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História For the love of my family - Capítulo 49


Escrita por: Believe8

Notas do Autor


51,257 palavras, 86 páginas, 2,197 parágrafos, 19 dias escrevendo direto, sem parar. Esse foi o maior e mais trabalhoso capítulo de toda a minha vida de ficwritter, e estou muuuito orgulhosa dele! Ele transita por 25 anos, e está cheio de momentos emocionantes e de cair o cu da bunda.
Então sim, vocês vão chorar, vão gritar, vão ter ataques. Nem vou dizer o contrário, só aceitem!
Lá embaixo vou explicar tudo o que aconteceu. Nos vemos lá!

Capítulo 51 - Capítulo 49


Mário só deu pela falta de Rabito quando chegaram na casa de Alicia e foram recepcionados por Kira, que pulou direto no colo de Paulo, o assustando.

“Quem é essa?” Perguntou o Guerra, desviando o rosto das lambidas, assustado.

“Que pai desnaturado o seu, Kira. Nem te reconhece mais.” Riu Lilian, vendo os olhares curiosos. “A Kira foi seu presente de aniversário para a Alicia, Paulo... Ou como vocês chamam, a filhinha de vocês.”

“A Valéria diria que o forninho caiu.” Riu Marcelina, observando o irmão e a cunhada acariciando a cachorrinha. “Olha, tem fotos de vocês três.”

“Minha casa está diferente.” Observou a Gusman.

“Vocês quiseram mudar tudo, querida... Começar uma vida nova, sem fantasmas do passado.” Explicou a mulher, acariciando a cabeça da nora. “Foi um dos motivos pelos quais os três vieram morar com você. Fazer desse o lar de vocês.”

“E ela se dá bem com o Rabito?” Perguntou Mário, procurando o cachorro.

“Hã, filho...” Germano começou, e os quatro se encolheram. Conheciam aquele tom, estavam ouvindo muito dele nos últimos dias. “O Rabito... Ele não está mais entre a gente não.”

“C-como assim?” O Ayala mais novo caiu sentado, com a namorada ao seu lado. “O que aconteceu?”

“Teve um surto de gastroenterite, Mário, no final de agosto.” Explicou Nathalia, sem jeito. “Muitos cachorros morreram na cidade, foi muito forte. O Rabito ficou muito ruim, muito depressa. Foi coisa de dias para ele estar por um fio. O veterinário não viu solução, e você resolveu acabar com o sofrimento dele.”

“Ele sofreu muito?” Perguntou Marcelina, emocionada.

“Vocês impediram isso, querida. Foi muito bonito o que vocês fizeram.” Garantiu Lilian. “Vocês se reuniram na casa abandonada e ficaram com ele o tempo todo. Você deitou do lado dele, Mário, e você ficou com os dois no colo, filha... A Maria Antonieta também ficou ali, do lado dele, e o Paulo e o Jaime tocaram violão.”

“Eu acho que ele gostou, não é?” Fungou Mário, limpando o nariz. “Nós enterramos ele na casa?”

“Foi...” Concordou Roberto. “Sinto muito, Mário.”

“Pelo menos, ele não sofreu. Isso é o mais importante.” O rapaz apertou a mão da namorada, encarando o casal de amigos. “A Kira tem raça?”

“Não, ela veio de um abrigo. Ela tem oito meses.” Roberto brincou com a cachorrinha, que resfolegou animada. “Coisinha fofa do vovô.”

“Ok, isso é novidade.” Paulo se surpreendeu.

“Seu pai é um bobão quando se trata da Kira. Nem imagino como vai ser daqui alguns anos, quando as crianças nascerem.” Riu Lilian.

“Caraca, mãe, você tá realmente querendo netos, hein?” Marcelina se assustou. “Nós nem tínhamos acordado direito depois do acidente, e você já falando de netos. Agora de novo. Calma aí, só temos 18 anos.”

“É modo de dizer, filha.” A mulher riu, trocando um olhar cúmplice com os demais adultos. “Bom, vocês querem que fiquemos aqui? Ajudemos em alguma coisa?”

“Não, mamãe... Acho que nós precisamos de um tempo para nos re-acostumarmos.” Pediu Marcelina, um pouco tensa.

Logo após a saída dos mais velhos, os quatro ficaram se encarando por um tempo. Kira já estava na sua caminha, devidamente alimentada, e uma pizza seria entregue logo para alimentar os jovens.

“Minha casa está muito diferente mesmo. Ou melhor, nossa casa.” Comentou Alicia.

“Segundo o meu pai, nós vendemos quase tudo e compramos novo ou seminovo. Até nossas coisas, da casa dos nossos pais, nós vendemos.” Explicou Mário, se balançando sobre os pés.

“Vocês também estão com medo de ver como está lá em cima, não é?” Perguntou Alicia, vendo os três assentirem. “Eu... Eu não sei o que esperar do quarto dos meus pais.”

“Vamos juntos.” Paulo se levantou e pegou a mão dela, os quatro subindo para o andar de cima. Encararam as três portas, curiosos. “Quer ver o seu?”

A morena caminhou e abriu a porta que era sua, observando o interior com um pequeno sorriso.

“Acho que é nosso, amor...” Ela chamou o Guerra, que deu um passo e observou o interior.

As paredes eram cor de gelo, o armário era espelhado, a cama de casal tinha a cabeceira preta. As paredes eram forradas com fotos e atrás da cama tinha um quadro enorme, com a fachada de Nova York.

“É a cara de vocês, realmente. Só não entendi a foto de Nova York.” Observou Marcelina.

“É onde eu quero passar a lua de mel.” O casal disse junto, caindo na risada logo depois. “Vamos ver aonde vocês dormem...”

Abriram a porta ao lado, do quarto de hóspedes, encontrando o quarto do casal. As paredes eram bege, e a cabeceira da cama e o armário eram brancos, mas não tinha muita coisa nas paredes, além de algumas fotos dos dois e uma de Rabito.

“Um quarto meio impessoal.” Comentou Paulo, analisando o lugar.

“Você e a Ali vão ficar aqui por mais tempo, maninho... Eu e o Mário, não.” Foi só o que Marcelina disse. No fundo, os quatro sabiam que aquilo seria temporário da faculdade, e uma hora, o Ayala e a Guerra iriam partir.

“Você quer ver o quarto dos seus pais, Ali?” Perguntou Mário, vendo-a negar.

“Isso pode esperar mais um tempo, Mário... Deixa os fantasmas quietos mais um pouco.” A garota deu de ombros, encarando a porta fechada no corredor.

“Acho que a pizza chegou.” Observou Marcelina, ouvindo uma moto parando na rua.

“Então vamos comer. Vamos... Vamos tentar voltar a viver.” Pediu Paulo, enquanto os quatro desciam novamente as escadas.

~*~

Estranho era a palavra que melhor definia como estava a vida deles ultimamente. Surreal também seria bastante útil. Bizarra já tinha se tornado de praxe. A verdade é que tinham acordado em uma vida que, nem de longe, parecia deles, e agora tinham que se adequar a isso.

A primeira vez que Jorge e Margarida entraram no apartamento que dividiam, foram tomados por uma enxurrada de sentimentos. Mas acima de medo e confusão, seus corações clamavam pela falta de algo que eles não sabiam dizer o que era.

Segundo seus pais, eles estavam dividindo o lugar como uma espécie de treino, já que morariam juntos em Londres, no ano seguinte. As duas informações, claro, os surpreenderam, mas nenhum deles recuou, mesmo após Alberto dizer que eles poderiam voltar para suas casas e adiar a viagem.

Nos primeiros dias, as coisas foram bastante engessadas. Deitavam na cama, um virado para cada lado, um pouco encolhidos e sem graça. Margarida ficava roca a cada vez que topava com o loiro sem camisa, e quase desmaiou quando o flagrou trocando de roupa. Ele, por outro lado, tentava respeitar ao máximo a privacidade dela, controlando os impulsos que pareciam vir da época “esquecida”.

Por diversas vezes, Jorge dormiu no sofá, em uma tentativa de dar mais conforto e tranquilidade para a morena. Porém, perceberam que a cada vez que se afastavam, os pesadelos vinham com mais força. Os pesadelos começaram na primeira noite no hospital, intensos e confusos, com vozes que eles não conheciam, luzes fortes e um sentimento de angústia. Na primeira noite em que dividiram a cama, perceberam que não houve nenhum sonho ruim; na seguinte, quando ele foi para a sala, os dois ficaram inquietos.

Foi em uma dessas noites que acabaram se entregando um para o outro novamente. Jorge tentava dormir na sala, aflito com as imagens que apareciam quando fechava os olhos, quando ouviu os soluços de Margarida. Correu para o quarto sem hesitar, pulando na cama e a puxando para os seus braços.

“Hey, hey... Tá tudo bem, se acalma.” Ele pediu baixinho, sentindo o corpo trêmulo dela se apertar ao seu.

“Será que é ele, Jorge?” Ela perguntou baixinho, encarando o namorado. “Será que isso que a gente vê, é o Jaime morrendo? É a explosão?”

“Eu não sei, Marga, mas isso também já me ocorreu.” O loiro sentiu os olhos arderem. “Eu faço o possível para não pensar nisso.”

“Fica aqui, por favor. Esses sonhos ruins não aparecem quando você está do meu lado.” Implorou Margarida, o apertando com força.

“Se você quiser, eu fico. Eu não vou a lugar nenhum, meu amor... Eu prometo.” Era a primeira vez que ele a tratava assim desde que tinham acordado, e os dois notaram isso. “Eu te amo, Margarida...”

“Eu também te amo.” Era fácil dizerem isso, natural. Era um sentimento que revestia seus corações, e nem mesmo a amnésia conseguiu encobrir isso. “Eu não aguento mais essa situação, Jorge. Meu corpo ele... Ele clama, sabe? Por algo que para ele é natural, mas que a minha cabeça esqueceu.”

“Eu sei, eu também sinto isso.” O rapaz brincava com os cabelos dela, tenso. De repente, a garota sentou e pulou por cima do colo dele. “O que...”

“Sente.” Ela pegou sua mão novamente, colocando em cima do próprio coração. “Ele é seu, loirinho... Assim como todo o resto. Eu inteira sou tua.”

“Eu também sou seu, caipirinha.” Ele a abraçou pela cintura, aproximando seus rostos.

“Lembra a minha cabeça daquilo que o meu corpo não esqueceu.” A Garcia pediu baixinho, colando suas testas e fechando os olhos.

“Quantas vezes você quiser e precisar.”

~*~

Planos mudam, mas isso não é algo fácil de se aceitar quando não se entende o porquê. Não estava sendo fácil para Daniel e Carmen encarar aquela nova realidade, tão diferente da que eles tinham imaginado.

Os dois estranharam saber que estavam trabalhando com o pai do garoto, e ainda mais, que ele havia trocado de curso na faculdade e desistido do sonho de abrir a ONG.

“Nós não sabemos o que levou vocês a isso.” Foi só o que Valentim disse, no primeiro dia do casal de volta à empresa. “Vocês só disseram que conversaram e pensaram muito, e acharam que seria melhor.”

“Melhor para quê, pai?” Questionou Daniel.

“Quando eu te perguntei, você só me disse que para a família de vocês, filho... Agora, de que forma, isso só vocês sabiam.”

“Muita coisa aconteceu em seis meses, não é?” Resmungou Carmen.

“Um segundo é o bastante para mudar uma vida inteira, querida. Quem dirá seis meses?” Riu o Zapata mais velho.

Mas não podiam negar que havia algo de delicioso em tudo aquilo. Bem no fundo, os dois sempre tinham idealizado como seria dividir o mesmo teto, partilhar a vida um com o outro, poder se entregar totalmente. Em seus planos, isso só aconteceria depois que casassem, para que nada os atrapalhasse no caminho de fundar e fazer prosperar a ONG. Agora que não tinham mais esse fardo sobre os ombros, a vida tinha se tornado muito mais leve.

“Bom dia.” Daniel entrou na cozinha segurando a camisa, encontrando Carmen preparando o café.

“Bom dia.” Ela sorriu para ele, ganhando um beijo na bochecha. “Pronto para o primeiro dia de aula?”

“Ansioso, eu diria.” Ele confessou, apoiando a camisa no encosto da cadeira. “Nunca me imaginei estudando administração.”

“Você vai se sair bem, amor, assim como sempre se saiu na escola.” Ela colocou as xícaras na mesa, se sentando de frente com ele. “E se você não gostar, sempre tem a opção de parar a faculdade e mudar de curso.”

“Eu sinto que vou gostar, sabe? Eu estou realmente gostando de tudo o que tenho feito na empresa do meu pai, do que ele está me ensinando... Talvez eu leve jeito para ser administrador!”

“Eu também estou gostando de ser secretária, mas estou ansiosa para conseguir um estágio. Lecionar continua sendo minha paixão.” Sorriu a moça, bebericando seu café. “Você também fica pensando no que será que nos fez mudar de ideia?”

“Todos os dias. Eu acho que... Acho que nós falamos em filhos.”

“Filhos?” Ela estranhou. Nunca tinham tocado naquele assunto, até por serem novos demais.

“Bom, é... Lembra quando nós começamos a falar na ONG, em como iríamos nos manter financeiramente e tudo o mais?” Ela assentiu. “Nós vimos que, para tudo dar certo, precisaríamos trabalhar muito, e teríamos pouco tempo para a gente. E nós comentamos por cima que, com isso, filhos seriam difíceis.”

“Verdade, nós falamos em filhos quando conversamos sobre isso.” Ela concordou, pensativa. “Mas por que você acha que foi isso que mudou a nossa ideia?”

“Você abriria mão de ter filhos, ou de poder cuidar deles, por uma ONG?” A pergunta a pegou de surpresa. Se fosse seis meses antes, teria dito que sim sem pestanejar. Mas algo, naquele momento, gritava que não. “É, eu também...”

“Eu realmente queria saber o que aconteceu durante esses meses.” Ela bebeu seu café, vendo-o fazer o mesmo.

“Eu também.” Daniel se levantou, beijando a testa dela. “Vou pegar nossas coisas para o trabalho, ok? Já pegou suas coisas da faculdade? Hoje nós vamos direto, por ser o primeiro dia.”

“Estou terminando de separar, meu nerd cuidadoso.” Carmen riu, vendo-o pôr a camisa e sair andando para o quarto, deixando-a novamente com seus pensamentos.

O rapaz caminhou até a porta trancada e pegou um papel no bolso, o papel que havia tirado dali no dia em que chegaram na casa, antes que a noiva visse e o pegasse.

“Não abrir até a Carmen engravidar.” Leu em voz baixa, encarando a porta. Não sabia onde estava a chave, não tinha achado em lugar nenhum. Mas, dentro de si, sabia que aquela porta escondia o motivo de sua decisão.

~*~

Demorou quase um mês para terem coragem de ir até a casa abandonada. Quando o fizeram, era porque Jorge e Margarida embarcariam para a Europa no dia seguinte. O grupo de amigos se encontrou algumas ruas distante, Paulo afinal livre do gesso, e foi andando junto até o local.

O que antes era uma construção antiga, revitalizada por eles, agora era apenas frangalhos. Praticamente todas as paredes tinham ido para o chão, deixando algumas vigas tortas de pé e muita coisa queimada e amontoada.

“É pior do que eu imaginava.” Garantiu Valéria, os olhos cheios de lágrimas.

“É como se uma parte da nossa história tivesse sido destruída.” Disse Koki, desconfortável.

“Mas uma parte dela realmente morreu aí dentro, cara. E uma parte que não pode ser substituída.” Corrigiu Daniel, lembrando do amigo.

“Alguém falou com os pais dele?” Perguntou Cirilo, emocionado.

“Eu liguei para eles, semana passada. Eu sei que, nesse processo de luto, é bom conversar com alguém.” Contou Alicia. “Eu falei com o seu Rafael, porque a dona Eloísa ainda está bastante sensível. Ele disse que estão muito tristes, claro, mas que estão em paz. Eles ficam felizes que o Jaime tenha morrido depois de salvar a gente, sabe? Como ele mesmo disse, se o Jaime tivesse escapado do incêndio, mas nós tivéssemos morrido, ele nunca iria se perdoar ou viver em paz.”

“Realmente, é a cara do Jaime isso.” Margarida riu baixinho.

Logo depois, caíram no silêncio total. Paulo foi o primeiro a dar um passo à frente, pegando a rosa que levava na mão e colocando no chão, em frente à porta de entrada. Alicia o imitou, sendo seguida por todos os amigos, um a um.

“Aonde quer que você esteja, descanse em paz, amigão.” Declarou Daniel, a voz embargada.

“Obrigada por cuidar de nós uma última vez.” Completou Mário, apertando Marcelina contra si.

“Nós vamos fazer com que o seu sacrifício não tenha sido em vão, Jaime... Nós vamos fazer a nossa vida valer a pena.” Prometeu Carmen, antes do grupo cair novamente em silêncio, observando as ruínas do local que tanto lhes trouxe alegria.

~*~

“Jorge? Amor, cheguei.” Margarida entrou no pequeno apartamento que dividiam em Bournemouth, deixando as coisas na entrada. “A aula terminou mais cedo.”

Em resposta, recebeu silêncio. Estranhou, já que o namorado costumava chegar bem antes dela. O procurou na cozinha e na sala, logo recorrendo ao quarto dos dois. Encontrou um vestido novo sobre a cama, junto com um bilhete.

“Se troque e se arrume, logo venho te buscar. Um beijo, do seu loirinho gostoso.” Ela leu em voz alta, rindo. “E convencido, hã?”

Ela tomou um banho rápido, sem lavar o cabelo. Não muito tempo depois que chegaram à Inglaterra, adotou um corte mais moderno, na altura do queixo e com franja. Jorge reclamou muito no começo, saudoso dos cabelos longos dela. Mas ela precisava daquilo, daquela mudança brusca para aceitar e abraçar sua nova vida.

O vestido era lindo, na cor azul, com um decote generoso na frente e as costas nuas. Ia até a altura dos joelhos em uma saia perfeita para rodopiar, algo que ela sabia que ele gostava de fazer sempre que a via chegar pronta.

Assim que terminou de se maquiar, a campainha tocou. Caminhou até a porta, abrindo e encontrando Jorge, em um terno preto com gravata azul. Ele segurava um buquê de rosas brancas, sorrindo.

“Não achei margaridas, me desculpe.” Ele disse, entregando as flores para ela. “E você está maravilhosa, meu amor.”

“Bobo.” Ela cheirou as flores, sem conseguir conter o sorriso. “Você também está lindo.”

“Por isso que somos o casal mais sensacional do mundo.” Ele enlaçou sua cintura, lhe dando um beijo. “Pronta para irmos?”

“Para onde vamos?”

“Ferroviária. Vamos pegar o trem para Londres.”

Era uma viagem de menos de duas horas, as quais eles ficaram conversando sem parar. Jorge contava sobre seu curso de direito de nove meses, que chegava ao fim, enquanto Margarida contava da aula de pintura que tivera pela manhã, e das compras que havia feito durante a tarde.

“Nem acreditam que em três meses, nós afinal estaremos em casa.” Suspirou a garota, enquanto caminhavam pelas ruas frias de Londres, devidamente adornados de casacos.

“Até parece que não gostou da viagem.”

“Você sabe que eu amei cada minuto dela, Jorge... Mas eu sinto falta dos nossos pais, dos nossos amigos! E eu estou louca para começar a faculdade de psicologia.” Os olhos esverdeados brilharam ao falar aquilo.

“Eu sei, linda, também estou ansioso para começar a faculdade de direito, para valer.” Ele sorriu para a namorada. “Mas esse tempo, só nós dois, foi bom... Nós amadurecemos muito como um casal.”

“Nós viramos um casal, você quer dizer.”

“Nós já erámos, só não lembramos.” Os dois riram, como sempre acontecia quando falavam sobre a perda de memória. Àquela altura, tinham uma visão menos tensa e dramática sobre esse fato, apesar de ainda sentirem muito em relação ao evento que a ocasionou e a perda de Jaime. “Meu ponto é que hoje, apesar de sermos o casal junto a menos tempo no nosso grupo, temos talvez a maior maturidade de relação.”

“Mas tem mais gente morando junto.” Lembrou a Garcia.

“Não do outro lado do mundo, longe de todo mundo.” Ela teve que concordar com Jorge naquele ponto. Estar em uma cidade estranha, há quilômetros de distância de casa, tendo apenas um ao outro, os uniu muito mais. “Hoje, eu sei que poderíamos enfrentar qualquer coisa juntos, Marga. Estamos prontos para isso!”

“Que sorte a nossa, meu loirinho.” Ela se pendurou no pescoço dele, lhe tascando um beijo no meio da rua. “Vai demorar para chegarmos?”

“Não, amor, estamos perto.” Prometeu o loiro, a guiando pelas ruas.

Entraram em um restaurante pequeno, bastante modesto, quase escondido em meio as outras construções. Entregaram os casacos para o maitre, que os guiou para seus lugares.

“Que lugar adorável.” Suspirou Margarida, maravilhada.

“Eu sabia que você iria gostar. Foi um colega do curso que indicou, disse que era bem aconchegante. Achei que você gostaria mais do que aqueles lugares grandes e chiques.” Explicou Jorge, bebericando seu vinho.

“Eu amei, loirinho... Muito obrigada.” Ela segurou a mão dele, que depositou um beijo suave ali.

“Feliz um ano de namoro, meu anjo.” Ele desejou, vendo-a arregalar os olhos.

“É hoje?” Ele assentiu, sorrindo. “Ai, eu esqueci, amor! Me desculpa. Eu ainda fico um pouco perdida com as datas do que aconteceu antes do acidente.”

“Eu sei, eu também. Meu pai me lembrou no começo da semana, e eu corri atrás de tudo.” Explicou o Cavalieri, vendo-a rir. “Segundo ele, eu te pedi em namoro, oficialmente, no dia 01 de setembro.”

“Queria me lembrar disso.” Ela suspirou, suas mãos brincando em cima da mesa. A garota acabou rindo. “Então hoje faz um ano.”

“De namoro?”

“Que a gente ficou junto, daquele jeito.” Ela explicou, vendo-o corar levemente. “Minha mãe disse que foi no dia em que você me pediu em namoro. Nós estávamos na sua casa, depois, e estava chovendo muito. Eu ia dormir lá, porque não tinha jeito de ir para a minha casa, e rolou.”

“Amo ainda mais esse dia.” Prometeu Jorge, dando uma piscadela. “E sinto que vou amar mais e mais.”

“Do que você está falando?” Ela perguntou, curiosa.

“Sem estragar as surpresas, caipirinha.” Mandou o namorado, brincalhão. “Temos muito o que fazer hoje.”

Depois de um jantar maravilhoso, voltaram as ruas londrinas. Pegaram um táxi e foram para a London Eye, e os olhos de Margarida brilharam ao ver a roda gigante.

“Nós vamos andar nela?”

“Sim, e em uma cabine privada. Só nós dois.” Avisou Jorge, ansioso.

Após todo o processo de documentos, reservas e segurança, chegaram afinal ao seu destino. A cabine era apenas deles, tinha ar-condicionado, champanhe e trufas. A garota se maravilhou já com isso, sem imaginar o que mais estava por vir.

“Temos meia hora aqui.” Contou o loiro. “É o tempo que demora para a roda dar uma volta inteira.”

“É o bastante. Se eu tivesse cinco minutos, apenas, já seria feliz.” Garantiu Margarida, emocionada. “Foi a melhor surpresa do mundo, loirinho.”

“Tudo para você, meu amor.” Ele prometeu, lhe dando um beijo e abrindo o champanhe. “Aceita?”

“Claro que sim.” Ela concordou, pegando a taça que ele ofereceu. “Um brinde, meu amor... A um ano de nós dois, mesmo que a gente não se lembre de parte dele.”

“Um brinde ao resto das nossas vidas, Margarida... E por todas as lembranças que ainda vamos fazer.” Sugeriu ele, batendo as taças. Após beberem um gole, ele a puxou pela cintura e deu um beijo delicado. “Eu te amo.”

“Eu te amo mais.” Ela riu, beijando a ponta do nariz dele.

Ficaram em silêncio, admirando a paisagem por um bom tempo. E então, quando estavam no ponto mais alto, Jorge se afastou, virando a namorada de frente para ele.

“Marga?”

“Hum?”

“Você enfrentaria o mundo comigo?”

“Que pergunta é essa, Jorge? Você sabe que sim! Depois de tudo o que aconteceu, eu sei que iria até o fim do mundo com você.” Garantiu Margarida, estranhando aquela conversa.

“Você sempre viu o melhor de mim, caipirinha, mesmo quando eu era um mimadinho babaca; mesmo que fosse só a minha aparência, você viu algo de positivo em mim. Eu não me lembro quando comecei a sentir algo por você, e nem quando esse algo virou amor... Já é algo que vem crescendo há tanto tempo, que nem a amnésia conseguiu colocar no lugar. Eu só sei que eu te amo demais, e não consigo mais me imaginar sem você, ou longe de você.” O loiro foi declarando, ficando emocionado. À sua frente, a garota já chorava. “Você é tudo para mim, Margarida Garcia, tudo o que eu quero e tudo o que eu preciso para ser feliz. E tendo isso em mente, eu quero te fazer uma pergunta.”

Jorge segurou a mão dela, se abaixando sobre um joelho. Margarida prendeu a respiração, entendendo o que aconteceria.

“Margarida Garcia, você me daria a enorme honra de, no futuro, próximo ou distante, se tornar minha esposa?” Perguntou o rapaz, com a voz embargada.

“Sim. Ai, meu Deus, sim! Um milhão de vezes sim!” Gritou a morena, o puxando para cima e pulando no colo dele, o enchendo de beijos. “Seu maluco.”

“Seu, caipirinha, só seu.” Prometeu ele, sorrindo e secando as lágrimas da garota. “Você nem me deu tempo de te mostrar seu anel.”

“Eu não ligo para anéis.”

“Mas é parte do pedido.” Ele a colocou no chão, pegando a caixinha do bolso e abrindo. Ali, em meio ao veludo, um anel de platina com um diamante solitário brilhando no meio. “Posso?”

A garota assentiu, estendendo a mão para que ele colocasse o anel. Ele o fez, beijando logo em seguida. Por fim, voltou a beijar os lábios da agora noiva, os dois sorrindo.

“Eu menti.” Ela confessou, o surpreendendo. “Eu sabia que hoje fazia, e preparei um presente para você também. Está por baixo do vestido.”

“Se essa roda não fosse tão alta, eu pulava daqui com você, agora mesmo, e ia usar esse presente.” Prometeu Jorge, vendo Margarida cair na risada logo depois.

~*~

“Alicia, cadê minha camisa?” Paulo desceu as escadas correndo, desesperado.

“Não sei, amor, foi o Mário que lavou a roupa ontem.” Respondeu a garota, terminando de encher a garrafa de café.

“Puts, ele sempre deixa ela amassada.” Resmungou o Guerra.

“Engano seu, cunhadinho. Eu treinei como passar sua camisa, para você não me xingar mais.” Mário veio da lavanderia, segurando a camisa de Paulo. “Perfeita, como pode ver.”

“Amor, você precisa de um emprego. Está muito dono de casa.” Riu Marcelina, entrando na cozinha.

“Até queria, amor, mas até que eu consiga transferir meu curso para matutino, isso é impossível.” Se desculpou o Ayala. Ele estudava no período da tarde, e não estava conseguindo nenhum trabalho durante a manhã.

“Relaxa, cara, você tá salvando a gente.” Garantiu Alicia. “Se nós quatro estivéssemos trabalhando o dia inteiro e estudando à noite, esse lugar estaria um chiqueiro.”

“Falando em trabalho, eu estou atrasado.” Paulo virou uma xícara de café, dando um selinho na namorada e um beijo na testa da irmã. “Não almoço em casa hoje.”

“Hora extra?” Questionou a namorada.

“Cobrindo o outro porteiro, vai com a esposa no médico hoje. Eu vou comer algo por lá mesmo.” Explicou ele, pegando a mochila e saindo. “Nos encontramos na faculdade.”

“Espero que ele consiga um estágio logo.” Suspirou Marcelina, sentando para comer.

Apesar de ainda terem uma boa reserva financeira advinda da morte dos pais de Alicia, os outros três se recusavam a usufruir desse dinheiro. Por fim, ela também preferiu deixá-lo guardado em um banco, para quando fosse a hora certa.

E mesmo com os Guerra e os Ayala se prontificando a dar mais dinheiro para se manterem, os amigos queriam se virar sozinhos. Então Paulo conseguiu um emprego como porteiro em um prédio comercial grande, Alicia foi contratada como estagiária por um amigo de Miguel Medsen e Marcelina entrou como estagiária junto com Daniel, na empresa dos Zapata.

“Eu vou na secretária hoje, de novo. Acho que consigo que a transferência saia na metade do ano.” Avisou Mário, sentado na mesa com as meninas.

“Se precisar, nós duas damos barraco lá. Eles já estão te enrolando há três semestres.” Resmungou Marcelina.

“Para a sua sorte, sua cunhada será uma excelente advogada, Mário. Posso detonar aquela faculdade.” Alicia piscou para o amigo, se levantando. “Não venho para o almoço também, vou comer com o pessoal do escritório. Nos vemos na faculdade a noite.”

“Tchau, cunhadinha.” Marcelina se despediu.

“Ah, Mário, se você conseguir, dá um banho na Kira, por favor. Ela está fedendo depois da chuva de ontem.” Gritou a Gusman, batendo a porta atrás de si.

“Não sei se vai dar tempo. Tenho que lavar a roupa, limpar o banheiro, fazer o nosso almoço, limpar a sala...” Enumerou o Ayala, fazendo a namorada rir.

“Amor, você realmente virou um dono de casa.”

~*~

Daniel ficou surpreso com o quanto gostou de administração. Além de apreciar o fato de que seguia estudando com uma das amigas, que era Marcelina, descobriu que se interessava muito por tudo o que dizia respeito a empresa da família.

Agora, no início do quarto ano, não tinha mais nenhum tipo de ressentimento ou dúvida. Podia não saber ao certo o eu tinha o levado aquela decisão, mas se agradecia por tê-la tomado. Acima de tudo, pelo que aquilo lhe proporcionava com a noiva.

Suas lembranças com ela sempre foram felizes, mas nada se comparava ao que estavam vivendo após o acidente. Adorava poder acordar ao lado dela todos os dias, sentindo o corpo dela entre seus braços. Se divertia quando se aventuravam juntos na cozinha, tentando fazer algo diferente para o jantar aos finais de semana. Nada lhe divertia mais do que colocar as coisas no carro, sexta após a faculdade, e sumir por um final de semana com ela, para algum lugar que achassem legal.

E sabia, bem no fundo, que nada disso seria possível se tivesse a ONG, afinal, o dinheiro seria pouco e o tempo livre, menor ainda.

“Amor, nós precisamos conversar.” Carmen entrou no quarto, séria.

“O que foi, anjo?” Ele sentou na cama, deixando o notebook de lado.

“Eu quero marcar a data do casamento. Logo.” Ela disse, pegando-o de surpresa. “Eu já me formei, você está para se formar... Estamos noivos e morando juntos há um tempo, com uma condição financeira estável. Acho que é a hora.”

“Concordo.” O rapaz disse, sorrindo por fim. “Podemos marcar para o começo do ano que vem.”

“Não, amor... Três meses, no máximo.”

“Carmen, tá tudo bem?” Ele sentiu um frio no estômago.

“Dan, eu... Eu to grávida.” Ela pegou um teste de gravidez do bolso da calça, entregando para ele. “Três semanas.”

“Grávida? Mas como? Você toma pílula!” Ele ficou chocado, segurando o exame nas mãos.

“Nos primeiros dias de aula, lembra que eu estava meio pirada por ter uma classe só minha?” Ele concordou, lembrando da pilha que a noiva ficou nos primeiros dias como professora oficial. “Eu esqueci de tomar alguns dias, e em outros, tomei bem fora do horário. Achei que não ia dar nada, mas... Deu.”

“Eu não consigo acreditar.” Foi só o que Daniel disse, ainda em estado de choque.

“Não é como se fosse o fim do mundo, amor... Nós já estamos noivos e morando juntos há quatro anos, estabilizados financeiramente, eu estou formada e você prestes a isso. Nós só fomos um pouco descuidados, e com isso, nosso anjinho vai vir um pouquinho antes.” Carmen esticou a mão, acariciando o cabelo dele. “Você não está feliz?”

“Eu... Você está?”

“Eu fiquei nervosa no começo, um pouco chocara e histérica. Mas, alguns minutos depois, eu estava feliz. Eu estou feliz. Não foi por isso que nós mudamos tudo, Daniel? Pela nossa família, pela família que queríamos construir juntos?” Ele assentiu, um sorriso aparecendo no seu rosto. “Então, amor... Essa família está começando agora, aqui dentro.”

“Nossa família... Soa tão bem.” Suspirou o Zapata, acariciando a barriga dela. “Estamos em março... Que tal no fim de junho?”

“Perfeito. Ele ou ela ainda vai estar pequenininho, mas talvez apareça nas fotos.” Carmen sorriu, animada. Daniel a puxou para o seu colo, se abaixando e beijando a barriga dela.

“O papai te ama, grãozinho. Ama você, e ama a mamãe também.”

“Nós dois também te amamos, Dan. Demais.”

~*~

“Paulo, aonde nós estamos indo?” Perguntou Alicia, curiosa.

“Surpresa é surpresa, amor.” Riu o Guerra, os olhos na estrada. “Você estava assim no seu aniversário de 17 anos...”

“Você lembra?” Ela ficou surpresa.

“Não, mas me ocorreu isso agora. Eu te preparei uma surpresa, te levei para algum lugar, e você estava inquieta, do mesmo jeito que está agora.” Paulo segurou a mão dela, sorrindo. “Já devia ter aprendido que você não gosta de surpresas.”

“Gosto, amor... Só não gosto dessa inquietação de não saber o que está por vir.” Explicou a morena, rindo.

“Você vai gostar, amor, eu prometo.” Ele beijou a mão dela, carinhoso. “Foi uma sugestão do Dan.”

“Você não está me levando para o lugar aonde ele engravidou a Carmen, não é?”

“Claro que não, Alicia, tá louca.” Paulo gargalhou. “É um chalé em Monte Verde, eles foram algumas vezes para lá. É só um passeio romântico, para fugir um pouco da rotina maluca. Nós dois estamos tensos e cansados com esse começo de sétimo semestre, precisamos de uma folga.”

“Isso é perfeito.” Ela suspirou, se recostando no banco. “Você está bem mais pilhado esse ano, realmente.”

“Finalmente consegui um estágio, não é? E em uma empresa grande.” Paulo sorriu, orgulhoso de si mesmo. “Ganhando melhor, o mais importante.”

“Meu orgulho.” Alicia acariciou o cabelo dele, os dois sorrindo.

O chalé era, realmente, uma graça. Era pequeno, com uma sala e cozinha embaixo, o quarto e banheiro em cima. Tinha lareira e aquecedor, além de ser todo de madeira.

Na primeira noite, cansados, usaram o aquecedor e dormiram logo, após terem se amado rapidamente. No dia seguinte, passearam pela cidade e subiram a trilha. Depois, voltaram para casa e pegaram no sono.

Quando Alicia acordou, no começo da noite, estava sozinha. Tomou banho e colocou um moletom do namorado, com um short curto e meias de dedinhos. Desceu a escada e o encontrou na cozinha, fazendo fondue e com a lareira acesa.

“Eu tenho medo de fogo.” Ela disse, atraindo a atenção do Guerra.

“Eu sei, eu também...” Ele concordou, indo até ela. “Mas eu falei com o caseiro, e é totalmente seguro. Ela tem um dispositivo contra incêndios.”

“Fico mais tranquila.” Alicia se pendurou em Paulo, sorrindo. “Vamos comer fondue?”

“Pensei em te levar jantar, mas está frio e você estava tão linda dormindo... Então busquei as coisas e preparei aqui, só para nós. Vamos comer sentados em frente à lareira, bem romântico.”

“Meu Deus, como você é meloso, Guerra... Assim eu gamo.” Aporrinhou Alicia, sendo erguida no ar por ele. “Quer mostrar que faz academia?”

“Que academia, não tenho tempo. Faço levantamento de namorada gorda.” Brincou ele, recebendo um puxão de cabelo. “Te amo, gata.”

Mais tarde, enquanto estavam deitados no tapete, comendo fondue de chocolate na sobremesa, Paulo disse que tinha outra surpresa para ela.

“Outra? É nosso aniversário e eu esqueci?” Perguntou Alicia, sentando e o observando subir a escada.

“Não, morena, não é nenhum dia especial. Mas eu não preciso de um para te presentear e te fazer feliz.” Paulo desceu correndo, agitado. “Toma.”

Ele sentou na frente dela, lhe entregando uma caixinha. Ela prendeu a respiração, prevendo o que tinha ali dentro. Quando abriu e encontrou os dois anéis de ouro, quase caiu para trás.

“Eu passei semanas pensando em uma forma inédita, original e especial de fazer isso, mas não consegui pensar em nada. E então eu entendi que o que faz esse momento especial, somos nós. Eu e você, Ali. Você é o amor da minha vida, tem sido desde que eu era um pivete que acreditava ter sido enfeitiçado pela irmã. E você vai ser para sempre, eu sei disso. Nada me faz mais feliz do que acordar contigo, chegar em casa e te encontrar todas as noites, brigar com você por mimar demais a Kira, ou virar a madrugada rolando com você nos lençóis. Você é a coisa mais importante da minha vida, morena... Você se tornou a minha família, e eu a sua. Mesmo com a Marce e o Mário lá na casa, nossa família tem sido nós dois, há anos, e eu acho que já está na hora de levar isso para outro nível. Podemos esperar depois da formatura, não está longe, mas eu quero que isso seja uma certeza, concreta.” Ele disse em um fôlego só, vendo os olhos dela marejarem. “Então, Alicia Gusman... Aceita ter mais um G nesse nome e se tornar uma Guerra?”

“Aceito.” A garota ergueu os olhos para ele e sorriu, sendo retribuída. “É claro que eu aceito, seu maluco.”

Paulo sorriu, puxando a caixinha da mão dela e derrubando os anéis em sua mão. Pegou o menor, deslizando pelo dedo da garota. Ela fez o mesmo com o outro anel, logo sendo derrubada pelo noivo, que lhe tascou um beijo.

“Eu te amo, Paulo.” Ela sussurrou, acariciando o rosto dele.

“Eu te amo mais, Alicia Gusman... Guerra.” Ele riu, enchendo-a de beijos.

“Obrigada por ter se tornado a minha família, depois de tudo o que aconteceu.” Alicia estava emocionada. “Eu queria... Eu queria que meus pais estivessem aqui, para ver isso.”

“Não importa aonde eles estejam, amor, eles estão vendo. E estão muito felizes pela gente, tenho certeza.” Paulo secou as lágrimas dela com carinho.

“Desculpa, estou estragando o momento.”

“Você nunca vai estragar nada, Alicia.” Paulo lhe deu um selinho. “Mas, eu tenho outras ideias de como podemos vivenciar esse momento.”

“Seu tarado.” Alicia gargalhou, se entregando ao beijo que Paulo lhe dava.

~*~

Daniel se encarava no espelho, terminando de vestir o traje do casamento. Havia preferido que o fotógrafo não acompanhasse aquele momento, focando todas as atenções na preparação da noiva e de suas madrinhas.

Os últimos meses tinham sido de completa loucura, para que o casamento saísse na data esperada. A barriga de Carmen, por sorte, ainda estava pequena, apesar de já estar na vigésima semana de gestação, o que lhe permitiu usar um vestido mais justo, de sua preferência.

A reação dos pais é que os pegou de surpresa. Eles não ficaram zangados ou chateados, mas sim preocupados.

“Mas só se passaram quatro anos desde que vocês ficaram noivos.” Resmungou Valentim, após o filho o procurar no escritório e contar a boa-nova. “Ainda faltam mais quatro.”

“Quatro anos para quê, pai?” Questionou o rapaz.

“É só que... Eu sempre imaginei que você seria pai com 26 anos, filho... Não logo depois de fazer 22.” Ele se explicou depressa, dando um sorriso amarelo. “Mas eu estou feliz por vocês, Daniel... Um filho é sempre uma benção.”

Sim, aquela era a maior benção de todas, a princesinha deles. Já a tinham visto três vezes, e na última, um dia antes, ela mostrou sua florzinha para os papais babões e emocionados. Escolheram chamá-la de Catarina, que significa pureza.

Carmen estava nas nuvens, já que sempre teve certeza que teriam uma menina, mas ele tinha se frustrado um pouco. Desde o primeiro momento, teve a plena certeza que teriam um menino, e ansiava por aquilo. Não que amasse menos a filha, longe disso... Mas algo ainda parecia não estar encaixando dentro dele.

“Hey, Zapata... Tá na hora.” Mário, Paulo e Jorge apareceram na porta do quarto. “E nem adianta tentar fugir.... Deixa a noiva no altar, até vai. Mas a noiva grávida, é mancada.”

“Você é muito tonto, Paulo.” Riu o noivo, saindo com os amigos. Parou de repente, assustando os três.

“O que foi?” Perguntou Jorge, encarando a porta. “É a tal porta trancada que vocês nunca acharam a chave? Por que não chamam um chaveiro, sei lá?”

“Tinha um bilhete nela, no dia em que nós voltamos. Ele dizia para eu só abrir a porta quando a Carmen estivesse grávida.” Contou Daniel.

“E você abriu?” O rapaz negou. “Então abre, cara.”

“Não é a hora, Mário.” Suspirou ele, encarando os amigos. “Eu não sei explicar.”

“Tem muitos sentimentos e pressentimentos que eu também não consigo. Todos parecem relacionados com coisas que aconteceram antes do acidente.” Contou Paulo. “Amnésia é uma bosta.”

“Talvez um dia a gente lembre, ou descubra.” Disse Jorge, dando de ombros. “Por hora, nós precisamos levar esse maluco para a igreja, ou a noiva vai chegar antes dele.”

~*~

Quando ele a viu aparecendo na porta da igreja, quis chorar. Na verdade, chorou. Ela era a coisa mais linda que Daniel já tinha visto no mundo, e carregava dentro de si a coisa mais maravilhosa que ele poderia ter na vida.

Ele acabou tropeçando quando foi descer do altar, tamanho seu nervosismo, e Carmen riu em meio as lágrimas. Seu sogro o abraçou com força, antes de beijar a testa da moça com suavidade, entregando a mão dela para ele. Quando Daniel foi beijar sua testa, ela riu de novo.

“Você vai ter um colapso, amor.” Brincou a morena, vendo-o rir.

“Acho que eu nunca estive tão feliz e ansioso na minha vida, anjo... Você está linda.” Prometeu, beijando a mão dela e a guiando consigo para o altar.

Por ser o primeiro casamento do grupo, os amigos se mostraram bastante emocionados. Os padrinhos de Daniel eram Mário e Marcelina, Margarida e Jorge, enquanto os de Carmen eram Alicia e Paulo, Laura e Adriano. Os rapazes passavam lencinhos para as namoradas, que não conseguiam se conter.

“Se você está assim agora, quero ver no nosso.” Paulo brincou com Alicia, que riu baixinho. “Faltam só 16 meses, amor.”

“Eu não sei com o eles organizaram tudo em três. Eu quase cai para trás com o cronograma que a cerimonialista passou.”

“Se você quiser, eu te engravido e nós conseguimos providenciar tudo rapidinho.” Prometeu o Guerra, sendo fuzilado.

“Quietos que agora eles vão trocar as alianças.” Mandou Laura, séria.

“Carmen, aceita essa aliança como prova do meu amor e da minha fidelidade.” Recitou Daniel, deslizando o anel pelo dedo dela. “Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.”

“Daniel, recebe essa aliança como prova do meu amor e da minha fidelidade. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.” A noiva o imitou, os dois sorrindo um para o outro.

“O que Deus uniu, que o homem não separe.” Pronunciou o padre, sorrindo de forma bondosa. “Pode beijar sua noiva, senhor Zapata.”

“Noiva não... Esposa.” O rapaz puxou o rosto dela com carinho, lhe dando um beijo apaixonado. Os presentes começaram a aplaudir, extasiados. “Eu te amo, sra. Zapata.”

“E eu amo você, sr. Zapata.” Ela sorriu para ele. “Nós duas te amamos muito.”

“Nosso pedaço do céu.” Suspirou Daniel, acariciando a barriga de Carmen.

~*~

“Gente, a noiva vai jogar o buquê.” Avisou Daniel ao microfone.

“Mas já? Ainda é cedo.” Reclamou Majo.

“Amiga, eu to grávida de cinco meses, não tenho metade do pique de vocês.” Lembrou a noiva, aos risos.

“Ok, ela tem uma boa desculpa.” Riu Alicia, abraçada com Paulo. “Eu já to noiva e de casamento marcado, vou passar essa.”

“Duas, amiga.” Margarida se pendurou em Jorge, animada.

“Ah, meninas, por favor... Pela brincadeira.” Carmen estava animada, e as duas cederam.

Ao invés de jogar, ela iria cortando as fitas. Uma ponta estava amarrada no buque, outra estaria na mão de uma das convidadas. Elas iriam andando em volta da noiva, enquanto ela ia cortando.

Uma a uma, as meninas foram saindo. No fim, só restaram Marcelina, Bibi e uma prima de Daniel. Primeiro, Bibi saiu; depois, a prima do noivo.

“Quem ficou com o buquê?” Carmen baixou os olhos do arranjo, já que ela não podia encarar as participantes. “Marce!”

“Chamo isso de sinal do destino.” Brincou a baixinha.

“Nem tanto... Eu chamo de um plano bem elaborado e executado.” Ela ouviu a voz de Mário, passando ao seu lado. Ele caminhou até Carmen, que lhe entregou as flores com uma piscadela. “Para você, pequena.”

“O que é isso?” Perguntou Marcelina, confusa. Ela encarou o buquê, vendo que tinha algo em meio as flores: uma caixinha branca. “Ai, meu Deus.”

“Minha pequena, amor da minha vida desde que eu possa me lembrar... Você me dá a imensa honra de ser minha esposa?” Mário se abaixou em um joelho, pegando a mão dela.

“Não pode negar, porque pegou o buquê.” Gritou Valéria, animada.

“E você acha que eu negaria de algum jeito, sua maluca?” Marcelina devolveu, causando risos. “Claro que eu aceito, grandão."

Mário deu o maior dos sorrisos, se levantando e a erguendo no colo. Se beijaram embaixo de uma chuva de aplausos, antes de ele pegar a caixinha e trocarem as alianças, sem conseguir parar de sorrir.

“Ok, quero fotos disso.” Mandou Daniel, indo com a esposa até os amigos. “Até porque, vocês estão causando no nosso casamento. O mínimo que podem fazer é tirar uma foto com a gente.”

~*~

Já era rotina na vida deles, toda a primeira sexta-feira do mês, os quatro tinham folga e iam ao hospital. O dia era escolhido de forma proposital, já que após a maratona de exames e remédios, Paulo e Marcelina geralmente precisavam ficar de cama. Algumas vezes era a dor de cabeça pela maratona de máquinas, outras era um mal-estar gerado pelos medicamentos testados.

Porém, de acordo com o Dr. Angelo, o progresso nas pesquisas era grande, e as chances eram as melhores. E era sobre isso que ele queria falar naquele dia.

“E então, doutor, o que será hoje? Tomografia? Raio-X? Alguma droga nova?” Perguntou Paulo, sem muita animação. Depois de quase quatro anos, havia perdido o pouco ânimo com tudo aquilo.

“Nada disso, Paulo. Hoje, é apenas uma boa notícia.” O médico sorriu para os quatro, que franziram o cenho. “Paulo, Marcelina... Nós encontramos a cura da doença.”

“Como é que é?” Gritou a garota, se levantando em um pulo.

“Isso não é brincadeira, não é?” Perguntou Alicia, embasbacada.

“Não, Alicia, não é! Já estamos com esse possível resultado há algumas semanas, mas precisávamos confirmar a eficácia. Isso aconteceu pela manhã, após mais uma bateria de exames. O paciente tem 56 anos e foi diagnosticado há três anos atrás, em estágio intermediário. Nos últimos dias, os sintomas começaram a enfraquecer, e hoje, os exames saíram limpos.” Explicou calmamente.

“Então ele está curado?” Perguntou Paulo, tremendo de excitação.

“Nós inicialmente chamamos de remissão, Paulo, precisaremos ficar de olho por mais cinco anos. Porém, as probabilidades são as melhores. Com isso, nós também chegamos a um tratamento preventivo, que vai impedir que quem tem o gene da doença, a desenvolva.” Angelo sorria largamente.

“Eu não acredito.” Marcelina se jogou nos braços do irmão, os dois chorando juntos. Alicia e Mário os abraçaram também, os quatro com o peito uma tonelada mais leve.

“Assim como em um caso de remissão, o tratamento preventivo não livra vocês do acompanhamento. A princípio, como vocês ainda não apresentaram sintomas, uma vez a cada três meses. Depois seis, e então, uma vez por ano.” O médico continuou a explicar, mesmo sabendo que naquele momento eles não escutariam nada. “Eu tenho que agradecer vocês dois.”

“Você? Nos agradecer? Nós é que temos que te agradecer, doutor Angelo, e muito.” Garantiu Marcelina.

“Não, Marcelina... Vocês nem imaginam o quanto eu preciso agradecer a vocês dois. Principalmente você, Paulo! Você foi imprescindível para eu que chegasse à cura.”

“Eu?” O rapaz estava surpreso. “Mas... Eu mal tenho a doença.”

“Um dia você vai entender, rapaz.” Angelo sorriu para ele, que seguia confuso. “E, por isso, eu tenho algo... Eu gostaria de nomear a doença de Mal Degenerativo Guerra-Rezende.”

“Mas foi você que o descobriu, você quem fez todo o trabalho.” Sussurrou Marcelina.

“Mas eu não teria conseguido isso sem vocês dois, isso é certo. Para um médico, um pesquisador, ter seu nome em uma doença que descobriu é uma honra! Mostra que é graças a ele que se chegou aquilo. E, para mim, seria um privilégio poder dividir isso com vocês dois.”

“Eu não sei o que dizer.” Murmurou Paulo, sem jeito. “Só... Obrigado, doutor. Por tudo.”

“Não, Paulo... Eu é que agradeço vocês!”

~*~

“Jorge, o que você está fazendo?” Margarida gargalhou ao ver o noivo melecado de tinta.

“Eu te disse que eu não manjo de trabalhos manuais.” Resmungou o loiro, largando o rolete. “Que ideia foi essa de nós pintarmos o apartamento, Marga?”

“Ah, amor, eu quero que a nossa casa seja nossa, inteiramente.” Explicou ela, pegando outro rolete e indo até a parede oposta.

“E para isso nós não podemos pagar pintores? Caipirinha, essa sala vai ficar parecendo que foi pintada por uma criança de cinco anos.” Ele estava indignado. “Isso sem contar o resto da casa. É muito grande para nós dois pintarmos.”

“Eu te disse para comprarmos um lugar menor, Jorge.” A morena revirou os olhos.

“E eu disse que não. Você queria um apartamento de dois quartos, francamente.” Jorge caminhou até ela, a enlaçando pela cintura. “Eu pretendo ter, pelo menos, dois filhos. E eles não vão dividir os quartos não.”

“Tá me achando com cara de chocadeira, é?” Margarida tentou parecer irritada, mas por dentro ria.

“Não, de amor da minha vida mesmo.” Jorge lhe roubou um beijo carinhoso. “Vamos fazer uma aposta, que tal?”

“Hum, interessante. O que é?”

“Quem conseguir pintar uma parede primeiro, ganha. Se você ganhar, pintamos a casa inteira. Se eu ganhar, contratamos pintores decentes.” Propôs o loiro.

“Fechado.” Sorriu Margarida, confiante em suas habilidades. “Quando eu contar três.”

Os dois foram até as latas de tinta e os roletes. Margarida se posicionou, sorrindo.

“Um, dois, três!” Ela gritou, pegando seu rolete e começando a pintar. Foi então que ouviu um barulho. “O quê?”

Se virou, encontrando Jorge sorridente. Ele havia pego seu balde de tinta e jogado na menor parede da sala, e com o rolete, empurrou a tinta para as bordas. A parede estava coberta, mesmo que de forma porca e grosseira.

“Isso não vale!” Ela gritou, indignada.

“Claro que vale. Nós não estabelecemos qual parede, se precisava ser bem feito ou se só podia usar o rolete. Com isso, eu venci por deslizes técnicos.” Jorge deu seu melhor sorriso irônico. “E, graças a Deus, o pintor vai ter habilidade de reparar isso.”

“Você roubou.” Margarida gritou, cruzando os braços e fazendo bico. “Isso foi baixo, mesquinho e egocêntrico.”

“Hey, não precisa ofender.” O rapaz se magoou.

“Qual é, Jorge, é sempre assim. Você quer as coisas do seu jeito, e faz o que precisar para isso. Inclusive trapacear.” Margarida também estava bem chateada. “Poxa, eu só queria que isso fosse nosso, uma coisa nossa pelo menos. Tudo o mais na nossa vida você ou os seus pais pagam. Eu pensei que, pelo menos a nossa casa, podia ser feita pela gente, do nosso jeito. Mas para você é mais fácil tirar o dinheiro da carteira e pagar para alguém fazer, para você não ter trabalho.”

“Se você pensa tudo isso de mim, por que está comigo? Por que você vai se casar comigo?” Ele rebateu, nervoso.

“Porque eu te amo, seu imbecil, apesar de tudo isso. Você pode ser mesquinho, egocêntrico, mimado, preguiçoso, mas não é só isso. Existem muitas outras coisas boas em você apesar de todos esses defeitos, e são essas coisas boas que eu amo e que me fazem querer passar o resto da minha vida com você.” Desabafou Margarida, secando as lágrimas que se formavam em seus olhos. “Mas quando você age assim, realmente, me dá vontade de mandar tudo à merda e ir embora.”

Dizendo isso, pegou sua bolsa e saiu da casa, batendo a porta. Jorge ficou imóvel por alguns minutos, antes de pegar a outra lata de tinta e arremessar na parede oposta, fazendo voar pingos para todos os lados da sala.

~*~

“Maninho, Ali... Podemos conversar?” Marcelina pediu, descendo as escadas com Mário.

“Não sei se gosto desse tom.” Resmungou Paulo, colocando a TV no mudo. Alicia estava deitada em seu colo e riu, encarando os amigos.

“É meio difícil falar sobre isso.” Mário esfregou as mãos na calça, nervoso. “Hã... Nós dois vamos nos mudar.”

“Oi?” A Gusman pensou não ter escutado direito.

“É, nós vamos nos mudar. O acordo do apartamento tá palavreado, vamos fechar o contrato daqui duas semanas.” Contou Marcelina, animada. “A construção do prédio já está adiantada, eles entregam o apartamento em seis meses.”

“Ok, calma, uma informação de cada vez.” Pediu Paulo, estupefato. “Como assim vocês compraram um apartamento?”

“E vão se mudar? Digo, foi alguma coisa que nós fizemos?” Perguntou Alicia, se sentando.

“Não, claro que não, Ali!” Mário se apressou em explicar. “Esses últimos anos foram incríveis. Você foi incrível de deixar a gente ficar e usar a sua casa dessa forma! É só que... Chegou a hora de ir adiante, né?”

“Vocês se casam daqui pouco mais de um ano; nós nos casamos logo depois. E mesmo que a rotina vá ser quase a mesma que nós temos aqui, vai ser completamente diferente, porque vai ser a rotina de uma família, de duas novas famílias: a de vocês, e a nossa. E acho que não é uma boa duas famílias diferentes começarem a criar suas raízes em uma mesma casa.” Explicou Marcelina, emocionada.

“Vocês sabem que não precisam ter pressa, não é?” Perguntou Alicia, depois de um longo silêncio.

“Sabemos, amiga. E nem vamos ter. O apartamento fica pronto em seis meses, mas tem todo o acabamento e a mudança. Vocês ainda vão nos aguentar por um tempo.” Garantiu a baixinha, sorrindo para a cunhada. Encarou o irmão, que estava emocionado. “Você não vai chorar, né?”

“Vem aqui.” Ele abriu os braços e ela correu, se aconchegando ali. Paulo beijou sua testa, os dois fungando baixinho. “Acho que esse é o último degrau que falta.”

“Nós deixamos os nossos pais, mas não um ao outro.” Ela concordou, baixinho. “Eu vou estar sempre por perto quando você precisar, Paulo.”

“Eu digo o mesmo, Marce.” Ele prometeu, encarando Alicia ao seu lado, emocionada. “Vem cá.”

“Você também, grandão.” Marcelina estendeu a mão para o noivo, que sentou ao seu lado, os quatro unidos em um abraço. “Nós também somos uma família, apesar de tudo.”

“Aprendemos a ser, e vamos ser para sempre.” Prometeu Mário, sorrindo.

~*~

Margarida entrou no prédio desconhecido, após o porteiro liberar sua entrada. Laura havia pedido que a amiga a encontrasse ali, para ajudá-la com alguma coisa que a jovem psicóloga não entendeu bem.

Subiu até o quarto andar, apertando a campainha do número 8. Qual foi sua surpresa ao ver Jorge abrir a porta, todo sujo de tinta.

“Você chegou cedo.” Ele observou, surpreso.

“O que você está fazendo aqui?” Perguntou, sem graça.

Desde a briga na casa que tinham comprado, estavam estranhados. Duas semanas já tinham se passado, e eles mal trocaram cem palavras ao longo delas.

“Er, e a Laura me ajudou. Se eu te chamasse, você não viria. Então ela te pediu para vir aqui, para me ajudar.” Ele explicou, dando passagem para ela. A morena entrou no apartamento, confusa. “Bem vinda a nossa casa.”

“Como?” Margarida arregalou os olhos, surpresa.

“É. Você queria um lugar pequeno, eu queria um lugar enorme. Pensei em achar um meio termo, e lembrei desse prédio. Você sempre comentava sobre ele, quando passávamos aqui em frente no plantão de vendas. Tem três quartos, mas não é nada exorbitante e nem cheio de luxo.” Explicou Jorge, limpando as mãos na calça suja. “E, bom, eu pintei ele inteiro. Sozinho.”

“Espera. Você vendeu a casa que nós tínhamos comprado, e comprou um apartamento? Por conta própria?” Ela estava confusa e atordoada.

“Você estava certa no que disse, Margarida. Eu sou mimado, sou mesquinho, egocêntrico. Adicione a isso impulsivo e descontrolado, e estará me descrevendo. Principalmente quando se trata de você, e de tentar te fazer feliz. Se você não gostar desse apartamento, eu não ligo de andar pela cidade inteira atrás de um que te agrade, e nem de passar mais dez dias em claro, pintando o lugar inteiro com as minhas próprias mãos... Não se for isso que te faz feliz.” Jorge caminhou até a noiva, segurando sua mão. “Só... Não me ignora mais, Margarida. Nem quando toda a nossa classe me ignorou, no terceiro ano, doeu da forma que doeu sentir o seu desprezo.”

“Ah, meu loirinho.” A Garcia o abraçou. “Eu não devia ter estourado daquela forma com você, Jorge, foi mancada minha. Eu estava de TPM, estressada com as provas, cansada... Eu sei que esse é o seu jeito, e que você não faz as coisas por mal. Eu acabei me chateando por ter descontado em você e ter te magoado, e por isso fiquei mais afastada. E como você também estava distante, achei que você precisava de um tempo.”

“Eu estava atrás disso, de fazer tudo isso para você o mais depressa possível.” Garantiu o rapaz, apreciando o abraço dela, do qual ele tanto sentia falta. “Mas, é sério, se você não gostar...”

“É perfeito, Jorge. Essa era a minha primeira opção, mas você não quis. Você queria a casa, e eu concordei. Mas eu amei esse lugar.” Os olhos dela brilharam. “Eu sempre pensei que casas grandes mantém as pessoas separadas. E o que eu quero para a nossa família é que nós sempre estejamos o mais juntinho o possível.”

“Eu também, amor. Sempre o mais pertinho de você que eu puder.” Ele a abraçou pelas costas, escondendo o rosto no cabelo dela.

“E eu também amei que você pintou tudo, Jorge, ficou perfeito.”

“Ficou cheio de bolhas e marcas de rolete.” Ele se lamentou.

“Mas é a nossa casa. E foi feita por você, com o seu suor. Isso torna tudo mais perfeito ainda.” Garantiu a morena, abraçando mais os braços dele ao redor da sua cintura. “Nós vamos ser muito felizes aqui, meu amor.”

“Eu nunca duvidei disso.” Ele sorriu às costas dela, se sentindo afinal em paz.

~*~

Daniel segurava o pacotinho de gente em seus braços, hipnotizado. Catarina era a criatura mais perfeita do mundo, e o melhor: era dele. Era o fruto daquele amor tão bonito que ele e Carmen viviam desde jovens, e que agora se personificava naquela bonequinha. Pele branca, cabelos bem escuros, bochechas rosadas e olhos de gota.

Imaginava que o parto seria uma loucura, mas foi a coisa mais tranquila possível. Começou dia 01 de dezembro, no início da noite. No começo da manhã do dia 02, foram para o hospital e a bolsa rompeu logo depois. A anestesia ajudou a amenizar a dor das contrações, e no início da noite, chegou a hora.

Estavam cercados por seus pais e amigos, e Catarina nasceu quietinha, sem chorar. Assim que foi colocada sobre o peito da mãe, e envolta pelos braços dela e do pai, abriu seus olhinhos, curiosa. Resmungou um pouco e se aconchegou mais a eles, esperando que a colocassem para mamar.

Agora, algumas horas já tinham se passado, Carmen dormia pesadamente, exausta após tudo aquilo. Todo mundo já tinha ido embora, deixando apenas ele com a mulher e a filha. Catarina também dormia, tranquila por estar nos braços de seu pai. E Daniel pensava no que seu pai tinha lhe dito, logo antes de ir embora.

“Desde que vocês acordaram, depois do acidente, você fala sobre ouvir alguém te chamando de papai. Agora você é pai, Daniel. Você, finalmente, é pai.” Valentim lhe disse com um sorriso, apertando seu ombro.

Sim, agora ele era pai, afinal. Mas... Por que parecia que faltava algo? Por que aquela voz lhe chamando de papai não se calava?

“Amor?” Ele se virou, encontrando Carmen sentada, ainda sonolenta. “Que horas são?”

“2h da manhã. Você está dormindo direto desde às 20h30.” Ele explicou, indo até a cama com a filha. “Ela mamou no berçário, e depois trouxeram ela para ficar com a gente. Mas eu não quis te acordar, você estava exausta.”

“Eu realmente precisava descansar.” Carmen sorriu para ele, estendendo os braços para pegar Catarina, que acordou ao ser passada para a mãe. “Oi, meu amor.”

“Já tem quase duas horas que ela mamou... Deve estar com fome.”

“Me ajuda?” Pediu a mulher, ainda um pouco insegura.

Logo após o parto, uma enfermeira a auxiliou na hora de amamentar o bebê, mas agora ela e Daniel estavam por conta própria. Por sorte, o rapaz havia prestado total atenção no que a enfermeira fez, e agora conseguia repetir.

“Você estava mesmo com fome, hein?” Perguntou Carmen, observando a filha mamar com avidez.

“O estômago é de ogra, mas o coração é de mocinha.” Brincou Daniel, fazendo a mulher rir. “Você está feliz, anjo?”

“Eu estou exausta ainda, mas acho que nunca estive tão feliz em toda a minha vida.” Garantiu a jovem mãe, segurando a mão dele. “Ela é ainda mais linda do que eu imaginava.”

“Sei como é... Eu sinto a mesma coisa.” Garantiu o Zapata, acariciando os cabelos escuros da filha. “Nossa princesinha é perfeita.”

“Mas você está inquieto.” Ela observou, acariciando o rosto dele. “Não é a voz que você escuta nos seus sonhos, é?”

“Carmen, eu...”

“Calma, Dan. Eu não acho que você ama menos a Catarina por isso.” Ela riu, vendo-o ficar menos tenso. “A Cat não vai ser nossa única filha, amor... Talvez isso que você tem esperado ainda demore um pouco para vir, mas se ele ou ela está te chamando, é para te garantir que vai vir.”

“Você é inteligente demais, até para mim.” Daniel riu, lhe inclinando de dando um selinho na esposa. “Espero que você também seja, minha princesinha.”

Ele se inclinou até a filha, que por um minuto largou o seio da mãe e virou o rostinho em sua direção. O pai passou o nariz por sua bochecha, vendo-a fechar os olhos e se remexer, feliz.

“Eu te amo muito, filha... Mais do que qualquer coisa no mundo, eu prometo.” Ele precisava que isso fosse dito e registrado, para que não se sentisse tão culpado por ainda se sentir incompleto.

Catarina não podia responder, mas sua mãozinha nervosa respondeu por ela. Daniel levou o dedo até a mão minúscula, que logo foi agarrado com firmeza. Então, a criança voltou a mamar, tranquila, dando a certeza para o pai de que estava tudo bem.

~*~

“Por que mesmo eu marquei meu casamento para duas semanas antes da apresentação do meu trabalho final?” Bufou Alicia, imersa em meio a papéis.

“Eu já falei para você adiar o casamento, amiga... Quatro meses que você adia, e você já vai estar mais tranquila.” Lembrou Marcelina.

“Depois vem a OAB, Marce... E aí sim eu vou estar maluca.” Alicia massageou as têmporas.

“Eu marquei para janeiro, porque eu e o Jorge ainda não vamos estar tão atolados com os nossos TCCs... Porque o resto do ano vai ser loucura, e nós não queremos esperar mais ainda. Quando nos casarmos, já vamos estar noivos há quatro anos.” Contou Margarida, brincando com Catarina.

“Agora que eu me toquei... Vocês duas e os meninos fizeram os mesmos cursos. A Alicia e o Jorge vão ser advogados, e a Marga e o Paulo vão ser psicólogos.” Comentou Carmen, deitada no sofá.

“E o pior é que nós pretendemos trabalhar juntos.” Riu Alicia. “Eu e o Jorge queremos ser advogados trabalhistas, e ter um escritório juntos. E o Paulo e a Marga pretendem abrir um consultório juntos, mesmo que vão se especializar em coisas diferentes.”

“Carmen, por que ela chora toda vez que eu pego ela?” Reclamou Margarida, que tinha sido escolhida como madrinha da criança.

“Ela chora quando todo mundo pega ela, amiga... Menos eu e o Dan, e mesmo conosco ela não gosta muito. A Cat não é uma criança de muito colo.” Explicou a mãe, sentando e coçando os olhos. “Pelo menos ela é tranquila.”

“E esse sono todo é o quê?” Perguntou Marcelina.

“Ela acorda de duas em duas horas para mamar, então não dá para ter uma noite de sono completa.” Carmen sorria, apesar do cansaço. “Mas eu não posso reclamar. O Dan me ajuda muito, e ela dorme bem fácil. Logo que ela mama, o Dan já pega ela para arrotar e eu volto a dormir. Logo depois, ele já está deitado comigo.”

“Deus queira que nossos futuros filhos sejam assim também, amém.” Suspirou Alicia, vendo Margarida passar a bebê para a mãe.

“Agora ela não reclama de ficar no colo.” A madrinha saiu bufando, deixando Carmen aos risos com a filha.

~*~

“Era a última caixa.” Anunciou Mário, entrando na casa e encontrando a noiva e os cunhados. “Estamos prontos para ir.”

“Como passou tão rápido?” Choramingou Alicia, abraçada com a amiga. “Parecia tão longe.”

“Tudo está passando depressa, Ali. Depois dos 18, a vida voa.” Mário deu de ombros, tentando manter o humor no alto. “Agora, é hora de bater as asas.”

“E não é como se eles fossem para o outro lado do mundo. O apartamento é aqui perto, nem pegamos trânsito para chegar lá.” Lembrou Mário, tentando acalmar as duas mulheres;

“Obrigada por tudo, amiga.” Disse Alicia, agarrada com Marcelina.

“Eu que agradeço, Ali... Você nos deixou morar na sua casa por todos esses anos.”

“E vocês me ajudaram a continuar nela, depois de tudo o que aconteceu. Obrigada, amiga.” Elas sorriram em meio ao abraço, se separando logo depois. Marcelina foi em direção ao irmão, enquanto Alicia abraçava Mário. “Se cuida, Bross.”

“Você também, marrenta. Tenta não matar o Paulo sem nós aqui para segurarmos as brigas de vocês.” Os dois riram com essa afirmação.

Ali ao lado, os irmãos Guerra se despediam em voz baixa.

“Eu não sei se estou pronta.” Sussurrou Marcelina.

“E é por isso que eu sei que está, pirralha. Se você tivesse certeza, eu teria certeza que você ia meter os pés pelas mãos. Mas estando insegura, você vai agir com cautela.” Paulo beijou a testa dela. “Não que eu ache que precise. Vocês moram juntos há cinco anos, Marce... Vai dar tudo certo.”

“Mas você não vai mais estar no quarto ao lado, para cuidar de mim.”

“Eu vou sempre cuidar de você, Marcelina... Não importa a distância entre nós dois.” Prometeu o mais velho, sorrindo par ela. Beijou a testa dela de novo, antes de se afastar e ir se despedir do cunhado. “Cuida bem da minha irmã, mané.”

“E você da minha melhor amiga, bocó.” Se abraçaram como dois grandes amigos, encontrando as duas abraçadas novamente. “Hora de irmos, pequena.”

“Então vamos. Tem muita coisa para desempacotar ainda.” Suspirou a baixinha, soltando a amiga com relutância. Abraçou o irmão de novo, antes de se deixar abraçar por Mário e acenarem, saindo da casa.

Paulo os seguiu até a porta, parando e observando enquanto eles entravam no carro recém-comprado pelos dois. Esperou até que eles sumissem na rua para fechar a porta, encontrando Alicia sentada no sofá, com Kira deitada no seu colo.

“Agora somos só nós, amor...” Ela disse baixinho, um sorriso no rosto.

“É, morena, somos só nós... Por enquanto. Eu vou curtir bastante o começo do nosso casamento, mas logo eu quero ocupar os outros quartos da casa.” Paulo sentou no sofá, roubando um beijo dela.

“Está me achando com cara do quê, hein?”

“Se eu falar que do amor da minha vida, vai ser muito clichê?”

“Bastante.”

“Dane-se, eu gosto de clichês.” Ele a empurrou para deitar no sofá, enquanto Kira saia correndo. “Filha, vai para o jardim.”

“O que você vai fazer, seu maluco?” Riu Alicia, sentindo que ele descia as mãos pelas suas pernas.

“Você sabe há quanto tempo eu quero estrear a casa toda com você, Alicia? Mas eu não podia, não com a minha irmã e o Mário aqui.”

“Você é muito tarado, Guerra.” Riu a morena, sentindo os beijos em seu pescoço.

“E você ama isso, Gusman. Agora fica quietinha, vai... Temos muitos cômodos para batizar.”

~*~

Quando o grande dia de Paulo e Alicia chegou, todos estavam eufóricos. Aquele havia sido, desde sempre, o casal mais aguardado pelos amigos, e vê-los casados, afinal, era uma realização para todos.

“Nem no meu casamento eu estava tão pilhada.” Garantiu Carmen, terminando de se arrumar.

“Desconfio que também vou estar mais calma no dia do meu.” Riu Marcelina, ao lado dela. “Val, o que você tem a dizer?”

“Que meu forninho está na merda! Meu OTP tá casando, gente, é demais para mim!” A jornalista gritou, saltitando e fazendo todas rirem, exceto a noiva.

Alicia estava se encarando no espelho, compenetrada. Todos esperavam que ela surtasse a qualquer momento, mas ao invés disso, ela começou a chorar.

“O que foi, amiga?” Majo a abraçou, preocupada.

“Eu só... Estava pensando nos meus pais. Eu queria que eles estivessem aqui, agora.” Ela disse, tentando reprimir o soluço. “Eu... Eu não queria entrar sozinha na igreja, sabem?”

“Bom, acho que posso te ajudar nisso.” Elas viraram, encontrando Mário na porta. “Hã, eu posso falar com a Ali?”

“Claro.” As meninas concordaram, saindo em silêncio.

Alicia o encarou pelo canto do olho, mas estava focada em não cair no choro. Viu que ele se aproximou e segurou sua mão, depositando um beijo ali.

“Eu sei que você queria que seu pai estivesse aqui, marrentinha... E eu sei que eu não sou ele, nem nunca vou ser. Mas eu sou seu melhor amigo, Alicia. E se você quiser... Digo, se você não ligar, eu queria te acompanhar até o altar.” Ele disse, sem jeito.

A morena ergueu os olhos até ele, observando como o amigo estava acanhado. Ficou em silêncio por alguns segundos, antes de abrir um grande sorriso e o abraçar com força. Mário sorriu, respirando aliviado.

“Seria uma honra se você me levasse até o altar... Irmão.” Ela disse baixinho, sentindo ele sorrir em meio ao abraço.

~*~

“Ok, então o Mário entra comigo como padrinho e dá a volta, para vir e entrar com você.” Repassou Marcelina, quando já estavam na porta da igreja. “Acho que está tudo pronto.”

“Quase tudo.” Alicia segurou a mão dela. “Na bagunça, faltou colocar o meu véu.”

“Ai, caramba, os cabelereiros não estão aqui.” Se desesperou Majo.

“Eu sei, mas eles me explicaram como fazer. Uma vez eu li que é a melhor amiga que deve colocar o véu da noiva. E eu queria que a Marce fizesse isso.” Explicou a mulher de branco, vendo a cunhada se emocionar. “Você pode?”

“Que pergunta, amiga... Claro que sim.”

A baixinha então colocou o véu, instruída pela noiva e admirada por todos os amigos e seus pais. As duas se abraçaram, emocionadas, antes da cerimonialista vir avisar que estava na hora.

“Está pronta, Ali?” Perguntou Daniel, com Catarina no colo.

“Há muito tempo, Dan...”

Paulo já estava no altar, ansioso. Quando a porta se abriu, sua respiração ficou suspensa por alguns segundos. Primeiro vieram seus pais, e ele ficou admirado com como sua mãe estava estonteante. Depois vieram Mário e Marcelina, que eram seus padrinhos.

Logo atrás vieram Carmen e Daniel, com Catarina em um vestido de daminha no colo do pai. Kokimoto e Bibi vieram atrás, com Jorge e Margarida atrás. Seus últimos padrinhos eram Majo e Cirilo, enquanto os de Alicia eram Valéria e Davi.

Logo após a maluquinha e o judeu entrarem, a porta se fechou. Paulo começou a se balançar no lugar, ansioso, até que deu pela falta de Mário no altar.

“Marce? Cadê o Mário?” Perguntou, vendo-a sorrir.

“Espere e verá.”

Ele ouviu os trompetes que anunciavam a entrada da noiva e encarou a porta, vendo-a se abrir. Não conteve as lágrimas ao ver Alicia, tão linda quanto ele poderia ter sonhado... E de braços dados com Mário.

O Ayala caminhou com ela por todo o corredor, observando a emoção dos presentes. Alicia apertava seu braço com força, e ele pousou a outra mão sobre a dela, lhe transmitindo confiança.

Chegaram ao ponto no qual Paulo deveria ir encontrá-los, e esperaram que o rapaz descesse do altar. Ao constatar o quanto ele chorava, Alicia perdeu todo o autocontrole que estava tendo e desabou em lágrimas também.

“Cuida bem da marrentinha, cara.” Pediu Mário, o abraçando com força.

“Com a minha vida, se precisar.” Prometeu o Guerra.

“Seja feliz, Ali.” Desejou o Ayala, beijando a testa da amiga e passando sua mão para Paulo. Então, subiu novamente no altar, sendo abraçado por Marcelina.

“Você está linda, amor... Perfeita.” Suspirou Paulo, puxando Alicia para si e beijando sua testa. “Eu te amo.”

“Eu te amo.” Ela sussurrou de volta, sem conseguir falar muito mais do que isso.

O resto da cerimônia transcorreu de forma tranquila. Disseram “aceito” quando pedido, trocaram as alianças que estava em uma bolsinha, presa no braço de Catarina, fizeram todos os votos conforme o padre mandava.

“O que Deus uniu, que o homem não separe.” Disse o padre por fim. “Pode beijar sua esposa, sr. Guerra.”

“Não precisa nem pedir, seu padre.” Suspirou o noivo, segurando o rosto da mulher com delicadeza. “Finalmente... Sra. Guerra.”

“Me beija logo, Paulo.” Implorou ela, tendo seus lábios afinal selados aos dele, embaixo de uma chuva de aplausos e ovações.

~*~

“Eu não acredito que essa mocinha está fazendo um aninho.” Suspirou Jorge, segurando a afilhada no colo. Estavam na casa de festas, inteiramente decorada com tema de princesas.

“Fazendo um aninho e andando como uma espoleta.” Babou Daniel, recebendo um sorriso da filha. “Vai entrar andando com as alianças no casamento dos padrinhos.”

“Faltam menos de dois meses, não?” Perguntou Marcelina, recebendo um aceno afirmativo da noiva. “Está tudo pronto?”

“Alguns detalhes faltando na festa, mas no geral está tudo pronto. O vestido, pelo menos, já está prontinho.” Contou ela, sorrindo.

“Seu vestido é lindo demais.” Suspirou Alicia.

“Hey, eu já estou curioso para saber como é o vestido dela, parem de falar.” Reclamou Jorge, emburrado.

“Chega de falar de casamento, pelo amor de Deus.” Implorou Carmen. “É só disso que a gente fala.”

“Não, amor, a gente também fala de cocô de criança.” Lembrou Daniel.

“Eu sei, amor, mas isso faz a gente parecer tão velho... Nós temos 22 para 23 anos, somos muitos novos para só ficar falando de casamento e filhos.” Riu a morena, pegando a filha do padrinho. “Nós pegamos um salão de festa com vários brinquedos para crianças grandes, e a Cat tem avós para cuidar dela. Vamos nos divertir um pouco, que tal?”

Basta dizer que brincaram mais do que as poucas crianças convidadas na festa, e no final da noite, caíram exaustos na cama como se tivessem novamente nove anos.

~*~

“Ah, Marga... Você parece uma princesa.” Suspirou Valéria, admirando a amiga em frente ao espelho.

“Ela vai se casar com um Cavalieri, né querida? Tem que ficar a altura.” Brincou Bibi, causando risos. “Seu casamento vai ser mais chique que o da família real.”

“Como vocês são exageradas, pelo amor de Deus.” A noiva revirou os olhos, mas ria.

“Sorte sua que não está casando grávida... Porque ia ser impossível usar um vestido com uma saia assim estando barriguda.” Brincou Carmen. “Sou prova disso.”

“Eu acho muito pano para um vestido só.” Resmungou Alicia, sentada em um sofá. “Gostei do meu por isso.”

“Você usou um vestido mais justo do que Deus, amiga. Não são todas as pessoas que podem usar um vestido como aquele e ficar bem.” Lembrou Laura. “Acho que se você tivesse engordado um grama naquele dia, seu vestido explodiria.”

“Confesso que ele não era tão justo quando eu provei ele. Mas, em meio ao nervosismo, eu comi muita porcaria. Na última prova, ele estava apertado, e eu passei os quatro dias antes do casamento comendo só alface e maçã.” Confidenciou a Guerra, fazendo todos rirem.

“E eu aqui jurando que esse corpinho era natural.” Se indignou Laura.

“Ah, amor... Sou feita de carne e osso também, né?” Alicia deu de ombros. “Eu to controlando a boca para caramba. Depois que você casa, engorda uns 10kg.”

“Isso é verdade.” Concordou Carmen. “Especialmente se estiver grávida. Esse último ano foi uma loucura, para voltar ao peso de antes da Cat.”

“Mas vocês já viviam com os meninos antes do casamento.” Lembrou Maria Joaquina, preocupada.

“Eu sei, mas é algo bem estranho. É como se você ficasse mais... Relaxada? Sei lá.” Alicia deu de ombros. “Na verdade você acaba ficando mais caseira, sabe? Quer curtir a vida de recém-casada, ficar com o marido e tal... E então vocês comem, comem e comem, e quando vê, já tem pancinha.”

“Ainda bem que tem academia no prédio. Assim que chegarmos da lua de mel, eu e o Jorge vamos começar a malhar bastante.” Avisou Margarida, preocupada.

“Eu vou começar agora, seis meses antes do casamento.” Se horrorizou Marcelina. “O Mário já tá ficando pançudo, nesse ritmo vamos entrar na igreja rolando.”

“O tempo passa, e a ditadura da beleza continua.” Suspirou Laura, comendo um bombom. “Por isso eu sou feliz.”

~*~

Jorge e Margarida preferiram não se casar na igreja. A cerimônia religiosa seria no jardim da fazenda que tinham alugado, onde seria também a festa. O lugar estava maravilhoso, parecendo realmente o jardim de um palácio real.

Jorge usava um traje marrom claro, bastante elegante e requintado. Seus padrinhos usavam calças na mesma cor, com suspensórios e gravatas pretos. Quando as madrinhas chegaram, prontas, o noivo sentiu o estômago gelar. Havia chegado a hora.

“Ela está linda, Jorge. Mas você só vai ver ela quando chegar ao altar.” Riu Maria Joaquina. “Então, pode ir para o seu lugar.”

Como o pai de Margarida tinha morrido quando ela era ainda muito nova, ela decidiu que entraria com sua mãe, que foi quem lhe criou. Por esse motivo, Jorge entraria junto de seu pai e sua mãe, seguido pelos padrinhos de ambos.

“Pronto, filho?” Perguntou Rosana, carinhosamente.

“Desde o momento em que abri meus olhos naquele quarto de hospital, mãe. Antes disso até, se bobear.” Suspirou o loiro, segurando a mão dela e de Alberto. Encarou o pai, sorrindo. “Obrigado por ter me guiado até ela, pai.”

“Você encontrou seu próprio caminho, Jorge. Pode não ter sido fácil te segurar nele, quando as coisas ficaram difíceis, mas foi você quem fez essa escolha.” Sorriu o homem, apertando a mão do filho.

Caminharam juntos até o altar, embaixo de olhares sorridentes dos convidados. Atrás vieram Maria Joaquina e Cirilo, seguidos por Alicia e Paulo, Mário e Marcelina, Laura e Adriano, Valéria e Davi, e por último, Carmen e Daniel.

Demorou alguns minutos até que Catarina aparecesse, uma bonequinha em seu vestido de daminha, com uma cestinha na mão. Caminhou meio vacilante, mas apressada para chegar até os pais no altar. E então veio ela.

Jorge estava de costas no altar, a esperando. Ela veio de mãos dadas com sua mãe, sorrindo de orelha a orelha, e quando já estava próxima do noivo, indicaram que ele se virasse. Quando seus olhares se cruzaram, as lágrimas vieram.

Ele caminhou até a noiva e a sogra, sentindo a palma das mãos transpirando. Recebeu um abraço carinhoso de Luisa, que logo depois beijou a testa da filha e passou sua mão para o genro. O casal ficou se encarando por um tempo, embasbacado.

“Vai ficar aí parado, loirinho?” Perguntou a menina, a voz embargada.

“Eu quero guardar cada pedacinho disso na minha memória, Marga... Cada detalhe desse dia, e de todos os outros que ainda vão vir.” Garantiu Jorge, beijando a mão dela e depois sua testa. “Eu te amo.”

“Eu também te amo.” Ela disse baixinho, antes de ir para o altar com ele.

A cerimônia transcorreu junto ao pôr-do-sol, que foi se baixando lentamente e banhando a tudo e todos com sua luz alaranjada. Quando o padre os declarou casados, se beijaram sob as primeiras estrelas que despontavam no céu.

~*~

Daniel estava sentado no chão, com Catarina ao seu lado e dezenas de giz de cera ao redor deles. A menininha, de uma ano e cinco meses, fazia uma série de rabiscos em seu papel, enquanto seu pai desenhava a família deles.

“Papai?” Chamou a pequena, atraindo a atenção dele. A criança estendeu seu desenho para o mais velho, que sorriu.

“Que desenho lindo, meu amor. Uma obra de arte.” Daniel sorriu para a filha, que sorriu de volta. “Gostou do desenho do papai?”

Catarina se levantou, vacilante, e deu alguns passinhos, caindo no colo de Daniel. Ele ergueu o desenho, para que a menininha o visse.

“Eic.” Ela apontou o dedinho gordinho para o desenho, entre Carmen e Daniel. “Eic.”

“Eic? O que é Eic, filha?” Perguntou Daniel, mas ela não prestava mais atenção. Tinha pego outro giz e começado a rabiscar mais um papel.

“Daniel, acorda. A Catarina está rabiscando o chão.” Carmen entrou na sala, chamando a atenção do marido. Ele levantou a filha, que havia rabiscado todo o piso.

“Catarina Carrilho Zapata, isso não foi bonito. O papai falou que era para desenhar no papel, não no chão.” Daniel repreendeu a filha, que fez um biquinho. “Agora, não vai mais pintar.”

“Mamãe...” Ela resmungou, mas Carmen negou.

“Você fez coisa feia, Catarina. Agora, arque com as consequências.” A mãe se ajoelhou, começando a recolher os gizes pelo chão. Ela viu o desenho do marido e sorriu. “Que lindo, amor.”

“Obrigado, linda... Eu nunca fui bom em desenho, mas gostei desse.” Disse Daniel, o segurando novamente em frente ao rosto. Catarina resmungou, apontando novamente.

“Eic.”

“O que é eic?” Questionou Carmen, curiosa.

“Não sei... Ela fica resmungando isso e apontando para o desenho. Será a forma dela dizer eca?” Perguntou Daniel.

“O que é eic, Cat?” Carmen sentou ao lado deles.

“Eic.” Ela repetiu, apontando o desenho.

“Não, filha. É o papai, a mamãe e a Cat.” Daniel apontou as pessoas, e Catarina bufou.

“Eic.” Ela disse novamente, apontando o espaço entre os pais.

“Desiste, amor... Uma hora nós vamos descobrir o que é essa palavra no vocabulário dela.” Carmen se levantou, deixando o marido com a filha.

“Eic.” Ela repetiu, frustrada.

Daniel encarou a menina e o desenho, tentando entender. Quando algo piscou dentro dele, como uma luz.

“Eric.” Ele disse em voz alta, vendo a filha sorrir. Aquela mesma voz, que há tempos ele não ouvia, ecoou em sua cabeça. Ele pegou o giz e voltou a desenhar, com Catarina o observando. “Papai, mamãe, Catarina... E Eric.”

Ele olhou em volta, vendo que a esposa não estava por perto. Dobrou o desenho e se levantou, com a filha no colo. Caminhou até o móvel da sala, abrindo uma gaveta esqueci e pegando um caixa. Ali dentro estava o bilhete da porta trancada e a chave da mesma, que ele tinha encontrado há algum tempo. Colocou o desenho ali e guardou de volta, encarando a menina em seu colo.

“Nosso segredo, baixinha... Ainda não está na hora.” Ele deu uma piscadela, vendo a filha sorrir.

~*~

“Aonde nós vamos, amor?” Perguntou Mário, dirigindo o carro.

“Surpresa, meu lindo. Só segue minhas instruções, está bem?” Pediu Marcelina. “Vire à esquerda.”

“Hey, eu conheço esse caminho.” Observou ele, vendo-a sorrir. “Esse é o abrigo que eu trabalhava quando começamos a namorar, de cães abandonados.”

“Meu presente de casamento para você, amor... Eu sei que você sente falta do Rabito, até hoje. E que depois que saímos da casa do Paulo e da Ali, isso aumentou, já que você não tem mais a Kira por perto.” Explicou a baixinha. “Então... Nós vamos adotar o nosso próprio cachorro.”

“Isso é sério?” Os olhos do veterinário brilharam.

“Claro que sim. Afinal, que tipo de veterinário não tem seu próprio cachorro?” Ela riu, enquanto estacionavam. “Pronto para escolher nosso primeiro filho?”

“Mais do que pronto.” Ele sorriu.

Havia uma infinidade de cachorros do lado de dentro. Marcelina sabia que, se pudesse, Mário levaria todos para casa, mas era impossível, considerando o tamanho do apartamento e as regras do condomínio.

Andaram calmamente pelo meio dos cachorros, até que um chamou sua atenção. Era magrelo, de pelo marrom claro, olhos carinhosos e orelhas caídas. Estava encolhidinho no canto, um pouco assustado.

“Hey, carinha.” Mário se aproximou, acariciando o animal. “Ele está magrinho.”

“Ah, rapaz, desista. Ele chegou aqui tem um bom tempo já, uns seis meses. Já fizemos de tudo, mas ele não reage. É fraco, então os outros cachorros passam ele para trás na hora da ração, sem o menor esforço. Não vai durar muito.” Disse a atendente, mal humorada.

Marcelina fuzilou a mulher, irritada. Encarou o noivo, que tinha o cachorrinho no colo, bem próximo ao seu rosto. Mário afagava o bichinho, que tinha os olhos fechados.

“Amor?” Chamou, vendo-o abrir os olhos levemente. “Pronto para levar nosso rapazinho para casa?”

“É sério?” Os olhos de Mário brilharam, animados. “Achei que você ia querer um mais filhote, ou mais saudável.”

“Vamos deixar os recém-nascidos para quando eu parir, Mário.” Brincou, se aproximando dele. “E quanto a saúde... Eu conheço um excelente veterinário, que vai fazer esse rapazinho ficar bom, bem depressa.”

“Vai, vai sim.” O homem afagava o corpinho magrelo, enquanto sua noiva brincava com as orelhas caídas do animal. “E como vamos chamar esse rapazinho?”

“Que tal... Apolo? O deus sol?” Propôs Marcelina, um sorrindo tomando seu rosto.

“Eu acho perfeito.”

~*~

Mário e Marcelina se casaram algumas semanas antes de Paulo e Alicia completarem um ano de casados. Foi em um domingo de manhã, no início da primavera, em uma igrejinha pequena, perto do apartamento dos dois.

Diferente dos amigos, não quiseram nada grande ou com muita gente. Chamaram suas famílias e os amigos mais próximos apenas, porque era o que cabia ali. Quando questionados do motivo, os dois explicaram que, desde que acordaram após o acidente, se sentiam muito próximos daquela capelinha.

“Sempre que eu entro aqui, eu vejo e a Marce andando por esse corredor, até o altar. E algo acontece aqui, algo é abençoado aqui dentro.” Explicou Mário, quando os amigos o questionaram. “Algo aconteceu antes do acidente aqui, e é esse o lugar no qual devemos nos casar.”

A baixinha escolheu um vestido simples e delicado, que a deixava com um aspecto quase de fada. Ou anjo, como Mário a descreveu mais tarde. Pelo menos, foi essa a impressão que ele teve ao vê-la entrando na igreja, de braços dados com seu pai.

Só tiveram um casal de padrinhos cada, já que o altar não era muito grande. Paulo e Alicia para Marcelina, Carmen e Daniel para Mário. Como sempre, foi Catarina que levou as alianças até o altar, desfilando com altivez, já acostumada a fazer aquilo.

No fim da cerimônia, quando o padre afinal os declarou casados, Mário puxou a agora esposa e inclinou seu corpo, dando um beijo digno de cinema e aplaudido tanto quanto um.

~*~

“Feliz aniversário de casamento, morena.” Desejou Paulo, beijando a esposa e arrancando um sorriso dela.

“Feliz aniversário, amor.” Ela se aconchegou ao peito dele, ouvindo as batidas do coração do marido. “Obrigada pelo ótimo presente.”

“Esse foi só o primeiro, Ali... Tanto round, quando presente. Quando acordarmos, amanhã, ainda tem mais.” Prometeu o Guerra, vendo-a rir.

“Amor... Tem uma coisa que eu queria fazer amanhã.” Disse Alicia, pensativa.

“Se você disser o que eu estou pensando, vou ser uma pessoa muito feliz.”

“Esquece, Guerra, você nunca vai chegar ao meu Everest traseiro.” Garantiu a mulher, vendo-o murchar. “Eu quero fazer algumas mudanças aqui em casa.”

“Que tipo de mudanças, amor?”

“Nosso quarto.”

“O que tem de errado com ele?”

“É só que... Eu não sinto como se fosse um quarto de adultos, entende? Para mim, ainda é o meu quarto de menina, mesmo que não se pareça mais nada com ele. Ainda é o quarto no qual eu cresci!” Explicou Alicia, sentando na cama e encarando o local.

“Não vou mentir para você, eu sempre senti isso também.” Confessou Paulo, apoiando as mãos atrás da cabeça. “É como se essa não fosse a nossa casa, sabe? Ainda é a sua casa, e eu moro nela. Mesmo que nós já estejamos oficialmente casados há um ano.”

“Você nunca falou sobre isso.” Se chateou Alicia. “Se... Se você quiser, nós podemos nos mudar.”

“Não, amor, não é isso.” Ele sentou, segurando as mãos dela. “Eu amo esse lugar, Ali, de verdade. É só que... Acho que é o mesmo que você sente. Essa ainda é a casa dos seus pais. O quarto principal da casa ainda é deles, está trancado no final do corredor, esperando por eles. Ou escondendo a memória deles, não sei. E nós, que somos os donos da casa, estamos em um quarto pequeno, no qual nós provavelmente perdermos a virgindade quando você tinha 17 anos.”

“Que declaração romântica.” Alicia acabou rindo. “Mas sim, é o mesmo sentimento que eu tenho. Nós nunca entramos no quarto deles, em todos esses anos. É como se ainda estivéssemos esperando pela volta deles. Como se eu estivesse esperando.”

“E o que te fez mudar de ideia, Alicia?”

“Outro dia, eu desconfiei que podia estar grávida. Foi um alarme falso, mas me fez pensar. Já mais do que passou da hora de essa ser a nossa casa, minha e sua, da nossa família. Porque, mesmo que não agora, uma hora nós vamos ter filhos, e vamos precisar do resto da nossa casa.”

“Então vem.” Paulo levantou, pegando sua cueca e a colocando.

“Aonde?”

“Desbravar o Everest dessa casa. E, por favor, coloque uma calcinha e uma camiseta. Não vai dar muito certo ficar andando com você nua.”

Apesar de já ser madrugada, os dois foram até o último quarto do corredor, que estava fechado há vários anos. Pararam em frente, suspirando pesadamente.

“Pronta?” Perguntou Paulo.

“Vamos lá.”

Abriram a porta, logo tossindo. A camada de poeira no quarto estava grossa, isso era verdade. Se surpreenderam com a quantidade de caixas que encontraram ali, empilhadas.

“O que é isso?” Perguntou Paulo, confuso.

“Essas caixas têm nossos nomes. Nossos, da Marce, do Mário, do Dan, da Carmen, da Marga e do Jorge.” Observou Alicia, curiosa.

“Manda mensagem para eles, morena... Vamos ver isso amanhã, juntos.” Pediu Paulo.

~*~

“A alergia está como? Exato, bem atacada.” Resmungou Jorge, abrindo a porta da sacada. “O que não é bom para alguém que tem bronquite, como eu.”

“O que tem nessas caixas sem nome?” Perguntou Carmen, curiosa.

“Na maioria, coisas daqui de casa, de antes dos meus pais morrerem.” Explicou Alicia. “Mas tem esses duas caixas, com nossos nomes. E nós quisemos que vocês viessem para abrirmos.”

“Por quê?” Questionou Mário.

“Porque essa letra não é de nenhum de nós, Mário, mas sim da minha mãe. O que quer dizer que foi ela quem embalou isso e colocou aqui, antes do acidente.” Explicou Paulo. “Por que ela esconderia isso da gente?”

“Vocês estão parecendo o Adriano e as teorias da conspiração.” Resmungou Margarida, pegando um estilete. “Vamos abrir ela logo.”

Uma nova leva de poeira se levantou da caixa, causando tosses e espirros. Por sorte, Catarina tinha ficado com os avós, que não sabiam o que Carmen e Daniel tinham ido fazer na casa de Alicia e Paulo.

“O que é isso?” Questionou Marcelina, abismada.

“O que aconteceu naqueles seis meses.” Disse Daniel em um sussurro.

Havia dezenas de fotos ali, dos quatro casais presentes. Como não se lembravam de nenhuma delas, com certeza tinham sido tiradas no período que antecedeu a explosão e a perda de memória. Só não entendiam porque seus pais tinham escondido deles.

“Você está apagando a velinha nessa, Ali... É seu aniversário de 17 anos. Olha, a Kira tá filhotinha no colo do Paulo.” Observou Mário.

“E essa... Eu e a Carmen estamos na praia, mostrando as alianças. Foi quando eu pedi ela em casamento.” Lembrou Daniel, confuso. “Nós descemos passar um dia na praia, por algum motivo, e eu pedi ela lá.”

“Alicia, isso é seu.” Margarida estendeu um caderno para a garota. Na capa, estava escrito “Paulo e Alicia – Nossa História”.

“Deixa eu ver isso.” Ela abriu, encontrando o contrato dos dois na primeira página. “Nosso acordo.”

“Eu guardei ele, ia fazer algo com ele no seu aniversário. Acho que foi isso que eu fiz.” Observou Paulo, curioso.

“A maioria dessas coisas eu me lembro... É de antes do meu aniversário, de antes de nós namorarmos.” A Guerra ia folheando as páginas, sorrindo. “Mas, daqui em diante, eu não lembro de nada.”

“Tem fotos nossas com a Kira, e fotos nossas juntos. Tudo do começo do nosso namoro.” Todos os amigos estavam amontados, observando as fotos. “Tudo o que nós não lembramos.”

“Por que nossos pais esconderam isso da gente?” Perguntou Jorge, indignado, pegando as fotos na caixa. “Digo, isso é tudo o que nós esquecemos e sempre perguntamos. Talvez isso nos ajudasse a lembrar!”

“Talvez eles tenham achado que seria menos doloroso.” Disse Alicia, a voz embargada. Ela indicou uma foto e os olhos de todos se encheram de lágrimas. “O Jaime sempre teve vocação de padre.”

“Ele nos casou de brincadeira.” Daniel riu, mas acabou fungando junto.

“E a gente todo nervoso para casar, sem saber que isso já tinha rolado.” Margarida admirava a foto. “Se bem que nós parecíamos qualquer coisa, menos noivas.”

“Você estava linda, amor.” Jorge beijou seu pescoço, fazendo-a rir. “Eu não consigo me lembrar de nada disso.”

“Yin e Yang.” Disse Carmen de repente, assustando a todos. “Nossas alianças...”

“Foram medalhões de yin e yang.” Completou Paulo, começando a revirar as caixas com a ajuda de Mário. “Nada aqui.”

“Estão aqui.” Mário tirou quatro saquinhos da caixa, os encarando. “Só não sei de quem é qual.”

“Abre todos.” Pediu Marcelina e assim o marido fez. Despejou os medalhões no colo. “Estão gravados.”

“Eles são diferentes entre si.” Observou Jorge, pegando os que tinham gravados o nome dele e de Margarida. “Tem a data aqui... 19 de setembro.”

“Nós gravamos depois.” Lembrou Margarida. “Fomos no shopping um dia e mandamos gravar, para nunca nos esquecermos.”

“Eu pertenço a minha amada, e ela a mim pertence.” Recitou Paulo, relembrando do que tinham dito naquele dia.

“Por que eles esconderam isso de nós?” Perguntou Daniel, inconformado. “Digo, agora, muito tempo já se passou. Mas, na época, podia ter ajudado a reverter a amnésia.”

“No fundo, eu sempre achei que eles estavam felizes de termos perdido a memória.” Comentou Jorge, e os amigos acabaram concordando. “Às vezes, algo mais aconteceu, algo traumático e forte, e ele s não querem que nós nos lembremos.”

“Talvez sobre a tempestade que matou os meus pais.” Supôs Alicia.

“Amnésia pode ser um mecanismo de defesa do cérebro, contra algo que o traumatizou.” Apontou Margarida.

“Exato. Ele cria um bloqueio a isso, que é a amnésia. Todos nós tivemos amnésia de uma determinada época, após um acidente bastante traumático. Talvez, realmente, mais coisas tenham acontecido nesse meio tempo, e nossos cérebros querem nos poupar dessas lembranças.” Concluiu Paulo, brincando com o medalhão em suas mãos.

“Eu não sei vocês, mas eu não tenho a menor vontade de tentar descobrir o que é, depois de tanto tempo.” Confessou Carmen. “Digo... Nossa vida já está refeita, certo? Estamos casados, eu e o Dan temos uma filha. O que passou, passou. Que fique no passado.”

“Eu concordo com você, Ca.” Marcelina encarou as fotos. “Eu estou feliz de achar essas fotos, por preencher uma lacuna que eu tinha dentro de mim, de não saber nada do começo do meu namoro com o Mário. Mas eu não tenho a aspiração de que as minhas memórias dessa época voltem.”

“Acho que todos concordamos com isso.” Concordou Alicia. “Vamos pegar as fotos, cada um as suas, e nossas primeiras alianças. O resto nós jogamos fora.”

Eles pegaram as fotos soltas nas caixas e separaram, além do álbum que Paulo deu para Alicia. Ficaram ainda alguns envelopes e embalagens, mas eles ignoraram. Ajudaram Alicia e Paulo com as outras caixas, separando o que poderia ser doado e jogando o resto nas duas caixas que tinham seus nomes.

No fim do dia, colocaram as caixas na lixeira, para que fossem levadas embora, e Daniel levou as doações para uma instituição que conhecia.

“O que foi, Alicia?” Perguntou Paulo, vendo que a esposa observava a caixa na lixeira.

“Só... Me sentindo em paz, sabe? Acho que finalmente eu estou livre do fantasma dos meus pais, e do que quer que tenha acontecido antes de perdermos a memória. Agora eu sinto que essa casa é realmente nossa.” Ela explicou, sorrindo.

“E isso é bom?”

“É, Paulo, é muito bom. Porque agora, eu me sinto pronta.”

“Pronta para o quê, amor?”

“Para termos um filho.” Ela virou para o marido, que parecia surpreso. “Você quer?”

“Você sabe que sim, morena.”

“Então vamos começar a tentar.” Ela pediu, ansiosa. “Não vai ser coisa rápida, de um dia para o outro, mas uma hora vai acontecer. Vamos simplesmente parar de evitar, e quando for para ser, será.”

“Acho uma ideia excelente.” Paulo sorriu, a enlaçando pela cintura. Encarou o céu, exclamando. “Ouviram? Estamos prontos. Quando quiserem, podem vir.”

“O que é isso, seu maluco?” Alicia gargalhou.

“Eu estou avisando para os nossos futuros filhos que o caminho está liberado.”

“Você é maluco, Guerra.”

“Eu sei... E mesmo assim, você aceitou passar o resto da sua vida comigo e ser minha família.”

~*~

“Ficou lindo, amor.” Suspirou Marcelina, encarando o pequeno espaço que passaria a ser o consultório de Mário.

“É, ainda é pequeno, mas um dia vai ser gigante.” Garantiu o homem, sorrindo. “Gostou, Apolo?”

“Essa resfolegada é ele garantindo que adorou o novo trabalho do papai.” Marcelina acariciou a cabeça do cachorro. Ele parecia outro animal daquele que eles tinham levado do abrigo meses antes; agora era um cachorro forte, saudável e cheio de disposição para brincar e dar carinho aos seus novos donos.

“Você sabe que agora as coisas vão apertar um pouquinho, não é? Eu não vou ter mais o meu salário fixo da clínica, vou depender dos clientes.” Questionou Mário, preocupado.

“Eu sei, Mário, fica tranquilo.” Marcelina segurou o rosto dele, sorrindo. “Você esperou nós quitarmos completamente o apartamento, para não ficarmos no aperto. Você já tem clientes, e vai ter muitos mais. Talvez, no início, a gente se aperte um pouco. Mas não vai demorar e as coisas vão ficar de vento em popa. Você vai ter um consultório bem maior, com funcionários seus, e a sua baixinha favorita administrando.”

“Não duvido, meu amor.” Ele a enlaçou pela cintura, sorrindo. “Mas isso vai adiar um pouco os nossos planos, Marce.”

“Mário, não tem nem um ano que nos casamos, amor.” Ela lhe deu um selinho carinhoso. “Temos muito tempo ainda para termos filhos, não precisamos de pressa.”

“É que você sempre disse que não queria demorar para ter filhos, pequena.”

“E não quero. Mas também não quero ficar grávida com seis meses de casada.” Ela riu, se pendurando no pescoço dele. “Eu quero aproveitar bastante ainda nosso tempo à dois, viajar, sair, fazer besteirinha pela casa toda... A Carmen e o Dan aproveitaram bastante antes da Cat nascer, porque eles moravam só os dois e sempre viajavam. E por mais que tenhamos curtido enquanto morávamos com o meu irmão e a Ali, agora que somos nós dois, é diferente. E eu ainda quero aproveitar isso por um tempo.”

“Gosto de como você pensa, sra. Ayala.” Mário a ergueu do chão, lhe dando um beijo que foi quebrado por Apolo se jogando sobre suas pernas. “Ciumento.”

“A gente também te ama, rapazinho.” O cachorro ficou sobre duas pernas, se esticando e lambendo o rosto dos donos, que o abraçaram aos risos.

~*~

“Gente, eu queria propor um brinde.” Chamou Daniel, se levantando. “Acho que temos muito o que comemorar.”

“Tem mais um bebê a caminho, é?” Riu Mário.

“Não, cara, isso ainda não.” Riu o Zapata, vendo a esposa fazer careta. “É só que... Crescemos! Você inaugurou seu consultório, a Ali e o Jorge abriram oficialmente o escritório deles de advocacia, a Marga e o Paulo estão nos últimos detalhes para começar a atender no consultório... Isso sem contar que a Carmen finalmente conseguiu uma turma de alunos dela, como professora titular.”

“E você e a Marce já estão mandando bem na empresa do seu pai há tempos.” Jorge elogiou os amigos.

“Então vamos brindar.” Os amigos se levantaram, com suas taças de vinho. Deram o copinho de suco para Catarina, sorridente no auge de seus dois anos e meio.

“A tudo o que nós conquistamos ao longo de todos esses anos.” Disse Paulo. “E ao Jaime, que nos proporcionou a chance de fazer tudo isso.”

“Ao Jaime.” Disseram, batendo as taças e encarando o espaço acima de suas cabeças.

“Feliz aniversário, amigão.” Desejou Mário, antes de beberem.

~*~

Alicia estava agitada. Corria de um lado para o outro, tentando deixar tudo nos conformes. Tinha saído mais cedo do escritório para ter certeza que conseguiria deixar tudo pronto, mas estava sendo bem difícil.

Kira a encarava do canto da cozinha, deitada em seu coberto, com um osso roído em meio as patas. A cachorra, que já tinha sete anos, balançava a cabeça de um lado para o outro, confusa e sem entender o porquê daquela correria de sua dona.

“O jantar está pronto, a mesa está pronta...” Enumerou a advogada, ansiosa. “E eu estou pronta. O que falta?”

Encarou a cachorra, suspirando. Fez sinal para que ela a seguisse e foi até o quarto da empregada, que eles tinham transformado na casa de Kira.

“Hoje você fica no seu quarto, mocinha.” Avisou, enchendo o pote de ração e conferindo o de água. “Acho que você é uma cachorra muito mimada. Tem um quarto desse tamanho, só para você.”

Em resposta, a cachorra apenas latiu, deixando em seu colchão e se enroscando, voltando a roer seu osso de forma distraída. Alicia fechou a porta e voltou para a cozinha, ouvindo a porta da frente bater.

“Amor? Cheguei.” Chamou Paulo, e ela foi até a sala. O encontrou com um buquê de flores enorme. “Adorei a produção.”

“Como nosso primeiro aniversário virou uma confusão, por causa das caixas, quis caprichar no segundo.” Explicou ela, caminhando até ele e recebendo as flores. “São lindas.”

“Não tanto quanto você. E a propósito... Você está um arraso.” Ele elogiou, a rodopiando e admirando a beleza dela naquele vestido vermelho, sua cor favorita. “Dá tempo de eu tomar uma ducha?”

“Claro, a lasanha ainda está no forno. Te espero aqui embaixo.” Ela lhe deu um selinho, fazendo careta. “E escova esse dente, pelo amor de Deus.”

“Enjoada.”

Logo que o Guerra sumiu para o andar de cima, a mulher foi buscar o último detalhe. Pegou a caixinha de presente e levou para a mesa, colocando em cima do prato do marido. Então foi pegar um vaso para colocar as flores que ele tinha lhe dado.

Quando tirou a lasanha do forno e colocou na mesa, ele desceu as escadas.

“Você realmente caprichou, amor.” Ele a abraçou pelas costas e ela sentiu o cheiro da colônia dele. “Agora to bem cheiroso.”

“Até demais.” Ela resmungou baixinho, lhe dando um selinho. “Vamos comer? To morta de fome.”

“Mas tem uma anaconda no estômago mesmo.” Riu o Guerra, puxando a cadeira dela para a esposa sentar. Quando foi para o seu lugar, viu a caixinha. “É para mim?”

“Se você é meu marido, então é.” Ela deu um enorme sorriso, vendo-o sentar e puxar o laço de fita.

Paulo tirou a tampa da caixinha, mexendo no papel de cedo. O que viu ali, fez seu coração falhar uma batida. Tirou os dois coraçõezinhos de plástico, escritos “Baby1” e “Baby2”. E do fundo, tirou a foto de um ultrassom, marcando dois bebês.

Ergueu os olhos, encarando Alicia, que chorava.

“Você ficou chamando tanto, tanto, tanto... Que eles resolveram vir logo em dois, de uma vez.” Ela disse com a voz embargada.

“Você tá falando sério, morena? Você tá grávida?” Ele perguntou, também começando a chorar.

“To, to sim. Depois de tantos alarmes falsos, eu quis ter certeza. Então eu esperei bastante, fiz o exame de sangue, de urina, de farmácia, todos! Eu fui na médica e ela disse que, com sete semanas, já dava para fazer a primeira ultrassonografia. Eu completei faz três dias, e fiz ontem pela manhã. E... Foi isso. Nosso segundo aniversário de casamento foi presenteado com dois coraçõezinhos, batendo aqui dentro de mim.” Ela contou, vendo ele se levantar e dar a volta na mesa.

“Eu te amo tanto.” Paulo puxou a esposa da cadeira, lhe dando um longo beijo. “Esse é o melhor presente de todos, amor...”

“Você não está pilhado? Hora que a médica disse que eram dois, eu quase caí para trás.” Ela confessou, rindo.

“Sendo sincero, no fundo eu sempre torci por dois.” Confessou Paulo, acariciando a barriga dela. Se ajoelhou, beijando o local. “Hey, meus amores... É o seu papai aqui. Vocês me ouviram chamando tanto, tantas vezes... E resolveram vir logo juntos, não é? Que bom, que bom... Porque eu mal vejo a hora de ver vocês aqui com a gente, meus anjinhos.”

“Guerra, eu já to chorando que nem uma criança, não piora.” Implorou Alicia, quase soluçando.

“Nós temos que contar para todo mundo, Ali.” Ele disse, fungando.

“Eu pensei em postar uma foto, bem bonita.” Ela explicou, vendo-o sorrir.

“De onde você tirou esses coraçõezinhos?”

“Eu comprei um pacote, em uma loja de festas. Por quê?”

“Pega mais dois, enquanto eu posiciono a câmera.” Paulo pediu, se levantando e indo pegar o celular. Quando Alicia voltou, ele já tinha apoiado o aparelho em um móvel. “Fica ali na parede, para eu focar.”

“Qual sua ideia, amor?” Perguntou Alicia, indo até o local.

“Você me deu dois coraçõezinhos de presente. A nossa família, que era de apenas dois corações marrentos, agora tem quatro.” Ele explicou, pegando um dos corações em branco e passando um dos corações escritos para ela. “Vem aqui.”

Ele a abraçou pela cintura, posicionando o coração de número um do lado direito da barriga dela, antes de colocar o em branco do lado esquerdo do próprio peito. Ela sorriu, entendendo a posicionando o coração de número dois do lado esquerdo, assim como o em branco do lado esquerdo do seu peito.

“Quer sorrir para a foto?” Ele perguntou, fazendo o barulho para acionar o disparo.

“Tenho uma ideia melhor.” Garantiu a mulher, antes de capturar os lábios dele em um beijo.

~*~

“Dan, podemos conversar?” Perguntou Carmen, entrando no quarto do casal.

“Claro, amor.” Ele deixou o notebook de lado, a encarando. “A última vez que você veio assim tão séria, você me contou que íamos ter a Cat.”

“Eu lembro.” Ela riu, sentando no colo dele. “É mais ou menos sobre isso que que eu quero falar.”

“Gravidez?”

“Dan, o que você acha de nós tentarmos ter outro filho?” Perguntou a mulher, o surpreendendo. "A Cat completa três anos em alguns dias, já é uma boa diferença.”

“Eu concordo.” Sorriu o Zapata, segurando a mão da esposa. “Você sabe que eu sempre quis ter outro filho, mas ainda achava muito cedo. Querendo ou não, nós tivemos a Catarina muito novos.”

“Bom, se estamos de acordo, acho que podemos começar a tentar.” Dizendo isso, Carmen passou as pernas ao redor do corpo do marido, que riu.

“Assim, tão rápido?”

“Jura que você está recusando a fazer amor com a sua esposa?” Ela arqueou a sobrancelha.

“Longe disso. Eu vou é aproveitar, antes que a Catarina resolva ter um pesadelo e vir atrás da gente.” Riu o Zapata, tirando o notebook do colchão e jogando Carmen ali, os dois gargalhando.

~*~

“Mário, nós já estamos atrasados.” Chamou Marcelina, impaciente.

“Já vou, amor, calma. Estava colocando ração para o Apolo.” O dono da casa apareceu, arrumando a camisa. “A ceia só começa às 22h, amor, não precisa se desesperar.”

“Eu pensei em te dar seu presente antes de irmos.” Ela disse, sorrindo. “Quer?”

“Quero.” Os olhos do veterinário brilharam, vendo-a ir até a pequena árvore e pegar um embrulho de lá. “É meu?”

“Se estou te entregando.” Marcelina sorriu, lhe passando o presente. “Espero que goste, grandão.”

Mário sentou no sofá, rasgando o papel colorido e natalino. Quando seus olhos focalizaram no presente, sua boca se abriu em um perfeito O. Ele ergueu o macacãozinho para Marcelina, que sorria em meio as lágrimas.

“Futuro veterinário em treinamento.” Ele leu em voz alta, vendo-a assentir. “Você tá grávida, pequena?”

“To, amor.”

“Mas como? Nós estávamos nos protegendo.” Ele lembrou, ainda abismado.

“Minha avó sempre dizia que, quando chega a hora, não tem nada no mundo que nos impeça de vir. E esse anjinho achou que era a hora dele.” Marcelina caminhou até o marido, sentando ao seu lado. “Mas eu to muito feliz, Mário.”

“E você acha que eu não? Eu to no céu, Marcelina, no céu.” Garantiu o veterinário, a puxando para seu colo e a enchendo de beijos. “Eu amo tanto vocês, minha linda. Você e o nosso amendoinzinho.”

“Faz anos que eu não consigo comer amendoim, não sei porque. Mas depois dessa, acho que eu nunca mais vou comer um amendoim na vida.” Garantiu a baixinha, começando a rir. “Nosso amendoinzinho...”

Mário não disse mais nada. Apenas pegou a roupinha e colocou em cima da barriga da esposa. Ela sorriu, vendo-o pegar o celular e acionar a câmera. Passou o braço ao redor do pescoço dele, encostando o nariz em sua bochecha e sorrindo ao vê-lo fechar os olhos.

~*~

“Mamãe, papai, acorda! O Papai Noel veio.” Gritou Catarina, pulando em cima dos pais. Os dois acordaram sobressaltados, encarando o sorrisinho infantil. “Tem presentes.”

Apesar da dicção bem falha, Catarina já falava muito bem para três anos recém-completos. Seus pais lhe desejaram feliz natal, e ela fez o mesmo, antes de pular nos braços do pai e juntos irem para a sala.

“Caramba, quantos presentes.” Observou Carmen, fingindo surpresa. “Vamos ver o que é da Cat.”

“Tudo.” Gritou a criança, fazendo os pais rirem.

Começaram a ir entregando os embrulhos para ela, que já conseguia abrir quase tudo sozinha. Ganhou bonecas, uma cozinha cor-de-rosa, uma casa de Barbie, e uma espada com escudo. Depois de assistir um filme de princesa, algumas semanas antes, tinha desenvolvido adoração pelos objetos.

“Gostou dos seus presentes, minha linda?” Perguntou Daniel, segurando o escudo no braço, para que Catarina golpeasse com a espada.

“Sim!” Cantarolou a criança, animada.

“Tem mais um aqui, Cat... Só que esse não tem nome de quem deu. Só uma interrogação no cartãozinho.” Carmen passou o embrulho para a filha, que ficou curiosa. Daniel a encarou, mas ela deu de ombros.

“Num abre.” Resmungou a criança, e Daniel se esticou para ajudar. “Brigada, papai.”

“O que é, meu amor?”

“Uma camiseta.” Ela abriu, ficando chateada. “Num sei ler.”

“O papai lê, dá aqui.” Ele puxou, arregalando os olhos. Encarou Carmen, que sorria marota.

“O que é, papai?”

“Promovida a irmã mais velha.” Leu o Zapata, ainda em choque.

“O que que dizer?” Questionou a menina.

“Que você vai ganhar um irmãozinho, Cat.” Explicou a mãe, emocionada. “Tem um bebezinho, aqui na barriga da mamãe. O seu irmão ou irmã.”

“Você vai ser irmã mais velha, filha.” Disse Daniel, também emocionado. “E eu... Vou ser pai, de novo.”

“Achei que você gostaria de receber a notícia assim, amor.” Se explicou a mulher, acariciando a barriga. “Eu sei o quanto você esperou por isso.”

“Vem aqui.” Ele estendeu a mão e ela engatinhou até ele, sentando em sua perna. “Eu te amo muito, minha linda. Você, e o nosso bebezinho.”

“E eu?” Reclamou Catarina.

“O que o papai sempre diz?” Ele puxou a filha também, fazendo-a ficar de pé ao lado dele.

“Que você ama eu mais que tudo no mundo.” Ela recitou, de forma errada.

“Agora, isso mudou. Eu amo você e seu irmãozinho da mesma forma; mas eu amo vocês dois mais do que tudo no mundo, até do que a mamãe. Vocês são as coisas mais importantes da vida do papai.” Prometeu ele, beijando o rostinho da criança. “Vocês três são tudo para mim.”

“Vamo foto? Que nem a tia Ali?” Pediu a menininha.

“Veste seu presente, meu amor.” Mandou Carmen, ela e o marido ajudando a filha nisso. “Agora senta aqui no colo do papai.”

Catarina sentou no lado oposto da perna do pai, que a abraçou. Carmen ergueu o celular, os três sorrindo para a foto.

~*~

“Quem vai passar o dia com os padrinhos hoje?” Cantarolou Jorge, assim que Daniel abriu a porta.

“Eu!” Catarina veio correndo dos fundos do apartamento, animada.

“Vocês me salvaram, sério. A Carmen não está se aguentando de enjoo, e eu preciso resolver umas coisas na empresa.” Agradeceu o pai da menina.

“Na primeira vez, a Ca não ficou tão enjoada.” Lembrou Margarida.

“Estão sendo, realmente, duas gestações bem diferentes.” Garantiu Daniel. “Desculpa miar o final de semana de vocês. Sei que vocês iam usar ele para comemorar os dois anos de casados.”

“Relaxa, cara... Padrinhos e amigos são para essas coisas.” Jorge o tranquilizou. “Trazemos ela de volta à noite, beleza?”

Era preciso bastante coisa para distrair Catarina, enérgica como a menina era. A menina se entediava rápido, não gostava de ficar parada, e não ficava muito tempo em silêncio.

“Ela tem pilha Duracell, não é possível.” Suspirou Jorge, vendo-a correr pelos brinquedos do parque do prédio dos padrinhos. “Ela não parou por um minuto, desde às 10h da manhã. E já são quase 18h.”

“Ela é criança, amor. E uma criança bem agitada.” Riu Margarida, acariciando o cabelo do marido.

“Não sei como a Carmen e o Dan dão conta. Eu estou exausto.”

“Qual é, loirinho, não seja molenga. Desse jeito, quando o nosso nascer, daqui alguns meses, você não vai dar conta.” Ela comentou casualmente.

Demorou um tempo até que ele assimilasse as palavras da esposa. Ele endireitou o corpo e a encarou, a boca se abrindo em espanto. Margarida não olhava para ele, os olhos fixos na afilhada, que ainda corria e brincava.

“Vo-você está falando sério, caipirinha?” Perguntou ele. “Nós vamos ter um bebê?”

“Vamos, meu loirinho.” Margarida sorriu, acariciando a barriga lisa. “Lembra do aniversário do seu primo? Que nós bebemos saquê demais?”

“Eu não usei camisinha.” Ele relembrou. “E agora, o maior amor das nossas vidas está a caminho.”

“Está. Nossa misturinha está crescendo, aqui dentro de mim.” Margarida sorriu ao sentir a mão dele por cima da sua.

“Moranguinho do papai.”

“Moranguinho, Jorge? De onde você tirou isso?”

“Não sei, eu só... Ouvi isso, dentro da minha cabeça. É assim que eu vou chamar a nossa filhinha.”

“E de onde você tirou essa certeza de que é menina?” Questionou a grávida, emocionada.

“Do meu coração. Você está esperando a nossa princesinha, Margarida, eu tenho certeza disso.”

~*~

Daniel colocou Catarina na cama, ainda rindo. Eles realmente tinham atrapalhado o final de semana de Jorge e Margarida. A mulher pretendia seguir o exemplo de Alicia e contar para o marido da gravidez durante a comemoração do aniversário, mas acabou que os dois estavam exaustos demais para sair à noite, então ela simplesmente contou.

Agora, o grupo todo celebrava por mensagem que teriam cinco bebezinhos em breve. Isso se ninguém mais engravidasse em breve. O chá de revelação, que seria nos próximos dia, foi adiado até que Margarida conseguisse descobrir o sexo do bebê que esperava. E então, descobririam o que eram todos os bebês.

Quando percebeu, estava parado em frente ao famigerado quarto trancado. E, diferente do que sentiu quando Carmen esperava Catarina, agora ele sentia que era a hora de abrir aquela porta. Caminhou até o móvel e pegou a caixa escondida, tirando a chave do interior.

Assim que destrancou a porta, travou. Depois de mais de sete anos, afinal, iria descobrir o que ela escondia de tão importante, o que o tinha feito repensar todas as suas escolhas de vida e mudar o seu caminho da forma como mudou.

Empurrou a porta depois de longos minutos, e sentiu o cheiro de cômodo fechado. Caçou o interruptor, acendendo a luz e vendo que as paredes do quarto estavam todas pichadas. Caminhou até o centro do cômodo, olhando em volta.

“Família primeiro, trabalho depois. Eles sempre vêm antes. Nada é mais importante que ela e o Eric. Esteja sempre perto por eles. A Carmen e o Eric são a sua vida.” Ele leu em voz alta, sentindo os olhos marejarem.

Encarou o desenho dobrado em sua mão, o desdobrando. Leu o nome que tinha escrito entre ele e Carmen, e sorriu.

Saiu e trancou a porta novamente, escondendo de novo a chave e o desenho. Se dirigiu para o quarto que dividia com a esposa, vendo que ela estava dormindo largada na cama. Deitou ao lado dela, aproximando o rosto da barriguinha dela, que começava a ganhar uma forma suave.

“É você, não é? Você quem tem me chamado por todos esses anos, desde que eu acordei naquele hospital. Você que eu tenho esperado...” Ele disse baixinho, os olhos enchendo de lágrimas. “É você, Eric. Era você que o papai estava esperando por esse tempo todo, filho.”

Ele tocou o lugar, sentindo o coração acelerar assustadoramente. Beijou a barriga da esposa, sentindo que as lágrimas escorriam.

“Eu te amo, Eric... Mal posso esperar a hora de te conhecer.”

~*~

“Gente, eu vou explodir.” Reclamou Alicia, estralando as costas. “Essas crianças estão muito grandes.”

“Dá para ver pelo tamanho da sua barriga, amiga. Parece uma tartaruga. Acho que se você cair de barriga, não vai conseguir levantar.” Brincou Valéria, enquanto estavam no jardim da mansão dos Cavalieri.

“Experimenta segunda gravidez, Ali... A barriga cresce rápido demais.” Reclamou Carmen. “Eu só to de quatro meses, e minha barriga tá quase do tamanho que tinha quando a Cat nasceu.”

“Vocês reclamam demais. Eu tenho que usar roupa justinha, para ver se a barriga aparece um pouquinho.” Margarida fez biquinho.

“É, a minha também está pequena.” Marcelina fez eco a amiga.

“E por isso eu to apostando que vocês duas vão ter meninas, e a Carmen vai ter um menino. E eu tenho certeza que o da Ali são dois meninos.” Apostou Majo, anotando seu palpite no quadro.

“Como estão as apostas?” Perguntou Paulo.

“Bom, a maioria acha que a Marce vai ter menino, a Carmen uma menina, da Marga está bem dividido. E você e a Ali, quase todo mundo acha que são dois meninos, especialmente porque a barriga da marrentinha tá muito grande.” Cirilo contabilizou depressa. “Vamos fazer a revelação logo e descobrir?”

“Quem vai primeiro?” Perguntou Bibi, abraçada ao namorado pelas costas.

“Pode ser a Marga, que foi a última a descobrir. Vamos pela ordem contrária.” Propôs Mário, e todos concordaram.

Eles pegaram os canudos de confetes, se posicionando no meio dos amigos. Se preparam para estourá-los, sorrindo um para o outro.

“Quando eu contar três. Um, dois, três.” Gritou Jorge e eles explodiram os canhões. O ar se encheu de confetes rosas, fazendo todos gritarem. “A moranguinho do papai.”

“Como eu duvidei de você.” Margarida revirou os olhos, enquanto se abraçavam. “Nossa menininha, loirinho... A Ella.”

“Você também sentiu que é esse o nome?” Ele perguntou, vendo-a assentir. “Ella Garcia Cavalieri. Nossa Ella.”

“Ok, quem apostou em menina, ganhou um ponto.” Anunciou Adriano, conferindo o quadro. “Agora é a vez da Marce.”

Havia uma mesa grande, toda decorada e com um bolo gigante, mas o bolo que o casal Ayala cortaria era pequeno, e estava em uma mesinha mais simples. Eles caminharam até lá, pegando duas espátulas.

Cortaram um triangulo, um de cada lado. Marcelina puxou o pedaço para o prato que Mário segurava, e todos começaram a gritar como loucos quando do meio do bolo despencou um monte de confetes rosas.

“Outra menina!” Comemorou Valéria, animada.

“Nossa princesinha, Marce.” Mário ergueu a esposa do chão, que riu.

“É, amor... Nossa Mili.” A baixinha o abraçou com força, os dois rindo e chorando ao mesmo tempo. “Nós duas te amamos, Mário.”

“Eu garanto que nem se juntar o quanto você duas me amam, vai dar um terço do quanto eu amo cada uma de vocês.” Ele a colocou de volta no chão, os dois se beijando.

“Agora a mamãe!” Gritou Catarina, pulando animada no colo do pai.

“Ela que escolheu os balões.” Explicou Daniel, a família indo até a caixa de vime cheia de fitas rosas e azuis.

“Todo mundo pronto?” Perguntou Carmen, se abaixando com o marido e a filha. “No três, nós erguemos a tampa, tá? Pronta, filha?”

“Vamos logo, mamãe.” Pediu a criança, fazendo os mais velhos rirem.

“Um, dois, três e...” Contou Daniel, e ele e Carmen ajudaram a filha a erguer a tampa da caixa. Novamente a gritaria começou ao ver os balões azuis subindo ao céu. “É menino!”

“Você tinha alguma dúvida de que era o Eric, Daniel?” A pergunta de Carmen o pegou de surpresa. “Desculpa, amor... Não tem como vocês dois conversarem a sós por enquanto, não até ele nascer.”

“Meu irmãozinho!” Catarina pulava sem parar, fazendo os mais velhos babarem. “Meu irmãozinho príncipe da sereia.”

“Príncipe da sereia?” Perguntou Laura, confusa.

“É, o namorado da Ariel. Se fosse menina, ir ser Ariel, como a Pequena Sereia. E menino, vai ser o Eric, como o príncipe.” Explicou Carmen, enquanto ela e Daniel pegavam a filha do chão, fazendo a pequena rir. “Agora nós temos um príncipe e uma princesa na nossa casa.”

“Resta saber se o Paulo e a Ali também.” Lembrou Majo. “Faltam só eles dois.”

O casal foi para o meio dos amigos, recebendo os dois balões coloridos. Pegaram os garfos, erguendo os balões acima de suas cabeças.

“Todos prontos?” Perguntou Paulo. “Pronta, amor?”

“Pronta.” Concordou, erguendo o garfo. Ele a imitou, os dois sorrindo. “Agora.”

Explodiram os balões juntos, banhando o local em papéis rosas e azuis. Os azuis vieram do balão de Alicia, enquanto os rosas estavam no balão de Paulo. Por um momento, com a animação, ela esqueceu da dor e canseira, pulando no colo do marido, que a rodou no lugar.

“Um de cada tá bom, né?” Riu Paulo, depois de um longo beijo.

“Perfeito. Um marrentinho e uma marrentinha.” Ela sorriu.

“E os nomes? Qual vão ser os nomes deles dois?” Perguntou Cirilo, ansioso.

“Cada um de nós vai escolher um nome, o do bebê que revelou. Então eu escolho do nosso menino, e ele escolhe o da nossa menina.” Explicou Alicia, secando os olhos.

“E o nome que eu escolher tem que começar com A, e o dela tem que começar com P. Foi o nosso acordo.” Complementou o Guerra.

“Vocês já têm alguma ideia?” Perguntou Mário.

“Eu já sei qual eu quero.” Avisou Paulo.

“Eu também.” Concordou Alicia.

“Dá para vocês falarem logo, antes que eu dê à luz aqui?” Gritou Margarida.

Paulo sussurrou para Alicia, que concordou e sussurrou de volta. Os olhos dos dois brilharam, enquanto o Guerra pegava a bolsa da mãe da mesa e remexia, embaixo dos protestos dela. Pegou um batom, se ajoelhando em frente a esposa, que ergueu a bata que usava.

“Alice e Pietro?” Leu Jorge, sorrindo.

“Eu sempre quis Pedro, mas... Pietro parece certo, sabe? É o nome que ele escolheu.” Alicia acariciou a barriga, sorrindo.

“Pietro, Alice, Eric, Mili e Ella. São os nossos mascotinhos.” Sorriu Majo, os olhos brilhando. “Escreve na barriga de vocês também, para nós tirarmos uma foto!”

“Bom, alguém acertou todos?” Perguntou Daniel, enquanto escrevia Eric na barriga da esposa.

“Deixa eu ver...” Adriano contou as apostas. “Os únicos que acertaram os cinco palpites foram os avós das crianças.”

Todos olharam para o canto, onde estavam sentados os pais de Paulo e Marcelina, Margarida, Jorge, Carmen e Daniel. Os mais velhos apenas sorriam, com os olhos marejados.

“Isso tudo é emoção?” Perguntou Marcelina, constatando que eles estavam prestes a chorar.

“Vocês não conseguem nem imaginar.” Concordou Lilian.

~*~

“Ah, amor, está perfeito.” Alicia estava apoiada na porta do quarto, admirada. “Eu sei que você queria fazer um quarto para cada um, mas eu acho melhor deixar eles juntos.”

“Eu entendi, morena, e concordo. Eu também pesquisei e vi que gêmeos passam seus primeiros meses aprendendo a ficar separados, depois de toda uma gestação juntos. É melhor mesmo deixar eles dois no mesmo quarto.” Paulo a abraçou por trás, acariciando a barriga dela. “E com isso, fugimos do quarto rosa de princesa para a Alice.”

“Também. Eu gostei desse quarto neutro. Quando eles ficarem um pouco maiores, nós vamos ter que colocar um em cada quarto, eu sei... E então, nossa filha vai poder escolher se quer um quarto rosa, ou de qualquer outra cor.”

O quarto que seria dos bebês era o que Alicia havia ocupado desde a infância, e que ela e Paulo tinham dormido por vários anos. Agora, eles dormiam no quarto principal da casa, que tinha sido dos pais da garota.

“Nessas horas, eu... Não consigo evitar pensar nos meus pais.” Confessou a garota, sendo encarada pelo marido. “Eu queria que eles pudessem ver o que eu me tornei, quem eu me tornei. Que eles conhecessem nossos filhos.”

“Eu sempre te digo isso, porque sei que é verdade. De onde seus pais estão, não importa aonde seja, eles estão nos vendo, Ali. E eu tenho certeza que eles têm muito orgulho de você, meu amor. E vão sempre cuidar e proteger os nossos filhos.” Paulo beijou o topo da cabeça dela, secando suas lágrimas.

“Sabe o que eu pensei outro dia? E se nós não tivéssemos descoberto sua doença, Paulo? sabe, cedo? E se nós só tivéssemos descoberto quando fosse tarde demais, quando você já estivesse muito doente para ser curado?” Perguntou Alicia, chorando com força. “E se nossos filhos te perdessem, como eu perdi meus pais?”

“Hey, calma. Isso não aconteceu, Ali. Eu descobri minha doença cedo, quando ela ainda podia ser curada. E é o que aconteceu, amor. Você vê, toda vez que eu vou no médico. Eu estou bem, está tudo bem. Eu nunca vou deixar vocês, Alicia, eu prometo.” Ele tentava secar as lágrimas dela. “Eu vou sempre cuidar de vocês três, morena, porque vocês são a minha vida, são tudo o que importa para mim.”

“Eu te amo.” Ela se arremessou contra o pescoço dele, que sorriu ao afagar as costas dela.

“Eu também te amo, Ali, mais do que tudo.” Prometeu. “Agora vem, vamos deitar um pouco, a gravidez está te deixando emotiva e cansada demais.”

~*~

“Grandão, o quarto da Mili está ficando lindo.” Suspirou Marcelina, escorada na porta do cômodo. “Todo cheio de cachorrinhos.”

“É, o Apolo gostou bastante, né cara?” Mário pergunto para o cachorro deitado no chão. O animal apenas abriu os olhos, bocejando e voltando ao seu cochilo. “Grande cão de guarda.”

“Olha para a câmera, amor.” A baixinha chamou, fazendo-o sorrir. “Nossa princesinha vai adorar ver que o papai dela que pintou e decorou todas as paredes do quarto.”

“Vem aqui.” Mário pegou a câmera da mão dela e a abraçou por trás, começando a filmar os dois. “Oi, princesinha do papai.”

“Como é meloso, meu Deus.” Riu Marcelina, e ele esfregou o rosto no dela. “Mário, não acredito que você sujou meu rosto de tinta.”

“Então, eu estou aqui terminando o seu quarto, enquanto sua mãe reclama sem parar. E você está aqui dentro, bem pequenininha e quentinha, toda coberta de amor. E nós estamos enchendo esse lugar de amor, para você continuar coberta por ele mesmo após nascer.” Ele ia movendo a câmera enquanto falava, focando a barriga da esposa, que estava aparecendo pelo top que usava, e depois rodando pelo quarto.

“E o Apolo está adorando seu quarto, então você vai ter um colega logo que nascer.” A grávida indicou o cachorro, que havia levantado e cabeça e agora resfolegava. “Não é, Apolo? Fala para a Mili que você está ansioso para ela nascer.”

Em resposta o cachorro levantou e correu até os donos. Porém, no caminho, pisou na bandeja de tinta, encardindo o chão e suas patas.

“Ah, não, Apolo.” Mário gritou quando o cachorro pulou sobre o casal, os melecando de tinta. “Que coisa feia.”

“Ele já quis fazer um toca-aqui com a Mili, deixou até a pata dele tatuada.” Marcelina indicou a marca perfeita da pata do cachorro no meio da sua barriga. “Com certeza vão ser melhores amigos.”

“Então deixa eu parar esse vídeo e fazer uma foto.” Ele parou a gravação e voltou para a foto.

“Vem aqui, Apolo.” Marcelina deitou a cabeça do cachorro sobre sua barriga, deixando a marca da pata aparecer, e sorriram para a foto.

~*~

Daniel guiava Carmen pelo apartamento, os olhos dela vendados. Ao lado dele, Catarina saltitava de forma animada.

“Amor, lembre-se que eu estou com uma barriga enorme de grávida, ok? Se eu cair, não vai ser bonito.”

“Calma, amor, eu to te segurando.” Daniel riu, parando ela em frente à porta trancada. Pegou a chave do bolso e destrancou, abrindo a porta e revelando o quarto. “Mais alguns passos, ok?”

Ele a ajudou a andar alguns passos e parar no meio do quarto, pelo qual Catarina já corria, sem tocar em nada a pedido do pai. Daniel suspirou, tirando a venda da esposa.

“Surpresa.”

Carmen encarou todo o cômodo, maravilhada. O quarto tinha paredes brancas, móveis de mogno escuro, e a decoração nas cores azuis e com tema de aviões. Ela encarou Daniel, que sorria.

“É perfeito, Dan.” Ela caminhou, acariciando tudo. “Você afinal abriu a porta trancada.”

“Abri.”

“E apagou as pichações na parede.”

“Como?” Ele se surpreendeu. Carmen virou para ele, rindo.

“Você não achou mesmo que eu ia deixar uma porta trancada durante oito anos, não é? Eu fiz a cópia da chave logo depois que eu engravidei da Cat, esse ia ser o quarto dela. E quando eu li o que estava aqui dentro... Eu só senti que esse quarto era de outra pessoa.” Explicou a grávida, acariciando sua barriga. “No fim, esse quarto sempre foi do Eric.”

“E você... Você nunca quis saber o que aquilo significava?” Questionou Daniel, sentando na poltrona do canto. Carmen sentou em sua perna, suspirando.

“Conversei com a minha mãe, logo depois.” A grávida confessou, vendo a filha sair correndo do quarto e ir para o próprio. “Acontece que... Eu realmente fiquei grávida, antes do acidente. Foi por isso que nós ficamos noivos, e por isso que viemos morar juntos.”

“É sério?” Ele arregalou os olhos, surpreso.

“Sim. Na nossa primeira vez, eu engravidei. E você surtou, com trabalho e dinheiro, e a ONG. Então você caiu de cara no trabalho, porque nossos pais falaram que nós precisaríamos cuidar do nosso filho, e você queria abrir a ONG também. E para isso, você lembra... Nós precisaríamos trabalhar muito.” Ela continuou explicando. “Eu passei mal três dias seguidos, mas você não percebeu, porque estava exausto da escola e do trabalho. Acabou que eu desmaiei, e estava sozinha em casa, porque você estava na empresa. Quando você chegou, eu já tinha perdido o bebê.”

“E eu me culpei, e culpei o trabalho.” Ela concordou.

“Além de se sentir mal por não estar em casa para cuidar de mim, você percebeu, para valer, que para manter a ONG e uma família, você não ia ter vida pessoal. E então resolveu abrir mão da ONG e trabalhar, para poder sustentar nossa família e desfrutar disso, como nós temos feito nesses últimos anos.” Explicou a mulher, acariciando o rosto dele.

“Nosso filho ia chamar Eric?”

“Eu perdi ele antes de nós descobrirmos, mas você jurava que era um menino, e ia chamar Eric. Um dia você entrou e pichou as paredes do quarto que ia ser dele, e melhorou. Mas minha mãe disse que você sempre sonhava com ele, com um menino que te chamava de papai.” Carmen sorriu para o marido. “Agora, afinal, ele chegou.”

“Por que você nunca me contou, amor? Por que guardou isso só para você?”

“Lembra o que falamos sobre a amnésia encobrir coisas ruins? Eu não queria que você tivesse essa culpa de novo.” Ela suspirou. “Você é o melhor pai do mundo, um marido incrível, cuida tão bem da nossa família, da nossa filha... E eu tenho certeza que você vai fazer de tudo pelo Eric, mais do que você já tem feito.”

“Obrigado.” Ele agradeceu de verdade, puxando o rosto dela e lhe dando um longo beijo. “Por ter me poupado disso.”

“Sempre. Aliás, dá a sua mão.” Ela pegou a mão do marido, colocando sobre a sua barriga. “Eric, fala para o papai que ele é o melhor.”

“Eu digo. Você é o melhor, papai.” Catarina voltou correndo, pulando nos braços dos pais.

“E você é a filha mais linda e amorosa do mundo.” Daniel beijou seu rosto com carinho.

“O melhor a fazer é esquecer que eu te contei isso, amor... Você é o melhor pai do mundo para a Cat e para o Eric, e nada do que aconteceu no passado, vai mudar isso, ok?” Carmen abraçou os dois, sentindo o marido concordar com a cabeça.

~*~

“Paulo, acelera esse carro, pelo amor de Jesus. Essas contrações doem demais.” Choramingou Alicia, suando frio. “Eu devia ter escutado a médica e marcada uma cesárea para duas semanas atrás.”

“Mas eles quiseram nascer dia 17 de julho, morena, e é hoje que eles nascem.” Paulo sorriu para ela, beijando sua mão. “Só podiam ter esperado o dia amanhecer.”

“Você falou com os seus pais?”

“Eles já estão indo para o hospital. A Marce e o Mário também, assim como a Marga e o Jorge. O Dan e a Carmen só iam deixar a Cat com os pais dele, e também vão para lá. Nossos bebês chegarão com plateia e em grande estilo.”

Já no hospital, ela foi diretamente para a sala de parto, após a médica se surpreender com o avanço na dilatação e nas contrações. Assim que os amigos chegaram, foram encontrá-los lá, já que Alicia preferiu que os sogros não estivessem ali. Aquilo só a lembrava mais da ausência dos próprios pais.

“Mário Ayala, se você não parar de tirar fotos agora, eu vou fazer com que a Mili seja sua única filha.” Gritou Alicia, transfigurada.

“Cadê essa tal anestesia?” Perguntou Marcelina, preocupada.

“A Alicia avançou muito rápido no trabalho de parto. A anestesia, agora, não vai mais fazer efeito.” Explicou o médico, calmamente.

“Eu to assustada.” Disse Margarida.

“Eu não... O parto da Cat foi tão tranquilo. Tenho certeza de que o do Eric vai ser igual.” Carmen estava realmente tranquila. “Eric, fica quietinho, filho.”

“A Mili também está agitada para caramba.” Reclamou Marcelina, acariciando a barriga. Ela riu baixinho. “Não deixa o Mário ouvir isso, mas ela sempre fica agitada quando eu to perto de você e do Eric.”

“É, é a mesma coisa com o Eric.” Carmen deu uma piscadela para a amiga. “Se a Val ouvir isso, vai dizer que está shippando.”

“É melhor vocês deixarem isso em off.” Riu Margarida, e as duas concordaram.

“Tá doendo demais.” Gritou Alicia. “Eu quero uma cesárea.”

“Alicia, você precisa se acalmar. O primeiro que vai sair é o Pietro, e ele está bem grande.” Explicou o médico.

“Meu moleque é meio mamute.” Se gabou Paulo.

“Vai falar que é pintudo também?” Mário revirou os olhos.

“Ele é um Guerra, meu filho, é parte do pacote.”

“Se você continuar falando assim, perde seu próprio pinto, Paulo. Ou melhor, eu vou arrancar ele na unha, para ter certeza que você nunca mais vai me fazer passar por isso.” Rosnou Alicia, pegando o marido pelo pescoço. “Seu filho está me rasgando.”

“Mário, para de tirar foto.” Daniel pediu ao amigo, que passava mal de rir.

“Cara, vocês vão me agradecer por isso no futuro, sério.” Garantiu o veterinário, fotografando sem parar.

“Alicia, estamos prontos.” Avisou o médico. “As contrações estão no tempo certo, e o Pietro já está começando a sair. Está pronta?”

“Eu estou é arrependida por não ter escolhido fazer uma cesárea, meu Deus. Como dói.” Ela choramingou, e Paulo a abraçou.

“Você vai conseguir, linda. É a pessoa mais fodasticamente forte que eu conheço. Você vai se sair bem, eu tenho certeza. E eu tenho certeza que seus pais estão aqui, cuidando de você.” Alicia chorou ao ouvir aquilo. “E eu também estou aqui, com você e os nossos filhos.”

“Eu te amo.”

“Eu também te amo.” Trocaram um selinho. “Está pronta?”

“Vamos lá.”

Mário fotografou momento por momento do parto. Marcelina, Carmen e Margarida apoiaram a amiga desde o início, lhe dando força e incentivo. Daniel e Jorge preferiram se manter distantes após um rápido vislumbre do que seria a saída da criança.

“Eu não vou ver a Ella saindo. Acho que eu nunca mais consigo transar se ver uma criança saindo da periquita da Margarida.” Jorge sussurrou para o amigo, que concordou.

“Eu evitei ver a saída da Cat, me foquei na Carmen naquele momento. Esse é um lugar sagrado para mim, sabe? Já foi difícil voltar a transar depois de sair que uma criança saiu de lá, imagina se eu ver.”

“Muito bem, Alicia, eu to vendo a cabeça dele.” Avisou o médico e Paulo sorriu.

“Posso ver?”

“Cara, conselho de amigo... Guarda a imagem imaculada desse lugar na sua mente.” Avisou Jorge.

“Jorge Cavalieri e Daniel Zapata, por que merdas vocês estão vendo a minha vagina?” Gritou Alicia.

“Não estamos vendo, fique tranquila. Já tivemos esse vislumbre por acidente e sinto que nunca mais vou esquecer essa cena. Vou broxar por uns três anos depois disso.” Garantiu o Cavalieri, e Mário gargalhava.

“Mário, toma muito cuidado com o que você fotografa aí, entendido?” Mandou Paulo, irritado.

“Último empurrão, Alicia. Faz força que ele sai.” Pediu o médico e assim a mulher o fez. “Nasceu.”

Todos choraram ao ouvir o grito alto e forte de Pietro. Alicia caiu deitada, exausta, e Paulo a abraçou, os dois sem conter as lágrimas. As amigas se afastaram enquanto o médico colocava o menino sobre a mãe.

“Caraca, moleque, não é que você é grande mesmo?” Paulo riu, admirando o filho. “A coisinha mais linda do mundo.”

“Nosso coraçãozinho.” Alicia beijou o bebê, emocionada. “Meu anjinho... A mamãe te ama tanto.”

“Ai, Mário, eu quero chorar.” Marcelina abraçou o marido, que a envolveu com um braço, seguindo fotografando com o outro.

Depois de alguns minutos e várias fotos de Mário, o pediatra levou Pietro para ser examinado. O médico examinou e disse que Alice estava descendo, e precisavam recomeçar o trabalho.

Foi mais rápido, fácil e indolor. Alice era razoavelmente menor que o irmão gêmeo e nasceu quietinha, apenas resmungando. Encarou os pais com olhos curiosos, sem entender porque choravam tanto.

“Parece uma bonequinha.” Elogiou Marcelina, admirando a sobrinha. “Olha, Mili, sua priminha é toda fofinha.”

“Vamos levar ela para ser examinada, já trazemos ela de volta com o Pietro.” Avisou a enfermeira, pegando Alice.

“Como está se sentindo, amiga?” Perguntou Carmen.

“Quebrada, dolorida, sem sentir o meio das minhas pernas, mas feliz demais.” Suspirou Alicia, largada na maca. “Agradeçam que de vocês é só um.”

“A Alice foi tranquila, nem vem.” Riu Daniel.

“Ela tem 3,45kg, realmente foi mais fácil para sair, especialmente depois do irmão.” A pediatra voltou com a menina enrolada em uma manta rosa. “O Pietro deu trabalho porque pesa 4,5kg.”

“Oi?” Foi o grito coletivo, surpreso.

“Gente, parece um peru gigante de Natal.” Comentou Jorge.

“Olha como você fala do meu filho, Cavalieri.” Rosnou Alicia, enquanto a enfermeira ajeitava os dois bebês em seus braços. “Oi, coraçõezinhos.”

“Oi, amores da minha vida.” Paulo beijou os dois, que bocejavam preguiçosamente. “Tão lindos.”

“Mário, você está fotografando tudo isso, por favor?” Pediu Margarida, chorosa.

“Já tem umas mil fotos, Marga, fique tranquila.”

Lilian e Roberto foram liberados para entrar na sala em seguida, os dois ansiosos e emocionados. Receberam os netos nos braços das mãos de Paulo e Alicia, a segunda ainda largada na maca, exausta.

Se surpreenderam com a torrente de lágrimas que Roberto verteu ao tomar Pietro nos braços. O homem se inclinou e beijou a testa do menino, sussurrando algo que mais ninguém pôde ouvir.

“Bem-vindo de volta, campeão.”

~*~

“Tem uma ruguinha, bem aqui.” Daniel apontou o meio dos olhos da esposa, que riu. Ela estava sentada no sofá, observando Catarina desenhar no chão. “O que te preocupa, meu amor?”

“Só pensando no dia do nascimento dele. Fiquei chateada que ele vai nascer no feriado de 7 de setembro.” Ela fez um biquinho, enquanto o marido ria.

“Pensa só, ele não vai levar ovada na escola.”

“Mas os amiguinhos dele nunca vão estar aqui no aniversário dele, vão estar sempre viajando.” A grávida reclamou, acariciando a barriga. “Você vai ficar sempre sozinho no seu aniversário, não é, Eric?”

“Você tem um ponto.” O marido concordou, a abraçando. “Bom, nada impede de nós tentarmos estimular o parto mais cedo. Você sabe, existem várias maneiras para isso.”

“Eu acho essa ideia ótima.”

“E você, Eric? Quer nascer antes, para poder ir na escola, ver os amiguinhos e levar ovada?” Daniel se abaixou até a barriga de Carmen, enchendo o local de beijos.

“O nosso menininho amou a ideia, está todo agitado aqui dentro.” A grávida sorriu, acariciando o cabelo do marido.

“Mamãe?” Catarina chamou do chão. “Como o Eric vai ser?”

“Como assim, filha?” Questionou Carmen.

“É... Ele vai parecer com você, ou com o papai? Porque eu pareço com você, né?” Perguntou a menininha, curiosa.

“Eu espero que, assim como você, o Eric seja parecido com a mamãe.” Garantiu Daniel, sorrindo abobalhado para a esposa. “O mesmo sorriso, os mesmos olhos, até o mesmo cabelo.”

“Hey, você também tem sua parte nessas crianças, sr. Zapata, não desmereça isso.” Carmen lhe deu um selinho, acariciando o rosto dele. “Sabe o que eu acho?”

“O quê?”

“Que ele vai ser parecido com a Cat.”

“Nisso eu concordo.” O homem disse, estendendo a mão para a filha no chão. Ela correu e pulou no colo dele, sorrindo. “Você é a coisinha mais linda do mundo, e tenho certeza que seu irmão também vai ser.”

“Tira uma foto nossa, mamãe, nós quatro.” Pediu a menina, dando um sorrisinho cheio de dentes de leite. “Pro meu irmãozinho ver quando ele nascer.”

“Tiro, princesa, tiro sim.” Carmen pegou o celular e os três sorriram para a foto, Catarina com a cabeça deitada em cima da barriga da mãe. “Gostou?”

“Sim, vai pra estante.”

“Se todas as fotos que você gosta forem para a estante, vamos precisar de dezenas delas.” Riu Daniel, encarando a madeira que cortava toda a parede da sala.

No início, só tinha uma foto ali, dele e de Carmen juntos, na festa de casamento dos pais de Majo. Com o tempo, ganhou algumas outras, bem selecionadas: o casamento deles, duas da gravidez de Catarina, eles três nos primeiros dias de vida dela, três da menina conforme crescia, e uma bonita do aniversário dela. Tinha também duas fotos da época em que o casal namorava, mas ficavam mais ao fundo.

“Vamos esperar o Eric nascer, filha... Aí, nós colocamos várias fotos ali.” Prometeu Carmen, beijando a testa da filha, que voltou a deitar no peito do pai e ficou rindo das cócegas dele.

~*~

Paulo estacionou em frente da casa deles. Olhou pelo retrovisor, sorrindo ao ver Alicia sentada no canto esquerdo, velando os dois bebê-conforto.

“Crianças... Chegamos em casa.” Anunciou o Guerra, trocando um sorriso com a esposa.

Desceu e tirou a cadeirinha do filho, enquanto Alicia fazia o mesmo com a filha. Apesar de ela ainda não poder fazer esforços, eles tinham dois bebês, e Paulo não daria conta de carregar tudo sozinho.

“Sua irmã veio ver a Kira?” Perguntou Alicia, enquanto o marido abria a porta.

“Veio, e falou que ela está maluca. Vamos ver o que vai acontecer.” Suspirou o Guerra, abrindo a porta e entrando.

Ouviram a barulheira nos fundos, no quarto de Kira, e acabaram rindo. Paulo colocou o filho sobre o sofá e foi para lá, enquanto Alicia colocava Alice ao lado do irmão. Não demorou para um raio surgir no meio de suas pernas, fazendo-a rir de novo.

“Oi, meu amor. A mamãe e o papai chegaram em casa.” Ela afagou as orelhas do animal, que resfolegou animado. “Sentiu saudades?”

“Ela me babou inteiro.” Paulo veio se limpando com um paninho. “Acho que alguém está muito feliz de ver a gente.”

“Percebi.” Alicia segurou a cachorra pela coleira, fazendo com que o animal a encarasse. “Quer conhecer seus irmãozinhos, meu amor?”

Com cuidado, ela e Paulo levaram Kira até próximo das cadeirinhas onde os bebês estavam. Alice e Pietro estavam despertando, piscando preguiçosamente. Porém, assim que sentiram o focinho da cachorra em suas pernas, acordaram completamente.

“Hey, calma. Devagar, ou vai assustar eles.” Mandou Paulo, segurando o focinho do animal, que resfolegava. “Seus irmãos são pequenos, você vai ter que ser cuidadosa.”

Soltou o aperto aos poucos, vendo que ela tentava se aproximar. Pietro e Alice estavam alertas, mas não pareciam assustados. Assim que conseguiu se mover, Kira aproximou o focinho dos pés dos bebês. Deu uma lambida suave no pé de Alice, que fechou os olhos.

“Acho que ela gostou.” Comentou Alicia, sentada ao lado da filha.

“Ele também.” Comentou Paulo, vendo que Pietro tinha a mesma reação.

Testou soltar Kira, que pulou para cima do sofá, sobressaltando o casal. Mas, para a nova surpresa deles, ela se deitou e enroscou nas cadeirinhas, fechando os olhos para dormir. Não demorou para que os bebês a imitassem, os três já cúmplices.

“Acho que eles se deram bem.” Comentou Alicia, rindo.

“Desconfio que perdemos nossa cachorra para os nossos filhos. E nossos filhos para a nossa cachorra.” Se indignou Paulo, indo para a cozinha.

~*~

“Olha, amor, como minha barriga tá redondinha.” Margarida estava se admirando em frente ao espelho, erguendo a bata que usava. “Tá muito perfeitinha.”

“Sorri para mim.” Ele pediu, tirando uma foto. “Claro que tá perfeitinha, tem a coisa mais perfeita do mundo dentro dela.”

“Todo babão você, não é?” A grávida caminhou até ele, sentando no seu colo. Os dois colocaram a mão na barriga dela, acariciando o local. “Daqui dois meses ela chega, você acredita nisso?”

“Ainda não consigo assimilar isso. Eu imaginei tanto esse momento, que agora que ele chegou, parece um sonho.” Confessou o pai babão.

“Para mim também.” Marga beijou a ponta do nariz dele. “Eu posso ver o quarto dela, amor? Eu to muito curiosa.”

“Hum... Pode. O decorador terminou tudo hoje, já podemos entrar.” Jorge avisou, se levantando com ela no colo. “Caramba, você está pesada.”

“Eu estou grávida, seu lesado.” Margarida riu, enquanto ele caminhava com ela pelo corredor do apartamento. “Mas eu queria ter opinado sobre o quarto dela, sabia? Você é cheio de fazer as coisas do seu jeito para me surpreender.”

“Mas você opinou. Eu peguei tudo o que você comentou, viu em revistas e me contou, e passei para o decorador. Tenho certeza que vai estar do jeitinho que você querida.” Ele prometeu, a colocando no chão diante da porta. “Espero que goste.”

Ele abriu, revelando o ambiente todo branco e rosa bebê. Margarida entrou em lágrimas e ele começou a filmar a reação dela.

“Ah, amor... É lindo. Parece o quarto de uma princesa mesmo.”

“Mas é um quarto de princesa, linda... Da nossa princesinha. Tem tudo o que ela merece.” Ele comentou sorrindo, encantado com a emoção dela. “E como eu sei que você gosta de ter nosso toque em tudo, eu montei o berço, que era o que dava para eu fazer. Do resto, precisei de ajuda... Não sei colocar papel de parede.”

“Ele tem moranguinhos em marca d’água, que amor.” Ela suspirou. “E esse bercinho com voal? Parece aqueles de filme. E ele é oval também.”

“Você me disse que não queria aqueles berços grandes e retangulares, mas sim um mais delicado. Deu trabalho, mas eu achei.”

“Ficou perfeito, Jorge. Melhor do que eu tinha imaginado.” Ela virou para ele, secando os olhos. “E a Ella adorou também, né filha? Fala para o papai que você adorou seu quarto.”

“Deixa eu ver.” Ele virou a câmera, indo até ela e a abraçando, colocando a mão sobre a barriga. “Gostou do seu quarto, princesa?”

Recebeu um chutinho como resposta, e os dois sorriram.

~*~

Acordou naquela manhã estranhando o silêncio, e sentindo que passava da hora de dar de mamar para os gêmeos. Tateou a cama e não encontrou Paulo, o que era estranho. Desde o nascimento dos filhos, ele havia passado a trabalhar apenas em meio período, à tarde, para poder ajudá-la. Queria poder tirar licença, mas isso era impossível quando se era seu próprio patrão e sua esposa também; ainda mais com ela estando completamente afastada do trabalho.

O procurou no andar de cima, mas ele não estava em nenhum dos quartos, e nem os bebês. Geralmente eles passavam a noite com os pais, mas eles se esforçavam para deixá-los um pouco nos berços durante o dia.

Desceu as escadas e sorriu com a cena que viu. Paulo havia puxado a extensão do sofá e deitado ali, com Alice e Pietro ao seu lado. Kira deitou na outra extremidade, como um travesseiro para proteger os bebês de rolarem. E ali estavam os quatro, ressonando pesadamente, como se o mundo ao redor não importasse.

Ninguém disse que ter filhos seria fácil. Aliás, diziam que era difícil ter um filho; quem dirá ter dois de uma vez. Alice e Pietro tinham um mês e meio, e nesse tempo, seus pais tinham esquecido de tudo o mais.

Esquecido o que era dormir mais do que duas horas seguidas, o que era assistir um filme com tranquilidade, comer algo quente, namorar ou tomar um bom banho. Mas, em momentos como aquele, Alicia esquecia que parecia um zumbi pela falta de sono, que os seios estavam machucados de amamentar, que só se alimentava de coisas requentadas ou que estava cheirando azedo.

Sentou ao lado deles e acariciou a cabeça do marido, enquanto admirava os filhos. Desde o primeiro dia, os dois só dormiam se estivessem de mãos dadas, mesmo quando estavam nos berços. Sabia que ainda levaria um tempo para perderem esse hábito, mas não tinha pressa.

A verdade era que, apesar de toda aquela loucura, não tinha pressa que seus filhos crescessem. Mesmo atolada em fraldas sujas, choro, vômito e noites sem dormir, Alicia conseguia ter um vislumbre da tal alegria incondicional que a maternidade trazia em momentos como aquele.

E com isso em mente, podia esperar todo o tempo do mundo.

~*~

“Amor... Eu não consigo enxergar meus pés.” Reclamou Marcelina. “Eu pareço uma tartaruga, não é? Essa barriga está enorme.”

“É que você é pequenina, meu amor. Então mesmo que sua barriga fique minúscula, ela vai ser enorme para você.” Mário sorriu, enchendo o local de beijos. “Já falei que eu amo beijar a sua barriga?”

“Considerando que é o que você mais tem feito nos últimos meses, eu acredito.” Ela comentou, apoiando a câmera no peito e tirando uma foto. “Parece que sua cabeça está surgindo por trás de uma montanha, com o sol nascendo.”

“Você está me chamando de cabeçudo?” Se indignou o homem.

“Foi você quem disse, meu amor.” Marcelina acariciou o cabelo dele, sorrindo. “Eu imagino ela tão parecida com você.”

“E eu imagino que ela vai ser igualzinha a você. Os mesmos olhos, o mesmo sorriso, o mesmo jeito fofo de corar quando recebe um elogio...” Ele desenhava pela barriga dela com o indicador. “Meu amendoinzinho.”

“Vai continuar chamando ela assim? Ela já está do tamanho uma jaca, ou algo assim.” Riu a grávida, sentindo cócegas.

“Vai ser para sempre o meu amendoim.” Ele beijou a barriga dela de novo, se erguendo para beijar seus lábios. “Eu já falei que te amo hoje? Eu falo para a Mili o tempo todo, mas tenho medo de estar falando pouco para você.”

“Você me mostra a cada dia, todo o tempo. Seu amor por ela é uma extensão do seu amor por mim, Mário. Eu não preciso que você me diga para saber o que você sente por mim.” A baixinha sorriu, lhe dando outro selinho.

“Eu quero registrar nós três, desse jeito, o quanto eu puder.” Ele disse apanhando a câmera da mão dela. Deitou ao seu lado, colocando o aparelho no nível da cama, acima de suas cabeças. “Sorria para o monte surgindo por trás das nossas cabeças.”

“Seu engraçadinho.” Ela resmungou rindo, juntando sua cabeça com a dele.

~*~

Apesar de todos os esforços de Carmen e Daniel, Eric não parecia disposto a chegar antes do tempo. Com isso, acharam que não teria problema em uma escapada rápida com Catarina, que estava irritadiça, para a menina se divertir um pouco.

Combinaram com Margarida e Jorge, os padrinhos da criança, e desceram para a praia de madrugada. Por ser dia de semana, antes do feriado, o local estar tranquilo, o que era o plano deles.

Após passarem o dia bagunçando com a menina, e colocarem Eric e Ella para “tomar sol”, voltaram para a estrada, pretendendo chegar em casa no começo da noite. Foi no fim da serra que Carmen percebeu que não conseguiria mais esconder e avisou que Eric estava querendo nascer.

A bolsa já tinha se rompido há algum tempo, e as contrações estavam bastante fortes. Jorge acelerou o carro, enquanto Margarida ajudava a amiga a controlar o tempo das contrações e Daniel começava a ligar para todos.

“Gente, não vai dar tempo.” Avisou Carmen.

“Tem um hospital aqui perto.” Jorge colocou no GPS. “Segure o moleque por mais 10 minutos.”

“Meu irmãozinho tá nascendo?” Catarina estava assustada, agarrada com a madrinha.

“Tá, meu amor, tá sim. Ele gosta de grandes entradas.” Margarida tentava acalmá-la.

“Chegamos.” Jorge jogou o carro com tudo no estacionamento, assustando algumas pessoas. “Mulher dando à luz. Literalmente.”

Alguns médicos e enfermeiros vieram pela porta da emergência, enquanto Daniel tirava a esposa do carro. Jorge pegou Catarina, que estava assustada.

“Primeiro filho?” Perguntou o médico.

“Segundo.” Respondeu o pai.

“Dan, eu to sentindo a cabeça dele.” Avisou Carmen, arfando.

“Coloca ela nessa maca.” Pediu a enfermeira e Daniel o fez, sentando atrás da esposa. A mulher ergueu o vestido de Carmen e retirou a calcinha. “Está coroando.”

“Tragam tudo.” O médico assumiu o posto em meio às pernas dela, tenso. “Não vamos conseguir chegar na sala de parto.”

“Calma, meu amor, vai dar tudo certo.” Prometeu Daniel, amparando a mulher. “Você já passou por isso e se saiu muito bem. Não vai ser diferente agora.”

“Não olha, princesa.” Pediu Margarida, apoiando a cabecinha da afilhada no ombro do marido. “Quando seu irmãozinho chegar, eu te aviso.”

Não demorou muito. No primeiro empurrão que Carmen deu, a cabeça do bebê saiu. Com mais dois, os ombros e o resto do corpo deslizaram para fora, sendo apanhados pelo médico. O choro veio conforme o grito da mãe sumia no ar, e Daniel e Carmen caíram em lágrimas logo depois.

“Aqui está ele... O garotinho de vocês.” A enfermeira passou o bebê para a mãe, que o apanhou com as mãos trêmulas.

“Oi, meu principezinho, meu pequeno Eric.” Carmen sorriu para o bebê, que ainda ranhetava.

“Hey, não precisa chorar. Calma... A mamãe e o papai estão aqui com você, tudo bem. Calma, garotão.” Daniel cobriu a cabeça dele com a mão, acariciando os poucos fios sujos do cabelo dele. Encarou a filha, que os encarava pelo vão do ombro de Jorge. “Quer ver seu irmão, Cat?”

“Quero.”

Jorge a levou até a maca, passando a menina para os braços do pai. Ele a sentou sobre sua perna, e ela apoiou as mãozinhas no braço da mãe, aproximando seu rosto do bebê que estava ali.

“Ele é pequeno. E sujo.” Observou, fazendo os pais rirem.

“Parece com você, Cat.” Apontou Daniel.

“É, parece.” Catarina sorriu, se inclinando e beijando a cabeça do irmão, que fechou os olhos. “Eu te amo, Eric.”

“Lindo, tira uma foto, por favor.” Pediu Margarida, emocionada.

“Um passo à frente, amor. Olha o passarinho, gente.” Jorge apontou a câmera para a pequena família.

Carmen ajeitou melhor Eric em seus braços, enquanto Catarina colocava sua cabeça com a do irmão e Daniel colava o nariz contra o cabelo da esposa, os dois sorrindo e de olhos fechados.

~*~

“Uma fotinho enquanto estamos indo para a maternidade.” Pediu Mário, sendo fuzilado por Marcelina.

“Você e o Paulo precisam aprender que existe hora certa para a foto, sabia?” Ela reclamou, estralando as costas. “E definitivamente não é enquanto sua mulher está entrando em trabalho de parto.”

“Eu quero registrar passo a passo da chegada da nossa pequena.” Ele garantiu, se aproximando e dando um selinho nela.

“E que tal pegar minhas malas e as dela, colocar a cadeirinha no carro?” Pediu a mulher, vendo-o arregalar os olhos. “Minha vez de documentar, amor.”

Chegaram no hospital no início da noite do dia 07 de setembro, e encontraram Carmen e Daniel saindo com Eric. Após o parto surpresa, o empresário pagou uma ambulância para transferir a mulher e o filho para a maternidade em São Paulo, para estarem próximos da família.

“Não me diga que essa mocinha está chegando?” Perguntou Carmen, abraçando a amiga.

“Pois é.” Marcelina sorriu, acariciando o rosto de Eric. “Viu, carinha? Sua amiguinha está chegando. Vocês vão fazer aniversário juntos.”

“Pausa para a foto.” Pediu Mário, pegando a câmera. As duas viraram para ele sorrindo, Carmen colocando Eric bem perto da barriga da amiga. “É legal que eles vão ser amigos e fazer aniversário perto, né?”

“Amigos.” Daniel riu. “É isso aí, Mário. Boa sorte lá dentro.”

“Valeu, cara... Vamos precisar.”

~*~

“Mário, larga essa porcaria de câmera e vem ficar comigo.” Mandou Marcelina, irritada.

“Mas eu quero...”

“Não importa o que você quer, ok? Eu estou colocando a sua filha para fora da minha vagina, então o que importa agora é o que eu quero. E eu quero você aqui, dando sua atenção para mim e segurando a minha mão. Ok?” Mandou a grávida, vendo-o assentir. “Ótimo. Até porque, do jeito que você é, vai desmaiar assim que ver o sangue.”

Foi um parto razoavelmente tranquilo. Como deu tempo para a anestesia, Marcelina sofreu bem menos do que Carmen para parir Eric, e uma infinidade menos que Alicia. Menos de trinta minutos depois de começar a empurrar, lhe entregaram a filha nos braços.

Milena era pequena, branquinha, com poucos cabelos na cabeça e um pulmão bastante forte. Chorava com desespero enquanto era envolta pelos braços da mãe, que chorava tanto quanto ela.

“Hey, calma, calma...” Marcelina a segurou com força, acariciando seu rostinho. “Está tudo bem, minha linda. A mamãe está aqui, não precisa chorar.”

“Ela é linda.” Mário estava tremendo, pálido como cera. “Nossa filha é linda, Marce.”

“Ela é, é linda demais.” Suspirou a mãe, vendo que a criança se acalmava. “Fala oi para o papai, princesa.”

“Oi, coisa linda. Minha pequena.” Ele levou o indicador até a mão da filha, que o agarrou. “Princesinha do papai.”

“Quer pegar ela?”

“Posso?”

“Você é o pai dela, Mário, é claro que pode.” A baixinha riu, passando a filha com cuidado para ele. “Segura a cabecinha dela.”

“Ela é tão pequenininha, Marce, tão delicadinha.” Ele disse baixinho, temendo que sua voz a assustasse. “Parece uma bonequinha, ou um anjinho, não sei direito.”

“É a nossa coisinha perfeita, Mário. Ela vai parecer tudo que esse mundo tiver de melhor.” A esposa sorriu para ele, que não conseguia desgrudar os olhos da filha.

~*~

Era de madrugada, mas Daniel não conseguia dormir. Sua cama estava invadida por Catarina, birrenta e dengosa, querendo a todo custo ficar perto da mãe, após a mesma voltar do hospital. Ele na verdade não ligava tanto, já que isso lhe dava tempo.

Descobriu que Eric daria trabalho para dormir. Após mamar e arrotar, ainda demorava um bom tempo até que o garotinho pegasse no sono, e era o pai que ficava com ele naquele momento, para que Carmen pudesse descansar.

Já tinha andado por quase todo o apartamento com o filho no ombro, até que resolveu ir para o quarto do mesmo. Entrou no local enquanto cantarolava uma canção de ninar, e viu que Eric o encarava.

“Gostou do seu quarto, filhão? É lindo, não é?” Perguntou em voz baixa, acariciando as costas da criança. “Ele sempre foi seu, sabe?”

Parou no meio do cômodo, encarando as paredes e lembrando de tudo o que estava escrito nelas, na primeira vez que entrou ali. Suspirou, encarando o filho e beijando o topo de sua cabeça.

“Nada no mundo, nunca, vai ser mais importante para mim do que você e a sua irmã, Eric, e nem que a sua mãe. Eu vou estar sempre por perto para vocês, para cuidar de vocês, e vou fazer de tudo para ver vocês felizes.” Prometeu em voz baixa.

O menininho apenas fechou os olhos e se ajeitou melhor contra o ombro do pai, que sorriu. Aquele pequeno gesto tinha uma grande importância, desde que Catarina havia nascido. Era uma forma dos filhos mostrarem que confiavam nele e em sua proteção: se sentiam seguros o bastante para se apoiar em seu ombro e adormecer, tendo certeza de que Daniel estaria ali para protegê-los.

E para seu coração, aquilo significava tudo.

~*~

Depois de saberem da reação de Kira à chegada dos gêmeos, Mário e Marcelina começaram a pensar em como Apolo receberia Mili para valer. Ele se mostrava tremendamente afetuoso com a barriga de sua dona, desde o início da gravidez, mas os dois imaginavam como seria vê-lo cara a cara com a bebê.

Quando a baixinha recebeu alta, estavam cheios de expectativa. Ela chegou no apartamento com Mili em seu colo, Mário carregando as malas e a cadeirinha. Ele deixou tudo no sofá e foi para a área de serviço, onde ficava a casinha do animal.

“Hey, garotão.” Foi recebido com pulos e lambidas animadas. “Pronto para conhecer a Mili?”

Assim que o liberou, Apolo disparou pelo apartamento. Começou a cheirar as malas e sacolas, ignorando sua dona e o bebê em seus braços.

“Ele não se tocou de que ela está aqui.” Riu Marcelina.

“Dá ela aqui, amor.” Mário pegou o pacotinho da esposa, ajeitando a bebê adormecida em seus braços. “Hey, Apolo. Ela está aqui.”

O cachorro parou o que fazia, se virando depressa. A cabeça tombou para o lado, analisando a cena, e ele se aproximou devagar.

Mário se ajoelhou com cuidado, constatando que a cabeça do animal era quase do tamanho de sua filha. Virou Mili na direção de Apolo, que a encarava com curiosidade.

“Devagar, Apolo.” Pediu Marcelina, sendo encarada pelo animal. “Ela é sua irmãzinha, lembra? Você tem que cuidar dela.”

O cachorro sentou em frente ao dono, aproximando o focinho com cuidado do corpo de Mili. Cheirou um pouco, assimilando e conhecendo aquele novo ser humano, antes de deitar sua cabeça na barriga da criança, feliz.

“Bom garoto.” Mário sorriu, acariciando a cabeça do animal enquanto Marcelina os fotografava.

~*~

“Amor, você podia ter pelo menos tirado o pijama.” Observou Margarida, vendo que o marido dirigia de samba canção e com a camiseta do avesso, tendo sido a primeira que ele apanhou pela frente.

“Tá louca, Margarida? Você está em trabalho de parto.”

“E eu troquei de roupa para sair de casa.”

“Amor, isso não vai importar daqui alguns minutos, ok? Você vai estar com roupa de hospital, a Ella vai estar suja de sangue... Vocês duas vão estar combinando comigo.” Jorge sorriu, pegando a mão da esposa e depositando um beijo ali.

Não demorou muito depois que eles chegaram ao hospital. Margarida foi encaminhada rapidamente para a sala de parto, após tomar a anestesia, e no início da madrugada, Ella estava nos braços dos pais.

Pequena, pálida, chorona e de cabelos bem escuros. Assim que entrou em contato com o peito da mãe, porém, se calou, erguendo os olhinhos e a encarando com admiração.

“Oi, meu anjinho. Oi, Ella.” A mulher acariciou a filha, sentindo as lágrimas caírem. “Bem-vinda ao mundo, filha.”

“Ela é a sua cara, amor.” Jorge se abaixou na altura delas, também chorando. Ella encarou o pai, que sorriu. “Oi, minha princesa.”

“Eu acho que ela parece a Branca de Neve, lindo... Pele branquinha, cabelos escuros.”

“Mas ficou com os meus olhos azuis.” Ele piscou para a esposa, que revirou os olhos.

“Eu estou ferrada com esses olhos pidões dos Cavalieri.” Brincou Margarida, puxando o marido para lhe dar um selinho. “Obrigada por isso, amor.”

“Você que ficou com o trabalho difícil, amor, eu que tenho que te agradecer.” Jorge beijou a testa dela, os dois sendo encarados por Ella. “E nós estamos te ignorando, princesa... Que papais feios.”

“Olha, as fotos tão ficando bonitas, então podem continuar.” Ouviram uma voz e se viraram, encarando Mário com a câmera.

“De onde você surgiu, criatura?” Perguntou Jorge aos risos.

“Ah, eu tive que ajudar a Marce a colocar a Mili para dormir. Aí quando eu cheguei me avisaram que vocês tinham vindo para a sala de parto. E como eu já to amigo das enfermeiras, elas me deixaram vir para fotografar. Acho que vou largar a veterinária e virar fotógrafo de parto.” Cogitou o rapaz, fazendo os amigos rirem.

“Fala menos e fotografa mais, Mário. Quero imagens bem bonitas da chegada da nossa pequena.” Pediu Margarida, e ela e Jorge beijaram juntos a cabeça da bebê, enquanto Mário registrava.

~*~

“Oi, tio Mário.” Catarina pulou no colo do homem, que riu.

“Olá, dona Catarina. Como vai?” Saudou ele.

“Bem. Quero conhecer a Mili logo, cadê ela?” Perguntou a menina, ansiosa.

“Está no quarto, arrotando. Pode ir lá, pequena.” Mário a colocou no chão e ela saiu correndo. Voltou para a porta, recepcionando os amigos. “E aí, gente? Como vão?”

“Exaustos e moídos, como todos bons pais de bebês.” Brincou Daniel, que carregava Eric na cadeirinha.

“Nem me diga. Mais de dois meses para conseguirmos nos encontrar. A Marce está se sentindo péssima por não ter ido visitar o Eric.” Contou o dono da casa.

“Eu estava na mesma por não conseguir vir ver a Mili. Mas está sendo impossível sair com eles, até para ir nos nossos pais.” Admitiu Carmen. “E trazer a Cat aqui antes da Mili tomar as vacinas, nem pensar.”

“Já é difícil impedir ela de resfolegar no Eric, imagina na priminha bonequinha.” Riu Daniel. “Ela agarra a Alice com tanta força, que parece que vai quebrar.”

“E o Eric?”

“Com ele, é mais tranquilo. Ela é bem super protetora com o irmão.” Se orgulhou o pai babão.

“Vamos ver se continua assim quando ele começar a andar e falar.” Brincou Carmen, tirando o filho da cadeirinha.

“Dificilmente, ela ainda vai ser irmã mais velha.” Marcelina veio do corredor, embalando Mili em seu colo. “Ela está rolando com o Apolo.”

“Nós vamos acabar comprando um cachorrinho para ela, só vamos esperar o Eric ficar maior. Já é difícil ter duas criaturas dependentes em casa.” Carmen foi encontrar a amiga, as duas se abraçando. “Como você é linda, Mili.”

“O Eric também. Nem deu pra ver ele direito aquele dia, no hospital.” Elogiou Marcelina. “Troca de colo?”

“Troca de colo.” Concordou a Zapata, passando o filho para a amiga, pegando Mili dela em seguida. “Ela é bem menor que o Eric.”

“Percebi.” Riu Marcelina, ninando o menino. “Coisinha fofa da titia.”

“Eu faço filhos muito bonitos, sabe?” Se gabou Daniel, recebendo uma revirada de olhos do amigo.

“Modéstia à parte, eu também caprichei.”

“Lembramos eles que quem formou as crianças fomos nós, eles só deram o pontapé inicial?” Perguntou Marcelina.

“Não, deixa eles acharem que o mérito é deles, é o máximo que eles vão ter.” Carmen piscou para a amiga, sentindo Mili se agitar. “O que foi, querida?”

“Acho que estão querendo conversar... Que nem faziam nas nossas barrigas.” Marcelina viu que Eric se movimentava também.

As duas amigas se aproximaram o suficiente para os bebês se encararem e se tocarem quando esticassem as mãozinhas. Que foi o que eles fizeram assim que se viram.

“Isso é legal, sabe? Nós sempre fomos muito amigos, e agora nossos filhos vão ser muito amigos. Olha só, já são.” Comentou Mário, enquanto Daniel negava com a cabeça. Não queria nem pensar o que aconteceria se o amigo lesse seus pensamentos.

~*~

“Eu estou tendo uma explosão de fofura.” Suspirou Marcelina, admirando os cinco bebês deitados sobre o edredom na sala de Paulo e Alicia.

“Os amiguinhos.” Comemorou Carmen, tão babona quanto.

“Pietro, para de ficar agarrando o braço da Ella.”

“São dois bebês, Jorge, pelo amor de Deus.” Bufou Margarida.

“Catarina, não destrói nada na casa dos seus tios, pelo amor de Deus.” Daniel gelou ao ver a filha passar correndo com Kira ao seu lado.

“Vamos fazer um registro caprichado.” Paulo ligou a câmera em vídeo. “Muito bem, nesse atual momento o Pietro e a Alice têm cinco meses, o Eric e a Mili têm três, e a Ella, que é nosso chaveirinho, acabou de completar seu primeiro mês de vida.”

“E eles cinco juntos são a coisa mais fofa desse mundo.” Marcelina puxou a câmera, fazendo-a focar nos bebês. “Olha isso, que amor.”

“Agora vocês já devem ter uns quinze anos e estão pensando que seus pais são uns idiotas que fazem vocês pagarem mico. Especialmente se estiverem namorando.” Riu Daniel.

“Nem ouse, Alice.” Avisou Paulo, sério.

“O mesmo para você, Milena.”

“Idem, Ella. E que saco, o Pietro não larga dela.”

“Ai ai... Vai ser uma vida bem divertida.” Alicia sentou no colo do marido, rindo.

~*~

E realmente, se tornou uma montanha russa, felizmente com mais altos do que baixos. Se acostumaram depressa a vida de pais, e foram aprendendo a lidar e apreciar tudo o que vinha com ela.

Alicia, Marcelina e Margarida escolheram se dedicar totalmente aos filhos nos primeiros meses, algo que Carmen já fazia desde o nascimento de Catarina. Para a sorte delas, seus trabalhos permitiam horários bastante flexíveis.

Marcelina deixou o emprego nas empresas Zapata, e começou a administrar o consultório do marido, que ia muito bem. Não muito depois que Mili nasceu, Mário mudou para um consultório maior, e agora tinha outra médica atendendo com ele, o que gerava um movimento ainda maior no local.

Já os casais Cavalieri e Guerra decidiram que, ao invés de manterem dois endereços, um com os consultórios e um com os escritórios, deixariam tudo junto. Investiram na compra de um andar inteiro em um prédio comercial, onde tinha espaço para os dois advogados e os psicólogos trabalharem em paz, além de uma sala reservada para Ella, Pietro e Alice. Margarida e Alicia só trabalhavam no período da tarde, e conseguiam se compor bem com os maridos e os amigos, para que sempre tivesse alguém de olho nas crianças.

Já Carmen resolveu que só voltaria para o trabalho quando Eric entrasse oficialmente na escola, ficando lá durante o tempo que ela estivesse dando aula. Nesse interim, Daniel manteria a casa, agora no posto de diretor da empresa do pai.

E com isso, três anos se passaram.

~*~

“Marga, você pode ficar de olho nos três?” Pediu Alicia, colocando a cabeça para dentro do quarto de brinquedos. “Um cliente pediu uma reunião de urgência.”

“Claro, Ali, sem problema. Meu próximo paciente é só às 15h, e o Paulo está de janela nesse horário. Se você demorar, ele assume aqui.” Concordou a mulher, fazendo anotações enquanto as crianças brincavam com seus bloquinhos de madeira.

“Salvou minha vida.” A advogada se ajoelhou no chão, atraindo a atenção dos filhos. “A mamãe vai ver um cliente, crianças... Obedeçam a tia Marga, tá bom?”

“Tá bom, mamãe.” Pietro e Alice concordaram, dando um sorriso com covinhas.

“Eu amo vocês, meus gostosinhos.” Ela beijou as bochechas gordinhas, fazendo os dois rirem. Depois beijou Ella. “Você também, coisa linda da madrinha.”

“Confesso que eu vou sentir falta deles, daqui algumas semanas.” Suspirou Margarida. “Parece que voou.”

“Nem me diga. Outro dia eles eram bebezinhos que ficavam agarrados no nosso peito, e agora já vão para a escola.” Alicia fez eco a amiga. “Acho que vou chorar no primeiro dia de aula deles.”

“Eu tenho certeza disso.” A Cavalieri riu, vendo a amiga deixar a sala. “E vocês três... O que querem fazer agora?”

“Eu quero ver Dora.” Pediu Alice.

“Dora é chata.” Reclamou Pietro.

“É, Dora é.” Concordou Ella.

“Madrinha...” Alice apelou para a madrinha, que suspirou.

“Eu vou colocar Dora para você, Alice. E Ella e Pietro brincam enquanto isso, está bem?” Propôs a mulher, recebendo acenos afirmativos. “Talvez a gente não sinta tanto a falta deles enquanto estiverem na escola.”

~*~

“Olha o avião.” Daniel terminava de dar o almoço para Eric, apesar de o filho já conseguir comer sozinha. Diferente de Catarina, que bateu o pé para comer sozinha logo, o caçula da família se alegrava em ter o pai cuidando dele enquanto estava em casa. “Comeu tudo! Que menino bonito.”

“Mas é muito babão.” Riu Carmen, entrando na cozinha e beijando o rosto do marido. “Amor, precisamos conversar.”

“Eu vou ganhar outro irmão? Sempre que você fala isso, é porque tem criança na parada.” Perguntou Catarina, terminando seu espaguete.

“Catarina.” A mãe a repreendeu e Daniel sorriu.

“Ela tá falando sério?”

“Está, amor, nós vamos ter outro bebê.” Carmen sorriu para o marido, vendo os olhos dele brilharem. “Mas esse é nossa cota de chegada, hein? Nós combinamos de ter mais um, depois que o Eric nasceu, e é esse aqui. Depois, você vai fechar sua fábrica, entendido?”

“Trato é trato, morena.” Daniel se inclinou e lhe deu um beijo. “Gostaram, crianças?”

“Se sobrevivi a um irmão, posso aguentar dois.” Catarina deu de ombros, agora uma menina de sete anos.

“E você, Eric? Está feliz de ganhar um irmãozinho?” Perguntou a mãe.

“Eu sempre quis um irmãozinho.” O garotinho sorriu, batendo as mãozinhas.

“Como ele sempre quis um irmãozinho, se só tem três anos?” Catarina levou seu prato para a pia, rindo. “Vou escovar os dentes, papai. Não quero me atrasar para a escola.”

“Vai lá, princesa.” Daniel concordou, antes de puxar a esposa para sua perna. “Quem diria, hein? Quando começamos a namorar, jurávamos que teríamos só um filho, aos 25 anos.”

“Aquele plano de vida besta.” Riu Carmen, beijando o marido.

“Sem planos, planos chatos.” Resmungou Eric, e os pais o encararam, vendo que ele estava melecado com as sobras em seu prato.

“Se fosse por esse lado, o Eric seria nosso único filho, já que a Catarina nasceu quando tínhamos 22.” Lembrou Daniel, suspirando. “Que bom que deixamos isso de lado, hã?”

“Bom mesmo.” Carmen beijou o marido. “Bom, eu tomei uma decisão com isso.”

“O que?”

“Não vou voltar a trabalhar, Dan. Eu ia fazer isso agora, com o Eric entrando na escola, mas vou sair de licença no meio do ano de novo.” Lembrou Carmen, acariciando o cabelo dele. “E agora, eles vão ser três... Se você não se importar, eu quero me dedicar a eles, totalmente. Quero poder estar presente todo o tempo.”

“Amor, você sabe que eu vou te apoiar em tudo.” Prometeu Daniel. “Você sempre sonhou em ser professora, e se você quiser continuar trabalhando, estarei com você, pagamos uma babá, o que for preciso. Mas se você quer se dedicar as crianças, eu vou te apoiar também. Você sabe que eu consigo manter a casa; talvez um pouco mais apertado de agora em diante, mas eu consigo nos sustentar. Não tem nada mais importante que vocês quatro, Carmen, e se eu trabalho, é para dar o que vocês precisam. E se você precisa cuidar deles, é para isso que eu vou trabalhar.”

“Eu te amo, meu nerd.” Ela o abraçou pelo pescoço, lhe dando um beijo cheio de carinho.

“Eu também.” Eric começou a bater no cadeirão.

“E eu também.” Catarina entrou na cozinha correndo, pulando no colo do pai. Ele e a esposa riram, enquanto ela tirava Eric do cadeirão, os quatro se abraçando. “Mas eu espero que seja outro menino, para eu continuar com o meu quarto só para mim.”

~*~

“Mário, o cliente das 14h chegou.” Marcelina entrou no consultório, vendo que o marido estava com a filha. “O que vocês estão fazendo?”

“Estou ensinando a Mili a dar uma injeção.”

“Mário, ela tem três anos, nós deveríamos deixar ela bem longe de agulhas e objetos que possam furar ou machucar.” Se horrorizou a mulher.

“Se acalma, pequena, esse cachorro tem um acesso. Nós só encaixamos a seringa e aplicamos.” O veterinário tranquilizou a esposa, vendo o olhar orgulhoso da filha. “Agora nós colocamos ele de volta na gaiola, Mili, para ele descansar.”

“E ele vai melhorar, papai?”

“Tenho certeza que sim.” Mário deixou que ela carregasse o cachorro, um vira-lata velhinho, e ele e Marcelina a guiaram até as gaiolas em que os animais ficavam durante o tempo internados.

“Qual é a dele?”

“Essa de cima, filha.” Marcelina abriu a certa, e Mário ergueu a filha, que colocou o animal dentro. “Lembra de lavar a mão direitinho, hein?”

“Tá bom, mamãe.” A menina correu para o banheiro, subindo na escadinha que tinha ali e começando a lavar as mãos.

“E você, se prepare para seu paciente, sr. Ayala.” Mandou a baixinha.

“Você já é nervosinha... Grávida, então, fica o bicho.” O homem riu, lhe dando um selinho e acariciando sua barriga. “Não é, pinguinho? Sua mãe é muito nervosa.”

“Mário, não é seguro você irritar uma mulher grávida de quase quatro meses.” Rosnou Marcelina.

“Não, meu amor, não é seguro irritar uma mulher em momento algum. Mas eu gosto de viver perigosamente.” O veterinário riu, caminhando para o consultório.

~*~

“Vocês estavam tão nervosos no meu primeiro dia de aula?” Perguntou Catarina, segurando a mão do pai.

“Não, porque sua mãe trabalhava na escola e ficava de olho em você.” Confessou o homem, vendo que a esposa tinha o filho agarrado em seu colo.

“E a mamãe não estava grávida, não é?”

“Tinha isso também. Mulheres grávida ficam mais emotivas, veja o exemplo da sua tia.” Ele apontou Marcelina, que chorava sem parar, abraçada com Mili. “A criança fica traumatizada.”

“Eu hein... Eu não entendi porque as aulas deles começaram depois das minhas, mas estou feliz. Se meus amigos vissem isso, no primeiro dia de aula, iriam me zoar.” Garantiu a jovem Zapata, fazendo o pai rir. “Vou entrar. Tchau, papai.”

“Tchau, princesa.” Daniel lhe deu um beijo.

“Tchau, mamãe. Tchau, maninho.” Ela correu até Carmen, lhe dando um beijo no rosto e um no de Eric. “Tchau tios, tchau tias, tchau crianças.”

“Ela está tão independente.” Choramingou Carmen, abraçando mais o filho. “Eu não quero que ele vá, Dan.”

“Amor, vai ficar tudo bem, calma.” Riu o marido, indo até ela. “Alicia, acho que o Pietro está ficando sem ar.”

“Os dois estão.” Paulo tentava afrouxar o abraço da esposa, que assustava os filhos.

“Mamãe, eu não quero ir.” Reclamou Ella, pendurada em Margarida.

“Tá vendo, loirinho? Eu falei que ainda era muito cedo, ela acabou de fazer três anos.” Reclamou a morena, vendo o marido suspirar.

“Chega, a Mili não vai.” Marcelina tentou pegar a filha no colo, mas a barriga não deixava. Mário suspirou, pegando a menina e a colocando no chão. “Mário...”

“Vamos todos ficar calmos, ok? É só por algumas horas.” Pediu o veterinário. “Amendoim, olha para o papai.”

“O que foi?” A criança esfregou os olhinhos, chorosa.

“Você vai dar a mão para os seus amigos e seus primos, e vocês vão entrar na escola, juntinhos. Vão brincar bastante, e vai ter uma moça muito legal cuidando de vocês, que vai ser a professora. Daqui duas horas, nós voltamos e pegamos vocês, está bem?”

“Tá bom, papai... Eu te amo.” Mili o abraçou, encarando a mãe. “Dá um abraço, mamãe.”

“Claro que sim, minha princesa.” A baixinha se abaixou, abraçando a pequena. “Te amo, meu anjinho. Divirta-se.”

“Pietro, Alice, vão com a Mili. Cuide delas duas, hein?” Paulo bagunçou o cabelo do filho, antes de colocar o boné favorito dele.

“Nós amamos vocês, meus cheirinhos.” Alicia beijou os dois, arrumando suas mochilas. “E tente não bater em nenhum amiguinho, Alice.”

“A não ser que eles mexam com você, aí você deve bater.” Garantiu Paulo, recebendo um olhar feio da esposa. “Brincadeira.”

“Vamos logo, Eric.” Chamou Mili, um pouco mais animada.

“Eu posso, mamãe?” Ele pediu, recebendo um aceno. Carmen o colocou no chão e beijou seu rosto, acariciando o local. “Te amo muitão, tá?”

“Eu também, meu pequeno príncipe.” Ela sorriu, deixando que o pai o abraçasse.

“Divirta-se, ok?” Daniel beijou a testa do garoto, que logo correu e deu a mão para Mili, que já segurava a mão de Alice, as duas começando a se agitar.

“Ella, você vai com a gente?” Pietro se aproximou, diante do olhar feio de Jorge.

“Você vai ficar comigo?” Perguntou a menina, ainda agarrada na mãe.

“O tempo todo.” Prometeu o Guerra, agarrando as alças de sua mochila.

“Então eu vou.” Concordou a menina, e a mãe a colocou no chão. “Você vai voltar, não é? Não vai embora.”

“Antes que você perceba, vou estar aqui de novo, filha.” Prometeu Margarida, enchendo a menina de beijos. “A mamãe te ama muito, ok?”

“Eu também te amo muito.” Ella sorriu, segurando a mão de Pietro e se virando para sair. Porém, após dois passos, parou e virou de novo, correndo e agarrando as pernas do pai.

“Achei que tinha esquecido de mim.” Jorge se ajoelhou, a abraçando.

“Nunca, nunca, papai. Você é o meu amorzão.” Prometeu, fazendo-o rir.

“Divirta-se, moranguinho. Logo nós voltamos para pegar vocês.”

A menina então voltou a segurar a mão de Pietro, os dois indo encontrar os amigos. O Guerra segurou a mão da gêmea, os cinco encarando os pais por cima dos ombros.

“Divirtam-se.” Desejou Paulo, vendo-os assentir e sair andando. “Alicia, controle-se. Daqui a pouco você tem um infarto, de tanto chorar.”

“Nossos bebês cresceram, amor.” Ela o abraçou, e Paulo riu.

“Graças a Deus, né? Eu ia morrer louco se eles ficassem na nossa cama pelo resto da vida. É bem difícil ter vida sexual assim.”

“Nesse ponto eu concordo.” Jorge também consolava a esposa. “Chuveiro virou nosso melhor amigo, assim como desenhos animados.”

“E vocês acham que esse baixinho foi feito como?” Riu Mário.

“Amadores.” Daniel revirou os olhos, abraçando a esposa e beijando o topo de sua cabeça.

~*~

“Nós vamos ver o bebê? Dentro da barriga da mamãe?” Perguntou Mili, sentada no colo do pai e encarando a barriga da mãe, deitada na maca.

“Isso, princesa.”

“Como mágica?” Se maravilhou a criança.

“Quase isso, meu amor.” Riu Marcelina. “Nós víamos você também.”

“Sério?”

“Uhum, você era pequenininha assim.” Mário fez com as mãos. “Seu irmãozinho também é.”

“E é menino ou menina, papai?”

“Vamos descobrir agora, princesa.”

A médica entrou logo depois, começando o exame. Mili ficou encantada com tudo o que viu e ouviu, desde o coraçãozinho do bebê até seu corpinho na telinha.

“Vocês querem saber o sexo?” Perguntou ela.

“Por favor.” Marcelina pediu, animada.

“Hum... Parece que temos outra garotinha.” Sorriu a médica, e Mili bufou. “O que foi, querida?”

“Não é menina, moça.”

“Mili, acho que a médica consegue ver melhor do que a gente.” Mário tentou explicar para a filha.

“Mas é um menininho que está na barriga da mamãe, papai.”

“Vamos ver de novo, que tal?” Propôs a médica, sorrindo. Ela mexeu algumas vezes, arregalando os olhos. “Ora, ora... Não é que a irmãzinha tinha razão. Não é outra menina, é um garotão.”

“Jura?” Os olhos dos pais brilharam.

“O documento não mente. Estava apertado, pela posição das perninhas dele. Mas ele se virou, e expôs tudo o que tem aqui.”

“Esse é meu garoto.” Sorriu Mário, abraçando a filha. “Tá feliz, Mili?”

“Sim, papai.” Mili pulou no colo dele. “E eu já sei como ele vai chamar.”

“Ah é, como?” Perguntou a mãe, sorrindo.

“Marcos.”

“Marcos? Outro nome com M, filha?” Questionou Mário, rindo.

“É, papai, vamos ser a família MM’s, que nem os docinhos.” Riu a criança, animada.

“Acho que combina.” Concordou Marcelina, estendendo a mão e segurando a da filha, que o marido segurou junto. “Então está decidido... Vai ser Marcos. Marcos Guerra Ayala.”

~*~

“Mamãe, papai, precisamos conversar.” Pietro e Alice entraram no quarto dos pais, que assistiam TV.

“O que vocês aprontaram? Vocês não pintaram o pelo da Kira de novo, não é?” Se preocupou Paulo, lembrando de quando eles tinham tingido o pelo do animal de azul, alguns meses antes.

“Não, papai... Nosso bumbum ainda não se recuperou dos tapas.” Reclamaram os dois, vendo os pais revirarem os olhos. Quem ouvisse, pensaria que tinham espancado os filhos. “É sobre outro assunto, bem sério.”

“Ok, então podem sentar e falar.” Pediu Alicia, ainda deitada no peito do marido.

Pietro e Alice ocuparam os pés da cama, sentando de perninhas cruzadas. Se encararam, sérios, antes de começarem a falar.

“Nós conversamos muito, e tomamos uma decisão.” Começou o garoto.

“Meu Deus, eu mereço isso. Duas crianças de três anos e meio tomando decisões.” Suspirou Paulo, escutando a risada da esposa.

“E qual seria essa decisão?”

“Nós queremos um irmão.” Disse Alice, surpreendendo os pais.

“Vocês decidiram que querem um irmão?”

“É, papai. Está surdo?” Pietro revirou os olhos.

“Pietro Gusman Guerra, olha o respeito para falar comigo.” Repreendeu Paulo.

“Desculpa.”

“E por que vocês decidiram que querem um irmão, que mal lhe pergunte?” Interveio Alicia.

“Porque nós não temos um irmão.”

“Vocês sabem que vocês são irmãos um do outro, não é?” Paulo acabou rindo.

“É diferente, papai.” Alice revirou os olhos. “A gente quer um irmão pequeno, que nem o Eric e a Mili vão ter.”

“E aonde nós entramos nisso?” Questionou Alicia.

“Vocês têm que fazer nosso irmãozinho, porque nós não sabemos como fazer um.” Explicou Pietro, vendo os pais arregalarem os olhos.

“N-não sabem c-como fazer um irmão?” Gaguejou o pai.

“É, pai, nós não sabemos de onde vem os bebês. Eu e a Ella até tentamos descobrir, porque ela também quer um irmão, mas não achamos em lugar nenhum dos nossos livros.” O garoto disse como se fosse óbvio. “E já que vocês já fizeram a gente, vocês sabem fazer bebês.”

“Você nem imagina o quanto, filho.” Sussurrou o Guerra, recebendo um beliscão da esposa.

“Crianças, isso não é algo tão simples. Ter um filho é algo que precisa de preparo, diálogo, tempo... Não é simplesmente fazer e acabou.” Alicia disse com calma. “Eu e o papai vamos conversar, está bem?”

“É conversando que se faz filhos?”

“Não, Alice, é conversando que se decide sobre ter ou não.” Alicia finalizou a conversa. “Agora vocês voltem para o quarto de vocês e assistam seus desenhos, ou brinquem. Daqui a pouco é hora de dormir, e não quero ninguém reclamando.”

As duas crianças saíram do quarto, emburradas, e assim que eles sumiram, Paulo e Alicia caíram na risada.

“Isso aconteceu mesmo?” Perguntou o homem.

“Nossos genes estão começando a se manifestar neles, que preocupante.” Alicia secava os olhos, que estavam marejados de tanto rir.

“E o que você acha?”

“Do quê?”

“De termos outro bebê.” Perguntou Paulo, vendo a esposa erguer os olhos. “Nós nunca conversamos a sério sobre isso, se teríamos mais um depois dos gêmeos.”

“Eu, realmente, não sei. Eu sinto falta de ter eles pequenos, mas ao mesmo tempo, gosto de estarmos recuperando a nossa liberdade.” A morena virou no peito dele, o encarando. “Mas, se nós esperarmos eles ficarem maiores... Eu não vou ter coragem de novo.”

“E agora você tem?”

“Tenho... Tenho sim.” Ela concordou, após um tempo. “E você?”

“Vamos empatar com a Carmen e o Dan.” Paulo sorriu, vendo-a sorrir de volta. “Quer colocar as crianças na cama mais cedo?”

“Agora.” Os dois pularam da cama, correndo para o quarto dos filhos.

~*~

“Eu acho que devia se chamar Rafael.”

“Eu gosto de Luan.”

“Não, Guilherme é legal.”

Aquela discussão já durava dias, e parecia bem longe de acabar. Carmen, Daniel e Catarina tinham opiniões bem firmes sobre qual deveria ser o nome do bebê que iria nascer, que agora eles sabiam que era outro menino. E nenhum deles arredava o pé sobre isso.

“Nós não vamos chegar em lugar nenhum assim.” Reclamou a grávida, se deitando no sofá e acariciando a barriga.

“Como vocês escolheram o nome do Eric?” Perguntou Catarina, atraindo a atenção do irmão.

“Não sei ao certo. Você sempre falava esse nome, Eric, antes da sua mãe ficar grávida. E quando ela ficou, a gente acabou achando que era certo.” Explicou Daniel, acariciando o cabelo da esposa.

“Então vamos deixar o Eric escolher.” A menina disse o que parecia óbvio para ela. “Eric, fala, qual o nome do nosso irmãozinho: Rafael, Luan ou Guilherme?”

“Thomas.” Disse o menininho.

“Não, Eric, essa não é uma opção.”

“Thomas.” Ele repetiu, sorrindo para os pais. “Que nem o trenzinho.”

“Nosso irmão não é um trenzinho, Eric.” Catarina revirou os olhos.

“Olha, eu gostei...” Comentou Carmen. “Thomas é bonito.”

“É, eu também gostei.” Daniel sorriu, estendendo a mão e acariciando a barriga da esposa. “E você, rapazinho? Gostaria de se chamar Thomas?”

“Hum, acho que isso é um sim. Ele está bem feliz aqui.” A grávida sorriu, acariciando a barriga. “Pronto, o Eric decidiu. Vai ser Thomas.”

“Igual o trem?” Perguntou o menino, animado, lembrando de seu desenho favorito na TV.

“Igual o trem.” Prometeu Daniel, vendo o bico da filha. “Cat...”

“Tá bom, tá bom... Eu gostei desse nome também, ok? É mais legal que Guilherme.” Cedeu a Zapata mais velha, sendo abraçada pelo irmão. “Eu já escolhi o seu, Eric, é justo você escolher o do Thomas.”

“É, você que escolheu...” Daniel e Carmen riram baixinho.

~*~

“Hoje é nosso aniversário.” Alice e Pietro entraram correndo no quarto dos pais, que dormiam pesadamente. “Acorda, acorda, acorda!”

“Está acabando o mundo?” Resmungou Paulo, coçando os olhos e vendo que eram 8h de um sábado, dia 17 de julho. Naquele momento, fazia exatos quatro anos que ele e Alicia tinham segurado os dois nos braços pela primeira vez. O que não significava que estava feliz de acordar cedo em um dia que poderia dormir até mais tarde.

“Não, papai, nós estamos fazendo quatro anos.” Alice pulava nas costas dele, enquanto Pietro estava deitado nas da mãe, enchendo o rosto dela de beijos.

“Que delícia ser acordada assim.” Suspirou Alicia.

“Eu realmente não estou valendo mais nada.” Reclamou Paulo, se virando na cama e pegando a filha no colo, fazendo a menina gargalhar. “Feliz aniversário, princesa do papai.”

“Feliz aniversário, meu pequeno príncipe.” Alicia enchia o rosto de Pietro de beijos, causando risos no garoto.

“Agora troca.” As crianças pularam do colo dos pais, que já estavam acostumados com aquilo. Era sempre assim nos aniversários e datas comemorativas: primeiro um, depois o outro.

Pietro era o grudinho de Alicia, então ia nela direto. Já Alice era um chiclete com Paulo, e corria para os braços dele sem hesitar. O que não queria dizer que não tivessem crises de ciúme se o outro pai desse mais atenção ao irmão.

“Vem aqui, campeão.” Paulo ergueu Pietro acima de sua cabeça, vendo o menino gargalhar. “Feliz aniversário, parceirinho.”

“Obrigado, parceirão!” Riu o menino, feliz. Apesar do grude com a mãe, sempre dizia para todos que o pai era seu melhor amigo, com muito orgulho.

“Feliz aniversário, meu anjinho.” Alicia tinha Alice bem agarradinha entre seus braços, a menina de olhinhos fechados, aproveitando seu carinho favorito.

“Obrigada, mamãe.”

“E o nosso presente? Cadê?” Perguntou Pietro, pendurado nas costas do pai.

“Mas que menino interesseiro, Alicia. Você que está ensinando isso para ele?”

“Menos, Guerra, bem menos.” A morena revirou os olhos, sentando a filha na cama. “Eu vou pegar o presente.”

Ela se esticou na cama, pegando algo na cômoda ao lado. Os filhos viram um envelope branco, simples, com algo escrito na frente.

“O que é isso?” Perguntou Alice.

“O presente de vocês. Aqui está, Pietro e Alice.” Paulo apontou os dizeres no papel, vendo a frustração das crianças.

“Um envelope, papai? Eu esperava um brinquedo mais legal.” Reclamou o garotinho.

“Que tal ver o que está dentro, sr. Resmungão.” Mandou a mãe, passando o envelope para os filhos.

“Abre, tata.” Pediu o menino para Alice.

Ela rasgou o lacre, puxando algo lá de dentro. Pietro se aproximou e começaram a ver os papéis. O primeiro era algo que eles não conseguiam entender, preto e cheio de manchas brancas. O segundo era um bilhete escrito na letra da mãe, e o terceiro era um desenho feito pelo pai.

“É a gente.” Concluiu Alice. “Essa grande é a mamãe, esse alto é o papai. Essa pequena sou eu, e esse é o Pietro.”

“E esse aqui no meio, do lado da Kira, quem é?” Perguntou o menino, confuso.

“Esse... É o irmãozinho de vocês.” Explicou Paulo, pegando a imagem que eles não entendiam, que era um ultrassom. “Esse aqui é ele, dentro da barriga da mamãe.”

“Vocês juram?” Gritou Alice, animada.

“Vocês não conseguem ler, então eu leio para vocês.” Alicia pegou o bilhete, sorrindo. “Oi, Alice e Pietro. Vocês pediram tanto para o papai e a mamãe, que eles foram me buscar. No próximo ano, estou aí para abraçar vocês. Com amor, seu irmãozinho.”

“E aí... Ainda preferem um brinquedo?” Questionou Paulo, vendo que os dois estavam prestes a chorar.

“Não. Esse é o melhor presente do mundo.” Prometeu Alice, pulando do colchão para cima da mãe, que riu e a encheu de beijos.

“O melhor.” Concordou Pietro, a imitando.

“Hey, eu também participei desse presente.” Reclamou Paulo.

“Mas se ele está na barriga da mamãe, como você participou?” Questionou o garotinho.

“Er... Eu explico quando você for mais velho. Agora, vamos só nos abraçar e ficar felizes que tem mais um bebezinho vindo para a nossa família.” Desconversou Paulo, abraçando a família e vendo a esposa rir.

~*~

Jorge e Margarida estavam sentados na espera do hospital, tensos. No início da noite, Ella teve outra crise de bronquite forte, e a família teve que correr para o hospital. Perceberam que ela tinha os mesmos problemas respiratórios do pai quando a menina ainda era pequena, com um ano e pouco.

Desde então, eram idas frequentes ao hospital e cuidados enormes em casa, na tentativa de evitar crises. Elas geralmente tinham fundos emocionais, ligados a desejos ou pequenas briguinhas com os colegas.

“Jorge? Margarida?” Miguel saiu da emergência, sorrindo.

“Como ela está?”

“Bem, bem... Foi uma crise leve.” Garantiu o médico, os acalmando.

“É culpa daquele gato.”

“Que gato, Jorge?”

“A Ella apareceu com um gato de rua em casa, Miguel. Você sabe que ela não pode ter animais, por causa da bronquite, mas não dá bola para isso. Pegou o animal e levou para casa, no quarto dela. E agora está passando mal.” Explicou o advogado, irritado.

“Era um gato peludo? Algo assim?”

“Não, era quase pelado o coitado.” Riu Margarida, sem humor. “Ela o achou há alguns dias, e enfiou no quarto dela, escondido.”

“Há quantos dias?”

“Acho que uns 10, pelo que ela disse. Nós só descobrimos porque o cheiro estava ficando insuportável. Você acredita que ela escondeu ele em uma caixa, embaixo da cama?” Perguntou a mãe, surpresa. “E no dia em que a Susana foi limpar o quarto dela, escondeu o gatinho no parquinho.”

“Jorge, Margarida, eu vou ser sincero... Nós sabemos que a Ella é a chamada criança lombriguenta, ou seja, ela fica doente quando não tem o que quer. Vocês disseram que ela tem vontade de um animal, desde sempre. Ela conseguiu isso e, aparentemente, vocês tiraram dela, certo?”

“Nós mandamos para o Mário, ele vai cuidar do bichinho e dar um destino.” Explicou Jorge.

“Só que a Ella já pegou amor ao bichinho. Ela está com esse gato há dez dias, e não passou mal. E logo depois que vocês levaram ele embora, adoeceu.” Prosseguiu o médico. “Bronquite não é desculpa para não ter animais, você tinha uma cachorra, Jorge.”

“Mas ela não ficava no meu quarto.” Lembrou o loiro.

“E nem a gata precisa ficar. Ela pode ter uma caminha na sala, na lavanderia, qualquer coisa assim... Conheço pessoas que o gato agravou a bronquite, e conheço pessoas com gatos e bronquite, que vivem bem. A Ella não tem alergia a animais, já sabemos disso pela Kira e o Apolo. Basta tomar alguns cuidados, e tenho certeza que o animal não fará mal para ela.”

Não demorou para a menina receber alta, mas estava dormindo por conta dos remédios. Miguel explicou que talvez ela dormisse direto até a hora do almoço (algo que não era incomum após as crises de Ella), e os pais a levaram para casa.

Na manhã seguinte, Jorge acordou mais cedo e ligou para Mário. Saiu antes da esposa despertar e foi encontrar o amigo no consultório, que começava a tomar a forma de uma clínica.

“Essa mocinha já está de banho tomado, e com as primeiras vacinas tomadas. Estimo que ela tem três meses, mais ou menos, ainda é bem filhote.” Explicou o veterinário, pegando o animal com um lacinho no pescoço. “Algumas empresas tem lançado produtos de higiene para os animais, que ajudam a prevenir e evitar alergias nos donos. A Ella não tem alergia a animais, mas podem ajudar a evitar a bronquite... Se bem que, pelo biótipo dessa mocinha, ela não será peluda.”

“Será um rato pelado?”

“Um gato pelado, mas sim.” Riu o médico.

Quando ele chegou em casa, trazia duas sacolas repletas de itens para gatos, além da própria gatinha, dormindo em seu colo. Quando entrou no apartamento, Margarida estava com Ella na sala, a menina toda dengosa no colo da mãe.

“Hey, temos visitas.” Avisou, chamando a atenção das duas.

“Coruja.” Ella pulou do colo da mãe, correndo até o animal. “Você voltou.”

“Sim, ela voltou.” Jorge passou a gatinha para a filha, que a abraçou apertado, recebendo lambidas no rosto.

“E ela vai ficar?”

“Vai, filha, vai sim.” Concordou a mãe, ainda no sofá. “Mas nós precisamos conversar sobre a sua atitude. O que você fez não foi certo, trazendo a gatinha para casa sem nos avisar.”

“Eu sei, mamãe, mas vocês nunca deixaram.” Reclamou a menina. “E a Corujinha nunca me fez mal, até vocês levarem ela embora.”

“Nós sabemos, filha... Mas mesmo assim, foi errado.” Avisou Jorge. “Podia não ter sido desse jeito, você podia ter passado mal com ela. Nós fazemos as coisas para cuidar de você, está bem? Então, tente nos obedecer, por favor.”

“Tudo bem, papai.” Concordou a menina, suspirando. “Agora eu posso levar a Corujinha para o meu quarto?”

“Por que Corujinha?” A mãe não aguentou de curiosidade.

“Ela tem olhos enormes, que nem uma coruja.” Riu Ella, indicando o animal. “Por isso o nome dela é Corujinha.”

“Bom, a Corujinha vai dormir aqui na sala, Ella. Mesmo que ela não te faça mal a princípio, não vamos ficar arriscando. Ela vai ter uma caminha na sala, vai usar um produto especial e antialérgico nos pelos, e vai ser sempre bem limpinha. Ok?” Avisou o pai, sério.

“O que importa é eu ter minha gatinha.” Ella sorriu, abraçando mais o animal e recebendo uma lambida no rosto.

~*~

Pietro e Eric brincavam com seus bonequinhos, enquanto Ella, Mili e Alice brincavam de construir prédios com o Lego. Uma cena que seria comum, se não fosse o fato de estar acontecendo na sala de espera do hospital, enquanto Marcelina dava à luz.

“Nós devíamos ter deixado eles em casa.” Observou Jorge, bebendo um copo de café.

“A Mili quis estar perto quando o irmão nascesse, e o Eric, o Pietro e a Alice queriam ver como é, para saber o que esperar do nascimento dos irmãos.” Lembrou Daniel.

“Agora é a leva dos meninos, não é? Três de uma vez.”

“Do Paulo e da Ali vai ser outro menino? Não sabia.” Comentou o Zapata.

“Eles descobriram ontem, contaram lá no escritório. A Alice está feliz de continuar sendo a menininha da casa, mas o Pietro ficou um pouco ciumento, especialmente com a mãe. Sabe que meninos são grudados com a mãe.”

“Estranhamente, o Eric tem um xodó maior comigo do que com a Carmen. A Cat sempre foi bastante independente, apesar de ser mais ligada comigo. Mas o Eric, eu não sei explicar... Eu e ele temos uma ligação só nossa, diferente.”

“Acontece o mesmo com a Margarida e a Ella. Se eu saio, a Ella fica de boa. Mas se a Margarida sai por algumas horas, ela já começa a ficar desesperada, como se acreditasse que a mãe não vai mais voltar.” Comentou o advogado. “A Marga e o Paulo acharam que era a ansiedade da separação, mas é algo que vem com a Ella desde bebê e não melhorou, nem na escola. Se a Margarida não está na porta, para pegar ela, a Ella fica louca.”

“E vocês já conversaram com ela?”

“Uma vez eu perguntei, casualmente. Ela disse que tem pesadelos, algumas vezes, em que a mãe vai embora e alguém machuca ela. E mesmo depois que nós dissemos que são só pesadelos, a Ella continua tendo medo que a mãe suma. A Margarida acha que isso vai melhorar com a idade, vamos ver.” O loiro deu de ombros. “E o Eric?”

“Ele diz que se sente seguro comigo. Que ele sabe que eu nunca vou deixar nada acontecer com ele, ou com a Carmen e a Cat. E que ele quer cuidar de mim, para eu nunca ficar triste.” Confidenciou o administrador. “Às vezes eu acho que ele sente tudo o que aconteceu anos atrás, quando nós perdemos o primeiro bebê.”

“Vocês eram dois adolescentes, Dan.”

“Mas perdemos um filho, Jorge, e eu só imagino o quanto isso nos machucou na época. Eu acho que esse foi um dos motivos que levou a Carmen a decidir se dedicar totalmente aos três; aliás, nos levou a ter três. Nós sempre falamos de ter um, e fomos ter logo três.”

“Bom, vocês mandam muito bem na matéria de ser pais, então eu apoio essa produção de filhos.” Brincou Jorge, vendo o amigo rir. “Olha, o Paulo está vindo.”

O Guerra apareceu no corredor, atraindo a atenção das crianças. Catarina estava em um canto, ouvindo música no celular, e ergueu os olhos ao ver o tio se aproximar.

“Hey, Mili... Que conhecer seu irmãozinho?” Perguntou o homem, sorrindo.

“Quero, quero sim.” A menina largou o que fazia, correndo e dando a mão para o tio.

A sala de parto já estava razoavelmente limpa e organizada, com Marcelina bem acomodada na cama e Mário ao seu lado, os dois babando em Marcos, que mamava. As amigas a rodeavam, tão babonas quanto, e nem perceberam quando Paulo entrou com Mili.

“Tem alguém ansiosa aqui.” Chamou o Guerra, vendo que a sobrinha estava acanhada.

“Oi, amendoim.” Mário sorriu para a filha, se levantando e indo até ela. “Quer ver o Marcos?”

“Quero.” Ela estendeu os bracinhos para o pai, que a pegou no colo e foi até a cama de novo. “Mamãe.”

“Oi, meu amor.” Marcelina estendeu o braço livre, onde a filha se encaixou. “Fala oi para o seu irmãozinho, Mili.”

“Oi, irmãozinho. Você é grandão.” Observou a menina, agarrada na mãe.

“Nasceu maior do que você, filha. Seu irmão é grandão, que nem o papai.” Mário riu, acariciando a cabeça da filha.

“O que ele está fazendo no peito da mamãe?”

“Ele está comendo, Mili. Quando o bebê nasce, ele come assim, com o leite que sai do peito da mamãe.”

“Que nem os cachorrinhos?”

“É, quase igual.” Os pais riram, vendo o olhar maravilhado que a menina dirigia ao irmão. “Você gostou dele?”

“Eu amo ele, mamãe... Ele é meu irmãozinho.”

“É, meu amor, ele é. E você vai cuidar direitinho dele, não é?”

“Melhor do que o tio Paulo cuidava de você.” Prometeu a menina.

“Hey, eu estou aqui.” Reclamou o Guerra, abraçado com a esposa. “Morena, para de chorar por tudo.”

“Me deixa, Guerra, é culpa do seu filho.” Resmungou ela, o abraçando com mais força.

“Gente... Temos quatro criaturinhas ansiosas aqui fora.” Daniel colocou a cabeça para dentro da porta.

“Deixa eles entrarem, Dan.” Disse Marcelina. Logo o grupinho passou pela porta, encabulados. “Oi, crianças.”

“Oi, tia.” Eles disseram baixinhos, hipnotizados.

“Vocês querem ver meu irmãozinho? Ele tá comendo no peito da mamãe, mas dá para ver ele.” Mili disse de forma inocente, fazendo os adultos rirem.

“Vem aqui, a gente ajuda.” Propôs Jorge.

Ele pegou Ella do chão, enquanto Daniel fazia o mesmo com Eric e Paulo com Pietro. Como Alicia não conseguia ficar segurando Alice, por conta da barriga de grávida, Margarida ficou com a afilhada no colo, deixando assim que as crianças vissem o novo bebê.

“Vai ser assim quando o nosso irmãozinho nascer?” Perguntou Pietro.

“Exatamente assim, filho. O bebê vai nascer menor que o Marcos, provavelmente, porque seu primo é uma girafa.” Observou Paulo.

“Vai zoar meu filho, sério?” Reclamou Mário.

“Você chamava o meu de mamute, cara, fica na sua.”

Nesse interim, Marcos parou de mamar. Os homens desviaram o olhar, enquanto Mário pegava o bebê e Marcelina arrumava a camisola de hospital.

“Venham aqui.” O veterinário chamou, indo até o sofá no canto do quarto e sentando. Mili correu e sentou em sua perna, enquanto as outras crianças os ladeavam. “Agora sim... Digam oi para o Marcos.”

Foi um longo tempo de silêncio, em que os cinco encararam o bebê, compenetrados. Os olhinhos do recém-nascido correram entre todos, se focando na irmã mais velha. Milena estendeu a mão, acariciando o rosto de Marcos e sorrindo.

“Bem-vindo, maninho.”

~*~

“Alice, Pietro, venham aqui.” Chamou Alicia, no corredor da casa.

“Não foi a gente.” Os dois apareceram depressa, com Kira ao seu lado.

“O que vocês aprontaram agora?” Paulo vinha subindo a escada.

“Nada, papai. Não foi a gente que quebrou o vaso da vizinha.” Garantiu Pietro.

“Vocês quebraram o vaso da Maria?” Suspirou a mãe.

“Foi a Kira, na verdade. Nós jogamos a bolinha dela e ela correu e pulou por cima do vaso.” Explicou Alice, vendo a cachorra resfolegar cansada.

“Alice, a Kira já tem 12 anos. Ela não consegue pular por cima de um vaso nem que ela queira.” Lembrou o pai, sério. “O máximo que ela consegue, atualmente, é controlar o intestino.”

“O que é intestino?”

“Depois falamos sobre isso. Eu chamei vocês aqui por outro motivo.” Alicia cortou a conversa, abrindo a porta. “Pietro, o que você acha desse quarto?”

“Vazio.” O menino disse o óbvio, causando risos nos pais.

“O que eu quero saber é se você gostaria de dormir aqui.”

“Mas ele está vazio, mamãe.”

“Paulo, me ajuda aqui.” Suspirou Alicia.

“Vem cá, filhão.” Paulo o pegou no colo, entrando no quarto. “Lembra que você queria colocar coisas de menino no quarto, e a Alice não queria?”

“Lembro, papai.”

“Então... O que você acha de vir para esse quarto, e nós colocarmos as coisas de menino aqui?” Explicou o pai.

“Mas aonde o meu irmãozinho vai dormir?”

“Aqui, com você.”

“E a Alice vai dormir sozinha?” Perguntou Pietro, preocupado com a irmã.

“Vai.” Concordou Alicia, abraçando a filha. “Quando vocês nasceram, nós decidimos deixar vocês dormindo juntos, porque eram muito pequenininhos. Agora, que estão maiores, vocês já podem dormir sozinhos. Mas o seu irmãozinho vai ser pequeno, e não vai poder dormir sozinho.”

“E por que ele não dorme comigo? Ou com nós dois juntos?” Perguntou a menina.

“Porque o quarto de vocês é muito pequeno para três pessoas dormirem, Alice... E menino dorme com menino, não com menina.”  Explicou Paulo.

“Eu não concordo.” Pietro cruzou os braços, emburrado.

“Nem eu.” Alice imitou o irmão. “Não é porque ele é menino que nós não podemos dormir no mesmo quarto. Nós não estávamos juntos na barriga da mamãe?”

“Eles tinham que nascer com a cabeça dura de nós dois.” Suspirou Alicia, acariciando a barriga. “Você pode fugir à regra, tá amorzinho?”

“Ok, e o que vocês querem fazer?” Perguntou Paulo, bagunçando os cabelos.

“Dormir os três juntos, para nós cuidarmos do nosso irmãozinho.” Decidiu Alice, sendo apoiada pelo irmão.

“E como vocês pretendem fazer isso?”

“Derruba a parede, ué. Aí fica um quarto gigante.” Pietro disse o que parecia óbvio.

“Isso, aí tem espaço para nós dois e o Paulinho.” Alice bateu palminhas.

“Quem, filha?” Perguntou Alicia, surpresa.

“Paulinho, mamãe, é o nome do neném que está na sua barriga.”

“E como você sabe disso, filha?” Paulo também estava surpreso.

“Ah, ele contou para a gente.” Pietro sorriu para o pai. “Ontem, enquanto a gente conversava com a barriga da mamãe.”

“Mas Paulo é o nome do papai.” Lembrou a mãe.

“Sim, e o do nosso irmãozinho também. Mas não Junior, Junior é feio. É só Paulo.” Alice sorriu sapeca. “Paulo Gusman Guerra, o Paulinho.”

~*~

“Demorou quatro anos para comemorarmos o aniversário da Mili e do Eric juntos.” Comentou Mário, enquanto ajudava Daniel a arrumar a mesa do bolo.

“Eles nasceram com três dias de diferença, e nós nunca pensamos nisso. Teríamos economizado uma grana em festas.” Riu o Zapata, arrumando os enfeites. “A ideia foi da Carmen. Ela imaginou que vocês estariam enrolados com o Marcos, pequeno do jeito que está, e que o aniversário da Mili acabaria passando em branco. E por experiência, de como foi com a Cat, não é uma boa ideia isso acontecer.”

“A Carmen está certa, nós estávamos deixando passar completamente. Digo, eu ia levar ela no museu, como todos os anos, porque ela adora... Mas nós não íamos fazer nada para comemorar.” Confessou o veterinário.

“Está uma loucura a vida, hã?”

“Olha, Deus abençoe a existência da escola, Dan. Se a Mili não passasse meio dia na escola, eu não sei o que iria fazer.” Garantiu Mário. “Nessas últimas três semanas, eu tenho trabalhado só a tarde, mas logo vou precisar voltar à rotina normal. Esperamos que até lá, o Marcos já tenha pego um ritmo mais tranquilo.”

“Passamos pela mesma coisa, logo depois que o Eric nasceu. As primeiras semanas são as mais difíceis de um bebê, e quando se tem um mais velho... É loucura.” Suspirou Daniel, coçando a nuca. “Estou imaginando como vai ser com um terceiro...”

“A Mili tem ficado bastante com a Alicia e a Margarida, na parte da manhã.” Contou Mário. “Estou aproveitando minha cunhada enquanto dá... Porque logo, quem vai precisar de ajuda vai ser ela.”

“Estamos levando o mandamento de crescei e multiplicai-vos a sério, hein? Já estamos com nove crianças, só entre esses quatro casais.” Daniel se surpreendeu.

“Logo o Jorge e a Marga nos dão a décima.” Mário piscou para o amigo, ouvindo a conversa que se aproximava. “Que tal a mesa, crianças?”

“Eu sempre quis uma festa do Harry Potter.” Eric disse, usando os óculos redondos e as vestes de Hogwarts.

“É tão engraçado quando uma criança pequena diz sempre.” Carmen riu, admirando a decoração. “Mandaram bem, meninos.”

“Somos ótimos, amor, por dizer.” Daniel a abraçou, sorrindo. “Só não entendi porque vai ser a Gina, Mili.”

“O Pietro é o Rony, então a Ella tem que ser a Hermione. Foi a Cat que disse.” A menina deu de ombros, mexendo nos cabelos pintados de vermelho. “Foi legal pintar o cabelo com spray.”

“Sua filha está pior que a Valéria, Daniel... Deu de ficar formando casais.” Marcelina riu, andando com Marcos no colo. “Amor, cadê o gorrinho de Dobby que minha mãe tricotou para ele?”

“Deixa eu pegar na bolsa.” O veterinário caminhou até a mala azul, mexendo.

“Eu sou a Bellatrix.” Catarina apareceu correndo, vestida como a vilã do filme.

“Eu preferia que você dos mocinhos, filha, não a vilã.” Reclamou Carmen.

“Não gosto de mocinhas, mamãe, são muito bobinhas. Prefiro as vilãs.”

“Gente, me sinto em Hogwarts.” Comentou Margarida, enquanto chegava com o marido e a filha.

“Ella, você está linda.” Elogiou Marcelina, vendo a menina rodopiar em seu uniforme.

“Daniel, eu não estou gostando da sua filha insinuando que a Ella e o Pietro são um casal.” Jorge reclamou.

“Eu já falei, meu amor... Aceita que dói menos!” Riu Margarida, cumprimentando as amigas. “Três semanas de vida, e o Marcos já está festejando?”

“Segundo filho, amiga... Você fica bem menos encanada, já entendeu que eles não quebram.” Riu a mãe do bebê, beijando sua testa. O garotinho estava dormindo pesadamente, adorável com seu gorro de Dobby.

“Da Mili, nós demoramos dois meses para ir até a casa dos nossos pais. Ele, com uma semana, estava passeando na rua com a gente.” Contou Mário.

“A Cat nós demoramos um mês para levar ela dar uma volta no jardim do prédio, de tanto medo que a gente tinha. No Eric, saímos do hospital para um almoço nos meus pais, com o meu irmão e a Diana lá, além da minha avó.” Carmen confessou, causando risos. “Vocês vão ver quando for o de vocês.”

“Lamento, amiga, mas acho que vamos ter produção única. Vamos deixa para vocês repopularem o mundo.” Riu a psicóloga, ouvindo a porta abrir. “Olha, Hermione, seu Rony chegou.”

“Pietro.” Ella saiu correndo e abraçou o amigo, que estava com os cabelos vermelhos. “Você ficou lindo de Rony.”

“E você de Hermione.” Ele elogiou a amiga.

“Se Valéria estivesse aqui, diria que está shippando.” Paulo e Alicia vieram atrás, com Alice emburrada.

“E o que minha afilhada tem, hein?” Jorge a pegou do chão, sendo abraçado por ela.

“Ela está chateada porque a Luna não tem namorado.” Se indignou Paulo. “Vê se eu aguento isso?”

“Ninguém aqui tem namorado, querida, fique tranquila. É só brincadeira.” Prometeu Marcelina.

“É, vocês são muito novas para pensar em namorar.” Concordou Margarida.

“Agora, chega de conversa.” Pediu Carmen. “Quero muitas fotos dessas fofurinhas fantasiadas.”

“Aproveita que o Marcos acordou, porque logo ele vai estar se esgoelando de fome.” Riu Mário.

“Ele tem mamado bem, Marce?” Perguntou Alicia.

“Ele me seca, a cada mamada. Ele não para até que os dois seios estejam vazios. Não sei como não está uma bolinha, sério.” Contou a mãe, admirada.

“É magro de ruindade, que nem o pai dele.” Aporrinhou Paulo, ajudando a arrumar as crianças para a foto.

“Mas você gosta de tirar com a cara do meu filho, hein? Caramba.” Reclamou o veterinário, pegando o filho da esposa, que gargalhava.

~*~

Thomas Carrilho Zapata nasceu na véspera do dia das crianças, ocupando mais um feriado na vida de todos. Àquela altura, Catarina e Eric estavam mais parecidos com o pai do que com a mãe, e o irmão veio para contrariar isso: era a cópia perfeita de Carmen, de todas as formas possíveis.

Assim como os irmãos, não demorou para nascer. Seu parto, na verdade, foi bem semelhante ao de Catarina, sem toda a agitação e insanidade que vivenciaram com o nascimento de Eric. Os mais velhos, inclusive, estavam na sala de parto, já que Catarina fazia questão de presenciar o nascimento do caçula também. E como havia sido ela a cortar o cordão umbilical do irmão do meio, coube a ele a missão de ajudar o pai a cortar o do caçula.

Quando os pais colocaram o bebezinho em seu colo, Eric o encarou com um olhar curioso. Ergueu os olhos e encarou a mãe de um lado, o pai do outro, e a irmã mais velha na frente. Todos pareciam ansiosos para ver o que ele faria.

Observou o bebê novamente, vendo que ele bocejava, e sorriu. Abaixou a cabeça e beijou o topo da cabecinha dele, ainda um pouco suja após o nascimento.

“Oi, Thomas... Eu vou ser seu melhor amigo, eu prometo. Vou cuidar sempre de você.” Prometeu o garoto, ouvindo os suspiros dos pais ao seu lado.

~*~

Mais um Natal havia chegado. E em como nos doze Natais anteriores, todos eles estavam ali.

Adriano e Laura moravam nos Estados Unidos, onde o homem trabalhava. Ele era engenheiro na NASA, e seu trabalho era em Washington. Tinham se mudado três anos antes, logo após se casarem, e agora estava esperando o primeiro filho para o meio do ano seguinte.

Kokimoto e Bibi também tinham deixado o país, se mudando para a Bélgica. O japonês era engenheiro mecânico de uma grande montadora no país, e a ruiva participava de uma companhia de teatro na cidade em que moravam. Se casariam no cartório, em algumas semanas, antes de voltar para a Europa.

Cirilo e Maria Joaquina moravam em Ribeirão Preto, onde o Rivera havia feito sua residência e agora trabalhava como ortopedista em um importante hospital-escola. A mulher abriu uma boutique na cidade, e se dedicava a sua linha de roupas infantis e aos cuidados com os filhos gêmeos, Victor e Murilo, cinco meses mais novos que Ella.

Enquanto isso, Davi e Valéria tinham se mudado para São Carlos, após o judeu ser transferido para o campus da USP de lá, onde dava aula de física. Já a mulher trabalhava como repórter em um jornal local, além de manter um canal no Youtube sobre a vida de mãe. Os dois tinham uma filhinha de quase um ano, Natasha.

Mas apesar de fisicamente distantes, naquele dia, os amigos sempre se reuniam. E naquele ano, pela primeira vez, iriam levar os filhos junto.

“Que lugar é esse, papai?” Perguntou Pietro, nos ombros de Paulo.

“Um lugar muito importante, para todos nós.” Explicou o Guerra, vendo Alicia de mãos dadas com Alice, sua barriga de grávida quase explodindo.

“Mas é um monte de ruínas.” Observou Ella, de cima dos ombros do próprio pai.

“É, só tijolos velhos e queimados.” Comentou Eric.

“É que esse lugar pegou fogo, meninos.” Explicou Mário, com Mili em suas costas. “Há muitos anos atrás.”

“O que era antes disso, papai?” Perguntou a menina.

“Era uma casa, filha.”

“Quando nós erámos um pouco maiores que a Catarina; quase da idade dela, na verdade, nós encontramos essa casa. Estava abandonada e era enorme. Depois de vários anos, essa casa passou a ser nossa, de nós todos.” Contou Valéria, emocionada. “Nós reformamos ela e fizemos dela nossa base, nosso refúgio. No Natal de 2020, logo após nos formarmos na escola, nós viemos passar a noite aqui.”

“E o que aconteceu, tia?” Perguntou Catarina, vendo a mulher começar a chorar.

“A casa pegou fogo, Cat. Nós estávamos dormindo e as luzes da árvore deram problema. Ela pegou fogo e destruiu a casa toda.” Terminou Koki, também emocionado.

“Por isso a gente não põe luzinhas na árvore, mamãe?” Perguntou Alice, recebendo um aceno afirmativo.

“Quando o incêndio começou, nós estávamos dormindo no andar de cima. Mas tinha um amigo nosso que estava acordado. Ele nos acordou e nos tirou do incêndio, logo antes de a casa explodir e restar só isso que vocês estão vendo.” Relembrou Adriano, abraçando a esposa de forma consoladora.

“E quem é esse amigo?” Perguntou Mili.

“O nome dele era Jaime, filha... Jaime Palilo.” Contou Marcelina, ninando Marcos.

“Mas, mamãe, Jaime Palilo estuda com a gente.”

“Como assim, Mili?” Perguntou Carmen, confusa.

“É, tia, o Jaime está na nossa sala. Ele é um pouco mais velho que a gente, mas ele demorou um ano para entrar na escola, depois da morte dos pais dele. Ele vive com os avós, e eles são muito legais.” Contou Alice.

“Como se chamam os avós deles, crianças?” Perguntou novamente a mulher.

“Hã... Ele sempre fala. É vó Eloísa e vô Rafael.” Pietro se esforçou para lembrar.

“A vó dele sempre levava bolo para a gente, na hora do lanche.” Lembrou Eric, animado.

“Vocês sabem aonde a família deles mora?” Questionou Cirilo, curioso.

~*~

Já tinham estado naquele endereço dezenas de vezes, dos 8 aos 17 anos. Mas há doze anos, cortavam volta daquele lugar. Na verdade, achavam que estava vazio, abandonado, sem vida, depois que o filho mais novo dos donos faleceu.

“Jaime? Jaime!” Pietro chamava o amigo, animado.

Não demorou para a porta se abrir, fazendo todo o grupo de adultos prender a respiração. Um menino de cinco anos e meio apareceu ali, com um sanduíche na mão, a camiseta toda suja de comida, os cabelos completamente bagunçados.

“E aí, meu irmãozinho? Tudo beleza?” Sorriu o garoto, vendo o amigo.

“Nossos pais quiseram conhecer você.” Explicou o Guerra, indicando os adultos.

Jaime ergueu os olhos, curioso. Encarou um a um os mais velhos, que os encaravam com lágrimas nos olhos, e sorriu para eles.

“Oi, gente, tudo bem?” Perguntou, mordendo o sanduíche. “Caramba, Alicia, você está com o maior barrigão.”

“Você nos conhece?” Perguntou a grávida, a voz falhando.

“Conheço. Você é a Alicia, e ele é o Paulo. Aí tem a Marcelina, o Mário, o Davi, a Valéria, a Carmen, o Daniel, a Maria Joaquina, o Cirilo, o Jorge, a Margarida, a Laura, o Adriano, a Bibi e o Koki.” Ele foi apontando de um por um, vendo os queixos caírem. “Tem uma foto enorme de vocês na sala, junto com o meu tio.”

“O Jaime?” Perguntou Daniel.

“É, o Jaimão. Eu sou o Jaiminho.” Riu o menino. “Entra aí, pessoal, eu vou chamar meus avós.”

O grupo entrou na casa, que parecia bem diferente do que na época deles. Estava mais moderna, espaçosa, mas ainda cheia de coisas do Corinthians.

“Você é corintiano, Jaime?” Perguntou Mário, vendo o menino voltar dos quartos.

“Sou sim, é de família.” Riu o menino, limpando a mão suja de comida na roupa. “Mili, Eric, esses são os irmãozinhos de vocês?”

“São sim, Jaime. Esse é o Marcos, e aquele dorminhoco é o Thomas.” Eric apresentou os dois. “Ele só tem dois meses, por isso dorme um montão.”

“E eles, quem são? Não conheço.” Apontou as outras crianças.

“Ah, essa é a Catarina, minha irmã. Você já viu ela na escola.” Explicou o Zapata.

“E esses dois são o Victor e o Murilo, filhos da tia Majo. Eles moram em... Aonde vocês moram mesmo, tia?” Perguntou Mili.

“Em Ribeirão Preto, querida.” A estilista estava com um dos filhos no colo, sonolento.

“E essa é a Natasha, filha da tia Val.” Ella apontou o óbvio, já que a menina estava no colo da jornalista.

“Caraca, que família enorme.” Comentou Jaime, sorrindo. “Eu só tenho os meus avós, já que minha mãe não tinha irmãos. Vocês são em um montão de irmãos.”

“Nós não somos irmãos, Jaime.”

“São sim, Davi, dá para ver. Vocês são irmãos, só talvez não de sangue.” Para a idade, Jaime era bastante esperto.

“Há quanto tempos seus pais...” Perguntou Daniel, sem graça.

“Eu tinha três anos, nem me lembro direito. Eu estava no carro, e me machuquei também. Aí eu entrei na escola um pouco atrasado... Meus avós dizem que até nisso eu pareço com o meu tio. Vou ser sempre o mais velho da sala.” Riu o menino, desencanado.

“Sinto muito.”

“Ah, não tem problema. Meu pai era meio loucão, minha mãe também. Meus avós que sempre cuidaram de mim. São mais meus pais do que meus pais eram.” Ele disse, cheio de carinho.

“E você é mais nosso filho do que neto.” Ouviram vozes, e logo Eloísa e Rafael estavam na sala. “Como vão, meninos?”

“Oi, tia... Muito tempo, hein?” Disse Daniel, com a voz embargada.

“Muito, querido. Doze anos, não?” Sorriu a mulher, enquanto o neto corria e pulava no colo do marido. “Cuidado, gordinho, vai quebrar o vovô.”

“Aliás, moleque, você não tinha uma coisa no quarto, para uma pessoa?” Perguntou o mais velho, vendo o menino corar. “Vai buscar.”

Jaime correu para seu quarto, enquanto os avós encaravam os demais adultos na casa.

“Hoje fazem doze anos.” Suspirou Paulo.

“Exatamente doze anos.” Concordou Rafael, sorrindo. “Mas... Sem tristeza. Demorou um pouco, mas o Jaime voltou para nós dois. De um jeito melhor do que esperávamos.”

“Sinto muito pelo Jonas... Nós não ficamos sabendo de nada.” Garantiu Cirilo.

“Não tem problema, meninos. As vidas seguiram separadas, perdemos contato. Muita coisa aconteceu com vocês também, hã?” Eloísa apontou as crianças, fazendo os casais rirem baixinho. “Se tinha uma coisa que nosso gordinho acreditava, era que a vida sempre segue em frente, não importa o que aconteça. E é o que nós acreditamos também.”

“Sempre em frente.” Concordou Margarida, sorrindo. “Fico feliz de as crianças terem ficado amigas do Jaiminho.”

“Nós também, querida... Você nem imagina o quanto.” A mulher piscou para o marido, que apenas riu.

Nesse momento, Jaime veio correndo do próprio quarto, um ursinho de pelúcia nos braços. Ele parou, meio sem jeito, e se aproximou de Alice. Alicia deu um sorrisinho, enquanto Paulo fechava a cara e Pietro cerrava o punho.

Ignorando tudo isso, o jovem Palilo estendeu o bichinho para a jovem Guerra, que sorriu e corou.

“Isso é para você, Alice. Vi na loja e pedi para a minha avó comprar.” Sorriu o menino, sendo retribuído. “E a propósito, para vocês todos... Feliz Natal.”

~*~

“Mamãe, papai... A Kira não tá levantando.” Pietro apareceu no quarto dos pais, arfando.

“Como assim, filho?” Se preocupou Alicia, enquanto Paulo saia depressa.

“Ela não levanta da caminha, mamãe... Ontem eu e a Alice ajudamos ela a subir as escadas, porque ela não conseguia, e agora ela não levanta da caminha dela.” Pietro foi puxando a mãe pela mão, os dois de pijamas. “E ela tá com uma carinha...”

Os dois chegaram no quarto das crianças, encontrando Alice com a cachorrinha deitada no colo, enquanto Paulo a analisava, pensativo.

“Amor, liga para o Mário... Pede para ele vir aqui.” Pediu o Guerra, os olhos cheios de lágrimas.

Quando o veterinário chegou com a família, Paulo já tinha levado a cachorra para a sala, e agora ela era ladeada pelas duas crianças da casa. O casal Ayala sorriu compreensivo para o casal Guerra, já sabendo o que iria acontecer.

Tinha dias que a cachorra tinha dificuldade para subir para o andar de cima, já há algum tempo tinha perdido a maioria dos dentes, o que não a permitia comer muito. No final de maio, completaria 13 anos, uma idade bem avançada para um animal.

“Padrinho, você tem um remédio para fazer a Kira melhorar?” Perguntou Pietro, encarando o veterinário.

“Deixa eu ver, carinha.” Mário se aproximou, apenas para tranquilizar os meninos. Antes, sussurrou para o cunhado. “Já chamei o pessoal.”

“Obrigado, cara.” Suspirou Paulo, encarando Alicia sentada no sofá. Paulinho chegaria em alguns dias, mas provavelmente não conheceria Kira.

Marcelina sentou com a cunhada, Marcos se firmando sentado em seu colo, curioso. Mili segurou a mão da prima, que estava tensa, enquanto Pietro mantinha a cabeça de Kira em seu colo, sério.

Mário auscultou o coração, tirou a temperatura, examinou os olhos, antes de suspirar.

“Crianças, vamos conversar...” Ele virou para os sobrinhos. “Vocês sabem que os cachorros envelhecem de forma diferente do que os humanos, não é?”

“Sim...”

“Então, pela idade da Kira, ela já tem 90 anos.”

“90?” Se assustou Alice.

“É, querida, tudo isso. E vocês sabem que, quando as pessoas envelhecem, elas ficam mais doentes e fracas, como está acontecendo com a Kira. E quando isso acontece...”

“Elas morrem.” Pietro completou, os olhos cheios de lágrimas. “E não tem nada o que você possa fazer, padrinho?”

“Eu posso dar um remedinho para ela, Pietro, para fazer ela não sentir dor.” Explicou Mário, acariciando a cabeça dela. “Não vai demorar muito, e vocês podem ficar com ela, se quiserem.”

“Nós queremos.” Concordou Alice, chorando.

“Então vamos esperar um pouquinho... A Ella e o Eric estão vindo, para ficar com vocês.” Avisou Marcelina, com a voz doce.

Depois de alguns minutos, as outras duas famílias chegaram. Carmen ficou com Marcelina no sofá, as duas com os bebês dormindo no colo. Alicia ignorou a reclamação do marido, sentando no chão e deitando Kira em suas pernas, as duas trocando um olhar.

“Quando eu perdi meus pais, você foi o começo da minha nova família. Obrigada por ter estado com a gente por todos esses anos, minha pequena.” Sussurrou a grávida, beijando a cabeça da cachorra. “A mamãe te ama.”

“Nós podemos abraçar ela, tia?” Pediu Catarina, ajoelhada ali perto.

“Claro, querida.”

A menina se abaixou e abraçou o animal com carinho, acariciando seu pelo. Se afastou um pouco, dando espaço para Eric e Ella fazerem o mesmo. Mili se demorou mais, sofrendo com a despedida. Era tão apaixonada por animais quanto o pai, e sofria com cada um que partia.

“Você tem certeza que não há nada a fazer, Paulo?” Perguntou Jorge, sentido pelo estado do amigo.

“Não, cara, não há... Tem dias que estamos vendo que a Kira está definhando aos poucos. Ela não consegue mais correr, subir as escadas, brincar. Comer está ficando difícil, quase impossível, e ela tem emagrecido muito. Eu conversei com ela semana passada, e pedi que ela me dissesse quando fosse a hora. Hoje, quando eu entrei no quarto dos meninos, senti que ela estava me mandando a resposta. Ela está pronta para ir.” Suspirou o Guerra, os olhos marejados.

“Sinto muito. Eu sei o quanto ela significa para vocês dois.” Daniel segurou o ombro do amigo, dando um sorriso triste.

“A Kira foi nossa primeira filha, praticamente. Ela que nos ensinou a ter responsabilidade, e marcou o começo da nossa família, minha e da Alicia. Cuidou e protegeu a Alice e o Pietro desde o dia em que eles chegaram em casa, velou o sono dele quando tiveram pesadelos, não arredou o pé do lado deles quando estiveram doentes. Mas eu sei que ela está sofrendo; e em retribuição a tudo o que ela fez por nós, o mínimo que eu posso fazer é deixar ela descansar.”

“Paulo... Está na hora.” Mário chamou o amigo. “O que você quer fazer?”

“O mesmo que você fez com o Rabito. Eu vou ficar com ela perto do meu coração, para ela saber que vai estar sempre nele.” Suspirou o dono da cachorra.

Paulo caminhou até o tapete, deitando ao lado de Kira e a abraçando com força, colocando sua cabeça no colo da esposa, junto com a do animal. Pietro e Alice também se aproximaram, deitando na barriga da cachorra e suspirando.

“A gente vai ficar aqui, tá Kira?” Perguntou a menina.

“É, vamos cuidar de você, que nem você cuidou de mim quando eu tive febre.” Prometeu Pietro, acariciando o pelo do animal. “Você é nossa irmãzona.”

“O papai está aqui, baixinha... Vai ficar tudo bem.” Foi só o que Paulo disse, indicando que Mário prosseguisse.

O veterinário injetou o conteúdo da seringa com delicadeza, logo se afastando. Pegou Mili do chão e a abraçou, indo sentar junto com a esposa. Daniel já estava ali, ao lado da esposa, segurando os filhos mais velhos no colo. Ella estava no colo de Margarida, próximo à escada, com Jorge ao lado delas, as abraçando.

Demorou alguns minutos, e então Kira soltou um longo ganido e fechou os olhos, se calando para sempre. Paulo e Alicia choraram com mais força, a abraçando, enquanto Pietro e Alice se abraçavam.

“Descansa em paz, Kira. Obrigado por tudo.” Disse Paulo, sentindo as lágrimas da esposa em seu rosto.

~*~

Paulinho nasceu no começo de fevereiro, em um parto tranquilo e bastante rápido. O trabalho de parto começou na madrugada, e pela manhã, todos foram para o hospital. Depois de Eric ter podido acompanhar o nascimento de Thomas, Pietro e Alice quiseram ver o nascimento do irmãozinho. Deixaram que Mili e Ella estivessem junto também; a primeira por estar chateada de não ter visto Marcos nascer, e a segunda por estar extremamente curiosa.

“Vai, mamãe, só mais um pouquinho.” Pietro estava animado ao lado da maca, não tendo aceitar permanecer no canto.

“Ele não sabe nem o que está falando.” Paulo riu baixinho para a esposa, que riu de volta.

“A cabecinha está saindo, Alicia.” Anunciou a médica. “Mais um, e acho que ela sai inteira.”

“Dói muito, mamãe?” Perguntou Alice, curiosa.

“Um pouco, princesa, mas a médica dá um remedinho para ajudar.” Respondeu a mãe, a voz cansada. “Está vindo outra.”

Depois de um parto duplo, ter apenas um bebê para colocar para fora era um alívio. Paulinho escorregou para fora alguns minutos depois, menor do que Alice era quando nasceu. Foi direto para o peito da mãe, enquanto ela e o marido choravam, e as crianças olhavam aquilo, admiradas.

“Olha, tata, nosso irmãozinho.” Comemorou Pietro, abraçando Alice.

“É, parceirinho, é o seu irmãozinho.” Paulo deu a volta, ajudando os dois a sentarem na beira da maca, para verem mais de perto. “Digam oi para o Paulinho, meninos.”

“Oi, Paulinho.” Alice levou a mãozinha ao rosto do irmãozinho, que fechou os olhos ao sentir seu toque. “Eu te amo.”

“Eu também te amo.” Pietro passou a mão na cabeça do menino. “Tem sangue.”

“Não se assusta, filho, é normal. Quando o bebê nasce, ele está sujo do sangue que tem dentro da barriga, junto com ele.” Alicia acalmou o filho, que estava assustado. “Mas o Paulinho está bem, olha.”

“Ele parece comigo.” O mais velho sorriu.

“É, vocês dois parecem com o papai, e a Alice parece com a mamãe.” Paulo sorriu, vendo os filhos se deitarem e abraçarem o irmãozinho, por cima da mãe. Fez o mesmo, seu rosto bem próximo do da esposa. “Obrigado.”

“Eu te amo.” Ela sussurrou, dando um selinho nele.

“Eu também, morena... Amo vocês quatro mais do que qualquer coisa no mundo.”

~*~

“Papai?” Pietro estava na porta do quarto dos pais, coçando os olhos. “Papai, você tá acordado?”

“Pietro?” Paulo perguntou, sentando na cama assustado. “Aconteceu alguma coisa?”

“Eu tive um pesadelo. Posso deitar com você?” Pediu o menino, choroso.

“Pode, filho, pode sim. Vem cá.” O Guerra ergueu o lençol, e o menino pulou para lá. “Tá com saudade da mamãe, né?”

“Ela sempre coloca a gente na cama, junto com você.” Pietro deitou no travesseiro da mãe, sentindo o cheiro dela. Encarou o pai, tenso. “Eu sonhei com você, papai.”

“O que você sonhou, Pietro?”

“Você tinha ido embora, papai, deixado a gente aqui e ido embora. E você ia morrer, você estava doente.” Lágrimas caíram conforme ele contava.

“Hey, calma, não precisa chorar. Eu não vou embora, Pietro, nunca. Nada no mundo me faria deixar você, sua mãe e seus irmãos.” Prometeu Paulo, abraçando o filho e o deixando chorar em seu peito. “E eu não vou morrer, Pietro, isso eu te juro.”

“Jura, papai? De verdade?” O menino perguntou, baixinho.

“Muito antes de você e a Alice nascerem, Pietro, eu e a tia Marcelina descobrimos que tínhamos uma doença. E nós a curamos, nós batalhamos muito e curamos essa doença.” Paulo acariciou o cabelo do filho. “E é por isso que eu te digo, Pietro: eu não vou morrer tão cedo, filho. Você ainda vai ter que me aguentar pegando no seu pé por muito tempo.”

“Você não pega no pé, papai, você é o melhor.” Pietro sorriu para ele. “Você é meu parceirão.”

“E você é meu parceirinho, para sempre.” Paulo beijou a testa dele. “Quer dormir aqui com o papai? Ou quer voltar para o seu quarto, com a Alice?”

“A gente fica aqui.” A menina entrou se arrastando. “Eu acordei e não vi o Pietro.”

“Então deitem aqui. Já que a mamãe está dormindo com o Paulinho, lá no hospital, vocês dormem comigo aqui.” O Guerra indicou que a filha deitasse com o irmão.

Quando os gêmeos nasceram, Paulo ficou com Alicia no hospital e a ajudou na primeira noite. Porém, agora tinham dois filhos que, apesar de ansiosos por terem um irmão, tinham também ciúme do irmão. Por isso, a mulher decidiu que conseguiria ficar sozinha por uma noite, enquanto o marido cuidava dos filhos mais velhos em casa.

Algumas vezes, Paulo realmente pensava no que teria acontecido se ele e Marcelina não tivessem descoberto a doença a tempo, quando ainda era cedo e havia como estudá-la e curá-la.

Encarou os filhos e fixou o olhar em Pietro, limpando o rastro de suas lágrimas com o polegar. Beijou a testa dos dois, deitando novamente e fechando os olhos, agradecendo mentalmente por tudo ter dado certo.

~*~

Dentre as muitas coisas que Margarida não entendia, a respeito de suas decisões antes de perder a memória, estava a de largar a carreira de modelo. Não sofria ou se ressentia por isso, considerando que era realizada como psicóloga, como esposa, como mãe e como pessoa. Porém, nunca conseguiu entender essa decisão e o que a levou a ela.

Quando perguntou a mãe, após ela lhe contar que iria prestar o vestibular para psicologia, Luiza só lhe disse que em determinado momento, não muito depois de começar a namorar com Jorge, ela deixou de lado o trabalho como modelo e começou a se dedicar aos estudos, decidiu viajar com o namorado e prestar psicologia.

Não muito antes de Marcos nascer, seu antigo agente a procurou. Disse que uma empresa de remédios queria fazer uma campanha fotográfica de seu novo medicamento para ansiedade, e queria uma psicóloga para “representar” o mesmo.

Após analisar bem a proposta, com a ajuda do marido, Margarida aceitou. Era algo diferente do que ela fazia quando jovem, mas o sentimento era tão bom quanto. E não tinha problema nenhum... Não interferia em sua vida profissional, nem no seu tempo com a família. Ella, inclusive, adorava quando a mãe tinha que fazer fotos ou gravar comerciais, se divertia muito no estúdio, e Jorge ficava orgulhoso dela.

Mas Margarida era bonita, tinha jeito e elegância, e apesar de já ter uma idade avançada para a carreira, chamou a atenção de alguns clientes da agência, que começaram a pedir por ela. O marido, como sempre, a incentivou a ir e fazer o que lhe deixava feliz, e ela aceitou três ou quatro propostas de trabalho, contanto que não interferissem na sua vida profissional e pessoal.

Em uma dessas, conheceu Celso, um fotógrafo gentil e educado, com um olhar único e muito talento. Ele a elogiou incansavelmente e, naquele momento, lhe fazia uma proposta no mínimo absurda.

“Dois anos no Chile? Você está louco?” Perguntou Margarida, chocada.

“Pense bem, Margarida. O Chile está com um bom mercado para modelos, especialmente as mais maduras, como você! Eu já tenho diversos clientes interessados no seu trabalho, você iria para lá com segurança.” Insistia o fotógrafo.

“As coisas não são tão simples, Celso. Eu tenho uma filha e um marido, para não dizer um emprego. Tenho um consultório, clientes fixos e que eu acompanho há anos. Não posso simplesmente largar tudo por dois anos e ir para outro país, ser modelo.”

“Margarida, você tem que ir.” Celso a segurou pelo braço, assustando a mulher. “Largue tudo para trás, você não precisa disso, você tem talento. Seu marido e sua filha só te prendem, deixe-os aqui e venha comigo. Nós podemos ser felizes juntos.”

“Celso, me larga, agora.” A mulher estava assustada de verdade, vendo o braço começar a ficar marcado pelo aperto dele.

“Nós seremos imbatíveis, Margarida, acredite nisso! Você pode ser a maior top que esse mundo já viu, e eu o maior fotógrafo, juntos. E podemos ser felizes, eu vou te fazer feliz.” Ele a agarrou pela cintura, colando seus corpos.

“Você é louco...” Ela sussurrou, assustada. “Eu nunca vou deixar o Jorge e a Ella.”

“Você vai sim, ou eu acabo com eles. Você vai embora comigo, Margarida.” Rosnou Celso, nervoso.

“Me larga, agora.” Ela ergueu mais a voz.

“Cala a boca.” Ele desferiu um tapa que a fez cair no chão.

“Se afasta da minha mulher.” Jorge e Paulo invadiram o consultório de Margarida, jogando o fotógrafo longe. “Marga, ele te machucou?”

“Ele me deu um tapa.” Ela disse, em meio as lágrimas.

“A polícia já está vindo.” Prometeu Paulo, sério.

“Não aguenta saber que vai perder a Margarida para mim, Jorge, e já vai colocar a polícia no meio?” Zombou Celso, caído no chão com os dois o ameaçando.

“Eu não vou perder meu tempo respondendo para um doente como você, Celso. Já há muito tempo eu percebi que você estava cercando a minha mulher, mas confio nela. O que eu não tolero é um doente mental agredi-la.” Jorge se afastou, indo até Margarida e a pegando do chão. “Deixa eu ver seu rosto.”

“Foi só um tapa. Provavelmente vai inchar, mas só isso.” Ela tentou tranquilizar o marido. “Eu fico feliz por você confiar tanto em mim, loirinho.”

“Nunca, em mais de doze anos, você me deu um motivo que seja para pensar o contrário, caipirinha.” Ele acariciou a bochecha dela, vendo-a se retrair. “Eu vou pegar gelo na cozinha. Paulo, você consegue segurar esse animal até a polícia chegar?”

“Se ele tentar se mexer, eu acabo com o que ele tem no meio das pernas.” O psicólogo posicionou o pé sobre o pênis de Celso, que arfou. “Sugiro que fique bem quieto.”

~*~

“Bom dia, amor.” Daniel entrou na cozinha, encontrando Carmen amamentando Thomas enquanto tomava café. “Perdi a hora.”

“Eu liguei na empresa e avisei que você ia atrasar. Você precisa dormir, Dan.” Ela disse simplesmente, séria.

“Eu tenho trabalhado muito, realmente. Meu pai quer me passar para o cargo de vice-presidente da empresa.” Ele lembrou, enchendo sua xícara de café. “E então, eu vou poder comprar uma casa nova para a gente.”

“Como?”

“O apartamento é muito pequeno para nós cinco, Carmen, precisamos de um lugar maior.”

“E você decidiu isso sozinho, Daniel?” Ela se irritou, e Thomas largou seu peito. “Droga.”

“Desculpa, amor, não é uma boa hora para falarmos sobre isso.” Pediu o homem, vendo-a arrumar a roupa e colocar o filho para arrotar.

“E quando é, Daniel? Você nunca está em casa, sempre está trabalhando, e quando está aqui, precisa dar atenção para o Eric e a Catarina.”

“Eu já expliquei, amor, é para comprar uma casa nova. Meu salário como diretor nos mantém, mas não é o bastante para nos sustentar e comprar uma casa.”

“Daniel, quando eu falei que queria outra casa? Ou alguma das crianças falou?” Questionou a mulher, nervosa. “Nossa casa é essa aqui.”

“Carmen, nós estamos parecendo sardinha enlatada aqui.”

“Menos, Daniel, bem menos. Nosso apartamento é enorme, tem 100m² e três quartos, é um pouco menor que a casa do Paulo e da Alicia.” Rebateu a mulher, se levantando. “Nós estamos felizes aqui.”

“Eu não disse que não estamos felizes, Carmen. Eu só falei que quero nos levar para um lugar maior e melhor, para os meninos não terem mais que se apertar e dividir o quarto.” O Zapata levantou da mesa, também nervoso.

“Daniel, o Thomas não tem nem seis anos, o único espaço que ele ocupa é o berço. Quando ele for dormir na cama, nós vamos colocar um beliche para eles, o Eric já está ansioso por isso.” Carmen revirou os olhos.

“Por que você repudia tanto essa ideia, Carmen?”

“Porque eu não quero uma casa nova e maior, Daniel, para ter mais trabalho em cuidar dela. Eu quero meu marido em casa, comigo e com os nossos filhos, passando tempo com a gente, saindo passear nos finais de semana.”

“E eu não faço isso?”

“Há semanas que não, na verdade.” Carmen colocou o filho no cestinho. “Você lembra o porquê desistiu da ONG, Daniel? Porque eu perdi o nosso filho, porque você estava atolado no trabalho, e você disse que queria poder estar sempre perto para a gente, poder viajar conosco, aproveitar o tempo. Nós vivemos bem aqui, estamos felizes! Só o que nós queremos é que você passe mais tempo conosco. Será que você consegue fazer isso?”

~*~

“Achei que você nunca mais iria querer fotografar na vida.” Comentou Jorge, enquanto caminhava com Margarida pelo sítio da família dela.

“A Ella tem me pedido, desde que eu comecei a fazer fotos, que ela quer fazer uma sessão conosco. Então eu chamei a Larissa, que é de confiança, para fazer uma sessão nossa, em família.” Explicou a morena, apertando a mão dele.

“Tudo para deixar minhas mulheres felizes.” Prometeu Jorge, lhe dando um selinho.

A fotógrafa, realmente, era muito gentil e talentosa. Fez várias fotos de Ella, sozinha e com os pais, deixando a menina feliz da vida. Por fim, propôs fazer algumas de Jorge e Margarida juntos, e os dois concordaram.

“Aqui, peguem essas lousas e escrevam as qualidades um do outro... Mas não podem ver, ok? De costas, até que os dois tenham escrito.” Pediu, entregando o material para eles.

Jorge não precisou se esforçar muito. Linda, gentil, humilde, carinhosa, companheira, inteligente foi o que coube na lousa, porque ele teria infinitos mais para descrever.

“Prontos?” Perguntou Larissa, se posicionando. “Podem virar.”

Ele virou tranquilo, imaginando o que ela teria escrito. Quando ele leu, sua lousa foi parar no chão, assim como seu queixo.

VOCÊ VAI SER PAPAI... DE NOVO.

Ele encarou a esposa, que sorria com lágrimas nos olhos. Leu mais uma, duas, três vezes, tentando assimilar o que estava ali. Quando afinal conseguiu, abraçou a esposa com força.

“Eu não acredito.” Foi só o que ele conseguiu dizer.

“Eu sei que nós tínhamos decidido que a Ella ia ser única, mas alguém não concordou.” Riu Margarida, sentindo as lágrimas dele no seu ombro.

“Fico feliz com isso. Vai ser muito bem-vindo.” Prometeu o loiro, dando um beijo na esposa. “Adorei a ideia, por falar nisso.”

“Agora precisamos contar para a irmã mais velha.”

Ella adorava brincar de forca, então foi o que fizeram. Jorge sentou com a lousa no colo, enquanto Margarida se ajoelhava ao lado da filha.

“Que frase comprida.” Se surpreendeu a menina. Apesar de ter cinco anos e meio, Ella já conseguia ler bem e escrever palavras de forma razoável.

“Vamos ver se você consegue.” O pai sorriu para ela.

Eram seis palavras e 23 letras. A primeira que ela chutou, obviamente, foi o A. O pai escreveu quatro. Ela tentou o E, que foram três, e depois o I, que foram mais três. Pediu o L, e só tinha um, então tentou o M, e conseguiu dois.

Chutou o S, para fechar a palavra MAIS, e acertou dois. Chutou T, e ganhou a cabeça. Tentou o J do pai, e ganhou o corpo. Pediu o L, e tinha um. Tentou o V, e tinha dois.

“Hum... R!” Disse, vendo o pai escrever dois. “Ve vai ser irmã mais vela...”

Sua cabecinha ficou tentando processar as palavras incompletas, até que seus olhos se arregalaram, encarando os pais.

“Você vai ser irmã mais velha.” Ela disse com um fio de voz, vendo o pai preencher os buracos faltantes. “É sério, mamãe?”

“É, meu amor... A mamãe tá esperando um bebê.” Margarida contou, recebendo um abraço. “Acho que ela gostou.”

“Eu amei, eu queria muito um irmãozinho.” Ella pulava no lugar, animada. “Mas vocês tinham dito que eu não ia ter.”

“É, mas você pediu tanto, tanto, tanto... Que seu irmãozinho veio, sem nem avisar o papai e a mamãe.” Explicou Jorge, as abraçando. “Tá feliz, Ella?”

“Muito, papai. Foi a melhor surpresa do mundo.” Garantiu a menina, os abraçando com força. “Eu amo vocês.”

“E nós amamos vocês, meu amor... Você e seu irmãozinho.” Prometeu Margarida, ela e Jorge beijando a filha enquanto a fotógrafa registrava.

~*~

“Paulo, Marcelina, que surpresa agradável.” O doutor Angelo entrou no consultório, sorrindo para os irmãos. “E estão bem acompanhados, hã?”

“Trouxemos nossas crias para você conhecer, doutor.” Paulo sorriu, com Pietro e Alice em suas pernas, enquanto Alicia segurava Paulinho, já com seis meses.

“Olá, crianças, como vão?” O médico saudou, os encarando. “Quantos anos eles têm?”

“O Pietro e a Alice acabaram de fazer cinco, e a Mili faz no mês que vem. O Marcos fez um, semana passada, e o Paulinho está com seis meses.” Contou Marcelina, encarando a tropinha.

“São lindos.” Elogiou o homem, sorrindo. “Bom, o que os traz aqui?”

“Rotina... Já tem alguns anos do nosso último exame, e nós quisemos ver se estava tudo bem.” Paulo explicou, enquanto Mário passava alguns papéis para o médico.

“Vocês já trouxeram todos feitos?” Angelo sorriu. “Bom, vamos ver...”

Os exames continuavam iguais o da última consulta, o que era bom. Queria dizer que a doença realmente havia sido curada, e que os dois irmãos estavam livres dessa praga. Mas não era essa a grande preocupação dos dois...

“Dr. Angelo, e as crianças?” Perguntou Alicia, por fim. “Eles... Eles têm riscos?”

“Infelizmente sim, Alicia. Como vocês sabem, é uma doença genética, hereditária. Nós temos conseguido identificar os portadores cada vez mais rápido e mais cedo, nos permitindo fazer o tratamento preventivo da melhor forma.” Explicou o senhor, sério. “Em quase oito anos, só perdemos 50 pessoas para a doença.”

“E isso é pouco?”

“Nós perdíamos quase cem por ano, Marcelina. É um número extremamente baixo.” Angelo sorriu para ela. “As crianças ainda estão muito novas para serem submetidas a essa bateria de exames. Geralmente esperamos que elas cheguem aos 10 anos, e então fazemos o exame básico, que é uma tomografia e o de sangue. Se acharmos algo anormal, aprofundamos.”

“Me parece uma boa.” Concordou Mário.

“Algo os inquieta.” Angelo observou Paulo e Alicia.

“A pediatra do Paulinho está preocupada com o desenvolvimento dele. Diferente do Pietro e da Alice, sabe? Ele não atende quando o chamamos, não está se firmando...” Explicou a mãe, encarando o filho no seu colo.

“Isso não tem a ver com a doença, fiquem tranquilos. Esses, na verdade, são sintomas geralmente ligados ao autismo.”

“Autismo?” Perguntou Paulo, a voz em um fio.

“Sim, Paulo, mas a pediatra provavelmente não disse nada porque é difícil diagnosticar algo nessa idade. O desenvolvimento de cada criança é único, exclusivo, e pode ser influenciado por vários fatores. Como o Paulinho só tem seis meses, ainda não é possível avaliá-lo para um diagnóstico concreto.” Prosseguiu o médico. “Isso provavelmente vai ser dar depois de um ano devida, talvez mais! O diagnóstico do autismo, no geral, sai por volta do terceiro ano de vida.”

“Mas... Pode não ser autismo, não é?” Perguntou Marcelina, vendo que o irmão e a cunhada estavam chocados.

“Pode, claro que pode. Até mesmo o autismo tem graus variados. Quando se fala em autismo, as pessoas logo pensam em algo extremista, mas hoje as coisas já são bem diferentes. Os estudos, os tratamentos... A ciência avança a cada dia.” O médico sorriu. “Não sofram ou se inquietem, por algo que vocês nem sabem se é real. Vocês têm três filhos lindos... Se ocupem em viver tudo o que puderem com eles, da melhor forma possível.”

~*~

“Vamos buscar seus irmãos, meu amor?” Carmen terminava de vestir Thomas, que sorria para ela. “E esses dentinhos, hein? Estão afiadinhos, né?”

“Mãe? Chegamos.” Ela ouviu as vozes na sala, estranhando. Pegou o filho no trocador, indo para a sala. “O papai foi nos buscar.”

“Ele trouxe pizza para o jantar.” Eric estava nos ombros de Daniel, segurando a caixa de pizza congelada.

“Que legal. Cat, põe a pizza na geladeira, por favor. Eric, coloque suas coisas no lugar.” Pediu a mãe, vendo o marido colocar o filho no chão.

“Tudo bem.” Os dois saíram para fazer o que precisavam, deixando os pais sozinhos.

“Por que não avisou que ia pegar eles na escola?” Perguntou Carmen, vendo Thomas se atirar na direção do pai. “Você quer ir com o papai, amor?”

“Vem aqui, carinha.” Daniel apanhou o bebê da esposa, e ele logo começou a morder seu rosto, na sua forma de beijar. “Resolvi fazer uma surpresa para vocês, e pegar eles. O Eric disse que queria pizza, e eu passei pegar também.”

“Achei que você só ia sair do trabalho perto das 19h.” Comentou, um pouco chateada.

“É, eu ia, mas agora não mais. Eu... Eu deixei meu cargo de vice-presidente da empresa, voltei para o de diretor. Eu posso até não ganhar tanto em dinheiro, mas o que eu ganho da vida...” Ele se aproximou, acariciando o rosto dela.

“Isso é sério?”

“É, amor, é sim. Você estava certa... Depois que você perdeu o bebê, eu escrevi nas paredes, para não esquecer. Vocês vêm antes, sempre! Você e as crianças, sempre, sempre, vão estar em primeiro lugar na minha vida. Eu gosto da nossa casa, mas achei que vocês mereciam mais! Mas, se para vocês ela está boa, para mim também está. E se meu salário como diretor está sendo o bastante para nos mantermos bem, então está ótimo. Eu quero poder buscar nossos filhos na escola, todos os dias, estar aqui com vocês para o almoço e o jantar, ter ânimo para te ajudar a cuidar deles antes de dormir, e para te amar nos lençóis depois que eles estiverem na cama.”

“É, tem algum tempo que isso não acontece.” Carmen sorriu, segurando a mão dele. “Você está em paz com essa decisão, Daniel? Porque... Se você estiver sofrendo ou fazendo isso por imposição, vai ser o nosso fim.”

“Eu estou em paz, Carmen. Você sabe que eu sempre quis essa família, e quero viver ela o quanto eu puder. Quando os meninos crescerem e seguirem o caminho deles, eu posso pensar em me dedicar mais a carreira.”

“Te amo.” Ela o puxou pela nuca, dando um beijo.

“Você sabe que eu também te amo, minha linda. Obrigado por me puxar de volta quando eu voo para longe.” Daniel sorriu para ela, que retribuiu. “Outro dia a Cat disse que queria assistir Procurando Nemo. Vocês já assistiram?”

“Não, ela estava em semana de provas. Terminou ontem.”

“Então vamos assar aquela pizza hoje, e comer assistindo o filme que ela quer. Pode ser?”

“Acho que vai ser ótimo.”

~*~

“Por que nós estamos indo no hospital, mamãe?” Perguntou Pietro, segurando a mão da mãe, enquanto a irmã e Ella iam de mãos dadas com Paulo.

“Estamos vindo visitar uma pessoa, querido.”

“Quem?”

“A tia Margarida.” Explicou Alicia, atraindo a atenção da afilhada. “Seu irmãozinho nasceu, querida.”

“Como assim? E eu não fiquei sabendo?” Reclamou a menina, fazendo biquinho.

“Nós estávamos na praia, princesa, não dava tempo de voltar.” Lembrou Paulo, vendo que a afilhada estava chateada. “Você viu o tempo que demora para vir da praia até em casa.”

“É, eu sei. Mas eu queria ter visto ele nascer, tio.”

“Eu sei, meu amor, mas não importa que você não tenha visto ele nascer. Você gosta dele, e ele de você, do mesmo jeito.” Prometeu o Guerra, vendo Jorge no corredor. “Olha quem está ali.”

“Papai.” Ella soltou a mão do padrinho, correndo desesperada até o pai. Ele se abaixou, a pegando no colo. “Meu irmãozinho nasceu?”

“Nasceu, meu amor. Ele está aqui no quarto, junto com a mamãe.” Contou Jorge, todo babão.

“Eu tava longe.” Reclamou a menina, fazendo bico.

“Eu sei. Nós até ligamos para o tio Paulo, para vocês virem, mas não ia dar tempo. Então eu e a mamãe achamos melhor deixar você se divertindo na praia com os seus tios. Afinal, seu irmãozinho não vai para lugar nenhum.” O pai apertou seu nariz com carinho. “Quer ir ver eles?”

“Quero.”

“Então vamos para o elevador, eles estão no terceiro andar.”

Ele a colocou no chão, e ela chamou os amigos. Enquanto eles corriam chamar o elevador, Paulo e Alicia se aproximaram do amigo.

“Como ela está?”

“Com dor, obviamente. Mas é normal, considerando que além de terem tirado um bebê dela, tiraram também o útero.”

“E não tinha o que fazer, mesmo?” Perguntou Alicia, vendo-o negar.

“Eram miomas demais, Alicia. O médico não conseguiria nem suturar o útero após a cesárea. Nós percebemos que tinha algo errado durante o pós-parto da Ella, a Marga tinha muito mais dor do que vocês todas tiveram. Mas foi só quando começaram os ultrassons do Nicholas que nós realmente vimos que tinha algo bem errado.” Explicou Jorge. “Mas estamos bem, tranquilos, sabe? Nós pretendíamos um, tivemos dois, e estamos felizes. A recuperação agora vai ser chatinha, mas eu vou estar por perto para tudo o que eles precisarem.”

“Alguma hemorragia?” Paulo viu o elevador chegar e foram até ele.

“Sim, mas foi controlada. A Margarida dormiu por quase dois dias, ficou bem ruim. Aliás, obrigada por terem ido viajar com ela. Teria sido difícil disfarçar com ela aqui.”

“Relaxa, cara, foi um prazer. A gente se divertiu na praia, né?” Paulo perguntou para as crianças, que confirmaram.

“O Paulinho ficava tentando comer a areia, papai. E ficou apaixonado pelo baldinho vermelho, não deixava ninguém pegar ele.” Contou Ella, rindo. “E quando a gente molhou o pé dele, no mar, ele gritou que nem um louco.”

“Eu vi as fotos, princesa. Você já está bem treinada, né? Segurou o Paulinho no colo, vai segurar o Nicholas fácil.” Ele soltou, sem perceber.

“Vocês escolheram o nome dele?” Os olhinhos da menina brilharam.

“Escolhemos, filha. Nós chamamos ele pelos três nomes que tínhamos escolhido, mas ele não gostou de Felipe e Mateus. Ele tem cara mesmo é de Nicholas, você vai ver.” Jorge sorriu orgulhoso.

“Eu que tinha escolhido Mateus, e a mamãe quis Nicholas.” Ela explicou para os primos. “Acho que eu gosto desse nome.”

Chegando no andar, Jorge deu a mão para Ella, enquanto Paulo e Alicia faziam o mesmo com os filhos. Foram até a porta do quarto, que o loiro abriu devagar.

“Ele está mamando, filha, então temos que fazer silêncio.” Pediu o pai, vendo-a assentir.

“A gente vai pegar doce na máquina.” Paulo piscou para o amigo, saindo com a esposa e os filhos.

Os dois entraram no quarto devagar, encontrando Margarida na cama, segurando Nicholas no colo e falando com ele baixinho.

“Amor? Olha quem chegou.” Jorge chamou baixinho, vendo-a erguer os olhos e sorrir.

“Minha princesa.” Margarida suspirou, chamando a filha com a mão.

Ella foi devagarzinho, agarrada na mão do pai. Jorge a sentou na cama e ela abraçou a mãe com força, ouvindo um gemidinho.

“Te machuquei, mamãe?” Perguntou, cheia de preocupação.

“Não, meu amor, a mamãe só está com um pouquinho de dor. Mas é uma delícia receber um abraço desses, especialmente de você.” Margarida acariciou o rostinho dela. “Fala oi para o seu irmão, meu amor.”

“Oi, Nicholas.” Ella sorriu para o bebê, que ainda mamava compenetrado. “É, ele não tem cara de Mateus e nem Felipe.”

“Te disse.” Jorge riu, sentando ao lado da filha.

“E quando a gente vai levar ele para casa, mamãe?”

“Então, meu amor, vai demorar um pouquinho ainda.” Se desculpou Margarida.

“Por quê?”

“É assim, Ella: o bebê fica dentro da barriga da mamãe por nove meses, até estar pronto para nascer. O Nicholas estava com pressa, e nasceu antes, com sete meses só. Então, ele precisa ficar aqui no hospital um pouco mais, para os médicos verem que está tudo bem com ele.” Explicou Jorge, vendo-a confusa.

“E a mamãe também tem que ficar?”

“Tenho, meu amor, mas por outro motivo. Lembra que, quando o Thomas e o Paulinho nasceram, você perguntou se o bebê sempre saia pelo meio das pernas da mamãe?” Perguntou Margarida, vendo a filha assentir. “E nós explicamos que, algumas vezes, o médico precisa fazer um corte na barriga, para tirar o bebê?”

“Teve que cortar a sua barriga, mamãe?” Os olhos da menina se arregalaram.

“Teve, princesa, teve sim. E então, a mamãe precisa ficar mais um pouquinho aqui no hospital, descansando direitinho, para voltar para casa totalmente recuperada.” Prosseguiu a mulher. “Mas o papai vai trazer você aqui todos os dias, para ver eu e o Nicholas, está bem?”

“Desde que vocês fiquem bem, tudo bem.” Ella deitou a cabeça no ombro da mãe, acariciando o irmãozinho. “Você é muito lindo, sabia?”

“Ele parece com o papai, você viu?” Perguntou Margarida, vendo a filha concordar.

“Eu pareço com você, e o Nicholas com o papai.” A menina encarou o pai, que sorriu para ela. “Obrigada pro me darem um irmãozinho... Eu vou cuidar dele direitinho, tá?”

“Nós também vamos cuidar direitinho de vocês, Ella... Nós prometemos.” Margarida beijou o topo da cabeça dela, enquanto Jorge acariciava seu rostinho.

~*~

“Pietro? Tá fazendo o que acordado, filho?” Paulo entrou no quarto que os três filhos dividiam, coçando os olhos.

“Eu não consegui dormir, papai, fiquei pensando no Paulinho.” Explicou o garotinho de seis anos, encarando o irmãozinho adormecido. “Esse negócio aí, o autismo, não tem cura?”

Naquele dia, mais de um ano depois que o Dr. Angelo disse que Paulinho poderia ser autista, o diagnóstico foi confirmado. Segundo os terapeutas que o examinaram, o caso do menino pendia mais para Síndrome de Asperger, mas ainda era muito cedo para um diagnóstico elaborado, considerando o quão jovem a criança era.

“Não, filho, não tem.” O homem suspirou, sentando ao lado do garoto e o abraçando.

“Então ele nunca vai ser normal?”

“Depende do que a gente considerar normal, Pietro. Seu irmão provavelmente não vai conversar e agir como todas as outras crianças, mas isso não significa que ele vai ser uma pessoa anormal. Você já percebeu que, mesmo que fique irritado quando tocam nele, ele adora que você e a Alice o abracem?”

“Sim, ele gosta muito.”

“Então... Eu penso que Deus nos faz diferentes para ensinarmos coisas uns aos outros. O seu irmão é assim para nos ensinar sobre paciência e também sobre amor. Porque eu nunca vi uma criança que demonstre tanto amor pelos pais e os irmãos quanto ele demonstra por nós quatro. E, não vai ser fácil aprendermos a lidar com as limitações deles e conseguirmos criar paciência para lidar com o que o mundo lá fora vai falar e fazer com ele, mas nós vamos conseguir! Eu acredito nisso, e você?” O pai sorriu para o filho, que concordou com um sorriso no rosto.

“A gente vai proteger o Paulinho de tudo, não é, papai? Sempre?” Perguntou Pietro, o abraçando com força.

“Eu e a mamãe sempre vamos proteger vocês três de tudo, e vocês também vão proteger um ao outro. É isso o que fazem os irmãos.” Sussurrou Paulo, beijando a testa dele. “Agora vamos dormir? Já está tarde.”

Ele deitou o garoto na cama e o cobriu com o edredom, lhe dando um beijo na testa. Fez o mesmo com Alice, na parte de cima do beliche, e caminhou até a porta, se escorando ali e observando os filhos com um sorriso no rosto.

“Foi muito bonito o que você disse.” Alicia apareceu e o abraçou pelas costas, e ele segurou seu braço.

“Você está melhor?” Ele perguntou baixinho, preocupado.

“Vai demorar para eu me sentir melhor, você sabe. É frustrante saber que não podemos fazer nada pelo Paulinho. Eu sou a mãe dele e eu não posso fazer nada para ajudar. Mas o que você disse me fez sentir melhor.” Ela admitiu, deitando a cabeça no ombro dele. “Graças a Deus eu tenho você.”

“Eu sei que, mesmo que não tivesse, você conseguiria passar por isso com maestria. Você é a mãe mais sensacional que existe, Alicia, e eu e as crianças temos muita sorte de ter você.” Ele garantiu, se virando e a abraçando de frente. “Te amo, minha jaguatirica.”

“Te amo, seu macaco babão.” Ela riu, lhe dando um selinho e o abraçando com força, os dois ficando ali por mais algum tempo enquanto Pietro os observava em silêncio.

~*~

“Mili? Filha, hora de ir para a cama.” Marcelina abriu a porta do quarto da menina, a encontrando toda vestida de princesa. “Milena Guerra Ayala, o que você está fazendo com essa roupa?”

“Esperando meu príncipe encantado, mamãe.” Ela disse simplesmente, olhando pela janela.

“Duvido muito que ele vá aparecer aqui em casa às 21h.” A mulher riu, caminhando até a filha e se abaixando ao lado dela. “Além do que, a senhorita é muito pequena para pensar em príncipe encantado.”

“Não sou não, mamãe, já tenho seis anos.” Reclamou a menina, enquanto Marcelina a pegava no colo. “Você conheceu o papai com oito, não é?”

“Sim, mas eu e seu pai erámos amigos com essa idade. Só fomos nos tornar namorados muitos anos depois.” Explicou a mais velha, colocando a filha de pé na cama. “Agora vamos tirar esse vestido e colocar pijama, porque você tem aula amanhã.”

“E cadê o papai?”

“Colocando o Marcos na cama. Hoje é meu dia de te colocar para dormir, amanhã é ele.” A mulher tirou o vestido da filha. “Cadê o seu pijama, baixinha?”

“Eu não sou baixinha, mamãe.”

“Claro que não, minha princesa, você é apenas pequenina.” Marcelina riu, pegando a camisola que ela estendia e a vestindo com a mesma.

“Mamãe?”

“Sim?”

“O papai é seu príncipe encantado?”

“Você invocou com isso de príncipe encantado hoje, hein?” Riu a mãe, a cobrindo com o lençol.

“Ah, nas histórias de princesinha sempre tem um príncipe encantado, né?”

“Hum, e eu sou uma princesinha?”

“Não, você é uma rainha, mamãe! E o papai é o seu rei.” A criança sorriu, mostrando a janelinha no dente. “A princesinha sou eu, e preciso de um príncipe para ser meu rei no futuro.”

“Então na hora certa ele vai aparecer, meu amor.” Prometeu Marcelina, beijando a testa dela. “Boa noite, Mili.”

“Boa noite, mamãe.” A menina agarrou seu bichinho de pelúcia, enquanto a mais velha apagava e luz e começava a fechar a porta. “Mamãe?”

“Diga.”

“Você acha que o Eric seria um bom príncipe? Ele tem o nome de um.” Marcelina riu ao ouvir aquilo.

“Boa noite, Milena.” Disse fechando a porta, enquanto a menina fechava os olhos e caia no sono depressa.

~*~

“Eu só não consigo acreditar que eles já estão terminando o primeiro ano.” Disse Jorge, enquanto o grupo se sentava no pequeno auditório. “Digo, parece que eles nasceram outro dia!”

“Jorge, já nasceram mais quatro crianças depois deles, desapega.” Carmen riu do amigo, vendo Daniel sentar ao seu lado. “Tudo certo?”

“Sim, já deixamos os cinco nos bastidores.” O Zapata sorriu, enquanto Paulo ocupava seu lugar. “O Thomas?”

“Ele e o Marcos estão com meu pai e o Germano, andando por aí. Vou admitir que prefiro que eles cresçam rápido, nessa fase. É impossível controlar esse menino, pelo amor de Deus.” Suspirou a mulher.

“Nisso eu concordo com a Ca. O Marcos está uma matraca e parece que tem formiga na cadeira. Não sossega nem por decreto.” Suspirou Marcelina. “Nesse ponto você tem muita sorte, Ali.”

“Nem tanto, amiga. O Paulinho também é inquieto e bagunceiro.” Explicou a mulher, segurando o filho no colo. “No caso do Asperger, não afeta tanto o desenvolvimento da criança, é mais a questão de interação social e coordenação motora mesmo.”

“Desculpa se a gente dá bola fora, Ali. É que ainda é difícil entendermos tudo.” Disse Mário, sem graça.

“Nós também estamos aprendendo, gente, fiquem tranquilos. Todos crescemos ouvindo e acreditando em coisas, que agora não são mais bem assim. Hoje, já sabe que o autismo é bem mais amplo e complexo do que se acreditava décadas atrás, e até do que quando erámos crianças. É tudo uma questão de irmos aprendendo a lidar com o que for acontecendo.” Paulo sorriu para os amigos e depois para a esposa, que sorriu de volta.

“Cheguei, gente.” Margarida apareceu com Nicholas adormecido. “Ele tem uns horários para mamar, que só por Deus.”

“Coisas de quase um ano, amiga.” Riu Carmen. “O Thomas era imprevisível também, dava um cinco-minutos nele e quem segurava o menino?”

“Sabe o que eu percebi outro dia? Nós fizemos eles em filinha.” Comentou Mário, atraindo a atenção dos amigos. “O Pietro e a Alice são em julho, o Marcos em agosto, a Mili e o Eric em setembro, o Thomas em outubro, a Ella em novembro, a Catarina em dezembro, o Nicholas em janeiro e o Paulinho em fevereiro. É festa em todos os meses.”

“Caraca, é mesmo.” Paulo caiu na risada. “E ficou o oposto, né? Porque nós pegamos praticamente o primeiro semestre inteiro, e eles o segundo.”

“Realmente, o Paulo é no começo de janeiro, eu sou em fevereiro, a Marcelina em março, a Margarida em abril, o Mário em maio, o Daniel em junho, o Jorge em julho e a Alicia em agosto.” Enumerou Carmen.

“Quisemos ter motivo para comer bolo em todos os meses.” Suspirou Jorge, fazendo os amigos rirem. “Aliás, Dan, Carmen... Cadê minha afilhada?”

“Sua afilhada está impossível, Jorge. Dez anos nas costas e querendo ser rebelde como se tivesse quinze.” O Zapata revirou os olhos. “Tem uma amiguinha da idade dela aqui, disse que ia sentar com a menina, sozinha.”

“Segundo ela, já tem idade o bastante para isso. Mas não pode nem assistir O Prisioneiro de Azkaban sem dormir com a luz acesa por um mês.” Carmen acabou rindo.

“Olha, as luzes estão piscando. Acho que vai começar.” Avisou Alicia, enquanto eles se sentavam.

“Afinal, que peça eles vão interpretar?” Perguntou Mário, encarando o folheto cheio de números descritos.

“Romeu e Julieta.” Quem respondeu foi a esposa, segurando o riso.

“Jura? Eu gosto, acho um romance muito lindo.” O veterinário sorriu. “E a Mili pegou algum papel bom?”

“Amor, ela vai ser a Julieta.” Os olhos do homem de arregalaram ao ouvir aquilo. “E o Eric vai ser o Romeu.”

“Como é que é?” Guinchou o pai da menina, enquanto os amigos riam baixinho. “Não pode isso, eles são amigos.”

“Tem gente que é muito cego mesmo, pelo amor de Deus.” Paulo revirou os olhos, encarando o folheto. “Alicia, como assim nossa filha vai dançar A Bela e a Fera com o Jaiminho?”

“Mas é muito ciumento.” Jorge riu baixinho, olhando ele mesmo o folheto. “Margarida, você disse que a Ella ia fazer uma participação... Só não me disse que era A Branca de Neve com o Pietro.”

“E é por essas reações que nós não contamos nada para vocês.” Garantiu a Cavalieri, piscando para as amigas. “Agora fiquem quietos... A apresentação vai começar.”

~*~

Foi com alegria e surpresa que, alguns anos depois, se viram em um cenário bastante familiar. Helena Fernandes ainda lecionava no terceiro ano da Escola Mundial, e assumia os cuidados com Alice, Pietro, Ella, Eric, Mili e Jaime.

A professora, não tão mais jovem, se preocupou um pouco em lecionar novamente para um Guerra, mas se surpreendeu com o bom aluno que Pietro era. Um dia comentou isso com Alicia, durante uma reunião de pais, e a Guerra riu.

“Nós também tivemos medo que o Pietro fosse tão terrível quanto o Paulo foi, e nos deixasse de cabelo em pé. Mas nós sempre falamos muito com ele, e dissemos que para fora da escola, ele podia brincar e aprontar o quanto quisesse, afinal, ele é uma criança. Mas que dentro da escola, e principalmente da sala de aula, ele deveria respeitar a professora e os colegas, e estudar bastante. Ele e a Alice, na verdade. Afinal, os dois têm o sangue Guerra nas veias, e isso quer dizer alguma coisa.” Explicou a mãe dos gêmeos, na ocasião.

E realmente, os irmãos Guerra nunca lhe deram trabalho. Ficou surpresa também com Jaime, que era bastante esforçado. Ele dizia que era para orgulhar os avós, que o criavam após a morte dos pais e mereciam ter muita alegria. Mili parecia uma cópia da mãe, bastante calada, mas talentosa para redações como o pai havia sido.

Sua maior surpresa eram, na verdade, Ella e Eric. Nunca teve problemas na questão bagunça com Jorge, Margarida, Daniel ou Carmen, o que não se aplicava aos filhos dos mesmos. Tinha dado aula para Catarina, quatro anos antes, e já tinha visto que o gênio da Zapata não era fácil. E agora constatava o mesmo com seu irmão.

Apesar de tão inteligente quanto o pai e a mãe foram, do tipo que tira 10 em tudo, entrega todos os trabalhos e sabe toda a matéria, Eric era bagunceiro e conversador, vivia se metendo em confusões e com isso atrapalhava os outros amigos, que tinham mais dificuldade que ele.

Já Ella era uma mistura do que Alicia e Valéria tinham sido nessa idade. Era briguenta e respondona, cheia de humor ácido e respostas ferinas para os colegas. Era uma boa aluna, tirava boas notas e entregava os trabalhos, mas não era difícil levar um bilhete na agenda, após arrumar briga com alguma colega, quase sempre uma menina chamada Larissa, que lembrava muito Maria Joaquina.

Os Zapata e os Cavalieri viviam de cabelo em pé, mas os amigos os tranquilizavam.

“Nós dois erámos piores nessa idade, e nos saímos bem. Desde que eles não coloquem fogo na escola, vai dar tudo certo.” Paulo disse para os amigos, certa vez.

E eles se esforçavam para acreditar nisso.

~*~

“Baile de pais e filhas?” Jorge leu o recado que havia chego da escola, enquanto os demais abriam as caixas de pizza. “Que ideia é essa?”

“Ah, é algo bem comum nos Estados Unidos.” Comentou Carmen. “É bem, legal, na verdade. Como lá eles têm muitos bailes na escola, quando as meninas chegam mais ou menos nessa idade, é feito esse baile, para que o pai a leve ao seu primeiro encontro.”

“Eu fiz isso com a Cat, alguns anos atrás. Foi bem legal, na verdade. Para o pai, pelo menos, é emocionante.” Daniel deu de ombros, encarando a filha. “Você gostou de ir no baile comigo, princesa?”

“Gostei, papai. Mas você dança mal.” Reclamou a menina, fazendo os amigos rirem.

“Deus e meus pés sabem disso.” Confessou Carmen, fazendo o marido se indignar. “Amor, você é inteligente, mas ninguém nunca disse que era um bom dançarino.”

“Até que eu gostei dessa ideia. Eu lembro de quando nós dançamos no acampadentro, e foi um desastre.” Paulo riu com a lembrança. “A Alicia só faltava me bater.”

“Age como se fosse um santo.” A esposa revirou os olhos.

“É, vai ser legal levar a Ella ao primeiro encontro dela.” Concordou Jorge.

“Melhor a gente do que esses moleques abusados.” Mário sorriu para a filha, que sorriu para ele.

“Você ainda não superou o fato de o Eric ter dado um selinho nela, não é?” Marcelina suspirou.

“Estou me sentindo corno até agora, de saber que todo mundo sempre achou que eles iam ser mais do que amigos.” Se ofendeu o Ayala, enquanto os amigos caiam na risada novamente.

~*~

“Paulo, se aquieta, pelo amor de Deus.” Alicia ralhou com o marido, arrumando a gravata dele. “Nem no nosso casamento você estava tão pilhado.”

“É diferente, morena. É a nossa filha, eu tenho que dar um bom exemplo.” Ele estava tenso. “Cadê as flores?”

“Na cozinha. Agora eu vou terminar de arrumar ela, se controle.”

A Gusman saiu do quarto, indo para o das crianças. Paulo desceu as escadas e foi para a cozinha, pegando o buquê e saindo pelos fundos, dando a volta na casa e parando na porta da frente. Suspirou, apertando a campainha.

Quando a porta se abriu, sorriu como um bobo. Alice usava um vestido lilás, sua cor favorita, com a saia toda rodada. A mãe havia feito um rabo de cavalo caprichado, do jeito que a menina gostava, e colocado uma fivela em formato de laço.

“Uau.” Elogiou, se ajoelhando e pegando a mão da filha, depositando um beijo. “Está linda, Alice.”

“Obrigada, papai.” Ela corou um pouco.

“Para você.” Entregou o buquê de flores, vendo a filha rir.

“Olhem aqui, vocês dois.” Alicia apareceu com a câmera, fotografando os dois. “Nada de voltar tarde do baile, hein?”

“Pode deixar, patroa.” Paulo piscou para a esposa, enquanto Alice dava as flores para ela. “Vamos? Temos reserva para o jantar.”

“Nós vamos jantar? Aonde?”

“No seu lugar favorito.” Explicou Paulo, saindo de mãos dadas com ela.

“Eba, McDonald’s!”

~*~

Jorge batia o pé no chão, impaciente. Ouvia as risadas de Ella e Margarida no quarto, o que o deixava ainda mais inquieto. Encarou Nicholas ao seu lado, vendo o filho comer a mão, distraído.

“Faz tempo que eu não saio para um encontro, sabe? Acho que perdi a manha.” Disse para o garotinho, que o encarou curioso. “É muita pressão.”

“Quero desenho.” Nicholas disse, a coisa que mais pedia no auge de seus dois anos e meio.

“Você sempre quer desenho. Saudade de quando sua irmã era assim também.” Jorge pegou o controle, ligando a TV e colocando no canal de desenhos, perdendo de vez a atenção de Nicholas.

“Pare de se lamentar, parece um velho rabugento.” Riu Margarida, entrando na sala e lhe dando um selinho. “Filha? Pode vir.”

Jorge se levantou, ansioso, e viu Ella surgindo no corredor. Usava um vestido azul marinho, que realçava a cor de seus olhos, e os cabelos negros caindo em ondas, segurados apenas por uma tiara de strass. Nos pés, fazendo o pai rir, All Star.

“Se inspirou na Alicia?” Perguntou para a esposa, que riu baixinho.

“Bateu o pé que não queria pôr sapatilha e nem sandália, mas sim os tênis. Se ela se sente bem assim, quem sou eu para discordar?” A mulher sorriu, observando o marido caminhar até a filha.

“To bonita, papai?”

“Está linda, meu amor.”

“Mesmo de tênis?”

“Você está feliz de tênis?”

“Sim, me sinto muito bem.”

“Então é o que importa.” Jorge segurou as duas mãozinhas dela, dando um beijo. “Tenho algo para você.”

“O que é?” Perguntou a pequena curiosa.

“Isso.” Ele tirou um colar de coração do bolso, abrindo o pingente em dois. “Você sempre quis um desses, não é?”

“Sim. Tem meu nome gravado.” Ela observou, sorrindo. “E as fotos?”

“A mamãe me ajudou a escolher suas duas favoritas. Tem uma de nós quatro, no seu aniversário, e uma sua com o Pietro, a Mili, o Eric e a Alice.”

“É perfeito, papai! Eu amei.” Ella o abraçou, sorrindo de orelha a orelha. “Coloca em mim?”

“Coloco, filha.” Ela virou para o pai, puxando o cabelo e deixando que ele encaixasse o colar em seu pescoço. Virou de frente, vendo-o sorrir. “Uma princesa... De tênis e tudo!”

“Olhem aqui, para eu tirar uma foto.” Chamou Margarida, vendo os dois se abraçarem. “Pronto.”

“Bom, então vamos. Combinei de encontrar algumas amigas suas, para comermos antes do baile.”

“A Alice e a Mili vão encontrar a gente no McDonald’s?” Ella sorriu animada.

“Isso é o que eu chamo de primeiro encontro refinado.” Margarida riu, beijando o rosto da filha e dando um selinho no marido. “Divirtam-se, meus amores. E sem voltar para casa depois da meia-noite.”

~*~

“Papai, você está demorando mais do que eu para ficar pronto.” Mili estava na sala, indignada.

“Eu fiquei quase uma hora no carro, esperando seu pai, no dia do nosso casamento.” Lembrou Marcelina, dando o jantar para Marcos. “Hey, sem jogar comida longe, mocinho.”

“Desculpa, mamãe.” O menino de quatro anos sorriu para ela, tentando parecer angelical.

“Estou pronto.” Mário veio do quarto, ajeitando a gravata. Encarou a filha, que sorria para ele. “Você está uma princesa, amendoim.”

“Você também está um gato, papai.”

“Hey, eu vou ficar com ciúme.” Marcelina fez um biquinho, enquanto os dois riam.

Mili usava um vestido branco, de saia armada, um laço branco na cabeça e sapatilhas da mesma cor. Poderia ser confundida com a daminha de um casamento, mas o visual combinava perfeitamente com a menina e sua meiguice.

“Tenho algo para te entregar... Apolo, traz aqui.” Mário chamou o cachorro, que saiu do quarto com uma caixinha presa nas costas. “Está aí o motivo da minha demora.”

“O que é isso?” Perguntou Mili, pegando a caixinha das costas do animal.

“Um arranjo de pulso, filha. Nos Estados Unidos, os rapazes dão para suas acompanhantes, antes dos bailes.” Explicou o pai, colocando a flor no pulso da filha. “Agora sim... Pronta para o baile.”

“Espera, deixa eu tirar uma foto.” Marcelina foi até o móvel e pegou o telefone, tirando uma foto do marido e da filha. “Pronto, ficou linda.”

“Não nos esperem acordados, tá?” Mandou Mili, puxando o pai para fora do apartamento.

“Mas está muito abusada essa menina.” Observou a mãe, encarando o filho. “Marcos, tira essa almondega de dentro da cueca, menino.”

~*~

O pátio do colégio estava totalmente decorado, enquanto as alunas das classes do terceiro ano se espalhavam com seus pais. Duas turmas da manhã e uma da tarde, totalizando 35 meninas vestidas em roupas de festa, acompanhadas por seus pais.

“Quantos anos vocês tinham no primeiro baile de vocês?” Perguntou Alice, bebendo um copo de suco.

“Hã, eu e o Mário tínhamos a idade de vocês, estávamos no terceiro ano.” Lembrou Paulo. “Foi em um acampamento da escola, nós viemos dormir aqui e teve um bailinho. Sua mãe me tirou para dançar; me obrigou, praticamente.”

“E você gostou?”

“Na época, odiei. Mas hoje... Queria ter sido eu a tirar ela para dançar.” Suspirou o Guerra.

“Você dançou com a mamãe, papai?” Perguntou Mili.

“Não, princesa. Eu dancei com a tia Carmen, e a mamãe dançou com o Jaime, nosso amigo.” Contou Mário.

“E você, papai?” Ella perguntou para Jorge.

“Não, querida, eu ainda não estudava com eles, e nem a sua mãe. Mas meu primeiro baile foi muito antes, quando eu tinha quatro anos, de um embaixador.” Explicou o loiro.

“Seu pai sempre foi chique e fresco, Ella.” Paulo zombou o amigo, que revirou os olhos.

“Olha, a professora Helena vai falar.” Alice indicou o pequeno palco, onde a professora se encontrava com o microfone.

“Boa noite! Bem-vindas alunas, e seus acompanhantes: pais, tios, avós... Essa é uma noite mágica. Aproveitem.” Pediu a mulher, indicando que o DJ colocasse a primeira música.

“Nossa, essa é de antes de eu nascer.” Comentou Mário, surpreso ao ouvir I’ll Stand By You.

“Clichê, mas perfeita.” Paulo encarou a filha, que sorria. Se abaixou em um joelho, estendendo a mão para ela. “Dança comigo, princesa?”

“Danço, papai.”

Paulo se levantou, a ajudando a subir em cima de seus pés e abraçar sua cintura. Ele a abraçou pelos ombros, sorrindo e começando a se balançar de um lado para o outro, um encarando o outro fixamente.

“Milena... Me concede o prazer dessa dança, amendoim?” Mário sorriu para a filha, que sorriu de volta. Imitou a prima e subiu nos pés do pai, que a abraçou com um sorriso. “Minha pequenininha.”

“Só sua, papai.”

“Para sempre?”

“Sempre e sempre.” A menina deitou a cabeça na barriga dele, que suspirou tentando não chorar.

“Papai?” Ella chamou Jorge. “Você fica triste se eu não subir no seu pé? Eu sou muito alta para isso.”

“Essa noite é sua, moranguinho... Faremos as coisas como você quiser.” Prometeu o Cavalieri, estendendo a mão para a filha. “Mas eu vou ficar muito feliz se você dançar comigo.”

“Isso você não precisa nem pedir.” Ella o abraçou pela cintura.

Jorge sorriu e a ergueu do chão. A menina riu, o abraçando pelo pescoço e sentindo ele rodar com ela pelo baile.

“Eu te amo, papai.” As três meninas disseram baixinho, sentindo os pais as abraçarem com mais força.

Realmente, aquele era um momento único e especial.

~*~

“Como você está se sentindo, Eric?” Carmen perguntou, sentada na beira da cama do filho.

“Dói tudo, mamãe, dói meu corpo inteiro.” Chorou o menino, enrolado nas cobertas.

“A febre está muito alta.” Ela estava preocupada. “Vou ligar para o seu pai.”

“Amor, o trânsito está uma catástrofe.” Avisou o Zapata, a voz distante no telefone.

“Daniel, o Eric está ardendo em febre. Não tem como eu pedir para um menino de nove anos ter paciência nessa situação. Eu vou pegar o carro e ir para o hospital.” Ela avisou, nervosa.

“Carmen, está chovendo uma torrente, o trânsito está uma loucura, é noite. Você odeia dirigir com chuva e de noite.” Ele apelou para a razão. “Além do que, tem a Catarina e o Thomas, você não tem com quem deixar eles.”

Ele conseguiu acalmá-la, por fim, prometendo chegar em vinte minutos. Porém o tempo se passou, ele não chegou, e Carmen começou a se preocupar. Eric ficava mais quente e trêmulo, e a mãe estava desesperada.

“Chega, nós vamos para o hospital. O pai de vocês nos encontra no caminho.” Avisou Carmen, enrolando o filho no cobertor. “Vem, meu amor, vamos para o hospital.”

“Mãe, o Thomas está dormindo.” Lembrou Catarina, amparando o irmão do meio.

“Eu vou pegar ele. Me esperem aqui.” A mulher correu até o quarto que dividia com o marido, onde o filho mais novo estava dormindo na cama. “Thomas, querido... Vem com a mamãe.”

“Quero fazer xixi, mamãe.” Resmungou o menino, sonolento.

“Tudo bem, querido, vem.” Ela o ajudou a ir até o banheiro. “Catarina, fica de olho no seu irmão, por favor.”

O que era um xixi, se transformou em número dois. Apesar de inquieta, Carmen permitiu que o caçula usasse o banheiro com tranquilidade, ouvindo Catarina e Eric conversando na sala.

“Aonde nós vamos, mamãe?” Thomas perguntou, no colo de Carmen.

“Levar seu irmão para o hospital, Thomas, ele não está bem.” Ela entrou na sala, vendo os filhos mais velhos. “Cat, leva o Thomas, por favor. Eu ajudo o Eric.”

“Mãe, tá chovendo muito.” A menina observou o lado de fora, nervosa. “Não é melhor esperarmos diminuir um pouco?”

“E o que eu faço com o seu irmão enquanto isso, Catarina? Ele está ardendo em febre.” Carmen perdeu a paciência.

“Cheguei.” Daniel entrou no apartamento, pingando água e sangue.

“Pai, o que aconteceu?” Se assustou Catarina, enquanto Carmen colocava Thomas no sofá e corria até o marido.

“Acidente... Uma pedra voou no vidro do carro e estourou ele, e eu me machuquei. Mas não parei nessa tempestade, seria pior.” Ele foi até o sofá, e Carmen analisou sua testa. “Eu entrei em desespero... Era um carro igual o seu, amor, e no lugar que você teria que passar para ir ao hospital.”

“O que aconteceu?” Ela perguntou, tensa.

“O carro de trás não conseguiu frear e bateu nele, e a moça perdeu o controle e acabou batendo de lado em uma carreta. Tinha uma moça no banco de trás, voou pelo vidro da frente. Acho difícil a motorista ter sobrevivido a batida.” Ele contou, começando a chorar. “Eu parei por tempo o bastante para ter certeza que não era o seu carro, e depois vim embora. Tinha que ter certeza          que vocês estavam bem.”

“Amor, o corte na sua testa está fundo.” Ela se preocupou. “Mas, do jeito que você está descrevendo, é loucura sairmos daqui agora, especialmente com as crianças. Eu quase saí quinze minutos atrás, mas o Thomas precisou usar o banheiro. Podia, realmente, ter sido a gente ali.”

“E a febre do Eric?” Se preocupou o Zapata.

“Vamos ligar para o Miguel e ver o que ele diz. Mas vamos evitar ao máximo sair daqui.” Decidiu Carmen, tensa. “Catarina, ajuda seu irmão a se acomodar no sofá... Thomas, fecha a porta para a mamãe, meu bem, por favor. E você, espere aqui, Dan... Vou pegar algo para limpar seu machucado.”

“Carmen, espera.” Ele a segurou pelo pulso, se levantando e abraçando com força. “Eu só preciso ter você aqui, por um minuto, para ter certeza que está tudo bem. Por um minuto, eu senti como era poder te perder, e foi a pior coisa do mundo.”

“Você não vai me perder, amor, nunca.” Ela prometeu, o abraçando com força. “Eu não vou a lugar nenhum.”

~*~

É um eufemismo dizer que o tempo voa, mas acaba se tornando verdade antes que se perceba. De uma hora para a outra, aqueles bebezinhos de pernas roliças se tornaram jovens esbeltos, com personalidades fortes e opiniões próprias.

E aqueles que outrora foram jovens sonhadores se tornaram adultos, pais de família, casais maduros, pessoas realizadas.

Carmen voltou a trabalhar quando Thomas fez sete anos. A professora Helena assumiu a diretoria da Escola Mundial, e abriu uma vaga de professora, que sua ex-aluna assumiu com prazer e maestria. Daniel manteve sua promessa e só aceitaria um cargo mais elevado na empresa do pai quando o mesmo morresse ou o filho caçula estivesse na faculdade.

Os casais Cavalieri e Guerra continuaram atendendo em conjunto. Alicia se especializou em causas trabalhistas, enquanto Jorge preferiu se focar em trabalhar com mulheres vítimas de maus tratos e agressões domésticas, após o que aconteceu com Margarida e Celso. Ela mesma se especializou em tratar essas mulheres, enquanto Paulo se focou em atender sobreviventes de doenças sérias ou pessoas que perderam entes queridos para as mesmas.

Mário e Marcelina agora geriam uma grande clínica veterinária, com atendimento 24hrs e mais de 20 veterinários contratados. Enquanto a mulher cuidava da administração do local, o veterinário se dedicava integralmente ao atendimento dos animais, o que sempre foi sua paixão. Logo após Mili fazer 13 anos, compraram uma casa perto de Paulo e Alicia, e a primeira coisa que fizeram foi adotar mais três cachorros. Apolo havia falecido algum tempo antes, e logo depois Marcos adotou Bruce. Agora, tinham também Artemis, Biba e Lili, todos vira-latas.

Catarina estava quase se formando na faculdade de Letras, ansiando por se tornar professora de inglês. Tinha 20 anos e meio, e há pouco tinha engatado um namoro sério com um rapaz que estudava História no mesmo bloco que ela, chamado Caio.

Marcos tinha 13 anos e estava no oitavo ano, assim como Thomas. Os dois eram melhores amigos, praticamente inseparáveis, e as cópias fiéis de seus pais. Enquanto o Zapata era o certinho estudioso, o Ayala preferia aprontar com os colegas de sala. Quase sempre isso o levava para a diretoria, e o melhor amigo acabava indo junto.

Paulinho seguia batalhando e progredindo. O diagnóstico do Asperger acabou sendo correto, como pôde ser visto quando ele tinha seis anos, e isso foi um alívio. Apesar das dificuldades de interação social e interesses obsessivos, o garoto não apresentava atrasos de desenvolvimento e o tratamento com a fonoaudióloga, iniciado quando ele era pequeno, mostrava bons resultados. Tinha 12 anos e um talento excepcional para música, especialmente violão e piano, o que era muito incentivado por seus pais e seus irmãos.

Nicholas acabou sendo o caçulinha mimado do grupo. Tinha 11 anos, era doce, gentil e carinhoso, mas também podia ser bem birrento quando era contrariado, especialmente pela irmã mais velha. Jorge e Margarida quase perdiam os cabelos com os arranca-rabos dos filhos, mas também se maravilham com a cumplicidade e companheirismo dos dois, principalmente com a proteção que a mais velha tinha pelo caçula.

E, por fim, tinha Pietro, Alice, Eric, Mili e Ella... E Jaime. O jovem herdeiro dos Palilo se tornou parte daquele grupo como se tivesse nascido com eles. Ele, o Guerra e o Zapata eram um trio inseparável, assim como a Guerra, a Ayala e a Cavalieri. Mas, claro, nem tudo eram flores.

Ella continuou transitando em suas reviravoltas. Com doze anos, cortou e pintou os cabelos de rosa, escondida dos pais. Depois, começou a usar apenas roupas pretas. Em determinado ponto, começou a usar roupas floridas e pintou o cabelo de loiro. Atualmente, com quase 17 anos, usava um estilo mais casual, básico, e tinha deixado o cabelo voltar a cor natural, apesar de ainda pender os acessórios para um visual mais rock.

A relação que todos esperavam, desde sempre, entre ela e Pietro, se concretizou na festa de quinze anos da menina. Ela escolheu o melhor amigo como seu príncipe para a valsa, e logo após ele lhe entregar o colar que escolheu de presente, a menina lhe tascou um beijo no meio de todos, causando gritos, aplausos e ovações, e uma possível úlcera em Jorge. Assumiram o namoro menos de seis meses depois, e seguiam felizes e apaixonados, apesar de constantemente se alfinetarem e terem briguinhas bobas.

Já Eric e Mili demoraram um pouco mais para concretizar o que Carmen e Marcelina já previam desde que estavam grávidas. O garoto bagunceiro era na verdade bastante tímido, e juntando com a menina meiga, delicada e calada, as coisas nunca andaram para valer. Deram seu primeiro beijo em uma brincadeira de verdade ou desafio, com 13 anos, mas foi preciso de uma intervenção dos amigos, no aniversário de 16 dos dois, para que realmente se declarassem. Mário, é claro, quase subiu pelas paredes, mas já estava aprendendo a se conformar com essa ideia há algum tempo.

E, por fim, tinha Alice e Jaime. Os dois, que se davam bem e insinuavam que poderiam ser algo a mais no futuro, se tornaram “arqui-inimigos”. Simplesmente, de uma hora para a outra, começaram a trocar farpas e não conseguir ficar no mesmo ambiente. A história, é claro, era um perfeito clichê, e mesmo com o pai da menina negando que isso fosse acontecer, quando todo aquele “ódio” explodiu e se transformou em amor, organizaram um jantar comemorativo.

Agora, os seis grandes amigos eram três grandes casais. Se ajudavam e se equilibravam, ajudando os que tinham mais dificuldade nos estudos, controlando os mais bagunceiros. Estavam sempre juntos e, agora, formavam um grupo tão unido quantos seus pais e os amigos foram, mas com seus próprios amigos.

E com isso, 25 anos da formatura de Paulo, Alicia, Mário, Marcelina, Jorge, Margarida, Daniel e Carmen se passaram, e chegou o ano da formatura de Alice, Jaime, Pietro, Ella, Eric e Mili. Mais especificamente, o dia 17 de julho de 2045.

~*~

Paulo e Alicia estavam na porta do quarto dos filhos, o homem com um bolo na mão. No chão, correndo entre os pés deles, Otto, o cachorro de cinco anos que os gêmeos tinham pedido em seu décimo segundo aniversário.

“Devagar, morena, pra não assustarmos o Paulinho.” Lembrou o Guerra, vendo a esposa revirar os olhos.

“Eu sei cuidar dos meus filhos, Paulo, sossegue.”

Empurrou a porta com cuidado, os dois entrando em silêncio. Os gêmeos ainda dividiam um beliche, enquanto Paulinho dormia em uma cama só sua, ao lado de sua mesa de quebra-cabeças.

Alicia foi até o caçula, o despertando devagar. Ele acordou sobressaltado, mas logo a mãe o acalmou. Explicou o que fariam e ele se animou, levantando e indo até o pai, os três parados ao lado do beliche.

“Parabéns para você, nessa data querida...” Começaram a cantar, vendo os rostos adormecidos começarem a se transformar em sorridentes.

Pietro e Alice abriram os olhos devagar, encarando os pais e o irmão à frente. A menina escorregou de sua cama para a de baixo, caindo em cima do irmão gêmeo e o abraçando, os dois rindo.

“Agora assoprem a velinha e façam um pedido.” Mandou Alicia, acendendo a dita vela.

Os dois assopraram juntos e abraçados, sorrindo felizes. Paulo pulou para o lado logo depois, deixando que Paulinho abraçasse os irmãos.

“Viva, viva, viva!” Uma das características marcantes do caso de Paulinho era a dificuldade de verbalizar o que queria. Apesar de saber que o corretor seria desejar parabéns, ele não conseguia colocar a palavra e usava algo que tivesse o mesmo significado.

“Obrigada, baixinho.” Alice segurou o caçula apertado.

“É, valeu, amigão.” Pietro bagunçou o cabelo do irmão.

“Nós não cabemos no buraco do beliche, vocês vão precisar sair.” Lembrou Alicia, vendo os filhos rirem. Paulinho correu para sua cama, enquanto os gêmeos levantavam e faziam seu ritual anual. Pietro foi direto para a mãe, que o abraçou com força, sentindo o peito ser invadido pelo mesmo calor de 17 anos antes, quando a médica o colocou em seus braços. “Parabéns, meu amor.”

“Obrigado, mãe.” Disse baixinho, a apertando com mais força.

“Vem aqui, princesa.” Paulo abraçou Alice, alguns centímetros mais baixa do que ele. “Feliz aniversário, minha anjinha.”

“Obrigada, papai.” Ela se aconchegou no abraço dele, sorrindo.

“Muda, muda, muda!” Paulinho gritou de sua cama, animado.

“Troca.” Os gêmeos disseram juntos, rindo.

“Vem aqui, clone.” Alicia abraçou a filha, as duas rindo. “Parabéns, minha marrentinha.”

“Obrigada, mãerrentona.” Ela usou o apelido de brincadeira, fazendo a mãe rir.

“Feliz aniversário, parceirinho.” Paulo disse, mesmo que o filho já estivesse da sua altura.

“Valeu, parceirão.” Pietro o abraçou com força.

“Que vocês dois sejam muito felizes nessa nova etapa da vida de vocês. Afinal, falta só um passo para a maioridade, hã?” O Guerra sorriu para os dois, que celebraram. “Agora que tal comermos esse bolo? Logo os convidados da festa de vocês vão começar a chegar, e esse é só nosso.”

“Paulo.” Alicia ralhou com o marido, enquanto os filhos riam.

~*~

“Mas por que eu não posso namorar?” Perguntava Marcos pela vigésima vez, fazendo os pais revirarem os olhos.

“Ah, ele também está com isso?” Encontraram com os Zapata na entrada da casa dos Guerra. “O Thomas chegou com essa da escola também.”

“Vocês só têm 13 anos, pelo amor de Deus. Não tem nem pelo no saco e já querem namorar.” Eric zombou os dois, enquanto abraçava a namorada. “Oi, coisa linda.”

“Oi, amor.”

“Hey, mais distância aí, por favor. Estão perto demais.” Mário ralhou, recebendo um beliscão da esposa. “Você pode proibir o Marcos de namorar, mas eu não posso bronquear o namorado da Mili por ficar agarrando ela em público?”

“Eu já sou grande para tomar minhas próprias decisões.” Marcos rebateu, emburrado.

“Altura não quer dizer nada nessa família, lamento te informar.” A sra. Ayala decretou, nervosa. “Você só vai namorar quando for mais velho, e acabou.”

“O mesmo para você, Thomas.” Carmen saiu junto com a amiga, seguidas por Eric e Mili.

Daniel e Mário encararam os filhos, emburrados, antes de suspirar.

“Como é o nome delas?” Perguntou o Zapata.

“A minha chama Emille, e a do Marcos chama Ana Clara.” Contou Thomas, envergonhado.

“Bom, se não passar de beijinhos, nós damos cobertura com as mães de vocês.” Prometeu Mário, vendo os dois sorrirem.

“Valeu, pai.” Os meninos abraçaram os mais velhos, que riram. “E não sei porque esse drama. Até parece que um namorico aos 13 anos vai dar em alguma coisa.”

“Você quer contar agora que começou a namorar a Carmen com essa idade?” Mário sussurrou para o amigo, vendo os meninos saírem.

“Não... Deixa eles morderem a língua mais para frente.” Sugeriu Daniel, enquanto os seguiam.

~*~

Alice foi abrir a porta, após ter ouvido a campainha, e se assustou com a imensidão de rosas que viu.

“O que é isso?” Guinchou.

“Ah, oi, meu amor.” Jaime surgiu pelo meio das flores, sorrindo. “Feliz aniversário, princesa.”

“Você trouxe o roseiral inteiro?” Ela riu, pegando o buquê e recebendo um selinho.

“Quase. Meu avô deixou o fígado na floricultura, mas disse que você merecia.” O Palilo sorriu, segurando a mão dela e indo para os fundos, onde acontecia a festa.

“E cadê ele? E a sua avó?”

“Passaram em casa pegar seu presente, que eles esqueceram. Devem chegar logo.” Explicou ele, enquanto chegavam à festa.

“Caraca, isso é uma roseira inteira?” Se espantou Paulo, vendo o buquê da filha. “O que é que você aprontou, moleque?”

“N-nada, seu Paulo. Por quê?” Perguntou Jaime, tenso. Tinha um medo racional do sogro, considerando o quão ciumento ele era com a filha única.

“Nada, só enchendo o saco.” O Guerra riu, lhes dando as costas e indo para a churrasqueira.

“Até parece que vocês não conhecem o Paulo.” Alicia se aproximou, pegando as flores. “Vou colocar em um vaso, querida.”

“Por favor, mãe.” A menina sorriu, saindo com o namorado na direção dos amigos. “Pietro, cadê a Ella?”

“Segundo a última mensagem possessa dela, o Nicholas invocou de ir no banheiro enquanto eles saiam de casa.” Ele olhou o celular.

“Agradeça, cara. Foi uma caganeira do Thomas que nos salvou de um acidente, anos atrás.” Lembrou Eric, com Mili sentada entre suas pernas.

“Olha a posição que você está com a minha prima, seu lesado. Tenha um pingo de respeito.” Reclamou o Guerra, vendo o casal revirar os olhos.

“Ah, o doce ciúme dos Guerra.” Valéria passava por ali com um prato de carne. “Continuem assim, meninos... Adoro shippar vocês.”

“Tia Val será sempre tia Val.” Alice negou com a cabeça, rindo.

“Meninos, a porta.” Paulo gritou da churrasqueira.

“Deve ser minha gatinha.” Pietro correndo para dentro da casa, indo até a porta. Parou e ajeitou o cabelo, logo recepcionando a namorada e sua família. “Hey.”

“Parabéns, cunhadão.” Nicholas se atirou sobre Pietro, o desequilibrando.

“Opa... Valeu, anão.” O Guerra riu, bagunçando o cabelo do garoto. Nicholas era muito baixinho para a idade que tinha.

“Mãe, olha isso. Ele nos atrasa e ainda corre cumprimentar meu namorado antes que eu.” Ella reclamou para Margarida, que suspirou.

“Para de choramingar e cumprimenta ele logo, Ella.” Mandou a mãe, puxando o filho para perto de si.

“Vem cá, linda.” Pietro puxou a namorada e a abraçou, recebendo um longo beijo dela.

“Feliz aniversário, amor da minha vida. Que você seja sempre feliz, mais e mais. E que eu possa ser o motivo dessa felicidade.” Sussurrou a garota, vendo-o sorrir.

“Você já é meu sorriso diário, gatinha.” Ele garantiu, lhe dando outro beijo.

“Ok, ok, já deu de amor por hoje.” Mandou Jorge, fazendo os dois rirem. “Aliás, feliz aniversário, encosto.”

“Adoro seu carinho, tio, de verdade. Você costumava ser mais gentil comigo.”

“Isso foi antes de pegar você na cama com a minha filha, moleque.” O loiro passou por eles, indo para os fundos. “Cadê a garotinha do padrinho?”

“Ele ainda não conseguiu superar isso, meninos, deem tempo.” Margarida despachou Nicholas para o fundo, abraçando o genro. “Feliz aniversário, querido.”

“Obrigado, tia. Agora venham... Tem vários espetos de queijo lá no fundo.”

~*~

“Que bom que vocês vieram, tia.” Alicia abraçou Eloisa, feliz.

“Não perderíamos o aniversário da nossa norinha por nada, querida.” A senhor sorriu para a jovem mulher. “Na verdade, nunca perderíamos nada para o que vocês nos chamassem. São nossa família.”

“Você e o tio Rafael já sofreram tanto... Perder o Jaime, depois o Jonas e a Mariana. Que bom que Deus mandou o Jaiminho para vocês.” A Guerra segurou a mão da mais velha, sorrindo triste.

“Ah, Alicia... Eu só posso agradecer! Deus levou meu gordinho, mas o trouxe de volta. E quando ele precisou levar o Jonas e a Mariana, deixou um pedacinho deles com a gente. O Jaiminho é um presente para eu e o Rafael.” Eloisa encarou o neto, que estava abraçado com Alice. “Ele é igualzinho o Jaime, não é?”

“Chega a assustar a semelhança. Às vezes, eu confundo ele com o tio.” A dona da cara sorriu para o genro.

“Mas, me diga... Eu vi a Valéria e o Davi aí, com as meninas. E a Maria Joaquina e o Cirilo?” A mulher mudou de assunto.

“O Cirilo teve que cobrir um colega, que está doente. Aí eles acabaram não vindo.” Explicou Alicia. “Eu sinto falta de morarmos todos na mesma cidade, perto... Tem quase três anos que não vemos o Koki e a Bibi, e cinco anos da última vez que a Laura e o Adriano conseguiram vir para cá. Mesmo a Majo, o Cirilo, a Val e o Davi, que moram perto, nós vemos muito pouco.”

“Mas o laço entre vocês nunca se partiu, querida. E isso é o mais importante.” Garantiu Eloisa, a abraçando com força.

~*~

No final da tarde, enquanto os mais velhos arrumavam a bagunça do lado de fora, os mais jovens estavam na sala. Paulinho estava no piano, tocando algumas de suas músicas favoritas, enquanto Thomas e Marcos estavam largados nos sofás, trocando mensagens com as namoradinhas.

“Caraca, Ella, você exagerou no chupão. Olha o estado do pescoço do Pietro.” Jaime gargalhou, vendo o pescoço do amigo.

“Você só fala isso porque a Alice não te libera para fazer o mesmo.” Rebateu a Cavalieri.

“Hey, você está falando da minha irmã.” Reclamou Pietro.

“Francamente, Pietro, você acha que eu ainda sou virgem?” A Guerra revirou os olhos. “Eu também tenho 17 anos, e o Jaime tem 18. Acho que temos idade o bastante para isso, não?”

“Vocês são todos pervertidos, pelo amor de Deus. Só e o Eric que nos salvamos.” Mili revirou os olhos, abraçada com o namorado.

“Quem iria dizer que o mesmo Eric que explode a garrafinha de água do professor, seria recatado e tímido com a namorada.” Brincou Ella, fazendo o amigo revirar os olhos.

“Hey, você está falando da minha prima.” Pietro reclamou de novo. “Acho que tem mulheres demais na minha vida.”

“Vou ignorar que você disse isso.” Ella revirou os olhos. “Estudaram para a prova de amanhã?”

“O quão ridículo é termos provas durante as férias?” Choramingou Jaime. “Já não basta fora das férias?”

“Eu achei a ideia da diretora Helena boa. Assim, com as aulas terminando efetivamente no começo de novembro, podemos nos dedicar melhor ao ENEM e os vestibulares.” Ponderou Eric.

“Gente, é uma peste, mas é CDF. Que orgulho desse menino.” Pietro apertou a bochecha do amigo, que lhe deu um tapa. “Desconfio que enquanto seus pais transavam para fazer você, o Thomas e a Catarina, parte do cérebro deles desceu para os óvulos e espermatozoides, e vocês nasceram inteligentes assim.”

“Essa foi a maior asneira que eu já ouvi na minha vida. E não sei se isso me alegra ou preocupa.” Ouviram a voz de Jorge, vendo os adultos se aproximando.

“Por que, papai?”

“Porque ou ele é muito burro, ou o Paulo não teve essa conversa com ele e eu corro o risco de ser avô muito jovem.” Suspirou o homem, sendo fuzilado pelo amigo.

“Não só tive a conversa, como ensinei a usar camisinha. Não vem querer tacar na minha reta não, falou?” O Guerra revirou os olhos. “Jaime, dá para você colocar essa mão um pouco mais para cima, pelo amor de Deus? Está praticamente na bunda da Alice.”

“Sabe o que é pior? Que o desgraçado que perverte minha filha, é meu afilhado. E eu jurei para Deus cuidar e proteger ele, então não posso nem dar uns bons tapas nele.” Resmungou Mário. “Isso é o que eu chamo de carma.”

“Você está convivendo demais com o Paulo, amor.” Marcelina abraçou o marido, rindo.

“Tio Paulo, tem um moço aí na porta. Disse que precisa falar com você e a tia Alicia.” Paulinho veio do quintal da frente, com Otto saltitando aos seus pés.

“Nós vamos lá para cima, estudar um pouco para a prova de amanhã.” Avisou Alice, pegando o namorado pela mão.

“Juízo, pelo amor de Deus.” Implorou Jorge, vendo os jovens rirem enquanto subiam.

“Eu vou lá ver o que o cara quer.” Paulo foi para a frente da casa, enquanto os amigos sentavam na sala.

Não demorou para que Catarina e Caio viessem do fundo, sussurrando. Daniel os encarou sério e carrancudo, como sempre. Mesmo que a filha já fosse mais velha, não aceitava que ela estivesse namorando.

“Mãe, pai... Precisamos conversar.” Ela chamou os pais, mas acabou atraindo a atenção dos tios também.

“O que você aprontou, Catarina?” Perguntou a mãe, cansada. Apesar de muito inteligentes, os filhos conseguiam se meter em encrencas com uma facilidade assustadora.

“Tá, sem rodeios. Eu estou grávida.” Ela disse na lata, chocando os presentes. “Vocês vão ser avós.”

“Como é que é?” Gritou Daniel, colocando a mão no peito. “Carmen, eu to enfartando.”

“Sem drama, vocês tinham a mesma idade que eu quando eu nasci.” Lembrou a jovem.

“Ora, seu...” Jorge começou a avançar em Caio, nervoso. “É a minha afilhada, seu imbecil.”

“Deus queira que a Ella não engravide tão cedo.” Suspirou Marcelina, tensa.

“Vamos todos nos acalmar. Catarina, isso é sério?” Perguntou Carmen, nervosa.

“Hã, não.” Ela disse, vendo todos suspirarem aliviados. “Nós só vamos morar juntos, mas achei que o papai ia surtar... Então eu joguei uma bomba, para que ele ficasse aliviado.”

“Você pode ter mais de vinte anos, mas eu ainda te coloco no colo e esquento sua bunda.” Ralhou Carmen, nervosa. “Alicia, acho que preciso de um copo de água para o Daniel. Ele está em choque.”

“Eu vou pegar, amiga.” A dona da casa foi para a cozinha, enquanto Catarina pegava a mão do namorado, pálido como cera. “Amor, você fez xixi na calça?”

“Seu padrinho me assustou, Cat, me assustou muito.” Ele sussurrou, encarando o olhar assassino do Cavalieri.

“Vem, eu vou pedir uma calça emprestada para o Pietro.” Catarina saiu puxando Caio pela escada, enquanto Margarida continuava a acalmar o marido.

“Se você é assim com a sua afilhada, tenho medo de se isso acontecer com a nossa filha.” Ela comentou, vendo os olhos azuis se arregalarem.

“Você nem brinque com isso, Margarida, pelo amor de Deus!” Gritou o loiro, assustando as crianças na sala.

“Meninos, vão lá para o quarto um pouco, ver os quebra-cabeças do Paulinho. Que tal?” Propôs Mário. “Paulinho, tudo bem se seus amigos subirem?”

“Nada, nada, nada.” O garoto levantou do piano, chamando os amigos com a mão.

“A água está aqui.” Alicia voltou, entregando o copo para o amigo.

“Eu acho que o gênio dessas crianças é uma espécie de carma, não é possível.” Daniel sussurrou, bebendo a água.

“Estamos pagando nossos pecados de criança.” Riu a mulher, vendo que o marido vinha do quintal. “Amor? Algo errado?”

“Era o filho do doutor Angelo, Alicia.” Ele explicou, atraindo a atenção dos amigos. “Ele morreu, alguns anos atrás. Sabia?”

“Não, não sabia.”

Quando chegou a hora de levarem os filhos fazer os exames preventivos, o Dr. Angelo já era aposentado, afinal gozando dos frutos de seu longo e árduo trabalho. Com isso, os Guerra e os Ayala perderam contato com o médico responsável por salvar a vida de Paulo e Marcelina, e garantir que isso não acontecesse aos filhos deles também.

“Três anos, segundo o filho dele. E ele deixou isso, para nós todos.” Ele mostrou o envelope, indicando o grupo todo. “Pediu que o filho dele nos entregasse exatamente hoje. 17 de julho de 2045.”

“E o que tem aí?” Perguntou Margarida, curiosa.

“Não sei, mas deve ter algo a ver com o que está escrito no envelope.” Ele se aproximou e os amigos se levantaram, o rodeando.

Leram em silêncio, confusos, antes de abrir o envelope e puxar o que tinha dentro.


Notas Finais


Vamos a algumas explicações:
- Apesar de as memórias terem sido apagadas e alteradas, em algum lugar, bem lá no fundo, o registro de tudo o que aconteceu ficou neles, assim como as lições que isso trouxe. Por isso, em alguns momentos, as atitudes dos casais eram tão inexplicáveis, como se eles soubessem o que ia acontecer.
- A maior marca que ficou na Carmen e no Daniel foi em relação a família. Por isso, eles colocaram essa relação em primeiro lugar em suas vidas. A mentira que os pais contaram, a respeito do aborto quando eram jovens, foi uma forma de explicar o quarto e passar a mensagem, o aprendizado que foi "apagado".
- As personalidades mudam, mas ao mesmo tempo, permanecem as mesmas. Algumas coisas mudam, mas também continuam as mesmas. A verdade é que temos pontos que precisamos passar e tirar lições, para poder crescer.
Espero que tenham gostado desse capítulo. Ele me deu um trabalho gigante, mas eu amei ele de coração. Desculpem algum erro, vou revisar ele depois, queria poder postar logo para vocês!
Quero comentários amorzinho, ok?
Nos vemos no próximo e último capítulo!
Spoilers sempre saindo no twitter, ok? @WPKiria
Beijos ;*


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