• LOUIS •
A ideia de que Marly estava ali foi desconfortante. Ela estava com a irmã e disse que Carly não tinha parado de falar em mim a semana inteira. Claro que fiquei sem jeito quando atendi a porta e vi Marly, que sequer tinha telefonado para avisar.
Senti um enorme receio de que Taylor pudesse descer a escada a qualquer momento e voltei a atenção para as irmãs à minha frente, pronto para saber o que Marly queria. Buscando ser educado, perguntei se queriam beber alguma coisa e dei alguns doces para Carly, que tinham sobrado do aniversário do Tiago.
— Como soube que eu estava aqui?
— Bom — Marly sentou no sofá e observou a casa —, sua mãe me contou que você estava na casa da sua namorada, e então eu pedi todas as coordenadas. Não foi difícil encontrar a casa dos Hampton.
— E como soube onde ficava a minha casa?... — Eu não queria ser inconveniente, é claro, mas aquilo era de se estranhar.
— Minha tia contou.
— Certo — falei, ainda desconfortável.
— Calma, eu só queria saber como você estava — continuou Marly, rindo de mim. Eu estava tentando evitar ao máximo a minha desconfiança, mas deduzi que ela já tivesse percebido. — Não estávamos nos falando e eu fiquei preocupada.
— Estou seguindo com a maré...
— E isso significa o quê? — perguntou ela, interessada. — Não está feliz? — Processei aquela pergunta e pensei na minha vida. Pensei na Taylor e em como tudo estava correndo naqueles dias. Eu pensei na distância que estávamos tendo e me surpreendi com a minha resposta.
— Acho que as coisas não estão boas.
— Por que não estava atendendo as minhas ligações? — Me assustei com a sua pergunta brusca, afinal de contas, eu havia esquecido que estava ignorando as chamadas e os pedidos dela para dar um passeio.
— Desculpa, Marly. — Olhei para a escada novamente, agitado. — Eu não estava tendo tempo. Depois do que aconteceu, tenho andado mais aqui do que em qualquer outro lugar.
— Depois do que aconteceu?
— Sim, depois que o pai da Taylor morreu.
— Entendo. — Marly respirou fundo e acariciou o cabelo da Carly ao seu lado. — Eu não quero incomodar nem nada do tipo, mas já que estou aqui… — Marly me olhou, um tanto ansiosa. — Taylor está lá em cima, certo? — Assenti e ela prosseguiu: — Então você poderia me apresentá-la, o que acha?
Rapidamente me levantei, a fim de me manter longe dos seus olhos. Marly não sabia que eu não havia contado sobre ela à Taylor.
— Eu não sei se está no tempo certo.
— Ah, Louis, vamos lá. — Ela também levantou e sorriu, como se estivesse prestes a aprontar alguma travessura. — Qual é o problema?
— É só que Taylor ainda está muito mal por causa da perda recente, então eu não sei se ela está em condições.
— Vai ficar tudo bem, eu prometo.
Me perguntei o porquê de ela estar tão interessada. Talvez eu estivesse mesmo sendo muito tolo e egoísta e elas realmente pudessem ser amigas? Continuei pensando em tudo, olhando para a escada e, depois de quase um minuto de silêncio, percebi que Marly poderia ter razão e que eu estava preocupado à toa.
Só que então eu deixei as duas conversando lá em cima e, depois de Marly ir embora, me perguntei se aquilo foi uma boa ideia. O modo de agir da Taylor foi totalmente o contrário do que eu esperava. Ela estava esquisita. Eu até gostaria de ter recebido alguns tapas, afinal de contas, daquela vez eu merecia. Só que não foi aquilo o que aconteceu.
Prometi a mim mesmo que não deixaria as duas sozinhas de novo, afinal, a expressão da Taylor quando Marly entrou no quarto foi pior do que qualquer coisa. Percebi o quanto fui burro.
Expliquei a ela tudo o que havia acontecido naqueles dias. Falei sobre Marly Cooper e, mesmo que Taylor apenas tivesse ficado deitada de lado, sem me olhar e totalmente fora de foco, me senti com um peso menor nas costas. Era difícil estar com alguém sem tanto nível de ego. Taylor não tinha consciência do que era e aquilo dificultava as coisas.
Aquele era o seu pior defeito.
[…]
— E então? — perguntei, quando entramos no refeitório da escola. — O que acharam das provas de hoje? — Os exames haviam ocorrido vinte minutos depois de muita tensão e barulhos nervosos. Não foi algo difícil e eu me senti bem comigo mesmo por ter conseguido estudar o necessário.
— Não sei se me saí bem — respondeu Jane, nervosa. — Estou com medo. — Logo nos sentamos à uma mesa vazia e fiquei de frente para ela e Taylor.
— Não foi tão horrível — eu disse, mais focado na minha comida. — Sinceramente, pensei que fosse pior.
— Você diz isso porque é um nerd incubado — retrucou Jane, em tom de brincadeira. O refeitório estava barulhento e se ouviam risadas por todo o lugar. Os alunos não pareciam mais preocupados com os exames.
Dei uma olhadela para trás e vi a mesa de Adrian Carrington, cheia de garotos e algumas garotas. Felizmente, ele não deu nenhum sinal de que viria até ali nos falar sobre a experiência do seu exame. E fiquei contente com aquilo.
— Não sou nerd, é só que…
— Hã…, me deem licença — alguém me interrompeu e percebi que era Taylor, em seu tom distante e neutro. Ela havia levantado e saído, sem falar mais nada.
— Pra onde ela vai?
— Talvez ao banheiro — respondeu Jane, olhando na direção onde Taylor havia saído.
Aquelas suas saídas súbitas haviam se tornado um tipo de rotina. Sempre que estávamos Jane e eu brincando ou rindo, ou talvez envoltos de barulho demais, era o que acontecia. Ela saía e às vezes voltava. Quando não voltava, se desculpava quase aos choros, explicando que não tinha se sentido bem.
Não achei que aquilo tivesse relação com o dia em que conheceu Marly Cooper, porque antes daquilo Taylor já tinha aquelas atitudes. A Taylor que eu conhecia não gostava de multidões, mas o fato nunca chegou a ser um incômodo quando ela estava comigo ou com Jane. No entanto, naqueles dias, suas atitudes começavam a sair do limite.
— Escuta — murmurei, atento —, tenho algo pra contar. — Parei de comer e pus a minha atenção na Jan (a sua opinião era importante).
— O que você fez?
— O que faz você pensar que eu fiz alguma coisa? — eu quis saber, já me sentindo ofendido. — Não há nada de mais, acredite.
— Bom — ela me olhou e mordeu o sanduíche —, mas a sua cara não nega. — Franzi o cenho e tentei manter uma postura melhor. Olhei pra mesa do imbecil do Adrian e ele continuava absorto na sua conversa com os jogadores.
— MarlyfoiatéacasadaTaylor — falei rapidamente, não entendendo a vergonha que eu estava sentindo. — Aconteceu há alguns dias atrás.
— Como é? — perguntou Jan, confusa.
— Lembra de Marly Cooper, a prima do Henrik? Ela foi até a casa da Taylor — eu disse, e então Jan ficou me olhando, com o sanduíche parado em direção à boca.
Não consegui entender a sua expressão.
— Como é?
— Você me entendeu.
— E o que diabos ela foi fazer lá? — perguntou Jane, perplexa. Logo expliquei tudo e Jan parecia incrédula a cada palavra que saía da minha boca. — Não acredito que você fez isso…
Ela deu um tapa na própria testa e afastou a bandeja de comida. Olhei na direção onde Taylor havia saído e comecei a sentir a sua falta, porque estava claro que ela não voltaria.
— Eu não fiz nada — rebati, irritado. — Ela apareceu lá do nada e eu fiquei sem entender porcaria nenhuma. O que eu poderia fazer? Expulsá-la?
— E por que ela quis conversar com a Taylor sozinha no quarto, hein? — perguntou Jane, desconfiada. — O que ela disse?
— Eu perguntei isso enquanto explicava tudo sobre a Marly — respondi, também confuso —, e Taylor disse que a Marly queria ser... queria ser amiga dela.
— Não 'tô gostando nada disso — comentou Jan, cruzando os braços. — Realmente não 'tô gostando nada. Isso não cheira bem.
— Não deve ser nada de mais — eu disse, tentando defender a idiotice que eu mesmo havia feito. — Eu disse a você que a Marly não tinha amigo nenhum em Londres.
— Pode ser mesmo que ela queira apenas amigos — concordou Jane, ainda pensativa —, mas eu continuo não gostando.
— Onde ela está? — Olhei novamente para onde Taylor havia saído e esperei o seu cabelo escuro aparecer. — Sumiu mais uma vez...
— Sabe o que eu acho?
— O quê?
— Acho que ela está com depressão.
Era certo que eu queria ter respostas para o porquê da Taylor estar piorando a cada dia, mas eu nunca havia pensado que poderia ser aquilo, que poderia ter chegado em um ponto tão sério.
— Não sei se é realmente isso.
— É claro que é isso. — Jane suspirou, cabisbaixa. — Para alguém que é obcecado pela saúde, você deveria saber disso melhor do que eu.
— Mas o jeito que ela está é normal — insisti, querendo não acreditar naquilo ainda. — O que aconteceu é recente, ela precisa apenas saber como vai conviver com isso.
— Ah, Louis... — Jane revirou os olhos, impaciente. — Não vamos enganar ninguém, você a conhece, eu a conheço. Sabemos como ela é e eu tenho certeza de que vai demorar bastante para que ela consiga conviver com isso, você não acha?
— Sim, mas…
— Só não vamos desistir — ela me interrompeu, séria. — E você precisa encarar a realidade. Para de tentar não enxergar as coisas.
Fomos para a sala de aula depois daquela conversa. Obviamente, Taylor estava lá, distraída o suficiente com a parede para não perceber a nossa chegada.
Fiquei mais atento do que já fiquei na vida nos dias que se passaram. Realmente eu não poderia negar que era aquilo o que estava de errado com ela. Taylor havia entrado em um estado de tristeza absoluta, por isso esteve tão isolada; por isso viveu pedindo desculpas; por isso esteve tão aérea e distraída.
Depressão...
Ela estava com depressão.
Aceitar aquilo não foi fácil e eu precisei me dividir em quatro para tentar mudar a situação. Eu tentava de tudo, dizendo que estava do seu lado, que não a deixaria por nada naquele mundo, que tudo aquilo passaria quando ela menos esperasse...
Só que, a cada dia, tudo parecia piorar e eu já não tinha ideia do que fazer. Eu não sabia como estava conseguindo ter tempo para pensar nas provas, porque eu realmente não me importava com aquilo – e nem comigo mesmo. Era difícil ser racional quando alguém que você amava estava na pior.
Nos dias em que não era a minha vez de dormir em sua casa, eu não me sentia nada bem longe dela. Eu me sentia perdido e era como se eu não estivesse me esforçando o suficiente. Tudo aquilo já havia trazido a discussão, até mesmo com a minha própria mãe, que dizia não gostar quando eu faltava aos jantares com ela.
Na escola era tudo muito pior e Taylor agora tinha saídas súbitas durante as aulas. É claro que ela foi chamada na diretoria mais outras cem vezes, porque começou a matar aulas dentro do banheiro feminino. Jane sempre precisava trazê-la de volta e eu percebia o quanto estava sendo cansativo pra ela, já que a gravidez a tornou mais impaciente e emocional do que a própria Taylor depressiva.
A sensação de impotência também tomava posse de mim. Taylor não falava mais comigo direito e, sempre que eu tentava conversar sobre os seus sentimentos ou pensamentos, acabávamos nos distanciando mais e mais. Continuei ignorando Marly Cooper e, às vezes, explicava o motivo pelo qual eu não tinha tempo para conversarmos. O bom era que ela sempre compreendia. Marly não havia mais aparecido na minha casa ou na casa da Taylor, e eu fiquei contente com aquilo.
Como ela estava em um estado horrível – e até Tiago já havia melhorado –, eu tentava sempre fazê-la sair um pouco de casa. Houve um dia, depois da escola, que foi quase um desespero pra mim. Estávamos Taylor, Jane e eu na Starbucks. As provas haviam acabado e estávamos na segunda semana do mês de abril. Os resultados já haviam saído e, como era de se esperar, as notas da Taylor não foram a melhor de todas.
Jane e eu havíamos nos dado bem, mas resolvemos não comentar sobre aquilo. Ela também concordou em agir como se o acidente com George Wells não tivesse acontecido, para que Taylor não se sentisse pressionada a nada. E sempre conversávamos sobre outra coisa, mesmo que Taylor continuasse no seu Novo-Habitual-Silêncio.
— Ora, é claro que não — Jane havia dito, dando algumas risadas. Falávamos sobre a possibilidade do bebê ter mais as características de Jack Mayson, que agora andava mais próximo dela do que eu imaginava. — Ele vai parecer mais comigo, você vai ver.
— Desculpem, mas... — Era Taylor quem havia dito aquilo e ela já se levantava, olhando pra saída da Starbucks. — Eu tenho que…
— Ei, pra onde você vai? — perguntei, segurando sua mão.
— Eu... eu preciso tomar um pouco de ar — respondeu ela, se soltando de mim. Depois saiu rapidamente, antes que eu dissesse qualquer coisa.
— Espera aqui, Jan — pedi após alguns segundos, deixando algumas libras sobre a mesa e saindo em seguida. Ao colocar os pés para fora do estabelecimento, olhei pros lados e, a uma pequena distância, vi a silhueta da Taylor se afastando no decorrer dos segundos, abraçada ao próprio corpo. Eu a chamei, mas ela simplesmente continuou andando, me ignorando por completo. Assim, precisei correr para alcançá-la. Quando consegui, segurei o seu braço e a parei. — O que foi?!
— Preciso respirar um pouco — respondeu ela, e já estava chorando muito. — É só isso, não se preocupa.
— Respirar? Você estava indo embora — eu disse, muito óbvio. — Se queria ir pra casa, então por que não avisou? Não precisava sair do jeito que saiu. Aliás..., você tem que parar de fazer isso, Taylor. — Não consegui falar aquilo em um tom calmo, porque já estava irritado com a falta de comunicação.
— Desculpa — foi a única coisa que ela disse, e então abaixou a cabeça para continuar chorando. Peguei o celular e mandei mensagem para Jane, avisando que iríamos embora. — Louis?
Me assustei depois de pôr o celular no bolso, e então me senti esperançoso, achando que Taylor iria desabafar ali mesmo.
— Sim?
— Será que você poderia me levar até a casa do papai? — Fiquei olhando seu rosto durante alguns segundos e senti um aperto enorme no coração. Taylor já era importante pra mim, mas a cada dia que passava parecia que aquilo aumentava mais e mais.
— Ah, Taylor...
Suspirei e passei a mão pelo cabelo.
— Se você não pu-puder, eu…
— Shhhh... — Puxei Taylor delicadamente para um abraço e acariciei o seu cabelo. — É claro que eu levo você.
[…]
Tentei ser o mais rápido possível enquanto a levava até a casa do George, e isto porque eu não aguentava mais vê-la chorando ao meu lado.
Quando chegamos, Taylor saiu do carro e rapidamente seguiu o caminho até a porta da frente. O jardim não estava mais seco da maneira como esteve da última vez. Na verdade, a grama estava bem verde e brilhante, e havia novas plantas por ali, acompanhadas de flores.
— Por que estamos aqui? — cochichou Jane, enquanto andávamos.
— Porque ela quis — respondi, vendo Taylor pegar em uma chave debaixo de um vaso de flores. Logo ela entrou e não tive vontade alguma de segui-la, porque no fim eu só a veria chorando como se o mundo estivesse se evaporando. — Eu não poderia negar o pedido.
— Aqui está bem bonito — comentou Jane, já andando em direção à porta enquanto observava o antigo jardim de George Wells. — Chega a ser comovente.
Eu a segui (depois de um longo suspiro) e acabamos por entrar na casa. Estava uma zona lá dentro: caixas de papelão se concentravam no centro da sala de estar; bolinhas de esponja sujavam o chão e os eletrodomésticos de George haviam sumido.
— Acho que a família dele vai vender a casa — deduziu Jane, dando algumas voltas pela sala de estar.
Depois daquilo, ouvimos um soluço nos fundos da residência e eu logo me vi andando até lá. Fomos até o quarto onde Taylor provavelmente estaria e a vimos sentada na cama, que antes era do seu pai. Ela segurava um retrato nas mãos e ao seu lado havia um pequeno caderno.
Sentei, muito cauteloso, e o peguei.
MEUS CONTOS PREFERIDOS DO POE.
Logo, comecei a ler o conto chamado Só e imaginei o pai da Taylor passando aquilo para o caderno, com uma xícara de chá sobre a mesinha no centro da sala e ao som de Mozart.
Senti uma ligeira compaixão.
Desde a infância eu tenho sido
diferente d'outros – tenho visto
d'outro modo – minhas paixões
tinham uma outra fonte e
minhas mágoas outra origem – no mesmo tom não despertava
o meu coração para a alegria –
o que amei – eu amei só.
[…]
Ele era um homem sozinho e dava pra perceber. Me peguei imaginando estar em seu lugar: meio solitário e ainda amando a ex-esposa. Aquilo era terrível. Assim, fechei o caderno e olhei para a garota ao meu lado. Aqueles seus olhos vermelhos que agora haviam se tornado quase normais aos meus; o inchaço sob os mesmos e as olheiras mostrando o quão cansada ela estava.
Eu precisava de ajuda para ajudá-la.
Mas o que eu poderia fazer?
Muitos usuários deixam de postar por falta de comentários, estimule o trabalho deles, deixando um comentário.
Para comentar e incentivar o autor, Cadastre-se ou Acesse sua Conta.