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História Friends - Louis Tomlinson - 089. Perfume


Escrita por: sunzjm

Capítulo 89 - 089. Perfume


Fanfic / Fanfiction Friends - Louis Tomlinson - 089. Perfume

TAYLOR •      

— Eu quero voltar pra minha casa, Adrian. — Assim, peguei a mochila que eu enchi com roupas e outras coisas que eu precisava. — Agora!     

— Que história é essa agora? — perguntou ele, se aproximando cautelosamente. Me afastei na mesma hora, procurando me manter calma e com o ar confiante que estava.     

— História nenhuma — rebati, sem pestanejar. — Eu quero ir embora daqui, não entendeu?     

— Por que isso agora? — ele quis saber, pondo as mãos nos bolsos. Será que ele sabia das coisas que Marly havia feito? Ou ele me ajudou a fugir porque realmente estava tentando ser uma pessoa legal? 

Decidi que não importava qual era a resposta, apenas falei:    

— Eu sei o que ela fez.     

— De quem você está falando?      

— Marly! — exclamei, desesperada. Eu desejava muito que Adrian não achasse que eu estava enlouquecendo por ter passado todos aqueles dias enfiada em um quarto de apartamento. — Ela planejou tudo aquilo contra mim, entrou na minha casa e virou a minha amiga para acabar comigo. Ela mentiu esse tempo todo, disse que a minha vida melhoraria depois que eu me drogasse, disse que eu só teria a ganhar com tudo aquilo. Mas não, porra! Ela me manipulou, aproveitou que eu estava de luto e fez toda a minha cabeça. Ela mentiu pra mim esse tempo todo!

Fiquei orgulhosa de mim por não ter derramado um pingo de lágrima por causa da Marly, apenas deixado transbordar a minha raiva perante aquilo tudo.     

— E agora eu quero que você saia da minha frente e me deixe sair — continuei, apertando a alça da mochila fortemente. Antes mesmo que ele falasse algo, ameacei sair.    

— Eu não posso deixar isso acontecer — disse Adrian, ficando na frente da porta. — Sinto muito.     

— Você disse que não estava me prendendo...  

— Mas pelo jeito eu vou ser obrigado a fazer isso — falou ele, sério e calmo demais. — É o que você está pedindo.    

— Você está ajudando a Marly nisso também? — joguei, perplexa. — Por isso não vai me deixar sair?   

— A situação é totalmente outra — ele respondeu, sem precisar pensar —, você não entenderia. 

— Eu tenho que voltar pra minha casa — sussurrei, quase sem forças e começando a chorar. — Sai da minha frente agora! — Não seja fraca, sua tola!, eu me repreendi, fui manipulada aquele tempo todo e agora deixaria que qualquer um me impedisse de fazer o que eu queria? — Você não manda em mim — falei, tentando bater nele e afastá-lo da porta. — Sai da minha frente ou eu vou gritar!

É claro que aquilo não deu em nada.    

— Qual é a sua? — disse ele, me barrando. — Isso aqui não era o que você queria? Não foi você mesma que pediu a ajuda da Marly para fugir daquele lugar, daquela “prisão”? Isso aqui, Taylor — ele tirou do bolso do casaco vários saquinhos com heroína e os jogou no chão, me humilhando —, não era o que você queria?! Você não queria viver em paz com a merda das suas drogas? Não mentiu daquele jeito para as pessoas que a amavam só pra esconder o seu vício? Ótimo, agora você tem tudo isso e não pode mais voltar atrás, porra!   

— Para com isso!     

— Foi você mesma quem quis viver assim! — gritou ele, já alterado. — Tenha a plena certeza de que tudo o que aconteceu ou deixou de acontecer foi culpa sua.    

— Eu não sabia o que ela iria fazer comigo! — gritei de volta, passando a tremer. — Eu não sabia…     

— Não sabia porque escolheu não saber, Taylor! — rebateu Adrian, com muito desgosto. — Desde quando um desconhecido busca ajudar alguém? Tudo aconteceu bem debaixo do seu nariz e agora a Marly está lá transando com o cara que você ama. Você foi uma tola e decidiu não ouvir os conselhos dos outros.   

— Mas eu quero mudar isso — falei, entredentes. — E eu vou mostrar a eles quem a Marly é de verdade, você vai ver. Ela vai se arrepender de ter feito aquilo comigo.   

Adrian riu, sem a menor vontade      

— Não seja tola de novo, por favor — disse ele, erguendo os braços. — Quando você chegar lá, a primeira coisa que vai ver é o desgosto da sua família pelo que você fez com todos eles. Nenhum deles vai aceitá-la de volta. Não vai adiantar quando você explicar o quanto foi burra durante aqueles dias; não vai adiantar quando dizer o quanto está arrependida. Eles não vão acreditar em você, porque você já perdeu tudo o que tinha, não entende isso?

Eu chorei tanto, que estava soluçando.      

— Você não vai me fazer desistir!    

— É realmente uma pena que tenha percebido tudo isso só agora — falou, negando com a cabeça devido a uma suspeita decepção. — E — acrescentou Adrian — não vou permitir que saia daqui.    

— Você disse que queria o meu bem — insisti, angustiada. — Se não me deixar ir, eu vou acabar me matando de tanta amargura.     

— Eu sinto muito — lamentou ele, sério. — Agora..., se você gritar por socorro, vai se arrepender. Lembre-se de que você não tem vantagem aqui.

Então, sem compaixão, ele saiu dali e me deixou sozinha. Corri até a porta e busquei abri-la assim que ele a fechou.     

— Não faz isso, por favor! — implorei, batendo na porta. Não obtive resposta e resolvi me calar, mesmo estando desesperada. E agora? O que eu faria?

Ele estava ajudando Marly naquilo me mantendo longe de casa, mas parecia fazer por obrigação. Adrian estava decepcionado comigo e aquilo parecia influenciá-lo a continuar dando apoio à Marly. Ele com certeza estava ganhando algo em troca, e algo de muito bom.

Sentei no sofá e tentei me acalmar, respirando fundo. Eu não poderia deixar que Adrian me mantivesse presa ali. O problema era que eu NÃO ERA como Marly Cooper. Eu não seria capaz de manipulá-lo para que ele viesse pro meu lado me ajudar, e eu também não tinha nada de melhor para lhe dar.

Só que algo precisaria ser feito.

A única maneira era fugir dali.

Talvez eu conseguisse?

Mesmo que Adrian não passasse tanto tempo no apartamento, ele sempre dormia em casa. Talvez eu pudesse tirar proveito da situação. Pessoas adormecidas eram indefesas e eu tinha alguma chance de sair daquele lugar enquanto ele estivesse dormindo.

Sim!, afirmei para mim mesma, com esperanças. Eu não poderia continuar sendo a fraca que se deixava levar por palavras bondosas. Adrian pegou pesado dizendo aquilo, mas eu precisava me manter focada. O objetivo dele era me fazer mudar de ideia, usando as minhas fraquezas contra mim mesma, como Marly havia feito, mas, daquela vez, eu estava disposta a não deixar acontecer.

Após me drogar novamente devido a ansiedade, passei o resto do dia planejando a minha fuga enquanto olhava para a tevê. Decidi que eu fingiria estar dormindo até que Adrian adormecesse. 

Logo não tirei as roupas da minha mochila, crente de que tudo daria certo e que eu encontraria a chave da porta nos bolsos dele. E, depois de sair de casa, eu seguiria pelo caminho que havíamos chegado quando entramos em Fulham. Após aquilo, eu voltaria para Greenwich, que era o meu lugar.

Permaneci confiante, até que a noite chegou e eu me preparei. Comi o máximo que consegui mesmo à força, guardei os cincos saquinhos de heroína no bolso da calça, deixei a mochila encostada no armário do quarto, me droguei (pelo que eu acreditei ser a última vez dentro daquele apartamento), desliguei as luzes e me deitei na cama, buscando me manter de olhos abertos.

Fiquei esperando qualquer barulho e, quando aconteceu, foi algo súbito que me deixou atordoada. Olhei as horas e percebi que passavam das doze da madrugada.

Eu tinha dormido...

Porém, antes que eu começasse a me xingar, ouvi alguém falando grosseiramente na sala. Adrian parecia estar tendo uma discussão. Levantei rapidamente e fui pro pequeno corredor que levava até a sala, a fim de ouvir atrás da parede.     

— Você acha mesmo que vai me enganar? — ele riu, mas senti uma fúria no ar. — Você não me conhece mesmo, não é? Eu já disse que não vou mais tolerar isso por mais um dia sequer, 'tá bom? Você sequer atende mais as minhas ligações e não fala mais comigo direito. Deveríamos ter nos encontrado ontem, mas o quê você fez? Simplesmente cancelou tudo sem me falar nada e sequer se importou ao inventar uma boa desculpa. Fez a mesma coisa hoje. — Um curto silêncio se seguiu e ele começou a falar novamente, atropelando as palavras: — Eu não sou covarde, porra!, e você está enganada se acha que é mais esperta.

Assim, um barulho seco soou ao meu lado direito. De relance, vi o celular se quebrando no chão.

Não me segurei e me permiti ser vista.     

— Olha só, você estava aí!... — Adrian me saudou, abrindo os braços. De longe senti um cheiro de álcool e rezei para que nada acontecesse comigo. — Apareceu na hora exata.     

— Eu…     

— Estou com tanta raiva dela, Taylor Hampton — disse ele, se aproximando o bastante para segurar o meu rosto. — Tanta raiva que eu sou capaz de matá-la.   

— Da Marly? — murmurei, tensa com a mudança de humor.    

— Essa mesma, em carne e osso! — respondeu ele, com um sorriso que me deu medo. — Ela acha que é mais esperta do que eu, acredita?    

— Esperta em quê? — perguntei, em busca de informações e tentando afastar o meu rosto do dele, discretamente.     

— Você disse que queria ir embora, não é? — lembrou Adrian, caminhando até a bancada e lavando o rosto. — Pois então vá e faça o que quer fazer.

Fiquei confusa e achei que tinha alucinado.     

— O quê?      

— Destrua a vida dela assim como ela fez com você, Taylor, eu não vou segui-la se resolver ir embora — falou ele, mas eu não consegui saber se falava sério ou não. — À partir de agora, eu não me importo com mais nada.

No entanto, sem ter tanta convicção das palavras dele, não pensei duas vezes, porque eu realmente não queria perder uma oportunidade daquelas, principalmente com ele estando bêbado e irritado com uma inimiga minha. 

Logo, quando percebi, já havia passado pela porta correndo, com medo de que ele mudasse de ideia. Segundos depois, eu me encontrava do lado de fora do prédio, nervosa e acompanhada apenas da minha sacolinha de utensílios que eu peguei antes do Adrian ter me visto, por precaução.

Então eu corri com todas as minhas forças. 

Não havia ninguém na rua àquela hora, mas eu não me intimidei. Apenas continuei correndo, tentando ignorar o frio quando o vento levantava os meus cabelos. Obviamente, não consegui lembrar o caminho exato pelo qual Adrian havia percorrido quando nos levou para aquele bairro. Ele fez muitas curvas e aquilo me confundia. Acabei me preocupando, afinal, o que adiantava continuar andando se eu não sabia para onde ia?

Me desesperei, parando de correr no meio da calçada, sem saber o que fazer e morrendo de medo de me perder. Eu não podia correr o risco de me afastar ainda mais de Greenwich, e o pior era que já era muito tarde.

Eu precisava de um lugar para ficar.

Mas ficar onde...?

Senti mais medo ainda de estar sendo vítima de uma conspiração. E se a ideia de me perder fosse exatamente o que Adrian queria? E se aquilo de me deixar ir embora fosse mais alguma coisa que Marly estava planejando? E se fosse tudo uma armação?!

Eram tantas as desconfianças..., mas eu não podia voltar para o apartamento de maneira alguma. Logo, resolvi continuar andando e entrei na primeira viela que me apareceu, porque era a única alternativa que eu tinha. Sentei ao lado de uma lata grande de lixo e me encolhi lá, rezando para que ninguém me visse. Escondi a sacola de utensílios atrás de mim e fiquei quieta, procurando manter o meu controle mental.

Eu não podia me desesperar. Eu não estava dependendo da ajuda de mais ninguém no planeta, apenas de mim mesma. Em que situação eu havia me metido afinal?

Foi impossível não começar a chorar ali mesmo, em silêncio. Tudo aquilo estava acontecendo por minha causa, Adrian estava certo sobre tudo o que falou. Se eu não fosse uma tola, nada daquilo teria acontecido comigo e, naquele momento, eu poderia estar na minha casa, segura e com as pessoas que eu amava. Provavelmente acordada, na minha cama quente e macia, com Louis. 

Eu realmente era nada.

Se antes eu não merecia aquele garoto lindo de olhos azuis ou qualquer outra coisa na minha vida, agora era que eu não merecia mesmo. Logo, passei aquele resto de noite desejando que algo de muito ruim acontecesse comigo; que eu me desintegrasse logo de uma vez.

[…]

No outro dia, despertei com dores no corpo, junto com náuseas. Logo estiquei as minhas pernas e busquei pelas minhas drogas. Não olhei para nada ao meu redor, apenas fiz aquele mesmo ritual de sempre, me sentindo a pior pessoa do mundo por saber que ainda dependia de uma injeção para continuar com a minha viagem.

Depois que todo o líquido entrou na minha corrente sanguínea, me assustei ao sentir alguém puxando a seringa do meu braço, bruscamente. Não consegui ver que tipo de pessoa era, mas percebi que era um homem. E ele não se demorou a apalpar o meu corpo, parecendo procurar algo. Deduzi que fossem as doses.     

— Vamos lá, garota — praguejou ele, com aquele fedor horrível de suor —, me passa a dose que tem aí ou eu vou meter a mão onde você não quer.

Tentei me esquivar enquanto assenti rapidamente. Logo entreguei uma das minhas doses, porque achei mil vezes melhor fazer o que ele pedia do que correr o risco de ser tocada por mãos imundas como aquelas.

Quando se apossou da dose, o cara sentou ao meu lado e passou a prepará-la bem na minha frente, na maior cara-de-pau. Ele também era um viciado, portanto fazia qualquer coisa para manter o vício. A droga por si trazia aquilo: a indignidade. 

Prendi a respiração, com medo de fazer qualquer gesto que irritasse aquele homem nojento. Quando se drogou, ele gemeu, o que me fez sentir mais nojo ainda. E então, como se tivesse sentido o peso nas costas, de relance o vi me dar um sorriso e, depois, me entregou a seringa de volta e os meus outros utensílios.     

— Valeu — foi o que ele disse, antes de fechar os olhos. Guardei as minhas coisas rapidamente e saí dali, sem olhar para os pedintes sentados no chão. 

Logo me vi em uma calçada movimentada, cheia de gente desconhecida. Tentei pedir informações ou até mesmo um celular emprestado, mas o problema era que, sempre que eu me aproximava de um deles, eles se afastavam, assustados e com repulsa.

Senti que naquele momento eu já não era mais um ser humano. Ninguém mais me via daquela maneira, eu era somente o resto de alguma coisa que precisava se drogar e eles não me queriam por perto.

No entanto, mesmo me sentindo desamparada, humilhada e angustiada, não desisti de continuar andando para buscar informações. Ignorei a minha dignidade e agi como uma cara-de-pau, assim como o homem que me roubou uma dose. Cheguei perto de todos, de mulheres e de homens, sabendo que me queriam longe, mas perguntando de qualquer forma se eles poderiam me ajudar, que eu estava desesperada.

Eles fingiam que eu não existia, é claro, mas eu continuava tentando, enquanto andava abraçada ao próprio corpo, com os olhos correndo à minha volta na procura de um ser que tivesse compaixão.

Logo avistei mais a frente um homem gordo de avental, e não hesitei em me aproximar.     

— O senhor pode me ajudar, por favor?     

— Você poderia sair daqui? — jogou, quase me batendo com a vassoura que tinha nas mãos. — Vai afastar os clientes.     

— Eu saio, mas preciso que me ajude — insisti, desesperada. — E prometo que será rápido.    

— Eu não vou lhe dar comida — disse ele, com desprezo e quase sem me olhar direito — e nem dinheiro, então pode se retirar. Se insistir eu vou chamar a polícia.  

— Não é nada disso! — e quase atropelei as palavras ao tentar ser rápida. — Só o que eu quero é que o senhor me empreste um celular e me diga para onde fica Greenwich.

Então ele finalmente me olhou, meio confuso, como se finalmente visse mais do que apenas um viciado na frente de sua loja.     

— Ah — murmurou ele, e então passou a varrer o chão de novo, como se pensasse se me responderia ou não —, você está longe demais, não vai conseguir chegar sozinha.    

— Por favor, apenas me diga pra onde eu devo seguir — implorei, quase sem voz devido a sede. — Eu só quero chegar na minha casa.     

— Você precisa de um transporte, moça — informou ele, me olhando com aquele ar de pena. — Ou vai acabar desmaiando de cansaço. É impossível chegar até lá nas suas condições, e muito menos à pé.    

— Mas eu consigo — falei, porém sem tanta convicção. — Preciso tentar falar com alguém da minha casa, talvez a minha mãe venha me buscar.  

O homem me observou durante alguns segundos e depois suspirou com impaciência, mais preocupado com o fato de eu estar chamando a atenção de outras pessoas. Assim, ele me entregou o celular e eu o agarrei, buscando lembrar o número da mamãe. 

Fiz aquilo enquanto o homem dava um sorriso para as pessoas, como se se desculpasse pros clientes, que me olhavam de canto de olho e entravam na sua loja. Enquanto isso, fiquei esperando minha mãe atender.

Mas nada aconteceu e o meu coração foi murchando. Busquei ligar para Jane também, esperançosa de que ela pudesse ter uma daquelas suas intuições e imaginasse que eu ligaria pra ela. Só que aquilo não aconteceu e eu vi o homem passando a ficar impaciente na minha frente.

Desisti e dei o celular pra ele.     

— Pra onde fica Greenwich?    

— Bom — suspirou ele novamente, guardando o celular no bolso. Em seguida, passou a me dar um monte de coordenadas. — Depois é só continuar andando, porque Greenwich fica pro leste, entendeu, moça? Não significa que chegará até lá seguindo o caminho reto, apenas entenda que Greenwich fica pro leste. Você pode pedir informações para outra pessoa.

Eu era muito devagar, daquilo todo o mundo sabia, mas eu precisava tentar. Era só lembrar a direção e os pontos de referência.     

— Obrigada — agradeci com a maior gratidão mas, antes que eu começasse a andar, ele pediu para que eu esperasse. Fiz aquilo lembrando do que ele havia me informado, ansiosa para continuar com a minha viagem e chegar logo em casa. 

Demorou mais ou menos cinco minutos pro homem voltar. Me surpreendi quando o vi segurando um saquinho de sanduíche e uma garrafa com água. Fiquei sem palavras, tão feliz com aquele gesto dele que senti vontade de chorar. Era a primeira pessoa que eu via que me tratou bem desde a minha saída do apartamento do Adrian.      

— Toma isso, moça.     

— Puxa vida... — eu disse, recebendo a comida sem pestanejar. — Muito obrigada mesmo, o senhor está me ajudando bastante.     

— Saia disso ou vai perder a sua vida — aconselhou ele, de repente. Fiquei confusa, é claro, então tirei os olhos do sanduíche para saber do que ele estava falando. Em seguida, vi que o homem olhava para o meu saquinho de utensílios. — Espero que consiga chegar em casa. Boa sorte. 

Assim, ele voltou pra dentro da loja, fazendo com que eu me sentisse mal mais uma vez naquele dia. Qual era o meu problema, afinal? Ele tinha razão.

Só que eu precisava chegar em casa primeiro, para depois pensar naquilo. Havia muitas coisas para se resolver e a privação das drogas estava entre as últimas. 

Logo comi uma parte do meu sanduíche enquanto andava em direção ao semáforo. Tive que atravessar a rua para entrar à direita, andando o mais depressa que eu consegui.

Eu já não me sentia tão desamparada, para falar a verdade. De alguma forma, a ajuda daquele homem me deu uma força extra para eu continuar. Senti que eu não estava sozinha naquela situação e fiquei mais esperançosa ainda com o fato de chegar na minha casa. 

Quase sorri quando vi o tal prédio vermelho. Procurei andar com a cabeça baixa, a fim de não chamar muita atenção. Era fácil alguém simplesmente querer uma confusão comigo. Indefesa e magra como eu estava, não tinha muitas chances de eu sair vitoriosa em nada.

Dobrei para a direita e lá estava a feira, assim como informou o homem. E eram tantas as pessoas, que eu fiquei tonta naquele amontoado de gente. Deduzi que fosse natural tanta movimentação naquela parte da cidade, porque, provavelmente, eu estava em algum ponto turístico popular.

Não consegui evitar em olhar para a maioria das coisas à minha volta, afinal, era um lugar interessante. Parecia haver de tudo ali: artigos de tapeçaria, brechós, lanches de vários países do mundo, lojinhas de música, entre outras coisas. 

As pessoas em si também eram interessantes, com aquele ar jovial e rústico. Vi vários casais juntos dos seus filhos, casais solteiros, mamães com bebês dorminhocos, crianças travessas… Era um show em plena avenida e senti vontade de me sentar em um canto qualquer apenas para observar toda aquela socialização. 

Eu era uma fantasma ali, é claro, a intrometida com uma sacolinha para drogas, a metade de um sanduíche e uma garrafa de água. 

Depois de vários passos, vi a ótica com as paredes de vidros e finalmente dobrei para a esquerda. Tudo o que eu mais desejava naquele momento era estar em casa com as pessoas que eu amava, e aquilo me deu forças para continuar.

Como uma mensagem divina, lembrei que existiam policiais no mundo a fim de manter a segurança da população, portanto, por mais chato que fosse, usei as dicas da Marly para andar por aí sem mostrar muito bem o que eu era. Parei em um lugar fechado e tirei os cadarços do meu tênis, a fim de amarrá-los um ao outro e fixá-los envolta da minha barriga.

Por fim, escondi a minha sacolinha com as drogas e os outros utensílios debaixo do meu casaco, que era grande e de mangas longas, ajudando, assim, a manter camuflado aquele relevo estranho na minha barriga.

Lavei o meu rosto com um pouco da água que eu tinha e dei umas batidinhas nele. Eu não poderia andar por aí com aqueles olhos caídos e o cabelo desgrenhado, então rapidamente tentei me mostrar menos pior. 

Me perguntei várias vezes se ir até uma delegacia seria uma boa ideia, já que eu estava longe de casa, sem abrigo, sem comida e sem água. Provavelmente eu seria penalizada por causa das drogas e sabe lá Deus o que mais iriam fazer comigo. Além do mais, eles ligariam para a minha mãe e ela me veria na delegacia. Os seus olhos decepcionados seriam o suficiente para eu me sentir a pior pessoa do mundo. Eu já tinha aprontado demais, não poderia fazê-la passar por aquela situação.

Logo, continuei.

Minhas pernas já doíam e eu sentia a necessidade de descansar. Mas eu não parei, apenas fui em frente. Assim, o dia foi embora e a tarde veio, junto com a fome e os primeiros sintomas da abstinência.     

— Agora não, por favor — sussurrei pra mim mesma, desesperada. É que pedir piedade para algo que estava dentro de mim era uma loucura desnecessária, mas eu estava há tanto tempo sem falar nada que os pensamentos viraram palavras. 

E o pior era que eu realmente precisava da dose ou então não chegaria em casa. O ruim daquela nova rua pela qual eu caminhava era que não havia tantas vielas. As que haviam ali não davam pra se refugiar. 

Na verdade, só o que existia por ali eram lojas, prédios, bares, mais lojas, mais prédios e mais bares. Tinha de haver alguém ali que pudesse me deixar usar o banheiro...

A crise se intensificou e fiquei mais inquieta, com os olhos lacrimejando como se houvesse pimenta neles. Por isso, quase corri quando vi uma mulher saindo de sua loja.     

— Senhora! — eu a chamei, quase ajoelhando aos seus pés. — Eu não queria mesmo incomodar ninguém, mas eu preciso muito ir ao banheiro…     

— Nossa, garota…, você parece péssima — comentou ela, observando o meu corpo cautelosamente.     

— Estou muito apertada e preciso lavar o rosto — sussurrei, sem conseguir inventar algo melhor. Ninguém acreditaria em mim, muito menos aquela mulher. Eu simplesmente vi nos olhos dela a sua descrença. — Por favor…     

— Tudo bem — cedeu, levantando as mãos em rendição. — Vem, vamos entrar pelos fundos. 

Fiquei atordoada, totalmente pega de surpresa, mas apenas a segui quando ela andou na frente e me levou para o lado esquerdo da loja, que na verdade era uma padaria. Vi uma porta e logo já estávamos dentro de uma cozinha grande. Os funcionários se assustaram ao me ver ali, me olharam torto, mas não falaram nada.  

— Não demore muito — disse ela bruscamente, então abriu uma outra porta que havia ali perto. 

Logo fiquei sozinha no cubículo e não me demorei no ritual diário. Foi a primeira vez que eu fiz aquilo em menos de dois minutos. Ao terminar, fiz xixi, dei a descarga e lavei o meu rosto, me observando no minúsculo espelho que havia pregado na parede. Eu tinha de concordar com o olhar de desprezo das pessoas, quem diabos levaria à sério alguém como aquele ser refletido no espelho?

Me sequei e saí dali quando escondi as minhas coisas novamente. A senhora não tinha saído da cozinha, só berrava alguma coisa com o funcionário dela, e eu logo coloquei uma expressão gentil. Porém, antes que eu agradecesse, ela me expulsou dali.

— Ótimo — falou, empurrando o meu corpo na direção da porta —, vai andando, garota, não ache que eu vou deixar que volte aqui.

Eu não iria voltar, porque teria o meu próprio banheiro de volta e eu o usaria assim que eu precisasse, demorando o tempo que eu achasse necessário. Logo, nem me importei com os resmungos dela atrás de mim e muito menos quando bateu a porta na minha cara, afinal de contas, eu já havia feito o que eu queria.

Voltei para a rua que me levava pro leste e continuei caminhando, daquela vez com mais lentidão. Eu já não suportava mais andar. Se tivesse dinheiro para um ônibus, táxi ou metrô, provavelmente já estaria em Greenwich, de onde eu nunca deveria ter saído.

Aos poucos fui ficando desanimada, principalmente quando anoiteceu e eu percebi que precisaria dormir na rua de novo, apenas com a metade de um sanduíche na barriga. Eu estava tão fraca, que achei que iria desmaiar.

Mais à frente, avistei o rio Tâmisa, a única coisa que era familiar pra mim. Andei mais depressa e o apreciei um pouco, buscando esquecer a fome. Ele estava do meu lado direito e emitia um reflexo muito lindo da luz da lua. Tive vontade de chorar, na verdade, mas eu não me deixei levar. Eu logo estaria em casa.

Saí dali e procurei um lugar para dormir. Havia uma viela próxima de um poste de luz e eu segui pra lá, abraçada ao corpo. Andei sem nem mesmo olhar para frente e, antes que eu percebesse, já havia esbarrado em um grupo de caras.     

— Ora, ora, ora — falou um deles, sorrindo ao me olhar. Ele então segurou o meu braço quando ameacei dar a volta e sair dali. — Ei, não vai agora, garota, você parece ser uma ótima distração.

Todos eles eram jovens e agitados; falavam muito rapidamente e os seus movimentos eram bruscos. Eles agiam como se fossem ser pegos de surpresa a qualquer momento, como se esperassem algo, como se fossem usuários de drogas…     

— Me deixa em paz — pedi, pressentindo o perigo. O que antes havia me agarrado, chegou mais perto e, de repente, me pressionou contra a parede, jogando a minha garrafa de água para longe. Fiquei apavorada e senti que estava perdida. Alguma coisa iria acontecer e era impossível não imaginar o pior. 

Os outros então fizeram uma roda em volta de nós dois, como se fossem uma espécie de muro, e ficaram observando aquilo, sem se importar com as carícias que o amigo deles fazia em mim.     

— Você vai gostar, eu tenho certeza.

Comecei a chorar, pensando em desistir de me desvencilhar dele. Talvez aquilo fosse um castigo. Talvez eu merecesse ser violentada, afinal, eu agi aquele tempo todo como uma egoísta.

Mas e se eles me matassem depois?

Eu não queria morrer, porque eu precisava me desculpar com as pessoas que eu amava. Eu precisava vê-las e, talvez, só depois de tudo ter sido resolvido, é que eu simplesmente me conformaria com qualquer coisa. 

Por isso, com aquele pensamento, apostei na sorte e chutei a virilha do ogro que estava me tocando. Ele logo me soltou quando sentiu a dor e eu tentei correr.     

— Vadia — arquejou, irado. — Não deixem ela fugir! — Então, os três conseguiram me segurar e me fizeram cair no chão, bruscamente. Apostar na sorte? Eu não tinha sorte coisa nenhuma, a quem eu estava tentando enganar?

Eles não se demoraram a tirar a minha calça. Dei um ataque de pânico e gritei o mais alto que pude. Um deles tentou me calar ao colocar a mão na minha boca, mas fui mais esperta e o mordi, voltando a gritar por ajuda. 

Senti que já estava com a parte íntima de fora, mas não desisti de me soltar das mãos deles, buscando dificultar o trabalho de qualquer um ali.      

— Vai logo com isso, seu imbecil — reclamou o que tentava me manter calada, impaciente —, porque depois de você sou eu. 

— Ela não fica quieta! — respondeu o outro, irritado. — Não adianta gritar, garota, ninguém vai te socorrer, porra!

Ele tinha razão. Ninguém iria me socorrer, era tarde e todos já estavam em suas casas naquele momento. Mas mesmo assim eu continuei berrando e me contorcendo.

Uma hora eles conseguiriam o que queriam, daquilo eu sabia, mas busquei estender o tempo em que aquela coisa que eles tinham embaixo das calças ainda não estava tão perto de mim. Eu não tinha sorte, ficava dizendo por aí que meu sobrenome era Azar e era mesmo. Eu acreditei que aquele dia não seria diferente.

Mas até que foi. Devido ao pânico, eu não entendi direito o que havia acontecido, apenas vi quando eles pararam de rir e de me tocar, assustados.     

— Que inferno! — reclamou um deles, a voz apressada. — A gente tem que ir! — Então, de repente, me vi sozinha chorando no chão, buscando me vestir. Alguém logo se aproximou às pressas, falando alguma coisa inaudível pra mim. 

Não consegui enxergar direito por causa do choro, mas logo senti o cheiro de um perfume floral e braços envolta da minha cintura, me ajudando a levantar.



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