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História Freak Out - Mau Agouro


Escrita por: sammye

Notas do Autor


Hey, hey you! 🎶

Olá, tudo bom? O capítulo de hoje se passa no "dia seguinte" do capítulo da Avril, que no caso é o "amanhã" da pov do Damien. Complicado né? Então resumindo: Digamos que o capítulo do Damien se passou na quinta, o da Avril foi no mesmo dia (quinta) e terminou no dia seguinte, a sexta (que foi quando ela conversou com Thomas), e o da Misty que é na sexta.

Desejo uma boa leitura! 💛

*Salientar significa "apontar, ressaltar".
*"Causo" é o mesmo que "caso", porém mais informal.

Capítulo 35 - Mau Agouro


Fanfic / Fanfiction Freak Out - Mau Agouro

 

Balancei a caneta tinteiro entre os dedos conforme matutava a dica dada pelas palavras cruzadas na qual deixei as mais complicadas por último. Do outro lado da cozinha, estirado sobre o estofado do sofá, encontrava-se meu irmão de molho após ter exagerado na bebida. Ele estava com o braço em cima da testa tapando os olhos e resmungando algo que não pude compreender.

— Damien? – o fitei de soslaio, preocupada. Apenas grunhiu em resposta — Achei que tivesse dado uma pausa na bebedeira... – salientei esse detalhe, chamando sua atenção. Ele não se pronunciou — Noam sentiu sua falta ontem quando foi dormir.

Soltou um murmúrio antes de responder — Beber não estava em meus planos, porém os fatos me levaram até esse fim. – deu uma longa pausa. Soltei a caneta e o encarei curiosa para saber os motivos — Ontem recebi uma ligação de Katie, fomos conversar e aproveitamos para jantar.

Suspirei, já sei o final daquela história — Esse é o grande fato?

Desceu as pernas do sofá e sentou — Não – negou, a ação repentina pareceu tê-lo atordoado — Quer dizer, sim. Mas antes disso, Katie queria conversar sobre Everly.

— Você se aproximou dela para obter informações? – levantei a sobrancelha repreendendo-o com o olhar.

Fez uma careta — Você anda fazendo muito pouco causo de mim, Misty. É claro que não! Quer dizer, por uma parte sim, mas pra começo de conversa eu nem sabia que a moça era uma testemunha – protestou e eu o fitei cética. “Não minta para mim” foi o que reclamei, “Está querendo enganar a quem?” depois perguntei. Damien não é burro, ele não dá ponto sem nó — Vai querer saber o que descobri ou não? Minha afinidade com Katie é outra história, não tem nada a ver com o caso.

— Achei que você gostasse da Samantha.

Arqueou a sobrancelha e ignorou o comentário por um segundo, depois rebateu apontando uma cláusula — Eu nunca disse isso! – contestou. Seu olhar dizia outra coisa — Você está brava comigo por um acaso para ficar se aproveitando do meu mal estar para me jogar indiretas?

— Foi uma bem direta e você desviou.

Ele abaixou para calçar os sapatos — Então, como eu ia dizendo, Katie disse que encontrou Everly trancafiada com um rapaz no estoque da loja e que a vítima veio pedir para que ela guardasse segredo e esquecesse aquilo.

— Em troca de?

— Não sei, não perguntei. – remoeu a chance perdida — A princípio, Katie acreditou ser um amante de Everly porque ela aparentou muito nervosismo e constrangimento com o flagrante, entretanto após os acontecimentos, ela estranhou que a falecida era responsável demais para fazer uma coisa dessas e que essa atitude não era de seu feitio.

Ouvi com atenção o que ele relatava — De acordo com as anotações de Avril, havia uma relevância em seu profissionalismo.

Fez que sim — Quando perguntei se recordava da aparência do rapaz ela disse que “mais ou menos”. Então por meio de suas descrições eu apresentei uma fotografia e ela o reconheceu.

— Derek Owens? – ou o “Keid”, como era chamado.

— Nathan Stevens.

Evitei demonstrar tamanha surpresa — Essa seria a ligação?!

— Ainda não sabemos como eles se conheciam, contudo agora sabemos que eles se conheciam diretamente! – exclamou entusiasmado. Concordei, isso era um avanço na investigação!

Como na mania recentemente adquirida por Noam, Damien saiu repetindo “De nada!” pelos cantos para depois dizer que iria procurar algum remédio, pois não queria estar desse jeito na comemoração da prima. Avisei que encontraria um na gaveta da cômoda de cabeceira e ele seguiu até lá.

Retornei para as minhas palavras cruzadas tentando concentrar nas últimas restantes. A campainha tocou, empurrei a cadeira para trás e ameacei levantar, no entanto Damien se ofereceu para atender já que estava passando por perto.

Baixei os olhos e desviei a atenção da porta e só retornei a levantar a cabeça quando os passos ficaram mais próximos — Misty, oi! – exclamou sorridente pairada ao lado de meu irmão, ela carregava uma bolsa de lado debaixo do braço.

Sorri de volta um pouco aturdida com sua visita inesperada. Afinal, ela era cliente de mãe Raziel — Oi, Michelle! Tudo bem contigo? – ela fez que sim e respondeu “Vou bem, e você?”, respondi que ia bem também.

— Estou interrompendo?

— Não, não.

Ela voltou em direção ao Damien — Podemos conversar?

Ele apontou pra si próprio — Eu?

— Uhum.

Damien assentiu e a guiou até o escritório com um olhar abismado, deixei os dois seguirem seu caminho. Enquanto conversavam decidi levantar e fazer um chá, acendi a boca do fogão e coloquei a chaleira, depois fechei a janela por causa do vento gélido que vinha de fora e retornei ao meu lugar na mesa.

A presença de Michelle me fez lembrar que preciso conversar com Avril a respeito de sua investigação particular. Penso também em contar as novidades do caso, embora ela tenha dito que estava fora, foi ela quem encontrou as pistas e anotou tudo atenciosamente. Ela merecia saber.

Consegui terminar mais três palavras, faltava apenas uma quando a chaleira apitou. Levantei e fui terminar de fazer meu chá, em seguida coloquei a caneca sobre a toalha de mesa e puxei a cadeira para sentar, nesse momento, a porta abriu e a Lavigne mais nova passou tranquilamente acenando com um sorriso gentil antes de se despedir. Damien a levou até a porta e depois parou em minha frente com as mãos no bolso da calça, balançando a cabeça, rindo.

— O que foi?

— Ela veio falar de sua irmã.

— Será que a Avril sabe disso?

— Acho que não, a tampinha não tem cara de que pede para outra pessoa comprar suas guerras.

Concordei — Era sobre a desavença?

— Sim. No início ela estava bem calma, depois se irritou e me repreendeu bastante.

Ele dizia isso com uma calma assustadora — E você?

— Eu não disse nada, apenas ouvi. Michelle disse que eu ofendi e magoei muito sua irmã, concordei que eu merecia ouvir aquilo e ela não pegou nada leve no sermão, quem diria que ela tinha tanto fogo nas venta?! Essa família é muito estressada! – comentou atônito — Mas o engraçado é que ela disse algo interessante.

Tomei um gole do chá — O que seria?

 — Disse que uma pessoa com um olhar tão vívido, carinhoso e intenso quanto o meu não poderia ser capaz de tamanha crueldade. – ele desviou o olhar claramente confuso, coçando o queixo — Nunca ninguém me disse isso.

— Eu já lhe disse isso várias vezes.

— É essa a questão, você é diferente, me conhece melhor do que eu mesmo! Mas ela... É alguém totalmente alheio, de fora.

Assinalei com a cabeça, concordando — Ela é uma boa observadora, Avril me disse que ela enxerga a alma das pessoas.

— Ela lembra a mamãe desse jeito, isso é assustador! Mas eu até que gostei dessa atitude dela, achei admirável.

E ela gosta de você. Só podia gostar para rir das piadas dele sem ser eu, isso era até engraçado de se ver, mas Damien era meio lerdo e às vezes precisava de sinais menos sutis para perceber o interesse.

— E quanto a Avril, você irá se desculpar?

Riu incrédulo — E você acha que um pedido de desculpas iria sumir magicamente com o que eu disse? Ela certamente me detesta agora, o melhor a se fazer é evitar contato.

— Você foi muito rude com ela e sem motivo, meu irmão.

Revirou os olhos — Misty, eu não quero discutir de novo sobre isso com você, não vou mudar minha decisão.

Fechei os olhos e respirei fundo, ultimamente Damien andava muito estressado e isso de certa forma me afetava — Não dá para simplesmente ignorar! O que você vai fazer se eu insistir, me expulsar também? – falei da boca pra fora e isso me surpreendeu, essa não sou eu!

Dam esboçou uma careta triste — Eu nunca faria isso!

Soltei um suspiro, girando a caneca em minhas mãos — Olha, me desculpe por isso – pedi arrependida — Mas é que Avril é uma das poucas amigas que eu tenho, você sabe como sofro para fazer amizades. – desabafei chateada, não sou boa com amizades, porém sei guardar e manter até o fim.

— Eu sei...

— Ela salvou minha vida e não pensou duas vezes antes de salvar a de Noam, isso não é o bastante para confiar nela?

— Não é questão de confiança, Sil. Eu também sou grato pelo o que a tampinha fez!

Franzi o cenho — Então o que seria?

— Talvez com ela na investigação você fique ofuscada e ninguém perceberá que é você quem mais se esforça para desvendar o caso.

— Não tem essa de “você”, Damien. Somos uma equipe, uma parceria, e Avril agora fazia parte do nosso time!

Bufou, desviando o rumo — Pelo pouco que conheci de Avril, não creio que ela iria descontar a raiva dela em você, vocês não continuaram amigas? Isso não muda, eu apenas peço para que me escute dessa vez.

— Isso não seria injusto?

Veio em minha direção, e segurando minha mão com carinho conforme olhava em meus olhos, ele disse — Confie em mim, por favor, alguma vez eu já lhe decepcionei? – perguntou apreensivo. Fiquei decepcionada com sua atitude sim, mas analisando a situação num todo, Dam sempre tinha um plano — Me dê um pouco de credibilidade, acredite em mim quando digo que não odeio a Avril.

Eu queria acreditar que estava tudo bem, no entanto ele parecia agitado demais, suas ações ultimamente eram repentinas e seus olhos desviavam dos meus como se estivesse escondendo algo — Tem algo que queira me dizer? – perguntei encarando-o também — Eu confio cegamente em você, meu irmão, então confie em mim também!

Sorriu — Tem sim! Tem que eu te amo, e você é a melhor irmã que alguém poderia ter – anunciou ao depositar um beijo em minha testa, despois me afagou — Não se preocupe, logo você saberá. Apenas confie, ok?

Suspirei — Ok. – aceitei sem mais relutar. O abracei, dando tapinhas de leve em suas costas e dizendo que ele sempre poderá contar comigo.

Encerrando nossa discussão, meu irmão se ofereceu para ir em meu lugar no mercado e comprar alguns itens da lista que estavam em falta. Não o prendi na conversa, sei que Damien estava com algum problema e que iria contar quando sentisse mais confortável em dizer. A questão era saber o que o havia tirado do sério ao ponto de agir assim.

 

~x~

 

Anoiteceu e alguns dos convidados haviam chegado, encontravam-se circulando pela sala de estar curtindo a música transmitida pelo apareço de som. A comemoração era para ser restrita e particular, porém acabou saindo fora de controle e aumentou a proporção.

Fiquei na cozinha terminando de arrumar a bagunça. De cabeça baixa e distraída, passei o pano de prato pela mesa onde farelos tinham caído.

— Sil?

Levantei a cabeça ao ouvir sua voz, ele estava escorado no batente da porta estampando um sorriso — Ah, oi Thomas! – cumprimentei desligada retornando o foco para o que estava fazendo — Deseja alguma coisa?

— Não, não – respondeu para depois ficar em silêncio por um tempo — Está tudo bem? Você parece nervosa.

Notei pelo canto do olho que ainda vestia sua roupa de trabalho — De fato, eu estou um pouco nervosa. Você sabe o que vem deixando Damien estressado? – direta ao ponto, arrisquei perguntar, afinal o melhor amigo sempre sabe.

— E o que não deixa seu irmão estressado? – seu riso espirituoso era contagiante — Sinto muito, mesmo se soubesse de algo eu não poderia falar – admitiu, então ele sabe de alguma coisa. Já era de se esperar essa resposta, Tommy era discreto e sabia como guardar segredo — Mas eu sei que vem uma tempestade por aí.

Ajeitei a postura e o fitei após terminar de organizar a mesa — Que tempestade?

— Seth...

Revirei os olhos — Não venha você com essa história também, por favor.

— Desculpe se eu trabalho com a lei e me incomodo em fingir que não enxergo certas coisas.

Arqueei a sobrancelha — Ele é um empresário.

— Um homem de negócios.

— Okay, Thomas. Você quer falar de lei? – cruzei os braços e o observei cética — Então vamos começar por sua namorada que é uma ladra de quadros e joias.

Ele não desfez o sorriso — Roxie está trabalhando agora, ela era uma vítima. Ela não faz mais isso – assegurou convicto.

— Irônico é ela trabalhar justamente numa seguradora de itens roubados, ela faz o trabalho de levar e ainda recebe remuneração por devolver.

Desencostou da porta e agora me encarou menos paciente — Ok, já chega. Qual o seu problema com a Roxie?

— Problema algum, Thomas. O que eu quero dizer é que da mesma forma que eu estou errada tapando os olhos para o Seth, você também está errado em fingir que não vê nada.

Fez que não — Discordo, pois Roxie era uma refém, pagou pelos erros de acordo com a lei e agora se acertou com a justiça, porque senão eu não estaria envolvido com ela. Qual é, Silenna, você me conhece tão pouco ao ponto de insinuar que eu trairia minhas virtudes por uma cega paixão? – agora fora ele quem cruzou os braços.

Fechei os olhos e respirei fundo reorganizando meus pensamentos antes de retornar a dialogar — Desculpe, hoje eu estou um pouco descontrolada, aparentemente – reclamei incomodada com minhas atitudes, como mamãe dizia: acordei com o pé esquerdo. Levei a mão ao peito e recordei dela — O que quero dizer é que não posso denunciar meu irmão, seria uma traição com a minha mãe.

Tommy pousou a mão em meu ombro ao se aproximar — Eu sei disso, Sil. Vejo que você está meio mexida hoje, você quer um copo d’água para se acalmar? – balancei a cabeça negativamente e ele aguardou um pouco para prosseguir — Sinto muito, mas se você quer mesmo se tornar uma detetive, não poderá fazer vista grossa.

— E se fosse com Damien, você iria trair sua confiança?

— Iria orientar para que ele parasse com isso e se entregasse, mesmo que isso tenha ocorrido apenas uma vez. Porém, existe uma diferença entre errar por alguns meses com o fato de persistir nas falcatruas por quinze anos. – ele me olhou nos olhos para me aconselhar — Você não é culpada pelos erros dele, não tem que se martirizar. Sil, você não é uma traidora, não estou dizendo para denunciá-lo, apenas para que tome cuidado – avisou, estendendo os braços para oferecer um abraço reconfortante — Você sempre poderá contar comigo.

Aceitei o abraço carinhoso, recebendo tapinhas de leve em minhas costas. Tommy era um bom amigo, sempre muito atencioso. Deixei o peso dos ombros cair e não discuti mais sobre o assunto, sei que Seth faz acordos e aplica golpes, mesmo que eu ainda não tenha provas, não posso negar. Contudo, não posso divulgar seus feitos sem trair a pessoa que me amou incondicionalmente — Não faço isso por ele, faço isso por ela – ressaltei minha afirmação. Mãe Raziel sabia que seu primogênito não prestava, mas em momento algum ela virou as costas para ele.

Depois nos dispersamos. Segui até a sala e cumprimentei os novos convidados, Noam estava correndo pelos cantos com Miranda seguindo atrás dele, protegendo-o. Passei o olhar pela sala procurando por meu irmão, não o encontrei.

Por mais que o ambiente fosse agradável, no fundo eu sentia uma certa tristeza e desejava apenas ficar quieta no meu canto por aquele restante de noite, no entanto não podia fazer isso com a prima Miranda que estava tão contente por ter vencido um caso muito complexo que até mesmo a fez vir de sua casa para cá.

Senti meu ânimo escapar ao soltar um longo suspiro. Fui até a mesinha e enchi um copo de refrigerante, depois dei meia volta e perambulei pelas pessoas trocando uma conversa rápida com uma vizinha nossa. Estava no meio da sala quando ouvi sua voz suave ecoar no pé do meu ouvido, dei meia volta apressada e o observei sorridente — Kane! – exclamei indo até ele e o apertando num abraço.

Sua presença trazia uma energia positiva que enchia meu peito de alegria. Ele grunhiu com o aperto e eu me afastei um pouco o analisando para ver se estava tudo bem, Kane havia deixado a muleta para trás e estava se esforçando para manter-se em pé — Misty, que saudades! – exclamou com os olhos brilhantes.

Pendi a cabeça para o lado — Saudades? Mas nós nos vimos ontem!

Riu — Eu sei, mas não parece que foi há tão pouco tempo!

Senti minhas bochechas arderem, então desviei o olhar e abaixei a cabeça um pouco atordoada. Puxei a mesa de centro e abri espaço para que ele passasse sossegado, depois o escorei até o sofá e o acomodei no estofado — Como você está se sentindo hoje? – ajeitando as almofadas, questionei preocupada.

Ele disse que não precisava de tanto cuidado, que estava tudo bem — Bem, agora meu dia ficou iluminado. E você, por que esse semblante abatido? Notei que ontem você estava agitada – apontou, olhando-me nos olhos.

Respirei fundo, entrelaçando as mãos — É uma longa história...

Assentiu compassivo — Tudo bem, conte-me quando se sentir mais a vontade para falar sobre isso, está bem?

Dei um sorriso tímido — Eu me sinto a vontade agora – admiti, ele sorriu e eu sorri de volta, embaraçada — Vou buscar algo para você comer, aceita uma bebida?

Kane disse que não queria dar trabalho e tentou levantar, o interrompi dizendo que não era incômodo algum e que iria buscar sem nenhum problema. Caminhei apressada até a bancada e puxei uma bandeja onde coloquei uns petiscos, depois preenchi um copo com suco, pois ele estava tomando remédio e tinha que se manter saudável. Quando retornei para sala, o encontrei com um copo em mãos conversando com Tommy. Os dois trocavam risadas, fiquei plantada no meio do caminho feito uma estátua, por fim, decidi não intervir. Dei meia volta e sumi dali, embora estivesse tentando decifrar suas conversas, não queria demonstrar curiosidade.

Não soube responder quando uma amiga de meu irmão perguntou por ele. A campainha tocou e interrompeu nosso diálogo, marchei apressada e girei a maçaneta lentamente, empalideci assim que escancarei a porta. Com mais duas pessoas do lado, sua postura era rígida e o semblante sério. O olhar frívolo e severo dele perdia a intensidade ao olhar para a garotinha logo abaixo de olhos castanhos brilhantes, o cabelo também era numa tonalidade castanho escuro que nem o de mamãe em sua cor natural. No canto estava uma mulher elegante segurando sua mão.

Era Seth, sua filha Zoe e sua mãe, Cathylin.

Moxi. – disse quase uniforme sem se mover.

Engoli a saliva em seco e esbocei um sorriso forçado — Seth, entre! – dei passagem para que entrasse, e quando olhei para trás, esbarrei com Damien encarando nosso irmão mais velho. Ambos fulminaram um ao outro com o olhar como se a raiva de cada um fosse causar uma corrente elétrica. Dam o fitou enojado, deu meia volta e sumiu do meu campo de vista.

— Estou aqui por um único motivo – disse ao passar os olhos pela casa aparentemente nauseado — Podemos conversar a sós?

Pisquei aturdida — Claro, me acompanhe – o guiei até o escritório de nossa mãe. Minha sobrinha e sua mãe se dispersaram durante o percurso.

Abri a porta e disse para que se acomodasse, porém recusou. Seth colocou as mãos para trás e fora caminhando em minha volta com um sorriso astuto como se estivesse cercando a presa, estava ficando tonta com tamanho rodeio. Ele introduziu seu discurso minucioso conforme sondava meu redor, por incontáveis vezes ele iniciou comentando de sua independência, narcisista como sempre.

— Pois bem, Silenna. – deu uma pausa para que eu o olhasse — Dadas às circunstancias, você claramente é a única pessoa apta nessa casa – não perdeu a oportunidade de dizer “além de mim, é claro” — a ter uma carreira brilhante. Isso se você realmente desejar...

— Como assim?

— Digamos que você tem em suas mãos a chance de se tornar uma investigadora de renome. O que você faria?

Arqueei a sobrancelha, pegando a isca — Sem passar por cima de ninguém?

Fez que sim — Mas é claro, quem você pensa que eu sou? – não respondi — É um negócio, um contrato.

Damien diria “Você estaria vendendo sua alma” se estivesse aqui nesse momento. Onde ele estava?

— Tudo o que você precisa fazer é assinar esse documento – Seth apresentou um papel que havia retirado de sua maleta executiva.

Peguei a folha e li o enunciado por cima — Não vou assinar sem ler, o que é isso?

— Isso é uma declaração de que você está vendendo sua parte dessa casa.

— O quê?!

— Para o seu irmão mais velho, é claro.

— E por que eu faria isso?

Meticuloso, ele sorriu — Porque você não é apegada a bens materiais, e se está de mudança, por qual motivo iria empatar a transação de seu irmão?

O fitei desconfiada — E para quê você quer a minha parte? Para ficar com a metade da herança?

— Mais da metade – corrigiu ajeitando a gravata.

— Benedict tem uma parte, ele foi adotado legalmente por nossa mãe! – ressaltei.

— Veja bem, assim que você vender a sua parte ele abrirá mão da dele por aquele rancor todo.

Concluí que seu plano era escorraçar minha família de casa. Cruzei os braços e perguntei mais uma vez — E por qual motivo eu faria isso?

Seth finalmente parou de me rondar, eu já estava meio atordoada com essas voltas, ele caminhou em minha direção e se posicionou em minha frente — Se você me vender a sua parte, prometo pagar um valor acima do mercado e ainda lhe remunerar, posso fazer uma campanha com sua profissão e por patrocinadores detrás de seus feitios, assim em pouco tempo você será uma das detetives mais famosas do estado.

A proposta era tentadora, contudo não irei trair meus irmãos — Quero ser uma detetive, você sabe disso muito bem, no entanto eu sou leal.

Deu de ombros, seus olhos soltavam faíscas — Lealdade tem preço, você não quer comprar a sua casa para abandonar esse navio prestes a naufragar? – atiçou empenhado em me convencer. Assustada com essa comparação, recuei quando se aproximou. Eu mesma tinha usado esse exemplo para dizer que sentia como se estivesse traindo minha família ao sair de casa e agora ele havia usado um termo semelhante para me induzir a ser desleal.

— Apenas irei buscar meu caminho, jamais abandonarei o barco. Pretendo pegar o bote e salvar meus marujos.

Ele conteve o riso, pois demostrar muita empolgação era contra sua política de etiqueta — Vou lhe dar um tempo para averiguar sua escolha, mas pense bem, Moxi. Se me der ouvidos, em pouco tempo terá tudo aquilo que sempre quis.

E em troca farei um pacto com o demônio? Nem pensar!

Afirmei para que desistisse dessa ideia de comprar a minha parte porque não irei em hipótese alguma barganhar a felicidade de meus irmãos pela possibilidade – com ele não havia certeza — de ter uma carreira comprada. Damien e eu viemos lutando até aqui sem passar por cima de ninguém e não será agora que mudarei de escolha.

Encerrei essa conversa por ali e fui tomar um ar fresco ainda digerindo as coisas que Seth disse, a forma como ele demonstrava desprezo por nossa família – principalmente em Bene – me causa repulsa. Estou tentando ser mais paciente, não quero ocasionar uma briga novamente. Damien e ele viviam se esmurrando pelos cantos quando mais novos até o dia em que Seth decidiu que adotar Benedict fora a “gota d’água” e pediu para ir morar com sua avó paterna, a mãe de Louei.

Fechei os olhos e respirei fundo, inspirando para relaxar. Em seguida, saí da varanda e retornei para dentro de casa onde ainda havia uma movimentação. Quando cheguei na cozinha, encontrei uma cena lastimável. Levei a mão à testa praguejando mentalmente, pois centralizando uma discussão, lá estava Seth e Miranda. Havia esquecido por um segundo que os dois se odiavam.

— Festa digna de uma anfitriã como você.

Ela riu — Até porque se eu soubesse que você viria, teria feito no lixão que é de onde você pertence.

— Esse é a melhor insulta que você consegue formular? Acreditei que no reformatório de onde você veio a educação fosse mais... No seu nível.

Miranda passou o dedo debaixo dos olhos e abanou — Oh, eu vou chorar – encenou, depois o encarou cética — Sua presença me causa náusea.

— Achei que sentisse isso só de se olhar no espelho. – ele não deixou com que ela respondesse dessa vez, apenas aproximou mais um pouco e passou a mão por debaixo do queixo dela para que o encarasse — Pobre priminha, deve ter sido difícil para você ser rejeitada tão jovem, não é mesmo? Por isso que você é tão amarga assim? – satirizou e eu não soube decidir se intervia agora ou deixaria ele receber a resposta que merecia.

Escolhi a segunda opção.

Na infância, Miranda veio passar uma temporada aqui – um pouco antes de eu conhecer Damien – e depois de um tempo tornou-se a única sobrevivente após perder sua família inteira num acidente. Seu pai tentou salvar as duas filhas, porém só conseguiu socorrer uma antes de morrer. Ela é filha de Lavínia, irmã de Louie, que sofreu as consequências por ter desobedecido sua matriarca e ter se casado com o pai de minha prima. Quando ficou órfã, sua avó a recusou, pois não queria uma “neta defeituosa”, então mamãe tentou adotá-la até que uma parente próxima conseguiu sua guarda.

Damien afirma que a prima era doce e alegre antes do acidente e que a tragédia a modificou, agora ela é rígida e um pouco frívola, impassível. Todavia, por mais que tente esconder sua alma gentil, ela não consegue ser totalmente impiedosa. Mas é perigosa, e Seth conseguiu atiçar a onça.

Ela ignorou o comentário audacioso — Tire a mão de mim – ordenou retribuindo o olhar desafiador que ele lançava — Ou vai se arrepender.

— Não precisa tentar bancar a durona, eu sei que você não passa de uma pobre coitada que assassinou a família inteira.

Agora eu tinha que interromper — Seth, pare com isso! – mas em resposta, a prima me enviou um olhar raivoso de volta como se ordenasse para que não me intrometesse.

— Como era mesmo o nome dela? Nicolle?

Miranda o encarou com um sorriso fugaz estampado em sua face, e com uma destreza, ela habilidosamente o prendeu pelo braço para trás num movimento brusco. Seth debochou tentando manter a pose elegante sem ralhar de dor, naquele instante eu me senti dividida mais uma vez. Nas brigas com Damien, eu podia interromper, mas aquela era pessoal e bem mais antiga.

— Você diz me repugnar, mas o sangue que corre em minhas veias também corre nas suas – provocou. Ele estava “apanhando" e ainda assim continuava incitando uma rixa, isso não iria acabar bem!

— Concordo, mas o caráter que corre em minhas veias não tem nem um resquício na sua – rebateu o apertando mais um pouco, ele mordeu o lábio para não grunhir. Decidi que era válido seu sofrimento um pouco, ele fez por merecer — Não vai pedir desculpas?

Riu desdenhoso — Eu pedindo desculpas? Eu tenho sangue azul!

Ela deu de ombros — Está bem, então arque com as consequências – falou segundos antes de o golpear contra a mesa, e com uma agilidade para obter esse resultado, ela o desequilibrou. Depois o soltou e ele cambaleou meio atordoado.

Apressei em me entrepor entre os dois — Vocês dois estão loucos?!

Ela prosseguiu impetuosa — Você chama isso de sangue azul? O seu sangue é verde de tão podre que está – dito isso, ela esfregou as mãos como se algo pegajoso a incomodasse — Tenho que ir lavar minhas mãos antes que isso me contamine – só então percebi que estava manchada.

Seth riu — Isso é o melhor que pode fazer?

Miranda ignorou e continuou seu caminho passando ao meu lado — Peço desculpas por isso, Silenna. Não se preocupe, vou dar uma volta para espairecer e depois venho arrumar minhas coisas, amanhã cedo estarei de partida. – avisou árida. Logo após disso, saiu suavemente como se estivesse desfilando esbanjando um sorrisão vitorioso.

Voltei o olhar para Seth que agora estava sendo atendido por sua ex esposa — Você viu o que aquela bárbara fez? – perguntou ao se recompor. O oposto do que esperava, ele manteve um sorriso triunfante em seu rosto como se tivesse pedido por aquilo — Quero ver até onde vai a carreira daquela primitiva! Vocês estão todos de prova!

Então era essa sua intenção? Provocar Miranda para que ela o acertasse e assim ele pudesse processá-la? Mas por qual motivo ele iria querer comprar uma briga com ela a essa altura do campeonato? Por que escolher justamente ela?

— Ninguém aqui vai depor contra ela – finalmente Damien apareceu, até achei que estivesse fora de casa. Ele estava com o semblante sério, os olhos raivosos e postura rígida. Parecia um soldado pronto para a guerra — E quando a você, faça o favor de se retirar daqui que sua presença não é bem-vinda.

— Essa casa também é minha, esqueceu disso?

— Ou você saí daqui agora com suas próprias pernas ou um nariz quebrado vai ser a menor das suas preocupações.

Seth concordou rindo em deboche, reuniu a família e antes de sair parou em minha frente para dar um recado — Veja como é essa situação, é isso que você quer para o resto de sua vida? Estou lhe oferecendo a alforria, se eu fosse você, pensaria com carinho. Não é todo dia que uma oferta tão boa quando essa surge em sua frente – persuadiu tranquilamente convencido de que seu discurso iria me vencer.  

Mas pelo contrário, a palavra “alforria” me causou arrepio em consideração aos meus antepassados que foram escravizados. Isso me incomodou muito, e Damien pareceu ter notado isso, então logo tratou de despachar Seth e toda a nuvem carregada que ele trouxera consigo, para depois retornar apressado ao meu encontro.

Diferente de suas últimas reações, Dam me entrelaçou em seu abraço e afetuosamente me escutou — Está tudo bem agora, Misty. O monstro já se foi, pode abrir os olhos – disse carinhosamente encostando minha cabeça em seu ombro. Sua voz já não soava mais ríspida e raivosa. Estou cansada, nervosa e me sinto mal, sentia saudades de um momento menos tumultuado, e ele se dispôs a ouvir atentamente o meu lamurio sendo interrompido constantemente pelos soluços de meu pranto sem protestar.

 


Notas Finais


E como é que Seth sabia da mudança? 👀
O capítulo saiu um tanto extenso, estava até menor mas como cismei com alguns pontos, acabei aumentando na correção ;-;

Espero que tenham gostado, nos vemos no próximo, sim? *u* 💖


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