Naquele dia após as aulas pela manhã, depois de ter sua refeição em família, Frisk falou algo que deixou seus pais extremamente perplexos e sem reação.
- Mãe, Pai. - Disse já na soleira da porta de entrada, calçando seus sapatos. - Estou indo no circo, volto mais tarde.
Os pais a ficaram encarando. Aquela era mesmo sua filha? Sua amada ratinha de livros que não saia da toca, faça chuva ou sol? Concordaram com a cabeça acenando para ela, no modo automático, vendo logo depois ela sair e fechar a porta.
Seus pais não iriam entender, mas Frisk não estava apenas saindo para se divertir. Ela tinha uma missão, uma arriscada missão que precisava cumprir! Passara dias a fio, planejando os próximos passos, estudando nos antigos livros empoeirados da biblioteca, todo os tipos de truque, segredos e artimanha que os circos de época costumavam utilizar. Mas estranhamente, muita coisa que ela aprendeu, não fazia sentindo com o que tinha visto lá, e para entendê-lo, precisa fazer uma pesquisa de campo, observar pessoalmente e juntar todas as peças necessárias para conseguir desmascarar os charlatões, e acabar com todas as fantasias criadas em seu entorno, mostrando para todos a verdadeira face disto.
Caminhou até a porta da garagem e pegou sua velha bicicleta vermelha que estava encostada na parede. Não havia ônibus que levasse ao circo, então ela teria que dar umas pedaladas para chegar ao local.
Ela passara a semana programando e arquitetando seu plano, tivera até mesmo que conversar com alguns colegas de turma para ajudá-la. Eles, típicos vândalos, iam para o Freak Show todos os dias, foi o que escutou em uma de suas conversas na classe. Sempre falando de como estavam batendo todos os recordes na tenda de lançamento de círculos nas garrafas, ganhando os prêmios do lugar. Frisk sabia que eles eram de família humilde, e por isso ficou curiosa para saber como eles estavam conseguindo os ingressos de entrada.
O Freak Show, vendia dois tipos de ingresso: um para a visitação do local das tendas, com suas lanchonetes, bares e barracas de jogos, e o outro para o espetáculo.
- Sabe guria, não vai acreditar no quão fácil é entrar sem ser percebido. - Disse o garoto ruivo, mastigando uma das balas que Frisk ofereceu em troca de informações. - Pegando uma velha trilha que sai da estrada entrando na floresta, antes da entrada do circo, você vai parar detrás da tenda principal, o local está cercado, óbvio, mas perto da caçamba de lixo o arame está cortado.
E era para lá que Frisk estava indo agora, andando com cuidado na tal trilha. Ela sabia que era errado entrar no local sem pagar o valor de bilheteria, mas ela não estava indo para se divertir, e sim para espionar! Ela teria que ser discreta para ninguém lhe notar. Todavia, comprando o ingresso e entrando pela porta da frente, com certeza já deixaria óbvio sua presença.
Havia deixado bicicleta encostada em uma árvore próxima a estrada, antes da trilha, passando o cadeado no tronco. Tinha certeza de que aqueles garotos não eram os únicos a pegar esse caminho, e não queria perder o veículo da volta para casa. Chegou até a cerca mencionada, empurrou a lixeira um pouco para o lado, passou pelos arames cortados e a voltou pra antiga posição. Já estava lá dentro, tarde demais pra desistir.
Realmente o caminho dava para detrás da imensa tenda vermelha e branco, demorou um pouco, mas conseguiu contorná-la. Escondida atrás de umas caixas, observou os funcionários caminhando pelo local. O circo estava fechado para visitações naquele horário, não havia nem mesmo pessoas nas barracas de jogos. Pequenos monstros pulando e correndo de um lado ao outro, fazendo seus respectivos serviços.
Frisk ficou se perguntando o porquê daquelas crianças estarem usando a fantasia mesmo em tarefas normais, mesmo sem precisarem se apresentar. Alguns fantasiados de sapos, coelhos, e vários outros animais, quase todos bípedes antropomórficos, alguns andavam com quatro patas. E ficou também imaginando o tamanho desconforto que eles deviam sentir, ela realmente queria ajudá-los a se livrarem de tais maus-tratos.
Já estava há uns bons minutos escondida, anotando no bloquinho de notas tudo o que achava de relevante, mas precisava explorar o local para saber mais, pensava em entrar na grande tenda, olhar por detrás das cortinas e vê o que tinha lá dentro, resquícios das maquiagens e fantasias usadas, dos truques de mágicas e encenação. Também pensava em voltar ao espaço dos trailers, ainda estava curiosa acerca do grande trailer vermelho e dourado!
- Ei, tipo assim, você é nova aqui?
Agarrou o caderno com força, contra sua barriga. A essa altura faltou-lhe o ar e o peito gelado, batia compulsivamente rápido. Olhou para trás assustada e viu uma estranha figura, agachado junto a ela, encarando-a com curiosidade.
- Tipo, nunca te vi aqui, o que está fazendo? Wow, você é algum tipo de espiã? Isso é tão maneiro.
Era um garoto, definitivamente, estranho. Sua pele era amarelada, escamosa. Sua cabeça não possuía nenhum sinal de cabelo, apenas uma série de pequenos chifres que iam descendo do topo até o percurso de suas vértebras. Ele usava um bolero listrado, amarelo e marrom e calças sanfonadas. Se as escamas e chifres já causavam surpresa, outros dois fatos provocavam muito mais. Ele não possuía braços, mas havia uma longa e grossa calda, um prolongamento de sua coluna que descia até depois dos pés.
- Posso ser um espião também? Tipo assim, vai ser muito maneiro, adoro esse lance de perigo, tipo, se aventurar e correr riscos.
O garoto tinha um grande sorriso na face, acompanhado de um olhar brilhoso e pidão. Frisk não poderia arriscar tudo por água abaixo por causa dele, quem iria garantir que ele não iria atrapalhar? Mas, talvez ele fosse útil, quem melhor poderia conhecer o local senão um de seus moradores? Ela respirou fundo e assentiu com a cabeça para o monstrinho, que logo ficou ainda mais animado.
- Isso vai ser demais! Vai ser, tipo, como nos filmes!
- É…
A garota explicou brevemente para ele as três regras básicas: Não podem ser vistos, não podem chamar a atenção dos outros e o mais importante, ele deveria fazer tudo o que lhe fosse mandado. Bom, Frisk logo percebeu que de nada adiantou explicar as coisas para ele, sua euforia era tamanha, que lhe tomou toda a sua atenção. Começou a correr desenfreadamente pelo o local a chamando e guiando, vez ou outra caindo de cara no chão pela falta de equilíbrio, se levantando logo em seguida. A menina nada podia fazer, a não ser seguí-lo.
Primeiro verificaram a grande tenda, ele lhe garantiu que não havia ninguém no local naquele horário. Adentrando atrás da cortina, o lugar estava escuro e mal iluminado, e Frisk não pôde deixar de soltar um suspiro de decepção, não havia praticamente nada de relevante ali. Não havia nem mesmo muitos figurinos ou maquiagens, pouquíssimos estavam no local, imaginou que cada pessoa se preparava no seu próprio trailer ou camarim, e somente os que fariam uma rápida troca de personagem entre uma apresentação e outra, deixavam elas no local. Isso se não as trouxessem apenas na hora do espetáculo, devidamente arrumadas e limpas.
Ela observou também alguns dos objetos utilizados no show. Alguns dos truques de mágica, um enorme tiro ao alvo humano, bambolês, e tantos outros que Frisk com certeza não viu antes, por não prestar atenção no dia que assistiu ao show. A menina ficou encarando a grande roda pintada com circunferências vermelhas, azuis e brancas. Nele, havia dez buracos, perfeitamente redondos.
- A Undyne é muito boa, nunca erra o alvo! Ela é tão maneira, um dia, eu quero ser que nem ela. - O monstrinho tinha um enorme sorriso no rosto. - Aí, você devia conhecer ela. Ela é, tipo, a melhor de todas!
- Acho melhor não… Já falei que não posso ser vista. - Frisk gostaria de acreditar no garoto, mas achava que aqueles buracos não significavam um tiro certeiro, mas sim o local exato para uma pessoa colocar as facas por trás da madeira, perfeita ilusão. -Mas e você, o que faz no show?
O monstrinho ficou cabisbaixo e falou quase num sussurro:
- E-eu ajudo na limpeza… Não sou tão importante como os outros.
- Então por que usa a fantasia?
- Que fantasia? Essa é minha roupa normal.
Frisk se aproximou curiosa, ela esticou a mão na direção do rosto dele, pretendendo tirar aquela máscara ou maquiagem que ele usava. Ele deu um passo para trás assustado.
- Aí, o que você acha que tá fazendo? Tipo assim, é melhor parar, não que eu esteja assustado, sou corajoso que nem a Undyne!
Ela tinha a faca e o queijo nas mãos, sua prova estava bem na sua frente, só precisava retirar a fantasia do garoto para provar a farsa. Mas ao se aproximar de novo as luzes do local se acenderam.
- Hey nanica, o que está fazendo aqui?
Olhando para trás e viu o conhecido esqueleto, apoiado na parede pressionando ainda o interruptor de luz. Ela percebeu que o monstrinho olhou assustado para ele, tremendo, sussurrou um pedido de desculpas e correu para fora dalí.
- E não me lembro de você ter passado pela bilheteria. Hehe Está querendo ter um mau momento, garota?
O ar ficou mais pesado, uma grande tensão estava presente. Frisk sentiu seu corpo paralisar e o coração disparar, e um estranho sentimento surgir em seu corpo. Medo. O rosto do esqueleto estava sombrio, suas órbitas escuras, mas o estranho sorriso ainda intacto.
- Vamos, me acompanhe até a saída.
Sem falar nada, mesmo se quisesse não conseguiria, a menina foi seguindo Sans. Eles saíram da tenda e logo depois foram em direção a entrada do Freak Show, passando pelo caminho das barracas. Alguns outros funcionários olhavam curiosos para eles, perguntando em cochichos entre si o que estava acontecendo e quem era a garota. De relance, Frisk viu seus rostos pavorosos e preocupados, eles tinham medo de algo, e ela se perguntava se era do esqueleto.
Continuaram a caminhada até a entrada. Sans parou e acenou para ela prosseguir, ao passar na frente dele, ele segurou sua mão com força a forçando olhar para ele.
- Ei pirralha, se eu fosse você, não voltaria mais aqui. Existem coisas que é melhor não serem remexidas, nunca se sabe se vai gostar do que irá encontrar.
Frisk engoliu em seco e soltou sua mão da dele, fechando os olhos com força, o nervosismo ainda presente. Mas ao abri-los, o esqueleto não estava mais lá. Desapareceu, assim como das outras vezes. A garota se pôs a correr com lágrimas nos olhos, finalmente alguma reação após a grande tensão, como se seu corpo só agora voltasse ao estado normal. Foi em direção a sua bicicleta, destrancou o cadeado e logo subiu nela, pedalando rápido, depressa, como se sua vida dependesse disso.
O que foi aquilo? Ela se perguntava. Por que estava sentindo tanto medo? Não era um medo normal cotidiano, era mais um pavor, pavor do desconhecido, do incompreensível, da ameaça. Sua mente borbulhava, tentando entender o que se passou, travando uma batalha interna, questionando seus próprios valores e crenças. Era ridículo, ela estava começando a pensar que monstros realmente existiam.
Tudo por causa daquela aura, daquela estranha aura azul ameaçadora que cercava o esqueleto.
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