História Frio como o inverno - Jelsa - Capítulo IX

Elsa não era exatamente o que chamariam de "garota má". Ela não agia como uma e muito menos parecia com uma. Sinceramente, qualquer um que a conhecesse gargalharia caso ouvisse alguém chamando a de garota má. 

Porque ela simplesmente não era.

Mas, Elsa sabia. Sabia que aquilo não significava que ela fosse uma boa garota porque ela realmente não era.

Então se a cor azul representasse desordem e a cor vermelha, disciplina, Elsa seria roxa. Talvez lilás. Talvez violeta.

Ela era o meio termo. Andava constante naquela linha, observando e tentando descobrir em qual dos dois lados ela se adequava melhor e é claro, de vez em quando ela tropeçava. Caia em alguns dos lados e demorava algum tempo pra se levantar.

Mas era um fato, ela sempre se levantava.

Quando o incidente aconteceu, Elsa caiu e demorou mais pra se levantar do que em qualquer outro momento em sua vida. Literalmente e metaforicamente. E é claro, metaforicamente para o lado da desordem. Naquela época, sim, qualquer um poderia chamá-la de garota má. Naquela época, ela beberia até não conseguir mais. Entupiria se de bebidas até desmaiar. 

E na época, a imprensa também fazia questão de jogar aquilo na cara dela.

Porque, bem, era uma queda que parecia nunca acabar. Até que, ela acertou o chão. Quando imaginou que não poderia mais piorar, Elsa chegou ao fundo do poço. Não, fundo do poço seria eufemismo. O estado de Elsa era completamente e totalmente ferrado. 

Foi uma queda gigantesca e mesmo que ela se jogasse do topo do Everest, aquela queda continuaria sendo a maior que ela já teve. 

 Portanto, agora ela tentava pender mais para o lado comportado de si. Não queria causar preocupação à Anna e Punzie, mesmo que de vez em quando ela ainda bebesse bastante. Afinal, ela tinha ido até aquela pequenina e pacata cidade morar com elas pra isso. Fugir do passado.

Afinal, Elsa sempre foi boa com soluções temporariamente eficazes.

Entretanto, Elsa não se lembrava de Astrid daquela maneira. Não como uma questão que precisava ser resolvida. Elsa se lembrava de Astrid como a definição de problema.

E na época, Elsa era, bem, a definição da disciplina.

Antes de Astrid, Elsa sequer cogitaria beber álcool. Sequer cogitaria até mesmo tomar sorvete, afinal, sairia da dieta restrita como atleta o que poderia causar danos ao seu corpo. Astrid bebia e fazia coisas que lhe rendiam uma reputação terrível e milhares de rumores. Elsa deveria ter se afastado quando ainda podia.

Talvez se ela tivesse se afastado ela poderia ter continuado com sua carreira no esporte. Mas, então ela nunca teria conhecido nem Hiccup, nem ele.

Sim, ele. Ele era o único que Elsa duvidava que tivesse qualquer remorso em relação ao que fizeram. Ele era o único que Elsa não poderia perdoar, bem, além dela mesma. E mesmo assim ela não conseguiria odiar nenhum deles. E mesmo assim ela teria milhares de vezes em diversas dimensões alternativas, virado amiga de Astrid.

Milhares de vezes sentindo saudade de quem eles costumavam ser.

E agora, ela se perguntava no que exatamente Hiccup e ele, tinham se tornado. Mesmo que tivesse visto Hiccup, foi apenas um encontro rápido, deveras rápido pra saber que efeitos o incidente causou nele. E bem, Astrid, ela nem queria pensar sobre. 

Mas ele, bem, ele era um mistério.

E talvez numa das tentativas falhas de esquecer, em alguma parte obscura da sua cabeça, ela soubesse o que teria acontecido com ele. A possibilidade de ele ter deixado pistas sempre a atormentava.

Agora ela tentaria não pensar muito sobre aquilo, tentaria não deixar que aquilo tomasse conta da sua cabeça. Que não pendesse entre suas boas memórias porque se ela voltasse a pensar sobre aquilo agora, os maus hábitos voltariam e seria pedir demais para Anna que cuidasse da irmã mais velha problemática. 

 — Elsa? - disse Jack, num tom suave — Ei, está tudo bem?

Elsa piscou algumas vezes despertando do seu transe e então focando seu olhar em Jack. Ela engoliu o caroço que se formava em sua garganta e sorriu.

 — Sim, estou bem. Eu sempre estou bem. - Jack continuou em silêncio, não muito satisfeito com a resposta, mas com a noção de que ela provavelmente não queria conversar.

Depois de longos minutos em silêncio Elsa resolveu falar algo.

 — Você acha que é normal sentir falta das pessoas que te machucaram? - Jack franziu a sobrancelha e os dois pararam encarando um ao outro.

 — Eu não sei. - murmurou Jack. — Se você é frio você pode esquecer as pessoas e seguir em frente, mas você não aprende com isso e acaba machucando outras pessoas. Se você é sensível você sente falta delas e acaba arrastando isso com você pro resto da vida. Acho que é normal você pensar sobre aquilo constantemente se for algo recente, mas se foi há um bom tempo atrás talvez volte a sua memória de vez em quando. Talvez seja porque você sente falta do que vocês costumavam ter. 

 — Como você acha uma maneira de seguir em frente? 

 — Eu não sei se tem uma maneira, talvez o melhor seja deixar que aquilo assombre sua memória e que mude você. Se você muda pra melhor ou pra pior, depende apenas de você.

 — Já esteve nessa situação? 

 — Eu ainda estou nela. - Jack suspirou - E você? Já esteve nessa situação?

 — Eu ainda estou nela.

***

— Jack?

— O que?

— Vai se foder.

Hiccup sorria falsamente, com uma veia de irritação saltando de sua testa.

 — Por que? - Jack perguntou, forjando um falso tom de inocência. Hiccup revirou os olhos e suspirou.

 — Eu queria ter falando com ela. - disse jogando se no sofá. Jack brincava com Banguela, o pequeno garo preto em seu colo.

 — Ela não parecia querer falar com você.

 — Porque ela provavelmente nunca vai querer falar comigo novamente.

 — Por que toda vez que eu pergunto o que aconteceu entre você e seu antigo grupo de amigos você nunca responde? 

Banguela bocejou.

 — Várias razões, mas principalmente porque não é algo de que me orgulho. Na verdade, um dos meus maiores arrependimentos.

 — O que aconteceu?

 — Bem, agora você e Elsa são amigos, não são? Talvez ela te conte algum dia.

 — Você fez alguma merda gigante não fez?

 — Seria eufemismo chamar aquilo de merda. Mas agora que vocês são amigos deixe-me te dar um conselho.

 — O que é?

 — Em hipótese nenhuma, minta pra ela.