História Flor de Ipê - Permita Que a Culpa te Mostre o Sabor do Arrependimento

Achei que não houvesse aquele que pudesse me julgar, deixei que meu egoísmo fizesse minha dor ser maior do que a de qualquer um. 

Gostaria de responder a aquele que me grita na mesma intensidade, mas ele apenas me diz verdades e faz com que eu me afunde em culpa. 

* 

Caminhei lentamente por aquela grama verde, deixando que meus pés se afundassem ali, Jimin segurava meus ombros hora ou outra quando minhas pernas insistiam em falhar, a minha frente pessoas em suas vestes fúnebres rodeavam um caixão e mal percebiam minha aproximação. Travei a alguns metros, eu não queria me despedir, meus olhos ardiam e meu estomago revirava em uma ânsia conhecida, meu peito se apertava e eu apenas não queria dizer adeus. Observei as pessoas com suas cabeças baixas de costas para mim, parei meu olhar em ombros que subiam e desciam compassados com um choro sofrido, eu conhecia aquelas costas, algo se agitou dentro de mim mas eu preferi ignorar tomando coragem para voltar a caminhar ainda sem me aproximar o suficiente. 

Levou alguns segundos para que algumas pessoas me notassem ali, meu pai se virou e em seus olhar eu pude sentir uma gama de emoções, saudade, tristeza, decepção, aquilo  me atingiu como um soco e eu apenas me permiti cair de joelhos. 

- Me perdoe... - Ditei ainda de joelhos enquanto era abraçado gentilmente por Jimin. 

Senti que olhos me fitavam naquele pequeno circulo de pessoas, mas nenhum deles me parecia tão penetrante quando o que se mantinha mais distante de mim. Hoseok me observava de um canto com seus olhos vermelhos denunciando o quanto havia chorado, ele adorava a minha mãe e parece que isso não mudou depois que eu parti. Logo meu pai estava de joelhos a minha frente me abraçando apertado e fazendo com que Jimin se afastasse, eu o retribui, me sentindo tão frágil que poderia simplesmente quebrar ali mesmo.  

- Você voltou... - Meu pai sussurrou sofrido em meu ouvido, se levantando e me levando junto. - Você também terá que dizer adeus. - Falou, incentivando que eu fosse mais a frente. 

Eu me recusei, mais uma vez eu era incapaz de transmitir um adeus sincero, não poderia me aproximar mais daquela lapide, não sabendo que meu filho também estava ali, eu nunca consegui me despedir e só em imaginar que mais alguém me deixaria para sempre me fazia querer correr, deixei que o choro me invadisse compulsivamente e aquilo fez todos pararem e meu pai me soltar, recuei lentamente ate ter minhas costas encostadas ao peito de Jimin que me puxou para si e me embalou em seus braços sussurrando que tudo ficaria bem. 

- Me perdoe, me perdoe... me perdoe. - Eu repetia e sentia o olhar de pena de todos ali sobre mim. 

Jimin fez um leve movimento de cabeça em negação quando meu pai tentou se aproximar e ele pareceu entender, enquanto era afastado para um banco qualquer deixei que meu olhar vagasse novamente até Hoseok e pela primeira vez desde que eu me entendia por gente, não vi aquele olhar gentil ser dirigido a mim em resposta, ele estava de cabeça baixa e observava sua mão que era entrelaçada por outra me fazendo notar pela primeira vez que Taehyung estava ali, fechei meus olhos firmes, mas não sem antes ver Hoseok se entregar a um abraço tão acolhedor quando o que Jimin me dava, dessa vez não era eu ali cuidando dele, sorri, não sei bem o porquê, talvez por ter notado que ele havia seguido em frente. Fechei os olhos com aquele sentimento estranho tomando conta de mim, uma pontada de dor aguda se fez presente e eu apenas me permiti cair inconsciente nos braços de Jimin. 

Acordei novamente em uma cama de hospital, Jimin dormia em uma poltrona ao meu lado, decidi apenas me manter quieto, a imagem de Taehyung abraçando Hoseok fazia um loop infinito na minha mente me fazendo suspirar, ele era o melhor amigo de Hoseok. Tentei ficar feliz por ele, eu fiz certo não foi? Agora ele estava bem, não estava? Então, por que doía tanto? Fechei meus olhos tentando digerir tudo que havia acontecido, eu estava novamente em um quarto de hospital e aquilo me causava calafrios, voltei a abrir os olhos quando alguém entrou no meu quarto. 

- Taehyung? - Perguntei incrédulo enquanto ele fitava Jimin dormindo na poltrona. 

- Vejo que seguiu em frente. - Ele disse, mas acido do que eu imaginava que ele pudesse ser. - Por que você voltou? - Perguntou dessa vez me encarando. 

- O que esta fazendo aqui Taehyung... - Perguntei fugindo da sua pergunta, mas ele não se abalou. 

- Por que Yoongi? Por que voltou? - Seus olhos me fitavam com rancor. 

- Eu precisava. - Falei abaixando o olhar e ele pareceu perceber o meu pesar. - Fico feliz que ele esteja bem, que esteja com você. - Falei voltando a encara-lo e senti seus olhos oscilarem entre rancor e fúria. 

- Bem? - Perguntou incrédulo. - Ele esta bem Yoongi? O quão idiotia você pode ser, não abra sua maldita boca para dizer que ele esta bem Yoongi. - Eu apenas me calei enquanto ele continuava a falar. - Três anos Yoongi, você sumiu por três malditos anos, você o abandonou, deixou que ele se destruísse aos poucos. - Aquilo me fez acordar, levantei meu olhos vendo os de Taehyung que agora marejavam, demonstrando um choro contido. 

- Eu... eu só queria que ele pudesse seguir em frente, longe de mim ele conseguiria voltara a sorrir. - Falei, tentando me justificar. - Se eu estivesse ao seu lado, só o traria mais dor. - Taehyung gargalhou alto de forma sarcástica e eu me calei novamente o encarando serio. 

- Você é um egoísta, é isso que você é.  Você não pensou nele quando se afastou, pensou em você mesmo, em fugir da culpa que carregava. Ele também sofreu Yoongi. Me partiu o coração vê-lo se autodestruir enquanto gritava o seu nome sozinho naquela casa, eu sofri cada dor junto a ele, vendo-o se embebedar ao ponto de entrar em um coma alcoólico, emagrecer mais e mais a cada dia que passava, chorava trancado sem deixar que nos aproximássemos dele... Você sabia que ele tentou se matar Yoongi? - O olhei incrédulo sentindo finalmente as lagrimas correrem pela minha face. - Não, você não teria como saber, por que você não estava aqui. - Taehyung agora me acompanhava no choro. - Eu e seus pais fizemos o possível para vê-lo se recuperar, demorou dois anos pra que seu corpo retornasse ao normal, mais um ano para o seu emocional adquirir a mínima estabilidade, então você simplesmente aparece na frente dele e espera que tudo fique bem? 

- Tae... - O chamei sentindo a culpa que queimava meu peito, era tudo verdade, verdades que nunca foram jogadas na minha cara dessa forma. - Eu tive medo, eu tive tanto medo, eu não acho que tenha o direito de ser feliz, não sem o meu Taemin... foi minha culpa ele ter morrido, foi minha culpa. - Soltei de uma vez a única verdade que nunca disse em voz alta e fui surpreendido por Taehyung que me abraçava forte enquanto ainda chorava. 

- Ele ainda te ama tanto Yoongi, sabe o quanto me dói te dizer isso? - Me perguntou ainda chorando, mas agora sua voz demonstrava afeto. - Depois desses anos ao lado dele eu simplesmente não pude deixar de me apaixonar, ele me aceitou, mas no fundo foi tudo por gratidão. 

- Eu só quero que ele seja feliz, mesmo longe de mim. - Falei me afastando para encara-lo. 

- A primeira noite em que dormimos juntos. - Taehyung começou a falar e eu tentei não me abalar. - Ele chorou dormindo abraçado a mim te pedindo perdão Yoongi. - Suspirou pesado. - Eu só preciso saber de uma coisa. 

- O que? - Perguntei confuso. 

- Você ainda o ama? - Sorriu fraco como se lamentasse ou já soubesse a resposta. 

Aquela pergunta fez com que um filme da nossa historia se passasse por minha mente, nossa vida, o acidente, nossos erros, meu medo e tudo que havíamos vivido, a culpa que eu sentia, o arrependimento que acompanhava a culpa e me lembrava dos meus erros. 

- Não posso faze-lo feliz. - Respondi. 

- Você o ama? - Taehyung voltou a perguntar e eu apenas assenti.  

Eu o amava mais que tudo, eu faria qualquer coisa para que ele me perdoasse, eu seria qualquer coisa por ele. 

- Então vai atrás dele... - Falou me puxando da cama e arrancando os equipamentos que me prendiam ali. - Ele esta na casa de vocês, foi tudo que falou enquanto me empurrava umas roupas e me fazia sair dali.  

Pela primeira vez eu senti vontade de correr, mas não para fugir, eu iria vê-lo, com todas minhas feridas, todas as cicatrizes, os medos, a culpa e todo o arrependimento que eu não poderia mudar. Eu estava apavorado, mas dessa vez eu iria encara-lo.