu me tornasse um ator famoso, nunca seria como esses caras ridículos que tratam os fãs como lixo. Só nos tornamos isso por causa deles. Pelo amor deles.

-Puxa. –Mordi o lábio. Poucas coisas me convenceram na vida, mas aquele discurso me convenceu de primeira. Ele parecia muito sincero. –Acho legal você pensar assim. E você tem vantagens? –Fiquei animada. –Tipo... Ficar no palco em um show da sua banda favorita ou pegar os melhores lugares em um jogo do seu time? –Ele riu.

-Ah sim! Isso sempre e... Tá me dando nervoso de estarmos em pé. Vem! –Pegou na minha mão e nos sentamos em uma mesa perto de um Food Truck e meu estomago roncou. Aquela pulação que eu e Hugo arrumamos me deixou com fome. Tanta fome que lambi os beiços. –O que sugere? –Cortou meus pensamentos.

-Como?

-Pra comermos. –Sorriu. Espera... Eu estava em um “tipo encontro” com o Superman?

-Hã... –Peguei o cardápio rapidamente e, estranhamente, me senti quente. Ele estava me encarando, sem disfarces. Sentia seu olhar sobre mim e foi então que vi o dedo dele em um dos cachos do meu cabelo. Ele enrolou o dedo levemente e soltou.

-O seu cabelo é lindo. –Disse baixo e fiquei vermelha.

-Obrigado. –Sorri, ainda encarando os vários pratos escritos ali. –Você não tem problema com carne e essas coisas, não é?

-Como de tudo, sem frescura. –Arregalei os olhos pra ele, que deu um sorriso convencido. Era a comida que ele estava se referindo?

-Então... –Mordi o lábio. Eu ia me desintegrar ali. –Você vai comer tapioca com carne seca e ainda vai tomar cerveja brasileira.

-Pode pedir então. –Ele cruzou os braços (E que braços!) como se eu estivesse o desafiando a comer e ri.  

  Aquilo não estava nos meus planos. Não mesmo. Eu estava ali sentada com um “estranho/conhecidíssimo” esperando nossos pedidos, ele me encarava como se eu fosse a coisa mais interessante no mundo e eu só sabia virar a cabeça como um ventilador desgovernado para não ter que olhar pra cara dele e... Derreter!

-Bem... –Ele encostou-se na cadeira e o encarei, finalmente. –Falei tanto de mim, mas não disse nada sobre você.

-Ah! –Também encostei-me na cadeira. –Não tenho muito o que falar. Minha vida não tem nada de especial.

-Toda vida é especial quando está sendo bem vivida. Você faz o que gosta?

-Faço.

-Então é uma vida bem especial. –Sorriu de forma serena.

-Eu sou professora de faculdade. Ensino literatura inglesa e minha escritora favorita é Jane Austen, porque sou clichê. –Ele deu um riso gostoso. –Eu me mudei do Brasil pra Londres há 3 anos e moro com um amigo.

-O Hugo?

-Isso. –Sorri. –Acho que é só.

-Como era sua vida no Brasil? –Ele parecia curioso e seus olhos, tão claros, brilhavam.

-Minha vida no Brasil... Era legal. –Dei de ombros. –Eu morava com a minha família, estudava, mas me divertia muito mais do que hoje em dia.

-Ah! –Ele ficou triste. –E porque não se diverte mais?

-Porque eu tenho um trabalho sério e preciso ter uma postura séria?

-Que chato. –Negou com a cabeça e nossos pedidos chegaram. Agradecemos e fiquei o encarando.

-Porque chato?

-Porque você não se diverte mais. Se divertir é tão bom.

-Não sei se soube me expressar. Eu me divirto sim, poxa. –Peguei o garfo e a faca. –Eu leio livros, ouço música, vou a museus e tomo chá todos os dias olhando essa paisagem maravilhosa.

-Aqui é ótimo mesmo, mas encontrei lugares melhores que aqui. Como o Brasil, por exemplo.

-Para! –Comi um pedaço da minha tapioca. –Parece até o Hugo falando. Só falta me dizer que aqui é um cinzeiro.

-Mas é mesmo. –Ele comeu um pedaço e arregalou os olhos. –Nossa... –Olhou pra mim assustado. –Isso aqui é muito bom. –Sorriu e acabei rindo do jeitinho dele falar. Aquele sotaque era tudo de bom.

-Sabia que ia gostar, agora prova a cerveja. –Assim ele o fez e ficou uns 30 segundos pensativo.

-Guiness é melhor.

-Sabia! –Bati palmas uma vez como se acabasse de acertar os números da loteria. –Quase ninguém curte essa ai, mas eu gosto.

-Não é ruim. Ela é... Tomável. –Dei de ombros. –Mudando de assunto, você gostar de Jane Austen não é clichê. –Fiquei o observando. –Eu também gosto. Acho bonito.

-Você curte esse tipo de leitura? –Fiquei surpresa.  

- Egiptologia é mais interessante, tanto que ainda estudo bastante sobre isso. Mas a minha mãe lia toda noite um livro dela e sempre ficava bem perto, pedindo pra que lesse em voz alta. Era a única coisa que me tranquilizava. Na verdade, me tranquiliza ainda.

-A minha mãe cantava pra mim. E dançava também.

-Deve sentir falta dela. –Respirou fundo. –Eu sinto falta da minha e sempre vou vê-la quando posso.

-Eu sinto, mas só a visitei duas vezes. –Meu coração se apertou de saudade. –Mas falo com ela todo dia. Sem pular nenhum. –Sorrimos um pro outro.

-Você canta? –Comeu o último pedaço de tapioca do prato. –Porque dançar, eu sei que você dança e maravilhosamente bem. –Fiquei vermelha de novo. Ele tinha o dom de me deixar assim.

-Eu arranho, mas não me peça isso. –Ri, quase terminando minha tapioca.

-Você vai cantar pra mim. –Disse certo e franzi o cenho. –Mas não agora e pode ter certeza que quando o fizer, será a coisa mais bonita que já ouvi.

-Tá flertando comigo? –Ergui a sobrancelha.

-Acha que estou tentando flertar com você? –Ele ergueu a sobrancelha também e me lembrei de algo vagamente que Hugo balbuciou uma vez, e não dei atenção no momento.

-Credo di sì. –Virei a cabeça de lado.

-Parli italiano?

-Oui.

-Très bien! –Ergueu a mão pra mim e a toquei.

-Gracias. –Pisquei e acabei rindo.

-Voy a besar su mano. –Ele beijou a minha mão e... Minha cabeça se desligou completamente. O contato dos lábios dele e daquela barba por fazer foram o suficiente para me fazer pensar em mil coisas e no fim... Eu pensei besteira. Mas ele era muito romântico e eu gostava. –Como sabe que eu falo essas línguas?

-Digamos que esse meu amigo faça uma ficha de todos vocês e a recita pra mim em voz alta. –Henry se assustou e ficou pensativo. –Quando digo “todos vocês” é todos os super-heróis e vilões bonitos que usam roupa colada nos filmes.

-Já sei que serão só risadas quando conhecer o Hugo. –Ele pegou a cerveja e tomou tudo em uma golada. Ele estava... Estava certo que ia conhecer o Hugo?

 Cruzei a pernas e tentei respirar para não olhar o que eu estava tentada a ver, mas foi impossível. O pomo-de-adão dele mexia a cada golada e o pescoço era convidativo a... Calma.

-Maria Isabel... –Meu nome na voz dele ficava tão bonito. –Que música é essa? –Parecia uma criancinha me encarando. Balancei a cabeça e prestei atenção.

-É uma música de carnaval. –Sorri. –E o grupo que tá cantando se chama Monobloco. –Eu parecia estar falando grego pra ele, mas o mesmo estava simpatizado com aquele ritmo forte.

-Você dança essa música?

-Danço qualquer música se meu corpo responder de forma positiva a ela. –Concordou.

-Me ensina?

-Se você quiser... –Deixei no ar e ele me ofereceu a mão, que segurei. Meu corpo já estava se costumando a esse toque e isso não era nada bom. Ou, talvez fosse.

  Antes de irmos, ele pagou por insistência e fomos de mãos dadas até o gramado. Já estava quase escurecendo. Senti um pinguinho na minha bochecha e olhei para o céu. Escuro com frestas de luz. Chuva? Com certeza e muita.

-Vai chover depois das seis! –Ele gritou rindo por conta do barulho.

-Vai ser antes das seis! –Gritei de volta.

-É uma aposta?!

-Não. –Sorri.

-Se você ganhar, você me beija e se eu ganhar, eu te beijo! –Olhou para o céu e segurou minhas mãos, me aproximando do corpo dele. Me senti minúscula, mas ainda assim, protegida por aquela muralha que devia ter seus 1,85 de altura. Isso contava o Hugo.

-Como assim?! –Cruzei os braços, que colidiram com o abdômen dele. Parecia uma rocha. Ele levou o ouvido até meus lábios. –Você determinou o que eu quero, não vale!

-Vale sim. –Disse com uma voz sapeca no meu ouvido. Passou a ponta do nariz na minha pele do rosto e sorri. 

-Eu aposto que faz isso com todas! –Comecei a dançar, mexendo meu corpo de um lado pro outro, sem movimentos bruscos, e ele me acompanhou.

-Na verdade não! Eu sou tímido demais e quase sempre elas dão o primeiro passo! –Ri.

-Que mentira! Eu duvido!

-É sério! Eu não consigo falar! Fico deslocado, mas com você tá sendo diferente!

-Isso é história sua Henry!

-Não é não, Maria Isabel! –Me puxou para mais perto dele. –Eu juro. E quando eu juro, pode ter certeza que é verdade, pois nunca juro e prometo nada que eu não posso cumprir.

  Era verdadeiro? Era certeza? Eu não sabia dizer, mas nenhum homem jamais disse aquilo pra mim. Seria um teatro dele? Afinal ele era ator e fazer cena era sua praia, mas aquelas palavras me pareceram sinceras como aquelas que ele disse sobre seus fãs. Ele estava sendo verdadeiro comigo e meu coração não estava enganado.

-Acredito em você. –Abaixei minha cabeça. Modo “garotinha apaixonada” ativado.

-Você é linda. –Disse no meu ouvido e fechei os olhos. Eu ia desmaiar. Estava sentindo isso. –Você é a mulher mais linda que eu já vi.

-O... Obrigado. Você é muito gentil.

-E... Eu gosto do seu cabelo. –Tocou um dos meus cachos. –É fofo. –Ri.

-Você acha? Antigamente eu não gostava, porque me apelidavam muito por causa dele. Eu vivia triste e pelos cantos, então sempre prendia.

-Se eu vivesse perto de você nessa época, eu iria bater em todos que falassem do seu cabelo. –Ficou irritado.

-Mas eu ganhei um apelido fofo. –Sorri de lado. –Leãozinho. –Ele também sorriu.

-O apelido é lindo, mas eu não quero ninguém falando do seu cabelo. –Estava sério. –Eu ficarei muito bravo se isso acontecer. –Toquei o rosto dele. Henry era tão bonito e um cara tão marcante que, mesmo que não o visse mais, eu nunca o esqueceria. Além de ser um homem sedutor, ele era educado, carinhoso, protetor e romântico. Um lord.

-Não se preocupa. –Afastei minha mão, rápido. –Agora o povo quer mais é me copiar. –Levantei meu nariz e ele apertou de leve. –Ei! E a sua aula de dança?

-Estou prontinho professora.

-*Essa música é mais calma. –Tentei achar um jeito de chegar perto dele, ensaiando se iria mesmo colocar meus braços em volta de seu pescoço, mas optei pelas mãos nos ombros. –Agora vamos nos mexer... –E calmamente fluiu. Ele não sabia bem o que fazer, mas antes da metade da música já estava no ritmo, assim como eu. Ele olhava para os pés com a testa enrugada de preocupação se estaria mesmo fazendo isso certo. –Olha pra mim. –Chamei a atenção dele. –Só pra mim. –Os olhos dele se encontraram com os meus e consegui ver meu reflexo. Aquela manchinha castanha era perfeita. Acabei segurando um pouco mais forte os ombros dele, pelo medo das minhas pernas falharem e eu cair bem aos seus pés.

-Eu não posso. –Ficou vermelho. Ele estava envergonhado?

-E porque não? –Levantei seu queixo e ele mirou todo o meu rosto. Eu tinha um sorriso meio bobo, tentando entender o motivo do rosto dele ter ficado coradinho.

-Porque... Eu quero beijar você. –Tocou o meu rosto e fechei os olhos. Senti o polegar massagear meus lábios e meu rosto foi tombando em direção a mão dele. O que estava em mim implorava por ele como quem precisa de água quando está com cede.

  Começou a trovejar e olhamos para o céu.

-Que horas? –Perguntei com um sorriso vencedor nos lábios.

-Cinco e cinquenta. Faltam... Dez minutos. –Meu celular tocou e dei um pulo. Era o Hugo.

-Oi! –Atendi.

-Corinthia e vejo a London Eye aqui de cima!

-COMO? –Henry me encarou assustado sem entender nada, porque eu falava português naquele momento.

-Isso mesmo que você ouviu, darling! –Falava afetado. –Quatro línguas, incluindo a nossa. Agradável, fino... Tudo que pedi ao Senhor que olha por nós lá em cima.

-Fico feliz, Hugo!

-Ele gostou de mim! –Bateu palmas. –E o senhor “sorriso sapequinha”? –Gargalhei.

-Como você disse. –Afirmei.

-Gostou dele? É legal?

-Você não imagina o quanto. Acho que iria pirar com ele. –Encarei Henry, que me olhava desconfiado.

-Gosta da tua fruta ou da minha?

-Da minha.

-Ah! –Ficou frustrado. –Curte teu homem ai que o meu chegou! Não vou pra casa. Divirta-se, juízo e usa camisinha. Apesar que, me dar sobrinhos não é má ideia.

-Tchau Hugo. –Desliguei e sorri para Henry.

-Era o Hugo? –Olha a intimidade do rapaz!

-Era sim. Ele não vai pra... Casa hoje. –Porque eu tinha que falar isso? E ele ainda sorriu!

-Bem...

-AI CARAMBA HENRY! ESSA MÚSICA! –Comecei a pular e ele arregalou os olhos, assustado.

-O que?

-EU AMO! *ENTÃO NÃO ME CONTE SEUS PROBLEMAAAAAAAAAAAAS! –Pulei. –HOJE EU QUERO PAZ, EU QUERO AMOR! –Henry começou a rir. –ENTÃO NÃO ME CONTE SEUS PROBLEMAAAAAAAAAAAAAAS! NADA DE TRISTEZA NEM DE DOR!

-Meu Deus! –Ele começou a bater palmas e, assim como quando o Hugo estava comigo, comecei a dançar segurando o vestido e me balançando sorridente.

-Veja bem, tá tudo certo. –Cantei de olhos fechados. –Nós dois na avenida, dançando de coração aberto. –Olhei pra ele que sorria radiante. –Veja bem, Deus não perdoa. Vamos pensar positivo que essa vida é muito boa! –Pulei e fiquei de costas pra ele, olhando pro palco e dançando.

  Essa era eu. Um ser desgovernado quando se tratava de música e dança. Minha mãe contava que eu com pouca idade já reagia a música e ela pensava que eu seria uma excelente bailarina no futuro, mas isso não era pra mim. Eu queria dançar sem compromisso e era o que eu fazia. Colocava música alta e inventava passos loucos, e cantava me sentindo a maior estrela que já esteve nesse mundo. Depois de um tempo parei. Precisava acordar pra realidade. Mas eu gostava de quem eu era. Aquela menina despreocupada que vivia dançando, correndo, pulando e cantando pela rua. Até acrescentaram meu apelido para Leãozinho feliz.

  Mas então, fui envolvida por uma presença forte de 1,85 que passava seus braços em volta do meu corpo e minhas costas recostaram em um tronco forte. Parecia realmente uma pedra, mas ainda assim era suave. Era quente, intenso e, também, cheio de paz.

  Fechei meus olhos com a cabeça um pouco virada pra trás e dançando contra o corpo dele, já não mais tão agitada. Eu estava sendo deliciosamente pressionada contra ele por suas mãos que passavam pela minha barriga coberta por aquele vestido leve azul e branco. Ele tocava aquela área com carinho e fiquei arrepiada. A jaqueta não era problema pra que sentisse o calor do corpo dele envolvendo o meu. Minha respiração, antes desregulada, de alguma forma foi ficando mais lenta... E pesada. Meu coração pulava dentro de mim e sentia o dele bater forte também. A respiração fraca no meu ouvido e assim, os lábios dele pressionaram a pele do meu pescoço e suspirei. Minhas mãos ficaram sobre as dele, na minha barriga, e dançamos agarrados ali.

  Foi então que uns pontinhos frios entraram em contato com a minha pele quente e olhamos para o céu. Estava começando a chover, e muito. As pessoas saíram dali? Claro que não. Ficaram cantando e dançando na chuva. Minha mãe também falava que fazer isso uma vez por ano era aconselhável pra lavar a alma e eu acreditava. Hoje, seria o dia de lavar os anos que deixei passar.

  Me soltei de Henry e ergui os braços ficando cada vez mais ensopada. Sorri e dancei ao som da música que continuava.

-Eu estava precisando disso! –Gritei pra ele que sorria, ensopado também.

-Tem algum significado?! –Aquele sorriso era a visão do paraíso. Era a personificação da felicidade, mas também da sedução.

-Lavar a alma! –Ergui os braços de novo. –Fazer isso uma vez por ano é bom!

-Se é assim. –Ele fechou os olhos e ergueu a cabeça, sentindo a chuva em seu rosto. Ela corria por suas feições rígidas. Me olhou e sorri.  Não queria mais me controlar. Eu precisava desse homem mais do que qualquer coisa.

  Ele me ofereceu sua mão e a toquei, me girou e passei sem cerimônia meus braços em volta de seu pescoço, deixando nossas faces bem coladas. Nariz com Nariz, e meu corpo grudando ao dele como um imã. Estávamos nos mexendo calmamente e a chuva caia cada vez mais forte. Suas mãos apoiavam minhas costas e acariciei sua nuca. Não parávamos de nos encarar, até que ele mirou a minha boca e seus lábios estavam entreabertos, roçando nos meus e fechei os olhos. Com a outra mão, senti os dedos dele afundarem em meu cabelo e virei meu rosto deixando o pescoço exposto e assim seus lábios entraram em contato com a minha pele. Era devagar e preciso os selinhos que ele espalhou por todo ele e, finalmente, seus lábios encontraram os meus, que pressionou a minha cabeça em direção a dele. Nos beijamos, e com vontade. Não tinha como descrever aquela sensação do momento, mas era algo tão forte que eu o puxava pra mim e ele fazia o mesmo, como se fosse possível termos mais contato. Era algo apaixonante, viciante, louco. Sua língua em contato com a minha era quase que uma explosão e eu o queria de corpo e alma. Podia sentir que o mesmo também queria isso e não negaria.

  Lentamente, fomos parando o beijo com selinhos e Henry puxou meu lábio inferior, soltando-o e selando nossos lábios rapidamente. Abri meus olhos e um sorriso estava em seu rosto, e o meu também se abriu. Minha visão estava um pouco turva por conta da água da chuva em meus olhos, então pisquei rápido.

-Temos que sair da chuva ou ficaremos resfriados. –Sussurrei contra seus lábios.

-Concordo com você, leãozinho. –Mordi meu lábio inferior, sorrindo, e o beijei de novo. 


Notas Finais




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