História Flowers in the garden - Secret Scars

  Não houveram muitos ferimentos, só alguns pequenos - bem pequenos - hematomas roxos nos braços e dor de cabeça, que logo passará, pois tomei um remédio. Depois que saímos, não falamos nada. Ficamos caminhando, vagarosamente até a quadra novamente. Eu queria agradecer, mas estava com vergonha. Agradeci eternamente ele por ter tomado uma iniciativa e quebrar o silêncio.
- Qual o seu nome? - Indagou, curioso. Olhei para ele, saindo do meu pequeno mundo e voltando a realidade.
- Ellione.. - Dei uma pausa. - E o seu?
- Iago. - Deu um pequeno sorriso, corei levemente, e antes que visse, virei meu olhar para o chão e fiz meu cabelo como uma cortina, cobrindo meu rosto avermelhado.
 Quando menos esperamos, o sinal toca. Fomos direto para a sala de aula, sendo assim, os primeiros a chegar. Agora eu sei o motivo de não ter notado a sua presença, ele se sentou bem na frente, enquanto eu, sento no fundo, e quase sempre fico distraída escrevendo, desenhando ou olhando a paisagem pela janela.
                 
                                                                                   ***

  Passaram as três primeiras aulas e finalmente chegou o intervalo. Peguei meu dinheiro na mochila e saí da sala, indo até a cantina, que fica situada no refeitório da escola. Aguardei uns dois minutos na fila até chegar a minha vez, escolhi comprar um salgadinho de pacote e refrigerante, peguei um canudo e fui me sentar em algum lugar isolado, pois não gosto de comer sabendo que há outras pessoas me olhando. 
 Fui num canto que fica atrás dos banheiros, me certifiquei se o chão estava sujo e enfim, sentei. Comecei a comer tranquilamente, olhando para o céu. Estava nublado, mais tarde iria chover, nuvens negras se aproximavam, vagarosamente. Levei um susto ao ver que tinha alguém na minha frente, em pé. Me distraí de novo e não percebi. Era o Iago, não entendi como ele me achou aqui.
- Oi? - Disse.
- Oi. - Respondi, de um jeito meio frio.
- Se incomoda em eu comer ao seu lado? - Perguntou, mostrando seu lanche.
- Não, não.. Pode se sentar. - Me arrastei para o lado, dando um espaço para ele. Se sentou e começou a comer. Eu estava incomodada, queria perguntar algo. - Como me achou aqui? - Ele parou, subitamente. Terminou de mastigar seu lanche e falou, num tom doce.
- Eu a vi indo para cá. - Sorriu, havia vestígios de comida no canto da sua boca, o que o deixava mais fofo. Espera. O que foi isso, Ellione? Para.
  Ficamos conversando até o intervalo acabar, conversamos mais ainda na quarta e quinta aula, que ficaram vagas, os professores faltaram. Ele é um rapaz bem legal, gosta das mesmas coisas que eu, me entende. Finalmente encontrei um amigo!
 Cheguei em casa, feliz. Pela primeira vez, desde quando  o inferno em minha vida começou, eu me sinto assim. Isso me faz ter uma leve nostalgia de quando eu era uma criança feliz, alegre, radiante.. Jantei, fiz meus deveres, tomei banho e fui me deitar. Eu estou estranha, de minuto em minuto um sorriso bobo brota em meus lábios, me fazendo esquecer dos problemas. Coloquei uma música no meu celular, botei os fones e fechei os olhos, acabei dormindo ouvindo a música.
 
                                                                                   ***    

    
  No dia seguinte, acordei e fiz minha higiene matinal, tomei café e me arrumei. Depois de estar totalmente pronta, saí de casa e fui até a escola.
  Chegando lá, fiquei sentada em um banco no pátio, mexendo no meu celular. Por algum motivo, olhei para o portão da entrada e vi Iago se aproximando, deu de encontro com os meus olhos e sorriu, sorri de volta. Ele veio até mim e me cumprimentou, perguntou se eu estava bem e eu disse que sim, perguntei o mesmo para ele e, apesar de não parecer, respondeu sim também. Ele estava com os olhos inchados e pequenas olheiras, mas, fora isso, parecia mesmo estar bem. Pegou seu celular e começou a mexer também. As mangas de sua blusa estavam levantadas, já que estava um sol quente, esse tempo é doido! Uma hora é frio, outra é calor.. Mas, uma coisa me chamou muita atenção. Percebi que em seu pulso direito havia uma faixa, e no esquerdo, um único band-aid, e nos espaços que estavam livres, tinham pequenas cicatrizes brancas. Bem, é isso aí: ele se corta. Não tem outra explicação, e eu tenho certeza disso, me preocupei e não pensei duas vezes, perguntei o que era aquilo.
- Ah.. isso? Não se preocupe, não é nada de mais.. -  Parecia triste.
- Pode me contar, apesar de temos acabado de nos conhecer, mas, acredite em mim, por favor. - Insisti, e senti que pareci um pouco chata. Ele suspirou, pegou no meu pulso e me puxou para outro lugar, o mesmo que comemos nossos lanches ontem, no intervalo. 
  Quando já estávamos lá, ele olhou para os lados, conferindo se tinha mais alguém, quando tinha certeza de que não havia ninguém ali além de nós, começou a desenfaixar o pulso e tirou o band-aid do outro. Me surpreendi. Haviam cortes, recentes, e bem fundos. Aproximei minha mão do braço que estava enfaixado, que havia um machucado maior, antes, hesitei um pouco e olhei para ele, ele apenas assentiu, então, toquei suavemente para não causá-lo mais dor, porque provavelmente já estava doendo aquilo. Era alto, e estava vermelho. Iago apontou para os outros, os branquinhos. Observei bem cada um, a minha vida é uma tragédia, mas não seria capaz de fazer isso, não tenho coragem.
- Por que você faz isso? - Perguntei, calma.
- É uma forma de eu escapar dos meus problemas, me machuco, para sentir dor e esquecê-los. - Falando isso, parecia que ele passava por uma situação bem pior.
- Mas.. você não po.. - Antes que eu terminasse de falar, me interrompeu.
- Promete guardar esse segredo e.. mais um? - Falou olhando para seus pulsos.
- Eu prometo.
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