F O G O
Eu o assistia de longe. Estar perto dele era como ser engolido pelo silêncio. Seus olhos transmitiam, para mim, uma coisa mista. Parte me trazia tranquilidade, parte me mostrava que ele vivia um mundo de agonia.
Ele não era amigo de ninguém, na verdade. Ele conhecia os garotos maus. Mas não fazia nada. Ele era quieto em seu canto, escondido sob seu capuz e sob sua expressão séria. Quando os outros o observavam ele nada fazia. Continuava em seu estado neutro, sua face fechada parecia ignorar a existência dos outros. Mas comigo ele parecia agir diferente.
Um dia pude jurar ver um brilho em seus olhos. Uma tentativa de sorriso. Como se ele confiasse em mim. Como se eu fosse diferente daqueles muitos que o observavam dia após dia. Yoongi mantinha-se distante de todos, no seu mundo dos fones de ouvido, da jaqueta escura, do andar um pouco despreocupado, o jeito anti social e indiferente com todos.
Quando os garotos maus falavam com ele eu mal via seus lábios moverem. Era como se eles o respeitassem de alguma forma. Não implicassem com seu jeito reservado, diferente de como faziam com os outros.
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Certo dia eu estava como de costume voltando para a casa a pé. Era Maio, as cerejeiras estavam em flor. Eu as observava conforme andava. Era bonito ver o tapete cor-de-rosa sobre as calçadas.
De repente fui tirado do meu mundo por um psiu. Olhei em volta e ninguém vi. Psiu de novo. Olhei para a frente. A alguns metros pude ver suas roupas costumeiramente escuras. Seu jeito despreocupado, seu pé apoiado na parede e sua mochila sobre um ombro só.
Andei na minha velocidade normal e parei em sua frente sem entender porque ele falaria comigo. Sem sequer levantar o rosto ou o capuz me entregou um papel dobrado e proferiu com uma voz calma e quase inaudível. "Pediram para eu te entregar isso".
“You made up your mind right before the sound can move softly from your lips.
You leave behind a choice which once before you thought you could not resist.”
E saiu, andando do seu jeito de sempre, me deixando prostrado naquele lugar, a observar de costas ir embora pelo tapete de flores. Eu segurava o papel, perdido na visão do garoto a ir se distanciar. Num instante voltei à realidade e abri o papel.
"Não se preocupe com aqueles garotos, eles nunca mais irão atrás de você"
Eu posso parecer um garotinho inocente que foge de garotos maus da escola, mas não sou tão tonto assim. Yoongi, eu sei que você foi quem "pediu para entregar o papel".
Obrigado.
Mas porque ele pediria para os garotos não me incomodarem? Ele não tem nada a ver com aqueles encrenqueiros. Ele não tem culpa se eles me atormentam.
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Eu estava sentado em um dos bancos do jardim da escola. Estava sem fome então apenas sentei e fiquei olhando os pássaros vasculhando a terra e o gramado atrás de comida. De repente, um garoto sem capuz, mas ainda de touca, sentou-se ao meu lado. Olhou para cima, jogando-se no encosto do banco, como se estivesse exausto da vida.
Sem olhar para mim, nem para nada. Ainda com os olhos fechados, o rosto direcionado ao céu, os braços estirados, ele quebrou o silêncio. "Acho que foi meio óbvio que eu mesmo escrevi aquilo".
Eu dei um sorriso de canto e olhei para o céu. "Sim, ficou um pouco evidente". Ele respirou profundo, sem mudar de posição, e bufou seu cansaço. "Quer ir comer algo no parque?". Eu voltei a olhar para baixo, com os olhos um pouco arregalados. Aquilo foi tão... Aleatório.
"Agora? Mas ainda temos.." "Temos aula, eu sei. Acho que você nunca faltou numa aula."
Eu olhei para os lados um pouco perdido. Pisquei várias vezes, me senti um pouco estranho. Ele finalmente se moveu. Tirou a touca e mexeu nos cabelos loiros. Com sua voz de quem acaba de acordar ele me olhou de lado.
"Você vem?"
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Estávamos andando pelos caminhos de pedra do parque perto da escola. As flores de cerejeiras passavam como vento. Devo ressaltar que meu sorvete estava ótimo.
"Então.. Porque você falou para eles pararem de mexer comigo?". Yoongi olhou para baixo, voltou ao seu silêncio costumeiro. De repente, ouvi sua voz. "Algumas pessoas são puras demais. Inocentes demais para esse mundo. Essas pessoas não merecem que ninguém mude isso nelas".
Senti um tom de quem fala sobre si mesmo. De quem tenta salvar um semelhante antes que seja tarde. Como se, um dia, Min Yoongi tivesse sido como eu. Alguém inocente. Alguém doce e sorridente.
Imagino como deveria ficar belo um sorriso naquele rosto.
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Quando o horário de ir para casa chegou ele me acompanhou até o meu destino. Na porta de casa tive o prazer de ver. "Até mais, Minnie". Um cafuné. E então... Um sorriso. O resto daquele dia foi tomado por aquele sorriso na minha porta. Por aquele toque sutil nos meus cabelos. Pela imagem do verdadeiro Yoongi que um dia deve ter existido.
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No dia seguinte ele não foi na aula. Eu não vi Min Yoongi pelo resto da semana. Senti-me preocupado.
“You give what you have when you decide that you
Keep burning like fire, it's burning you down”
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Entrei na sala e esperei olhar sua carteira vazia. Fui surpreendido por um capuz deitado a dormir sobre a mesa. Não o acordei, apenas fui para a minha mesa. Notei sobre ela um papel. "Desculpe".
Assim que ergui os olhos do papel a fim de tentar olhar para o garoto e entender, notei que ele havia sumido. Não havia mais ninguém dormindo naquela carteira, não havia mochila, não havia Yoongi.
No intervalo de aulas fui até o meu armário. Outro papel parecia ter sido passado pelos vãos na porta do armário e parado sobre meus livros.
"Eu era como você.
Eu era sorridente. Eu era inocente.
Eu era como você
Quando disse na frente da minha sala, com a inocência da criança que eu era, que amava o meu melhor amigo, aquele grupo de garotos me perseguiu. Desde aquela época eles mexem comigo. Com os passar dos anos eles cansaram.
Mas aí você entrou na escola. Eu não podia me deixar cometer o mesmo erro. Mas então eles foram perturbar você. Eu me enfureci com isso. Eu pedi que eles te deixassem em paz. Por alguma razão eles pareceram concordar.
Algum deles viu nós dois. Ele viu a gente caminhar no parque. E ali ele achou o gatilho.
Eu não quero que eles mexam com você. Sinto muito, mas acho que teremos que nos manter como antes. Não podemos ser amigos, Jimin.
Não quero perder outro amigo porque gosto dele."
O alarme de incêndio começou a tocar enquanto eu me perdida dentro de mim, tentando não chorar, tentando entender aquilo tudo.
❖
O banheiro, os armários de seis garotos haviam sido incendiados. E haviam letras pichadas na lousa da nossa sala.
"Não mexam com ele"
❖
Min Yoongi incendiou a escola. Min Yoongi incendiou o armário dos garotos os quais o perseguiam desde a infância. Min Yoongi escreveu na lousa com sua tinta spray.
Min Yoongi colocou fogo no mundo externo porque por dentro ele já havia queimado. Ele já estava em chamas há muito tempo. Talvez eu devesse ter notado antes, talvez eu pudesse ajudá-lo. Talvez eu devesse ter visto antes que seu olhar escondido pelo capuz na verdade escondia suas chamas.
“What do you have to prove.
I'll die for you”
Eu só espero que Min Yoongi seja como a fênix. Eu espero que ele tenha renascido de suas cinzas.
“Sometimes they say this should feel something like fire
'Til it burns you and you can't, no, you can't remain the same, stay the same.
No, I can't change.”
— M. A.
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