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História Freak Out - Deixe-me Ir


Escrita por: sammye

Notas do Autor


Hoy! Tudo bom? *o*
Capítulo de hoje fresquinho, espero que gostem! sz

No capítulo anterior (pov da Avril) ela havia ido visitar a lápide de Everly no cemitério e acabou ficando presa no almoxarifado, então Misty e Damien a encontraram e ela se exasperou e entregou o bloquinho de anotações ao Damien.

Desejo uma boa leitura! ♡

Capítulo 32 - Deixe-me Ir


Fanfic / Fanfiction Freak Out - Deixe-me Ir

 

Cheguei em casa esbaforida, destrancando a porta apressada, fazendo o molho de chaves chacoalhar pelo gesto brusco. Certo, ele conseguiu! Ficar presa naquela imensa escuridão fez meu coração ficar do tamanho de uma noz para em seguida ser esmagada pelo pânico. Sentia o nervosismo ainda em minhas mãos estremecidas.

Girei a maçaneta e abri a porta soltando suspiros ao entrar em casa. Despreguicei, espantei aquela energia para fora e caminhei determinada direto à escadaria. Avistei tia Lette sentada estranhamente quieta num dos primeiros degraus. Continuei atravessando a sala como se estivesse arrastando uma corrente. Na metade do caminho, ouvi um chamado.

Sua voz calma e inquieta me chamou a atenção. Girei sobre os calcanhares e contemplei minha mãe sentada no sofá com as pernas cruzadas e mãos postas nos joelhos, aguardando-me pacientemente — Mãe?

Retirou as mãos das pernas e sorriu. Um sorriso forçado, constatei — Abbey!

“Abbey”, repeti mentalmente. Havia algo errado em seu tom de voz, na forma como sorria e no modo irrequieto de como se mexia. Ela estava calma e isso é estranho quando se está aparentemente explodindo interiormente — O que houve? – sondei, caminhando em sua volta e espreitando seus modos.

Seus olhos brilharam mareados — Você, como sempre, desconfiada! – comentou analisando minha postura. Deu tapinhas no estofado ao seu lado, fazendo-me um convite para sentar — O que aconteceu contigo, minha filha? Esse cabelo emaranhado feito palha e rosto pálido? Veja você, toda descomposta! – apontou para minha postura e eu me recompus — Teve uma briga, foi?

Apenas gesticulei com a cabeça, fazendo que não, desconfiada — Eu... – relembrei daquele breu, dos ruídos de sabe-se lá do que e da sensação incômoda de estar sendo observada. Senti a aflição retornar, o medo de estar ali sozinha, sem o celular para pedir socorro. Quando que alguém teria me encontrado?

— O que foi, minha filha? – sua voz doce invadiu meu devaneio e me trouxe de volta.

Corri em sua direção, assustada, e me embrenhei em seu abraço. Contei que fiquei presa no almoxarifado durante o entardecer e que foi uma experiência terrível! Ela me afagou, e com uma serenidade, disse que estava tudo bem agora. Senti como se aquela fala já estivesse sido ensaiada e gravada, como se mamãe tentasse contar algo mas não conseguisse.

Desencostei de seu ombro e me afastei um pouco, fitando-a — Tem mais alguma coisa, não tem? – assentiu, fechando os olhos e meditando — O quê?

Segurou em minhas mãos, alisando a pele com carinho e de cabeça baixa, murmurou — Jean.

— O que tem o papai?

Ergueu a cabeça e me olhou nos olhos — Sabe, a gente conversou um tempo atrás – introduziu tentando enrolar — Jean andou de dieta...

— E o que tem isso?

— Porque ele vai fazer uma cirurgia.

— O QUÊ?!

— Amanhã cedo – despejou tentando ser calma, contudo eu já estou bem histérica — Calma, está tudo bem!

Comecei a gaguejar balbuciando tudo que tentava dizer, as palavras não saíam da forma como deveriam sair — O que ele tem?

— Ele só precisa de uma operação, é simples. Jean não entrou muito em detalhes, você sabe como ele é com a saúde dele... – comentou dando um riso de leve. Se a intenção era me tranquilizar, preciso avisar que o efeito foi o contrário — Ele pediu para que guardasse segredo, só decidiu contar agora porque não tem mais como esconder isso.

Gesticulei com as mãos toda afobada, levantando — Quer dizer que papai esteve mal esse tempo todo e eu não percebi?! – que péssima filha eu sou!

— Não, ele não está sofrendo nem nada assim. Seu pai está ótimo e forte como um touro!

Senti as lágrimas escaparem e rolarem pelo meu rosto que ardia de nervosismo — Se estivesse tão bem assim, ele não precisaria disso, não é mesmo? – choraminguei.

Mamãe se aproximou e envolveu seus braços calorosos envolta de meu corpo, passou a mão delicadamente por entre meus fios revoltos de cabelo e assegurou que tudo está sob controle. Depois informou que Matthew e Michelle estavam à caminho da casa de nosso pai e que ela tinha vindo me buscar.

Deixei tudo para trás, até mesmo aquele celular trincado, levei comigo apenas a bolsa de mão. Não tive tempo para pensar no que levar, e nem queria, a única coisa que desejava nesse momento era estar ao lado de meu pai com minha família.

 

...

 

Dona Judy colocou um country para tocar conforme seguíamos a estrada. Havia deixado tia Lette cuidando de casa e agora, um pouco mais sã, percebi a gravidade dessa atitude — Não se preocupe, ela vai ficar bem – interrompeu ela, trocando de música.

— Não é com ela que estou preocupada, é com a casa!

Gargalhou para depois dizer com tranquilidade — É, se eu fosse você, também ficaria preocupada! – e depois, do nada, gritou — Let’s go girls! – junto com a música para depois imitar as batidas, isso me fez rir de sua loucura.

Aproveitei e a acompanhei na cantoria — Man! I feel like a woman! – cantarolando os versos da música de Shania Twain. Como papai sempre dizia: “Quem canta os males espanta”.

Ela estacionou na garagem de casa e eu desci um pouco zonza, não pelo mal estar da viagem, mas de surpresa. Passamos uma temporada naquela casa uma vez, lembro bem da decoração, do estilo da casa, é como voltar no tempo. Fiquei admirando a vista, não que eu não visitasse o meu pai, mas é que ele voltou para cá recentemente e ainda nem tive tempo de visitá-lo.

Com um toque me chamando a atenção, retornei a caminhar pela trilha que seguia até a área da casa, passei pelos degraus e respirei fundo ao girar a maçaneta da porta branca recém pintada. Fui diretamente à sala onde em minhas memórias papai se encontrava sentado em sua velha poltrona verde musgo toda marcada pelos anos, lendo, assistindo ou apenas descansando. E lá estava ele, exatamente no mesmo lugar.

Disparei em sua direção e o acordei de seu cochilo com um susto, ele se estabanou todo e derrubou o controle da TV que estava no braço do móvel no chão. O abracei forte, apertando-o com carinho. Ele riu do meu desespero enquanto eu tentava verificar se estava realmente bem. Alinhou-me em seu colo, em seus braços, e ali fiquei recebendo cafuné, debaixo de sua proteção.

— Abbey, calma minha filha – pediu com seu habitual tom de voz carinhoso.

— Não consigo! Por que o senhor não contou isso antes?

— Pra vocês ficarem assim? – respondeu sua própria pergunta fazendo sinal negativo como se o silêncio que brotara não fosse o suficiente — É procedimento médico, amanhã serei remendado e depois ficarei uns dias de molho, sua mãe irá cuidar de tudo – calmamente, riu com a situação — Por que você não vai ajudar ela com o jantar?

— Porque quero ficar aqui. – determinei, fazendo um bico.

— Eu não vou morrer tão cedo!

Levantei a cabeça — Vai durar mais cem anos?

— Sua mãe diria “Deus me livre e guarde!” ao ouvir isso – comentou rindo. Como sempre bem humorado.

Fiquei mais um tempo com ele, depois resolvi ir ver se minha mãe precisava de algo. Ao passar pelo corredor, encontrei Michelle e Amy berrando na porta do banheiro para que Matt saísse logo dali de dentro. Ri, relembrando das horas que acampávamos em frente à porta aguardando que ele desocupasse o lavabo.

Passei pelas duas sem ser notada e cheguei na cozinha, pousei as mãos sobre a mesa e batuquei, chamando atenção. Ela me olhou por cima dos ombros — O que foi?

— A senhora precisa de ajuda?

Mamãe tinha tudo sob controle, então tratou de me expulsar dali. Voltei para o corredor onde as duas ainda aguardavam e dessa vez Mich me viu. Arregalou os olhos e me encarou dos pés à cabeça — Avril, o que foi que aconteceu com você? – questionou pasma. Qual é, eu estou tão desarrumada assim?!

— Enfiou o garfo na tomada? – Amy ironizou.

— Seu cabelo parece uma vassoura – minha adorável irmãzinha apontou.

Mordi o lábio — Fiquei presa, a porta fechou e aí eu entrei em desespero...

— E encontrou uma tomada pelo caminho?

Fitei-a cética. Iria responder, mas apenas sorri ao ver Matt sair e Amy furar a fila enquanto Michelle me alfinetava — Não. Mas Amy encontrou o banheiro – apontei para trás e ela virou rapidamente, correndo bater na porta.

Matt passou ao lado terminando de bagunçar meu cabelo — E aí, maninha? – cumprimentou seguindo em frente.

Aguardei com que minha irmã se reestabelecesse — Ok, ela vai pra minha lista negra! – ralhou irritada e isso me fez rir — E você, vai tomar um banho aqui também?

Pus as mãos nos bolsos de trás da calça — Não sei, esqueci tudo em casa.

— Eu te empresto uma roupa e você entra antes.

— Mas e você?

— Não tem problema – sorriu, caminhando em minha frente.

Segui atrás dela até a porta de nosso antigo quarto, e quando a porta abriu, eu me surpreendi com a visão. Estava tudo intacto, cada pôster em seu devido lugar, as marcas nas paredes, os rabiscos, nossas camas – a minha era uma beliche que eu adorava cobrir com um cobertor e fazer uma espécie de cabana – os móveis, tudo do jeito que deixamos. O que diferenciava era a pintura desgastada pelo passar dos anos.

Uau! – exclamei atônita.

Conteve os pulinhos de empolgação — Eu sei, é o máximo né? – enquanto ríamos, ela foi até seu baú da cabeceira da cama e retirou algumas peças — Eu as coloquei aqui hoje de tarde quando retornei, não se preocupe, estão limpinhas e cheirosas! – afirmou. Era o mínimo que podia se esperar vindo da organizada Michelle.

— Por que não colocou no guarda-roupa?

— Porque está cheio de tranqueiras e eu não queria contaminar nada.

Franzi o cenho — E esse baú também não estava?

— Não, eu retirei as coisas antes de partirmos.

Assenti, perambulando pelo cômodo — Você viu nossas marcas na parede?

— Vi sim! E embora tenha anos, a gente não cresceu muito além delas né? – gargalhou e tive que concordar, contudo ela cresceu um pouco mais do que eu.

Mich me entregou uma peça de roupa confortável, uma calça jeans, uma blusinha branca e um casaquinho que ela adorava. Também dispôs um suéter para caso esfriasse mais ou eu decidisse sair. Em seguida, fui para o banheiro que já se encontrava vago há tempos.

Lavei o rosto com sabonete líquido debaixo do chuveiro, usei o shampoo e condicionador que Amy emprestou e lavei meu cabelo suavemente. Tomei um banho rápido debaixo da água quente e deixei com que a água caísse por cima de meus ombros levando embora toda angustia. E antes de sair, fiz um desenho no espelho borrado pelo vapor da água e assinei embaixo, saindo lentamente com a toalha na cabeça.

Passei na cozinha e roubei algumas coisas sem que dona Judy percebesse e Matt me olhou com repreensão quase me dedurando. Mostrei a língua e segui adiante. Chegando no quarto, retirei a toalha e a passei pelos fios úmidos até deixá-los menos molhado, peguei o pente na penteadeira e sentei no colchão aconchegante da cama ao lado.

Conforme passava o pente desembaraçando alguns nós, Michelle veio se aproximando com a escova em mãos. Acomodou-se ao meu lado e segurou uma mecha de cabelo, soltei o pente — Lembra quando você fazia várias trancinhas no cabelo por preguiça de pentear? – recordou, passando a escova gentilmente.

Assenti — E você fazia duas tranças.

— Uhum. – murmurou alegremente — E aquela vez que você enrolou seu cabelo no liquidificador?

— Como é que você lembra disso se era tão pequena?!

— Matt me contou.

— Fofoqueiro! – ralhei.

— Mas disso eu sempre soube!

Não respondi, voltando a ficar quieta por um tempo. Ainda estava nervosa com o susto de hoje a tarde, minha confiança foi pelo ralo e ainda entreguei tudo que tinha de relevante para aquele detetive presunçoso. E pensar que o considerei sendo gente boa!

— Avril? – sua voz soou irritada quando senti um puxão no meu cabelo.

Aí! Não precisa me torturar!

— Enroscou, não tive culpa! Eu estava te avisando que ia doer mas você nem meu ouviu né? – não respondi — Você parece distante. – observou.

— Só estou pensativa.

— O papai está bem, não se preocupe!

— Não é só com ele que estou assim...

Curiosa, perguntou — O que está acontecendo? Você não me disse onde ficou presa, foi no closet se escondendo da tia Lette de novo?

Neguei — Não, foi no almoxarifado do cemitério.

— Você o quê?! – ela deu um grito de espanto e eu quase fiquei surda — O que estava fazendo lá?

— Estava visitando uma pessoa. No entanto, deu tudo errado – grunhi ao recordar do acontecido, sentindo a ira percorrer por minhas veias.

Mich perguntou se podia fazer uma trança e eu assenti — Você está irritada com o quê? – notou.

— Com quem – corrigi — Damien e aquela balela dele de estar cansado. Cansada estou eu!

— Aquele ser adorável do Natal?

Queria muito soltar uma gargalhada, porém minha raiva não permitiu — Defina “adorável”, porque de certo você não o compreendeu bem.

Protestou — Ele me pareceu bem gentil, acolhedor e um bom pai.

— Pai aquele que aponta o próprio filho – ressaltei.

— E que é divertido.

Revirei os olhos, não sei por que ainda tento desabafar com ela. Todo mundo ao seu ver era alguém que merecia ser defendido. E nesse momento, a única coisa que queria era um saco de pancada com a imagem dele colada. Ou seria muito extremo?

— Você nem viu aquele lance né?!

Ela se referia ao fato de ele estar solteiro ou não? – Acabei esquecendo de perguntar.

Finalizou a trança — Esqueceu ou não quis perguntar? – questionou e isso me fez estranhar — Você está interessada nele?

Arregalei os olhos e voltei-me em sua direção — O quê?! Eu? Eu não!

Rondou — Você se exaltou muito...

— Claro que sim, você está doida? Eu adoro uma dor de cabeça às vezes, mas ele é uma enxaqueca! – proferi ainda besta com a pergunta. Depois parei e pensei, remoendo essa hipótese em minha mente, constatando que nunca havia parado para pensar nisso por esse lado — O Damien é bonito sim, charmoso do jeito dele, mas sei lá, eu não consigo ver nada nele.

— Nada? – arqueou a sobrancelha.

— É. Eu o vejo da mesma forma como encaro o Matt – notei, nem eu tinha me tocado nisso.

Michelle bufou — Que desperdício, um homem tão lindo daqueles! Tão formoso, carinhoso, intenso... – ela foi citando mais uns pares de adjetivos como se tivesse feito uma lista sem fim e eu fiquei rindo da cara abobada que esboçou. Pelo visto, o que eu não sentia, Mich sentia em dobro — Mas então, o que ele fez?

— Me escorraçou, disse que sou inútil, um fardo e que só atrapalho.

Ela ficou boquiaberta — Ele disse isso? Não acredito! – aparentemente, o relato a decepcionou.

Contei sobre nossa discussão por cima dos demais fatos e minha irmã ficou bem surpresa com a atitude dele, como se o conhecesse bem o suficiente ao ponto de estranhar tal gesto brusco. Eu, pelo pouco que convivi com ele, não me surpreendo. Damien sempre pareceu não me suportar, aliás, ele deixou isso bem claro!

— A mãe dele era uma mulher tão carinhosa...

— Ele foi adotado – sussurrei entre os dentes. Ela não ouviu.

Agora era eu quem penteava seus cabelos — Os olhos dele são tão lindos...

— A cor não define caráter.

Fez que não — Não é disso que estou falando!

Ergui a sobrancelha — Do que seria?

Soltou um suspiro, frustrada — A forma como ele olhava, sabe? Sempre atento, carinhoso. Ele tem um olhar vívido e afetuoso, como se buscasse compreender e enxergar além do que seus olhos podiam ver – argumentou com tamanha convicção que quase me fez acreditar. Ela sempre enxergava por outros olhos.

— E pelo visto ele não conseguiu ver além da minha profissão – ironizei.

Bufou — É isso que não faz sentido! Uma pessoa com uma expressão tão... Sensível, eu diria, e dona de uma atitude tão brusca – reclamou entristecida — Talvez...

— Se?

— Se eu for falar com ele, talvez mude de opinião ao seu respeito!

Neguei de imediato — Não, não. Nem vem com essa de que enxerga a bondade nas pessoas porque foi por isso que...

— Cord fez o que fez – completou ao interromper — É. Eu sei. Mas ele é diferente de Cord, sei disso. E você também ainda acredita que exista pessoas boas nesse mundo, não acredita? – concordei — Pois bem, com Damien não seria diferente. Eu sei, eu vejo. Eu vi!

Ergui os olhos antes de revirar mais uma vez. Ela afirma isso porque passou algumas horas ao lado dele, no entanto ainda não viu do que seu mau humor é capaz de fazer. Contudo, decidi não teimar com Michelle. Ela pode ter a visão que for que isso não muda minha raiva. Eu estou chateada com tamanha grosseria e tinha o direito de protestar!

No cair da noite, nos acolhemos ao redor da lareira e ali ficamos conversando e recordando de velhas histórias até entardecer mais um pouco, como no dia em que Matt escalou uma árvore aqui perto e não soube descer, ou como naquela tarde a mamãe desmontou a cadeira para consertar e Michelle se jogou nela, caindo no chão e chorando horrores. Passamos um bom tempo rindo, nos divertindo, até que chegou a hora do repouso e nosso pai teve que ir descansar.

 

...

 

Na manhã seguinte, nos agrupamos na sala de espera e ficamos aguardando a operação ser finalizada. O médico surgiu atrás das portas brancas informando que tudo ocorreu perfeitamente e que meu pai agora precisa de bons cuidados e um longo repouso. Minha mãe assegurou que iria cuidar bem dele durante esse período e depois também, para só depois ao entardecer irmos para casa mais sossegados.

Decidi passar as próximas duas semanas ao lado de minha família e alojada na casa de mamãe enquanto tia Lette “cuidava” de tudo por lá. Com as luzes apagas, acomodei-me no sofá da sala entretida com as músicas que tocava do celular. Minha mãe apareceu logo atrás e retirou um dos fones para me chamar a atenção.

— Está me ouvindo, Ramona? – sua voz soou repreensiva.

— Uhum.

— Tranque com a corrente, pois a fechadura quebrou e só amanhã cedo que virão trocar. Entendeu? – fiz que sim, pondo o fone novamente. Também a ouvi dizer mais algumas coisas paralelas e depois murmurou algo que não me preocupei em entender direito. Despediu-se com um beijo rápido, saindo pela porta da frente e trancando-a atrás de si.

A televisão estava desligada e a sala era iluminada pela luz que vinha da varanda, passei o dedo pela tela do aparelho e mudei a estação. Após um tempo, senti a garganta seca e levantei para tomar água enquanto o rádio no celular continuava tocando.

Caminhei até a cozinha, enchi o copo e tomei metade do conteúdo aos goles lentamente conforme contemplava o jardim sob a luz do luar pela janela. Notei, pelo canto dos olhos, que a porta estava entreaberta. Dona Judy reclama, mas a própria deixa as coisas abertas!

Encostei a porta antes de trancá-la de vez. Contudo, assim que a fechei, um ruído ao fundo por entre a escuridão fez meu coração disparar. Arregalei os olhos e fiquei nas pontas dos pés tentando enxergar um pouco além. E, do breu, saiu o Panqueca desfilando casualmente.

Soltei um longo suspiro aliviado, levando a mão ao peito. Faz sentido mamãe ter deixado a porta dessa forma para que ele passasse. Após o susto, respirei fundo e segui até a corrente que estava postada ao lado, e a passei envolta do trinco, finalizando o fecho com um enorme cadeado.

Dei meia volta e retornei em direção a pia para terminar meu copo d’água quando, um segundo rumor me deixou atenta. Dessa vez não tinha como ser o Panqueca por causa de que ele estava comigo, ao meu lado, nos meus pés. E além do mais, gatos não sussurram palavras, não conversam entre si e muito menos riem! Ou seja, eu tranquei a porta com invasores dentro de casa e não fazia a mínima ideia de onde estava a chave. Ai meu Deus do céu!

Mas e se for Matt? Ou Mich? Esse pensamento me fez respirar menos afoita mesmo que meus batimentos cardíacos tenham acelerado. É, e se não for nenhum deles? Dizia a droga do meu subconsciente.

Agachei atrás do balcão assim que as vozes foram se tornando cada vez mais nítida, com o gato nos braços, fiquei espreitando os vultos que se formavam. Pude ver apenas a silhueta da sombra formada pela luz do luar que atravessa as cortinas, por que raios eu deixei o andar debaixo apagado mesmo?!

Pude notar que eram dois homens carregando mochilas. Um deles a colocou sobre a mesa e virou a cabeça em direção ao segundo — É no andar de cima que ficam os cofres, vamos limpar lá primeiro. – disse, puxando o zíper da bolsa. Estremeci com o ruído.

— Tem certeza que não tem mais nenhum morador além daquela senhora?

— Tenho. A mulher mora sozinha pelo visto. Das últimas três noites que vim espionar, não apareceu ninguém além dela.

— É, mas isso foi há três semanas – ralhou o segundo aparentemente incomodado.

Riu — Relaxa, a filha da mulher é uma cantora, ela deve ter dado bons presentes para a mamãezinha.

Cerrei o punho, irritada — Isso se elas se deram bem né, sabe como funciona relacionamento de pais após a fama... Eles se atracam sedentos por sangue e atenção.

Balancei a cabeça negativamente enquanto ouvia o diálogo deles, no momento nenhum deles mencionara algum nome ou apelido. Baixei os olhos para o Panqueca e alisei seu pelo macio enquanto traçava algum plano mentalmente. O celular estava no sofá e a porta da frente estava trancada, e a chave se encontrava sobre a mesinha ao lado da escada.

Primeiro passo: recuperar o celular.

Aguardei com que dessem as costas e subissem para o andar superior para tomar coragem e caminhar abaixada pelo escuro até a sala sem ser percebida. Os dois já estavam no topo da escada quando consegui chegar perto do celular. O peguei num puxão e disquei o primeiro número que me veio em mente: Minha mãe.

Chamou, chamou e chamou. Atendeu após uns segundos — Mamãe – sussurrei levando a mão ao rosto para abafar o som — Aconteceu uma coisa.

— O que foi dessa vez, Avril?

— Eu... Tem dois estranhos dentro de casa!

— O QUÊ? – ela deu um grito tão alto que sua voz saiu da área que tinha tentado restringir. Ouvi passos — O que está fazendo aí? Saia imediatamente daí, está me ouvindo?! Avril?

— Mã...

— Filha?! – ela nem sequer me deixava falar — Chamou a polícia? Eu estou indo aí!

— Não tive tempo, a senhora foi a primeira pessoa que pensei – os passos se tornaram mais altos, ergui os olhos para cima e vi o vulto passar pelo corrimão — Estou presa aqui dentro – contei sem dizer que eu me tranquei com eles ali — Estão vindo, tenho que ir. – encerrei a ligação e corri me esconder atrás do pilar.

Esgueirei para que minha sombra não aparecesse e prendi a respiração. Um deles veio até o sofá onde eu estava segundos atrás e encarou a tela do celular. Eu tinha posto o fone de volta antes de sair e a rádio só funcionava com o fone conectado, então senti o arrependimento daquela escolha arriscada.

Ele riu — Ela esqueceu o celular em casa – comentou, jogando o aparelho para dentro da bolsa. Ótimo, é o segundo celular que perco nesse mesmo mês!

Panqueca escapou de minha mão e saltou na frente dos ladrões, desesperei-me para ir pegá-lo na hora, mas era arriscado me apresentar enquanto nem sabiam de minha presença. É meu gatinho, meu Panquequinha. O cara menor puxou uma faca, apreensivo. Fitei meu pequenino pelo canto dos olhos, ele é indefeso, não posso deixá-lo sozinho nas mãos de criminosos! E quando ameacei dar um passo para a luz, os invasores riram apavorados com o animal e os ignoraram completamente. Contive o suspiro.

Dessa vez ficaram rondando a cozinha ao invés de subir para o andar de cima. Aproveitei a distração e engatinhei em direção à porta principal. Minhas pernas estavam vacilantes, o suor escorria pela minha face e meus olhos aguçaram, qualquer ameaça de proximidade e eu já me enfiava em qualquer vão que encontrasse. “Esse é o lado bom de ser pequena, até um cesto de roupa serve como esconderijo!”, pensei triunfante.

Chegando na mesinha, ergui o braço e passei o dedo por entre os objetos buscando pela chave, não encontrei. Levantei um pouco, apoiada na beirada do móvel, e encarei o fato de que o molho de chave não estava ali. Mas então onde estava?!

Ergui os olhos e contemplei o andar superior, era arriscado subir, porém mais arriscado ainda ficar ali perto dos meliantes. Levantei o corpo ainda meio curvado e caminhei nas pontas dos pés em direção à escada, segurei no corrimão e subi cada degrau cuidadosamente calculando até minha respiração.

Estava no final da escadaria quando meu pé cedeu e deslizou sobre o degrau, fazendo assim meus pés deslizarem e meus joelhos chocarem contra o mármore. Senti a dor da colisão percorrer pelos demais músculos, contive um grito angustiante, todavia, não fora o suficiente. O baque já havia chamado atenção dos intrusos e ambos vinham rápidos que nem foguete em minha direção.

Mal tive tempo de cambalear, levantei num pulo e saí correndo dali para o primeiro lugar que encontrasse. No corredor de cima, abri a porta e me joguei para dentro do quarto, rapidamente girei a chave e a arranquei com força da fechadura, depois tentei puxar um móvel para fazer barricada. Infelizmente, não consegui arrastar, então peguei uma cadeira e a coloquei debaixo da maçante.

Ouvi as batidas bruscas e furiosas na porta que logo viria a ceder. Pensa rápido. Fui no banheiro e tranquei a porta, deixando um rastro como se realmente estivesse presa ali dentro, depois marchei apressada até a varanda e abri a porta de vidro, fechando-a logo em seguida. Apoiei a mão no parapeito e analisei a descida. Era o segundo andar, porém mesmo assim seria uma queda horrível.

Percorri os olhos para os lados até avisar a varanda do quarto de mamãe que ficava em cima da piscina. E se eu pular na água? Não tinha tempo suficiente para pensar nos prós e nos contras, como estava descalça, tratei de subir no parapeito e pousar na mureta que seguia até o quarto ao lado.

Eram poucos metros de distância e muitos de altura, minhas mãos estavam mais trêmulas que antes e minhas pernas bambas. Naquela adrenalina toda nem tive tempo de sentir a dor da queda, mas agora com o susto menos intenso e o medo de cair, pude sentir o peso cair em meus joelhos.

Se Tom Cruise conseguiu escalar um prédio para um filme sem morrer, eu também ei de conseguir para salvar minha vida!

Com esse pensamento em mente, fechei os olhos por um instante e depois olhei para cima, em seguida para o lado e continuei esgueirando até o quarto. Eu não tenho nenhum pouco da coragem que o Tom tinha, mas no momento a única coisa que queria era sair dali viva.

Descendo na sacada da mamãe, corri até a porta e a tranquei novamente, e dessa vez consegui arrancar a cômoda do lugar e arrastá-la até a porta. O abajur saiu da tomada, alguns objetos caíram no chão e o ruído que fez ao ser empurrado ecoou pelo cômodo. Não fiquei ali esperando para que viessem para esse lado, fui até a porta novamente e fiz o mesmo, trancando-a atrás de mim.

Olhei para baixo e respirei fundo, a água deveria estar bem gelada, seria um salto e tanto. Se eu caísse de barriga, algo muito ruim poderia acontecer. Lembre-se do que Matt lhe ensinou ao pular das rochas para a água nos domingos de pescas. Relembrei.

Passei uma perna e depois a outra, segurei na beirada e preparei meu coração descontrolado para o pulo. O vento assoprava meu cabelo contra o rosto, o casaco balançava contra o assopro gélido. Olhei para baixo, engolindo a saliva em seco, e respirei fundo, fechando os olhos. Um... Dois...

— Abbey!

Arregalei os olhos e quase soltei uma mão, agarrei-me ao parapeito e busquei o chamado por entre a escuridão. Lá estava ela, descendo do carro apressada — Mãe, fique aí! – pedi angustiada, minha voz saiu pesada.

Ao fundo pude ouvir o som da sirene se aproximando. Ela trouxe a polícia — Não pule, pelo amor de Deus, minha filha! – suplicou aflita, olhando para cima e me encarando.

Os carros estavam cada vez mais próximos, os baques da porta cessaram e um silêncio dentro de casa reinou. Os policiais desceram do veículo e correram para casa — A porta da frente, eles irão sair por lá! – avisei aos berros. Depois escalei de volta para a segurança da sacada e ali me aquietei, arrepiada.

Os minutos passaram como horas, os policiais entraram dentro de casa e me libertaram de meu esconderijo. Um oficial deixou com que mamãe passasse e ela veio correndo ao meu encontro, acomodei-me em seus braços caloroso e encostei a cabeça em seu peito, ela passou a mão pelo meu rosto, aos prantos.

— Eu deveria ter ficado – lamuriou, culpando-se.

Fiz que não, erguendo a cabeça e olhando-a nos olhos — Não, a culpa não é sua, mãe. Fui eu quem não a ouvi e me tranquei aqui dentro – a abracei novamente e deixei com que as lágrimas caíssem. Agora sim sentia a dor da queda. Quando vi seu braço manchado de sangue, recuei assustada e a encarei — A senhora está sangrando?

Ela olhou pra baixo e buscou o ferimento, depois olhou pra mim — Não, é você. Deixe-me ver – puxou minha mão e analisou o corte marcado na palma de minha mão. Quando foi que fiz isso?

Mamãe me conduziu até o banheiro para limpar o machucado, depois cuidou de tudo com carinho enquanto dizia o quanto me amava. Em seguida, um policial veio informar que havia capturado um dos ladrões e que o segundo estava sendo perseguido pelas ruas aqui perto. Agradeci o auxílio e retornei para os braços de minha mãe onde fiquei até ser chamada para depor.

 


Notas Finais


Avril muito esperta em se trancar com os invasores dentro de casa né, isso que dá não ouvir sua mãe ;-; Adorei esse final, sentia saudades de cenas assim 💜

Preciso avisar que ultimamente não venho conseguindo controlar o tamanho dos capítulos e que pelo visto continuarão sendo assim pois agora está na metade e a reta final é um rumo que virei a seguir. Ah, e que talvez acabe demorando na atualização porque estou sem notebook e alguns capítulos requerem mais trabalho.

Não terá prévia do próximo por motivos de que estou sem editor algum :/ Mas posso adiantar que virou um dos meus capítulos favoritos ♥

Espero que tenham gostado, nos vemos no próximo, sim? *u* 💖


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