Depois de alguns breves minutos processando sua pergunta e montando as palavras na minha cabeça para responde-lo, finalmente o fiz:
— Simplesmente porque eu não consigo ver isso acontecendo sem fazer nada, não consigo suportar essa extrema falta de respeito de braços cruzados. Então por mais que eu não tenha o poder de mudar a vida de vocês de um dia para o outro, eu me sinto menos culpada tentando ajudar de alguma forma sequer. Então eu irei fazer de tudo mesmo para conseguir mudar isso!— Falei sem olhar em seus olhos, pois os mesmos estavam mirados para baixo, parecendo concentrado em minha fala anterior, e mesmo depois de me calar continuou a observar o solo sob nós.
Desviei o olhar do mesmo e olhei para a parede a minha frente, por mais que fossem meus pensamentos que ocupassem minha visão neste momento.
— Sabe Harry, eu nunca havia visto algo assim, pessoas assim… — Falei calma, e o vi virar a cabeça em minha direção. — Nas poucas vezes que eu saía do internato onde eu morava, eu nunca vi nenhuma pessoa como as que tem aqui, com o mesmo tom de pele, eu nunca imaginei que pudesse existir pessoas dessa forma, sempre pensei que todos fossem igual nesse quesito, mas nem por isso eu desrespeito-as. — Tentei respirar fortemente, já sentindo meus olhos molhados. — Quando eu cheguei aqui, o que eu mais queria era poder abraçar o mais forte possível o meu pai. E hoje, eu nem sei se posso chama-lo assim. A minha vida toda foi uma completa mentira, eu nunca pude fazer realmente o que eu queria. Meu sonho mesmo foi sempre cursar medicina, porém sempre que falava ao meu pai sobre isso ele não dava ouvidos, falava que isso sequer era coisa de mulher fazer, que o meu futuro já está traçado. — Senti o calor da solitária lágrima ao deslizar por minha bochecha.
— Medicina? É quem cuida de pessoas doentes certo? — Sua voz soou trêmula e incerta. Apenas assenti olhando em sua direção. — Por que queria isso?
— Minha mãe. Ela morreu de parto, e desde que eu soube disso, eu não quis perder nunca mais alguém próximo a mim, pois mesmo não tendo sequer a chance de olhar para ela, doeu, dói até hoje, é como uma ferida que por mais que já tenha parado de sangrar e os pontos já estejam feitos, você nunca para de sentir ela latejando, e nunca vai chegar o dia de retirar os pontos para ela poder finalmente cicatrizar. — Senti minha respiração dificultar devido ao bolo de saliva que se fechou em minha garganta, denunciando que eu estava prestes a derramar-me em lágrimas quando sentir o meu queixo tremer levemente, nunca falei de minha mãe para ninguém, não com tanto sentimento. Mas as lágrimas não vieram, ficaram enganchadas na minha boca assim como minha fala.
— Me desculpe. — Falou em tom baixo mas que deixava notável sua preocupação.
— Não se desculpe, eu estava precisando disso, preciso sentir, se reprimir esse sentimento ele me sufocará. Eu preciso sentir. Mas eu não consigo! — Falei a última frase em um sussurro sofrido em um fio de voz. — Me desculpe, eu não deveria esta falando essas coisas deprimentes, você não deve nem está ligando para isso...
— Não se desculpe— Repetiu de forma baixa a frase que anteriormente eu havia falando, involuntariamente pousando sua mão esquerda na minha direita, e o choque de temperaturas foi imediato, sua palma quente contra as costas frias de minha mão. — Eu posso lhe ajudar…— Continuou sua fala. Não entendi bem se foi uma pergunta ou uma afirmação, mas no momento seguinte ele já se encontrava de pé e por conta do contato de nossas mãos acabei por me levantar junto a ele, e antes de poder perguntar alguma coisa ele saiu puxando-me para um lugar que eu conhecia bem.
— Por que está me levando para o Jardim? — Perguntei assim que pude ver de longe apenas a sombra das tantas flores balançando ao som do forte vento que as soprava.
— Como você se sente, a respeito da sua vida? — Ele perguntou ainda com o tom baixo de voz ao caminhar até entre algumas flores e soltar minha mão, ignorando totalmente minha pergunta.
— Por que está perguntando isso? — Recuei um passo quando ele virou-se para mim com uma expressão bem seria, a mesma que ele usava quando não acreditava em mim.
Meu peito ardeu de agonia, não somente por ele está me olhando daquela maneira, mas o outro motivo eu não saberia decifrar quanto mais responder.
Voltei minha atenção para ele, sentindo meu olhos se arregalerem levemente ao perceber o quão próximo ele já estava de mim. Com a mesma expressão ainda em seu rosto.
— Como se sente sabendo que está sozinha? Que sua mãe, a única que realmente poderia te amar nunca voltará?
— Pare, o que está fazendo ? — Meus olhos novamente estavam cheios de lágrimas, aquelas palavras realmente me feriram, ainda mais por virem dele.
— Não posso parar! — Ergueu suas mãos e as colocou em meus ombros— Você não tem ninguém. Flórida, seu pai é um monstro que lhe trata como uma posse, todos os que se importaram com você estão longe ou mortos, você não tem ninguém para dividir essa dor, está evitando tudo isso para não sofrer sozinha, mas você está sozinha e essa dor que você está sentindo só vai aumentar a cada dia mais dentro de você se continuar reprimimdo-a. Ela nunca vai passar se você não se deixar sentir. Se deixe sentir, Flórida.— Era inútil tentar segurar as lágrimas a essa altura, ela seguiam seu caminho até o meu pescoço livremente, enquanto soluços desesperados saltavam do fundo da minha garganta.
Meu peito todo doia, como se meu coração tivesse sido arrancado brutalmente de mim e jogado com muita força no chão, e eu ainda pudesse sentir o vento gelado bater contra ele, e os pequenos grãos de areia perfurar o mesmo, e como se já não bastasse, meu corpo todo ardia como se depois de já está toda machucada, jogassem vinagre por cima de todas aquelas feridas abertas.
E aquela foi a pior coisa que eu já senti em minha vida.
Dita pela pessoa que eu menos esperava.
E pior ainda, é que ele tinha razão, tudo aquilo era verdade, eu estava completamente sozinha.
Harry's Point of view
Não posso dizer que não mexeu comigo ver o que causei nela, mas era preciso, ela não podia ficar guardando aquilo, engolindo aquelas lágrimas, isso só a mataria por dentro a cada vez mais, e digo isso por pura experiência própria.
— Você está sentindo. — Fiquei feliz por isso apesar de vê-la chorar por minha culpa me machucou profundamente, ela não merecia, mas era necessário.
— Por que fez isso? — Em um fio de voz me perguntou recuando alguns passos. — Você me destruiu. Eu confiei em você. — Isso me doeu mais do que os machucados causados por Xavier.
— Por favor me desculpe, foi para o seu total bem. — Já estava pronto para explicar quando ela ergueu a mão fazendo rapidamente eu me calar.
— Eu não lhe dei esse direito, fique quieto. Eu estou farta. — Sua voz estava embargada por conta do choro, e ela tentava inutilmente enxugar seu rosto banhado pelas lágrimas que eu causei.
— Mas Flóri…— Antes que eu pudesse completar a frase ela virou-se e sai correndo de perto de mim, logo se perdendo de minha visão em meio as árvores e flores.
— O que houve Harry? — Sondou baixo minha mãe ao me ver entrar na senzala onde alguns escravos já dormiam, realmente já era tarde da noite. — Céus! O que houve com você, filho?— Levantou-se do chão forrado com palha e veio até mim logo colocando sua magra mão em minha face analisando as feridas que ganhei mais cedo.
— Não foi nada mãe, eu estou bem. — Cobri a sua mão com a minha e retirei-a de meu rosto levando-a até minha boca e dando um singelo beijo mas costas da mesma.
— Não me diga que está bem quando seu rosto mostra ao contrário. Quem fez isso com você meu menino? — Ela estava realmente preocupada, mas sabia que independente de quem fez isso comigo ela não poderia fazer nada mesmo.
Suspirei, teria mesmo que conversar com ela, mas não aqui onde alguém poderia ouvir tudo.
— Vamos conversar lá fora, está bem. — Fomos andando com precaução entre os negros deitados e aparentemente dormindo no chão até chegar ao lado de fora. — Eu entrei em uma briga, hoje na cidade...— Estava receoso de sua reação, nunca fui de brigas, principalmente com 'superiores'.
— Harry, briga com quem? — Ela falava baixo, porém seus olhos esbugalhados denunciavam sua total surpresa.
— Mãe nã..— Ia inventar uma desculpa, mas ela merecia saber a verdade. — Foi o Xavier. — O clima ficou denso enquanto ele desviou o olhar do meu.
— Porquê? — Foi a única coisa que saiu de sua boca.
— Ele estava machucando a Flórida, então eu…
— Flórida, a filha do Benjamin? Você está se metendo com essa gente Harry? — Seu tom elevou e ela negava freneticamente com a cabeça como se isso fosse a pior coisa que eu já fizera, e pensando bem não sei dizer se diz certo aceitando confiar nela.
— Ela é diferente mãe. Ela te salvou! — Usei o argumento mais óbvio que provava que ela não era igual a eles.
— Isso não importa Harry, ela tinha acabado de chegar estava assustada. Você não deve confiar na filha daquele ser repugnante! — Negou um última vez com a cabeça e veio até a mim me rodeando com os braços finos me abraçando com força.
— Isso importa sim mãe, você poderia não está aqui hoje se não fosse por ela, o Xavier teria lhe matado! — Quebramos o abraço— Ela é diferente. De verdade.
— Por que diz isso? O que ela fez para mostrar-lo? — Coloquei as mãos na cintura me olhando séria.
— Ela… está me ajudando em umas coisas... —Coçei minha nuca com certa vergonha de falar disso.
— Ajuda com o que?
— Ela vai me ensinar a ler. — Falei com os olhos fixados no chão, já não tendo tanta certeza de que ela faria isso, não depois de tudo que eu lhe disse.
— Mas filho, eu já te ensinei. Não tem por que está mulher fazer isso! — Falou como se fosse óbvio.
— Sim mãe, a senhora me ensinou o básico, mas ainda tenho certa dificuldade em pronunciar algo escrito. — Ela soltou um suspiro longo.
— Você tem certeza que ela não vai fazer nada de mal com você ? — Pegou em minhas mãos.
— Ela não parece nem um pouco com o pai e tio, ela realmente quer ajudar, confia em mim, vai ficar tudo bem! — Depositei dois beijos em suas mãos.
Flórida's Point of view
Meus pés doíam devido a quantidade de tempo que estou a andar, e também por conta da areia sob eles já que retirei meus sapatos que já estavam apertando.
Não sabia onde estava, mas sei que ainda estou no terreno de minha casa. Já amanheceu e estou a horas tentando achar o caminho de volta, o mesmo que eu não percebi já que sai correndo com as lágrimas empatando minha visão e acabei me perdendo, o que é ridículo, pois estou em minha própria casa.
Avistei uma pedra grande na distância de alguns passos de mim, então tentei andar rápido até lá, para ao menos poder descansar um pouco e voltar a caminhar depois.
Estava pronta para me sentar na grande rocha quando ouso as folhas se mexerem atrás de mim, era de se estranhar já que nem ventando estava, então endireitei a postura novamente e me virei para onde vinha o som.
Dei um pequeno salto quando vi que atrás de mim estava Harry com um chapéu na cabeça, enquanto segurava uma ferramenta grande em suas mãos.
— O que faz aqui? — Falamos em uníssono. Olhei-o de cima a baixo negando com a cabeça, e nem esperando uma resposta da sua parte para segurar as barras de meu vestido e seguir andando para sabe Deus onde.
Ouvi seus passos atrás de mim e tentei caminhar mais rápido o que mais parceria uma missão impossível.
— Séria difícil não lhe encontrar já que a senhorita deixou uma trilha bem marcada. — Falou chegando ao meu lado, e então de canto do olho pude enxergar meus sapatos e as mangas de meu vestido em sua mão livre.
— Onde estamos? — Apesar de estar magoada com ele, era o único que poderia me levar de volta.
— Você não deveria está aqui.
— Por isso você vai me levar para…— Parei de falar e andar quando sei de cara com um enorme portão de madeira e cercas de arame por todo o lado, que só me capacitava ver que tinha muito mato lá dentro. — O que é isso? — Virei me para Harry com os braços cruzados, ficando de costas para o portão.
— Você não deveria mesmo está aqui! — Ele olhava para um ponto atrás de mim, e logo abaixou a cabeça, e quando ia perguntar que diabos ele tinha uma voz bem conhecida por mim soou e eu entendi plenamente sua ação.
— Então a donzela está aqui? — Meu apareceu em meu campo de visão batendo palmas.
— Pai? — Arregalei os olhos me lembrando por um momento por qual motivo o Logan havia ido atrás de mim a noite.
— Você não tem nada a me falar amor? —A irritação era visível em seu tom de voz e na sua feição, o que me fez temer o que ele faria.
— Pai eu…
— Não vamos falar disso aqui— Olhou com desdém para Harry— Vem. — Segurou com brutalidade meu braço e praticamente saiu me arrastando. Pude ver Harry trincar o maxilar, mas continuou na mesma posição. — Jacinto, já sabe o que fazer. — Falou com o homem que só agora percebi estar ali, apontando com a cabeça para Harry e tornando a me puxar para longe deles.
— Me solta, está me machucando. — Disse tentando puxar meu braço de seu toque, sendo inútil.
— Cala a sua boca, temos muito o que conversar.
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