Nashville, Tennessee. Abril de 2015
Eu saía da balada carregando o que muitas pessoas chamam de namorado. Não sei muito bem o que nós temos, talvez seja só uma aventura pra ele, mas pra mim não é assim. Ele estava claramente bêbado e, na verdade, não o culpo. Pior do que a minha vida, só a dele. Como eu costumava dizer, bêbado para ele chegava a ser um elogio, porque, mais uma vez, ele estava drogado e, o pior, em público. Fazer o quê? Me acostumei com isso e cá estou eu.
Poupo apresentações. Geralmente meninas da minha idade vão para a faculdade arrumadinhas e bonitinhas com seus namoradinhos lindos que elas mal sabem que dão em cima de mim todas as noites.
A minha vida era um tanto que chata, mas aí o Jeon entrou nela, então vou contar como tudo aconteceu.
Cancun, México. Verão de 2013
Como sempre, nas férias, meus pais me mandavam para um acampamento em Cancun. Sempre a mesma coisa: brincadeiras, desafios, festas infantis, meninos e meninas ficando, isso aí.
Eu estava sentada em uma mesa no canto da festa reparando o movimento das pessoas dali. Jenn, uma menina que conheci no acampamento do ano passado, estava sentada ao meu lado.
- Oi Sook, eu sou o Thomas. Estou no mesmo acampamento que você há três anos e só tomei coragem de falar com você hoje, gostaria de dançar? - Ele sorria fraco.
Vamos reparar em como você é Thomas. Alto, usava uma típica jaqueta de jogador de basquete e era loiro.
-Thomas, sem querer ser rude... Mas se estamos no mesmo acampamento há três anos e eu nunca dancei com você, por que agora eu dançaria? - Ergui a sobrancelha e ele saiu, tímido.
-Não precisa ser assim sempre, Sook. - Jenn falou revirando os olhos.
-Se não estou interessada nele não preciso dar corda, Jenn.
-Mas nunca deu chance para nenhum dos meninos do acampamento desde que eu te conheço. Você tem 17 anos, Sook. Precisa se divertir.
-Eu me divirto, mas não sou dependente de homem e não quero ser. Olha aquilo! -Apontei para uma menina que se esfregava nas costas de um garoto que estava pegando outra garota. - Não quero passar por aquilo.
-Você é durona, sabemos, mas o que eles não sabem e eu sei é que por baixo disso tudo existe uma menina muito legal, simpática e que daria tudo para conhecer a vida.
-Exatamente, quero conhecer a vida. Mas isso não depende de ter um cara ao meu lado. - Me levantei e respirei fundo - Vou lá fora tomar um ar. A gente se encontra no dormitório?
-Pode ser.
Saí porta afora e não havia tanta gente lá quanto tinha onde eu estava antes, havia alguns casais ficando e até mesmo gente conversando, mas o que me chamou atenção não foi isso, mas sim um garoto loiro que fumava em frente a um arbusto. Se não liberavam bebidas, imagina baseados! Isso estava muito estranho, por isso me aproximei dele e decidi descobrir como aquilo entrou na prisão de férias.
-Isso aí é um baseado? - Perguntei, intrigada.
-Nem vem que eu não divido. - Ele respondeu, ríspido, sem nem mesmo me encarar.
Lentamente, ele girou a cabeça para ver quem eu era. Quando aqueles olhos cor de mel encontraram os meus eu não sei como reagi, mas eu só queria muito conhecer aquele menino.
-Olha só! A menina mais mimada da Califórnia. Lee Sook, seu pai sabe que você sabe o que são baseados? - Ele sorriu fraco e debochado.
-Com esse cheiro horrível, até meu pai saberia que isso aí é maconha. E perdão, nos conhecemos? - Arqueei a sobrancelha
-Quem não conhece? A menina mais desejada do acampamento. - Ele riu abafado.
-Desejada? Dizem isso?
-Dizem até mais, a questão é que eu nunca tive interesse em você como esse bando de manés que vivem procurando um jeito para chamar a sua atenção. - Ele virou para o outro lado novamente.
-Só vim saber como você passou pelos portões com isso aí. -Apontei para o baseado na mão dele
-Por que quer saber? Vai me dedurar? - Ele me olhou com um pingo de fúria no olhar penetrante.
-Quer saber, que se ferre também não tô nem aí. Fui! – Dei-lhe as costas e saí.
Fui em direção ao dormitório ainda pensando naquele menino, não o conheço, tampouco o entendo, mas há algo intrigante por baixo daqueles olhos mel e das olheiras de sono. Quero entender o que se passa na cabeça dele, como alguém como ele se droga e por que. Não que ele seja mais especial do que o resto daquele acampamento. De todos, a única que escapava mesmo era a Jenn. Desde os 12 anos, quando comecei a vir pro acampamento, eu nunca quis fazer amizade e era exatamente para isso que meus pais me mandavam pra cá. Vivi quatro anos vindo para cá e sem fazer amizade com as pessoas até que a Jenn veio e nos tornamos amigas. Sabotávamos todas as provas juntas e sempre fomos o terror na vida das meninas em duas questões: tanto em perturbar nas provas para atrapalhar, como com os meninos que sempre quiseram algo conosco e as ignoravam, fazendo-as segunda opção. Mas Jenn era mais sorridente e em cada ano ficava com um menino nas festas, já eu preferia ficar na minha e não me envolver, então nunca dei mole para esses babacas de acampamento que só querem ficar com as meninas pra se vangloriar depois.
Cheguei ao dormitório e não havia nenhuma menina barulhenta e chata lá então resolvi tomar um banho. Entrei no box e deixei que a água me fizesse relaxar, não demorei muito. Saí do banho e me vesti da maneira mais confortável possível. Vesti meias e um short jeans com um moletom rosa que minha mãe me obrigou a trazer e que me estava sendo muito útil. Decidi ir até o refeitório pegar uma maçã. Dessa vez o gramado estava cheio com alguns grupinhos conversando e o número de casais se pegando era exageradamente grande, nem sinal do doido do baseado. Não que eu estivesse procurando por ele. Afastei aquele pensamento da minha cabeça e me direcionei para o meu local desejado. Escutei gemidos abafados e gritinhos histéricos que eu conhecia muito bem. Jenn estava transando no refeitório do acampamento sem nem mesmo ter vergonha na cara. Peguei a maçã e saí para dar privacidade ao “casal”.
Como não tinha nada para fazer naquele lugar inútil, voltei para o dormitório e algumas meninas já haviam chegado.
-Sook, você viu o perfume da Alice? - Uma das garotas me perguntou.
-Não vi. - Respondi e me joguei na cama que eu estava dormindo. - Quantos dias faltam para sair dessa prisão?
-Só uma semana, Sook, não vai te matar, vai? - A menina perguntou irônica, revirei os olhos e a ignorei.
Odeio essas meninas, elas são o tipo de meninas populares da escola que se acham o máximo, mas não passa de fachada. Elas só sabem gastar o dinheiro que os pais conseguem e olha que eu sei muito bem o que é isso, mas nunca fui de me importar com todo esse mundo encantado que elas vêem em gastar.
Joguei o resto da maçã no lixo, me cobri até a cabeça e me permiti dormir.
[...]
-Sook, acorda, está na hora do café da manhã. – Jenn me chamava. Assenti e fui me trocar. Estava escovando os dentes quando a Jenn entrou no banheiro, o resto das meninas assanhadas já haviam ido embora, Jenn amarrou o cabelo em um coque e eu pude ver os chupões em seu pescoço. – Pelo jeito a noite foi boa, não é mesmo, Jennipher?
-Ah isso? – Ela olhou pelo espelho e soltou o cabelo – Não foi nada, Sook.
-Sei que não foi, os gemidos no refeitório também não. – Sorri maliciosa
-Você ouviu? – Ela estava envergonhada.
-“Hmmm, isso... Vai logo”- disse imitando a voz dela – Sim, eu ouvi.
-Ai! Você é muito chata. – Ela bufou e voltou para o quarto.
-Quem era? – Perguntei entrando novamente.
-Ben McCallister.
-O quê? De novo Jenn?
-Ué Sook, é um dos únicos que escapam desse bando de meninos feios. – Ela me encarava agora.
-Não acho.
-Vamos, já perdemos o café, não vamos nos atrasar para a atividade também. – Ela saiu me puxando para fora do dormitório.
Estávamos nos dirigindo para o ginásio, hoje seria um jogo mais comum pela manhã. Ao chegar lá, vimos que já estavam todos e o instrutor já havia começado a explicar o jogo.
-O jogo de hoje é simples e todos conhecem, é bem conhecido como mata-mata, queimadinha ou até mesmo queimada. Onde vocês serão divididos em duas equipes e tem que acertar a bola nos jogadores da outra para queimá-los.
-Moleza! – Gargalhei
-É mesmo, senhorita Lee – o instrutor arqueou a sobrancelha – Pois bem, você vai tirar time com... - Ele varria o lugar com o olhar – Com a Alice Weys.
-Sem problemas!
Escolhi meu time e advinha quem eu conhecia nele?! Só conhecia a Jenn o menino do baseado que eu nem sabia o nome, na verdade não sei porquê o escolhi.
-Vê se pelo menos no jogo você não me atrapalha. – Ele me lançava um olhar desafiador e Jenn me olhava de esguelha, sem entender nada.
-Cala a boca e joga, seu idiota. – Bufei.
Ele me encarou e aquilo acabou virando uma rifa de quem pegava mais a bola e queimava mais, ninguém podia jogar, era eu e ele. E isso estava ótimo, já queimamos metade do time adversário. Peguei a bola e juntei todas as minhas forças sem reparar em quem eu mirava, só ouvi o barulho da garota caindo no chão desmaiada e o menino que era do meu time comemorar comigo mesmo sem eu reagir.
-Senhorita Lee e senhor Jeon, me acompanhem, por favor. - Era o instrutor.
Olhei para a menina caída no chão e vi a besteira que eu fiz. Era Alice, a filha da dona do acampamento, e se algo acontecia para aquela garota não saía barato para quem o fez. Olhei para o garoto ao meu lado e ele estava com um semblante de “tô nem aí”, mas o pior seria ficar na cabine de castigo por três dias com ele. Com a Jenn era uma coisa, mas esse garoto era idiota e fumava. Não vou suportar.
-Estava demorando, não é mesmo, senhorita Lee Sook! – A diretora do acampamento me encarava seriamente.
-Senhorita Ammy, dessa vez eu não tenho culpa de nada.
-Você só quase matou a Alice, nada demais, sua delinquentizinha. – Ela estava realmente furiosa.
-Era apenas um jogo e eu acertei a menina para queimá-la, eu não tenho culpa. – Bufei.
-Até parece que você não sabe que se a queridinha se machuca você leva culpa, manda logo a merda do castigo. – Dessa vez, era o maior ao meu lado que se manifestava.
-Calado, Senhor Jeon, seu pai não gostaria de saber o que aconteceu. Enfim, três dias na solitária e como só temos uma, sinto informar, mas irão ficar juntos.
-Se o meu pai souber disso esse ligar vai para o chão e a senhora sabe disso. – Bufei para a mais velha.
-Não se ele soubesse que sua linda filha quase matou a dona do estabelecimento. Peguem suas coisas no dormitório e sumam da minha frente.
Assim fizemos. Fui até o dormitório e peguei as minhas coisas, ao sair encontrei a monitora que iria me guiar até a solitária, como se eu não soubesse onde fica. Durante todos esses anos pelo menos três vezes eu ia para a solitária, mas ia com a minha amiga linda que era uma menina, porém, aqui ao meu lado está um menino e não é e nunca será a mesma coisa.
A monitora abriu o “quarto” e logo voltou para a sala daquela mulher ridícula, bajuladora da Alice. Na verdade, se alguém trabalhasse aqui e não bajulasse aquela menina recebia o ódio do patrão, não aguentava a pressão e se demitia. Ainda me lembro da Lance, ela era a melhor monitora, a única que eu me dei em todos esses anos e sabe por que eu tinha afinidade com ela? Exatamente porque ela tratava a garota como tratava a todos. A Alice fez um fuzuê enorme com a coitada e inventou para a senhorita Ammy que ela estava ficando com os alunos e era proibido, todo mundo tentou ajudar, mas quando se trata de Alice Weys e Ammy Venter não existe mais ninguém.
Entrei no quarto e me joguei em uma das camas, o menino sentou-se no sofá e tirou um baseado do bolso e um isqueiro e o acendeu.
-É sério isso? – Perguntei, incrédula
-Vê se me erra garota. – Ele revirou os olhos.
-Qual é! Para de marra, todo mundo sabe que você não tem essa moral toda. – Gargalhei irônica
-Você não sabe nem quem eu sou, como acha que me conhece?
-Você sabe o meu nome, mas eu só sei o seu sobrenome. – Esqueci de contar antes, Jeon também tem olhos puxados. Talvez um ocidental ou talvez só descendente.
-Jeon Jeongguk. Mas me chamam de JungKook – ele disse em um tom indiferente – E eu não sou japonês, sou coreano.
-Tanto faz.
-Você é filha do poderoso Lee KyMee não é mesmo? – Ele me encarava agora.
-Sou.
-Hm. – Ele voltou a fumar e eu virei de costas para ele.
Já estou até vendo que serão longos três dias e que esse menino não conhece uma coisa chamada limites. Mas comigo não é assim, porque não vou aturar esse cheiro aqui.
-Por que vem pra cá nas férias? – Ele perguntou repentinamente.
-Ah, digamos que não sou um incomodo em casa. – Sorri ironicamente e continuei – Eles me colocam em colégios e cursos caros, dizem que é para que eu tenha um futuro saudável e que um dia seja alguém, mas na verdade eu sei que é para me ocupar e afastar.
Ele me encarou firme e tragou mais uma vez.
-Te entendo, só que no meu caso eu só tenho meu pai. – Ele estava aparentemente triste
-Sinto muito.
-Não sinta, a pessoa que mais tem culpa nisso sou eu, mas não tô nenhum pouco a fim de ficar aqui contando da minha vida. – Ele abriu uma de suas mochilas e tirou um biscoito cheetos e uma geléia de amendoim e eu fiquei um tanto que boquiaberta.
-Não tô acreditando.
-Só falta a patricinha me dizer que isso é nojento. – Ele revirou os olhos.
-Não, na verdade, essa é simplesmente a melhor combinação do mundo, nunca comi algo tão bom.
Era a vez dele de ficar surpreso com a minha reação.
-Que foi, anda logo. Senta aqui eu também quero comer. – Bati no colchão da cama onde eu estava sentada.
Começamos a comer e realmente não existia comida melhor que aquela. Eu tentava entender o porquê estávamos ali, porque ele e porque eu. Mas nem tudo que se questiona tem resposta, isso é uma das frases feitas que a avó da Jenn vive dizendo para ela e ela repetindo para mim.
-No que você tanto pensa? – Ele fitava o pote de doce que tinha em mãos.
-Não sei, já parou para pensar que poderia ser tudo diferente? – Ele estava confuso e sem entender aonde eu queria chegar.
-Como assim?
-Imagina se eu nascesse em outra família que me desse mais atenção, imagina se sua mãe ainda estivesse aqui, imagina se minha avó ainda estivesse aqui. JungKook o mundo seria mais bonito, talvez as pessoas se dessem melhor umas com as outras. – Sorria abertamente, mas algumas lágrimas que eu segurava pediam para descer.
-Mas se fosse tudo diferente, Sook, você não conheceria as pessoas boas que passaram e passam pela sua vida. E se minha mãe ainda estivesse viva eu não conheceria uma pessoa que gosta da mesma combinação que eu. – Ele sorria para me confortar.
-Não somos amigos, não precisa ter pena de mim. – Me levantei e me joguei no sofá de costas para o mais velho.
[...]
Acordei. Meus olhos ardiam com a luz entrando e eu estava deitada na cama, mas ao que me lembre me deitei no sofá. Olhei para as minhas roupas e não reconheci aquela blusa, ela era extremamente grande. Eu sabia de onde vinha, mas não queria acreditar. Soltei uma risada alta e irônica, já que eu não ia discutir com o menino pelo simples fato de ele ter me feito dormir confortável. Levantei e fui até o banheiro fazer a minha higiene matinal. Saí e Jeon estava sentado na cama, o vermelho dos olhos não era visto e era até bonito de se ver, ele estava com uma cara de sono extremamente fofa e não parecia ser o que ele realmente é durante o dia. Não conseguia parar de encará-lo, aqueles olhos mel me instigam.
-A blusa ficou... bonita em você. – Ele sorriu mesmo sonolento.
-Ahn... Obrigada, eu acho. – Me virei e lembrei-me de trocar de blusa, tirei uma outra blusa da mala e me sentei na cama, não me importo se ele ainda estava ali, se já me viu de biquíni qual a diferença de ver de sutiã? Tirei a blusa e pude sentir o peso do olhar de Jeon sobre mim, ou melhor, sobre meu corpo, rapidamente vesti a outra blusa e me levantei.
-Já que os únicos momentos que podem sair são para as refeições vou tomar café. – Me retirei.
E fui para o refeitório, todos estavam lá e no momento em que abri a porta me senti naqueles filmes de “high school” quando alguém importante abre a porta e todo mundo faz silêncio e encara a pessoa, sempre sonhei em presenciar a cena, mas não a que fosse comigo. Logo, vi Jenn na fila, ela acenou e me chamou para ficar lá com ela, as pessoas voltaram ao que estavam fazendo e eu sorri fraco para a menina.
-Que tenso. – Ela gargalhou - como está sendo ficar trancada com Jeon Jeongguk na solitária?
-Nada legal, mas ainda prefiro aquilo do que viver com esse povo. - Olhei com nojo as pessoas em volta. - Infelizmente são apenas três dias.
Três longos e, quem sabe, até agradáveis dias.
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