História Flawless - Katherine

Eu odiava dias de verão.

O calor, o suor e a sensação de sufoco eram irritantes. Pensei nisso enquanto saboreava o sanduíche de peito de peru feito pela cozinheira, Susan. Não sabia como ela conseguia ficar com a minha mãe o ano inteiro. Enquanto ela falava de forma ininterrupta, foquei no azulejo branco quadriculado da cozinha, tentando fingir que estava ouvindo. Ela simplesmente não parava de falar. Seu maxilar parecia uma montanha-russa, Deus do Céu.

Pelo menos era a minha última “refeição em família” até que eu precisasse voltar ao Cook Allen, o internato para bem-nascidos de Chicago.

No fundo, eu já havia decorado aquele discurso milhares e milhares de vezes. Dona Martha Hoffman estava falando-me pela milésima vez o quanto ela gostaria que eu fosse A Melhor Aluna do Internato, etc e tal. Minha mãe tinha uma obsessão doentia para que eu fosse a melhor. Mesmo não entendendo que eu já era a melhor.

Comecei a estudar no Cook Allen no oitavo ano do Ensino Fundamental, e desde então minha reputação de melhor aluna apenas se ascendeu. Não, caro leitor, eu não sou o estereótipo: garota-com-baixa-auto-estima/ usa-óculos-tem-espinhas. Bem, eu usava óculos, mas a minha auto-estima estava dentro dos padrões de normalidade, eu tinha cabelos loiros com as pontas roxas (minha mãe quase me matou, o que me motivou a continuar pintando) e era popular à minha maneira.

Em certo ponto, quando minha boca já estava completamente aberta de tédio, minha mãe parou de falar.

– Você está me ouvindo, Katherine?

– Hã... Claro, sim. – suspirei.

– Minha filha, eu sei que esse assunto é cansativo...

- Então, por que continua falando?

 – Porque você precisa entender. Eu sei que você está numa fase de festas e badalações, mas você tem que ter foco. Sabe, com a sua idade, eu havia conseguido uma bolsa para estudar num colégio particular. Se você não tivesse...

- ...nascido, a senhora teria estudado mais cedo e ficado famosa mais cedo e rica mais cedo. Já sei desse discurso todo, mãe. Agora preciso ir. O motorista está me esperando – falei, largando o sanduíche pela metade e pegando minhas coisas.

Eu já sabia do discurso todo. Por causa de seu “foco e determinação”, ela tinha estudado, se formado, ficou famosa e rica no meio acadêmico, e eu tinha que fazer o mesmo. Blá-blá. Mas eu não precisava daquilo. Desde que me conheço por gente, eu sou a melhor em tudo que faço. Tiro as notas que quero nas matérias que quero. Eu não precisava ouvir de novo o quanto Eu Precisava Ser Sempre Como Martha Hoffman.

Ela me acompanhou até a porta, onde o motorista me esperava. Nunca entendi porque ela fazia questão que eu fosse de motorista até o colégio. Ele ficava do outro lado da cidade, mas não era o caso.

Enfim, ela me abraçou, beijou o topo da minha cabeça e eu segui em direção ao carro. Entrei e senti o ar frio do ar-condicionado, agradecendo internamente por aqueles poucos momentos de prazer congelante.