História Foi no mês de dezembro - Capítulo Único

Anastasia assoprou um prato empoeirado, vendo o reflexo no prata antigo das mechas ruivas que cobriam seus olhos. Segurou-o próximo ao rosto, admiramos os detalhes em ouro e quanto mais olhava, percebia a beleza daquela peça velha e abandonada.

 O feixe de luz vindo da vidraça escura acima, alcançou a prata nas mãos da menina. Ela se inclinou para desviar o feixe dos olhos, este que trazia consigo raios de lembrança e a pobre menina poderia jurar ter se visto rodando nos braços de um príncipe. Piscou os cílios para afastar a ilusão, devolvendo o prato para toalha da mesa encardida.
        Reconheceu aquele salão de algum lugar, era parte de um palácio. Perscrutou a mobília a procura de algo que pudesse se lembrar. Os olhos encontraram então, um vaso repleto de cisnes roxos. Ela se aproximou para toca-lo, era como se já o tivesse visto em algum sonho.
Quanto tocou os entalhes, um sino distante iniciou suas badaladas, seguido por outros, formando uma doce melodia.
Anastasia se encarou no espelho atrás do vaso, murmurando a melodia para si mesma e foi em direção às escadarias, improvisando uma coreografia. 

"Ursos dançam no ar

Coisas de que me lembro

E a canção de alguém 

Foi no mês de dezembro".

Desceu as escadarias, mas por onde olhasse não encontrava ninguém que pudesse estar tocando os sinos.

"Dias de felicidade

E os cavalos na tempestade".

Enormes pilares que não sustentavam nada mais que vazio, jaziam na escuridão. Ela parou no último degrau, um som de violino foi introduzido a melodia e com ele uma luz fraca surgiu na entrada oposta. 

"São imagens a dançar 

Que eu posso recordar".

Curiosa para ver de perto aquela luz, Ana corria até as fagulhas, estreitando os olhos para foca-las, mas parou a meio caminho ao ver casais entrando no salão por onde a luz brilhava. Conforme os casais se manifestavam, dançando elegantes pelos degraus, os lampejos aumentavam, iluminando todos os cantos e trazendo calor as bochechas rosadas da menina.
     A música agora deixava de ser um sussurro, trazendo vida para os movimentos dos casais. Valsavam em torno de Anastasia, cumprimentando-a com acenos de cabeça e sorrisos.

"Dias de felicidade 

E os cavalos na tempestade 

São imagens a dançar

Que eu posso recordar" cantava Anastasia.
Três meninas vestidas de brilhantes se aproximaram, dançando com ela e  depositaram uma coroa em sua cabeça, Ana agradecia segurando o vestido e se curvando. Ela deu um pulo ao perceber que usava um vestido (e de gala). Suas vestes surradas deram lugar a seda. Agradeceu as moças que sorriram e se afastaram até desaparecerem no meio da multidão dançante.

"Muito tempo passou".

      Os casais agora valsavam nos cantos, deixando um espaço vago no meio do salão. A música levava Anastasia a fechar os olhos, sentindo a movimentação dos seus músculos e as batidas de seu coração, pairando no centro do salão. 

"E o fulgor dá lereira".

Segurou a mão de um príncipe e o trouxe para junto dela.

"Na memória ficou".

 Os babados da saia se movimentavam enquanto ela dançava e os cabelos ondulados coloriam a sua volta de vermelho quando ela rodopiava, olhando nos olhos do príncipe. Os dele brilhavam tanto quanto os dela. 

"Disso eu sempre me lembro".

A música começou a ficar mais lenta e o príncipe parou a valsa aos poucos. Ele olhava atencioso para a entrada de onde vinha toda a luz, e então se afastou gentilmente com uma reverencia.
       Um homem de cabelos grisalhos e sorriso bondoso desceu as escadarias a passos largos, deixando a esposa e os filhos lá em cima. Todos se curvaram assim que ele ofereceu a mão para a filha, a convidando para uma dança. Ana aceitou de bom grado.

"E a canção de alguém" ela soava branda.
        Ao termino da dança a música voltara a ser um sussurro. Ela olhou nos olhos do pai e ele lhe lançou um último olhar de despedida. O acinzentado dos olhos de seu pai empalideceram e antes que Anastasia pudesse dizer "adeus", o semblante dele se esvaiu até deixar de existir. Não precisou olhar para traz para saber que os outros também não estavam mais lá. Se foram junto com a música.
       Ela se sentou no chão, as vestes originais de volta ao corpo, deixou que uma lágrima de saudade escorresse pela face.
       "Foi no mês de dezembro"...