Eu já havia esquecido de como a casa de meu irmão é aconchegante. Talvez haja mais amor aqui do que em um país inteiro.
A casa está lotada. Amigos antigos, colegas de time, todos vieram dar as boas vindas ao querido David Luiz.
Ele não mudou nada, aliás. Continua o mesmo idiota presunçoso que sempre foi.
-Você está bem, Gabi?
Estou afundada no sofá, observando as outras pessoas se divertindo. Levanto o olhar e vejo minha cunhada sorrindo pra mim.
-Estou, amor. – Depois de algum tempo, se torna muito fácil mentir. – Só estou cansada com a viagem, e tudo.
-Eu preparei o seu quarto – Ela se senta ao meu lado, e eu evito encará-la. Droga! Porque eles agiam como se pudessem ler meus pensamentos? – Pode ir descansar quando quiser.
-Sobre isso, Ludy... – Inflo o peito e respiro fundo pra enviar oxigênio ao meu cérebro. – Eu aluguei um apartamento... – A cara de decepção que ela faz é dolorosa pra mim – Desculpa, eu...
-Você o que?
Oscar está parado à minha frente. Carrega dois copos na mão, e sei que um deles é para mim.
-E-eu... Eu já aluguei um apartamento e... – Minha voz traía minha confiança.
-Porque fez isso, Gabi? Sabe que preparamos tudo pra você aqui e...
-Desculpe, irmão. Eu sei que o quanto queriam que eu ficasse aqui, mas... – ele começa a falar, mas eu aumento o meu tom de voz. Meu coração pulsa desacelerado dentro do peito – Eu preciso ficar perto do trabalho e...
-Você sabe o quanto é importante pra mim que você fique aqui! – Oscar rosna e suas pálpebras tremem.
Seguro o impulso de chorar, mas é quase inútil. Meus olhos já estão ardendo e sinto que em poucos instantes vou desabar.
-Ah, amor! – Ludi intervém, afagando com carinho o ombro de Oscar – A nossa pequena está crescida, olhe pra ela! É uma designer importante agora, precisa ter seu próprio apartamento!
Esboço um sorriso de agradecimento e Ludi dá uma piscadela sem que Oscar veja.
-Desculpe, mana... – ele se dá por vencido – Posso pelo menos pagar pelo aluguel?
Mordo o lábio inferior e tento me desculpar. Oscar tem a testa lotada de vincos.
-O que foi? Não posso inflar o meu ego pagando pelo seu aluguel?
-Eu já fiz o depósito. – Engulo em seco. De repente um gole de bebida não faria mal – Um ano.
-Céus! Quem é você e o que fez com minha irmã?
*
A sacada da casa de Oscar era o lugar que eu mais gostava. Era alto, e o vento forte fazia sussurros á noite. Estou com os olhos fechados, o corpo trêmulo do frio, mas não quero sair dali.
-Boa noite.
Aquela voz desperta vários sentimentos em mim. Em antítese. Como eu podia sentir tantas coisas boas por alguém e tantas coisas ruins ao mesmo tempo?
Abro os olhos e a imagem de David entra por minha retina com um colossal encanto.
-Boa noite. – Respondo com rispidez.
-Toma. – Ele estende o blusão pra mim e eu quase recuso. Mas o frio é castigante.
-Obrigada.
Um silêncio constrangedor perdura por alguns minutos. Olho de soslaio e David observa a rua lá embaixo.
-Tá tudo bem? – puxo a manga da blusa pra baixo.
-Tá muito frio. – Sua voz é indecifrável. Mas eu o conhecia bem pra saber que está aborrecido com alguma coisa. – Vem, vou levar você pra casa.
-Anh... Não precisa!
-Claro que precisa! Você vai quebrar sua mandíbula se não sair desse frio!
Ele tira a chave do carro do bolso e dá um sorriso de lado. Ele tem razão. Estou batendo os dentes violentamente. Reviro os olhos e o sigo.
-Aonde vão?
Oscar está sentado com as crianças e Ludy, no sofá.
A festa tinha acabado e só havia restado a gente.
-Vou levar a Gabi pra casa. – David dá um beijo nas crianças e se despede de Oscar com um cumprimento idiota de homens.
*
-Uau! – Exclamo quando vejo seu carro novo – Você trocou de carro...
-País novo, vida nova, carro novo. – Ele fala enquanto desliga o alarme e abre a porta para eu entrar.
Seu carro tem cheiro de xerez com perfume masculino caro.
-Onde você mora? Já alugou um apartamento? - Disparo.
-Aluguei... – Ele me olha e de repente se aproxima. Sinto o cheiro do álcool em seu rosto, que encosta no meu.
-O que está fazendo? – sinto meu corpo inteiro se arrepiar.
-Você não colocou o cinto. – Ele fala taciturno e puxa o cinto para eu colocar.
-Ah. – Depois de longos segundos, me sinto estranhamente impelida a falar com ele. O que ele tinha? Porque aparentava estar aborrecido? – Você não me disse onde está morando. – Finjo estar mexendo na minha bolsa, mas anseio por uma resposta.
-King Cross. Um prédio legal que eu encontrei esses dias. É discreto, não muito chamativo. Como eles chamam...
-My place – Falo junto com ele. David me encara com a testa lotada de vincos.
-O Oscar te contou? - Ele pergunta com um divertimento estranho na voz.
-Não, David. – Senti a bile subir, tudo o que eu bebi aquela noite ameaçava ir para fora – Eu também moro lá.
David franze o cenho. Sua reação mostra que ele não sabia.
-Você vai morar no mesmo prédio que eu? – Ele fala como se aquilo fosse abominável.
-Desculpe, querido. – Estou fervendo de raiva – Se você resolve vir pra Londres na mesma época que eu, e decide morar no mesmo prédio que o meu, eu sinto muito! – Estou rosnando, e David revira os olhos.
-Pare de gritar, garota. – Ele acelera quando entramos no estacionamento – Pensei que você tinha crescido.
Ele desliga o carro e tira o cinto. Já estou saindo do carro e indo a passos rápidos ao elevador. Mas meu salto como sempre me trai. Malditos Manolos que me custaram 200 euros!
Tropeço e caio de bunda no chão. David já está ao meu lado como se fosse o Flash, segurando meu braço.
-Me solta! Me deixa em paz! - Falo infantilmente com a voz esganiçada.
-Você está bem?
-Por que se preocupa? Se está chateado com o fato de que vai ser meu vizinho? – Agora estou soluçando. Perfeito!
-Do que está falando, garota? – Ele ri, tombando a cabeça loira para trás.
-Vo-você! – Dou um tapa em seu braço e tento me levantar, mas escorrego de novo.
-Você acha que estou chateado com você? – Ele franze a sobrancelha e eu balanço a cabeça para cima e para baixo, confirmando – Não estou chateado com você, Gabi. – Depois ele suspira alto e me carrega no colo.
-Me solta! – Ele me coloca sobre seus ombros e meu rosto encosta em suas costas. – Daviiiiid!!!
-Shhhh! Você é tão bebê, Gabrieli!
Suas mãos apalpam descaradamente meu traseiro, e dou socos em suas costas que pareciam ser de aço.
-Ooops. – ele ri de si mesmo, subindo as escadas em passos rápidos, como se eu não pesasse nada. – Desculpe, gata. Não consigo controlar minhas mãos!
-Seu porco! Me solta!
Ele me põe ao no chão e joga meu corpo contra a parede com o peso do seu próprio corpo. O seu peito que sobe e desce me deixa concentrada como um artista admirando sua obra de arte. Observo seu rosto largo e másculo, as pintinhas em seu rosto, e os olhos amendoados que me encaravam de forma estranha.
-Eu não estou com raiva de você, garota. – Ele morde o lábio inferior e olha lascivamente para meus lábios. Quase posso sentir seu hálito na minha boca. Cada vez se aproxima mais, meu coração faz um alarido dentro do peito. Fecho os olhos e espero ele tocar os lábios quentes nos meus. Mas ele não faz isso. Quando abro os olhos ele tem uma expressão engraçada no rosto. – Esse é o meu andar. Boa noite.
Fico observando ele entrar no seu maldito apartamento, me deixando confusa e frustrada.
Quase posso ouvir as batidas estateladas do meu coração.
Eu era idiota demais. Estúpida demais.
Aciono o elevador e subo mais dois andares. Quando chego em meu apartamento, só não dou um viva e um pulo de alegria pois meu corpo destroçado me impede. O celular vibra em meu bolso.
-Alo. – Atendo com desânimo.
-Chegaram bem?
-Sim, Oscar. – Me jogo no sofá e tiro meus Manolos, atirando-os no chão. – Me responde uma coisa. O que seu amigo idiota tem?
-O David? Ah... Ele está muito chateado, sabe. Ele não te contou?
Dou de ombros, mas me lembro que Oscar não pode me ver.
-E ele me contaria alguma coisa? Esse cara é perturbado!
-Ele e a namorada estão brigando muito.
-Ah. – Eu era mesmo especialista na matéria de ser idiota! Ele estava todo fechado e taciturno, porque brigou com a namorada! É claro! E eu achando que era comigo!
Que boba Gabi!
-Olha, me desculpe por meu chilique mais cedo... - Ouço a voz derretida de meu irmão do outro lado da linha.
-Tudo bem, irmãozinho. Eu agradeço por cuidar de mim. Eu te amo.
-Também te amo, princesa.
Me arrasto para a cama e adormeço abraçando meu ursinho Ted. Fico pensando em como seria ter alguém pra cuidar de mim como o Oscar cuida da Ludy. Alguém pra me amar, me pedir em casamento, me dar carinho e lutar por mim.
Mas a minha realidade era tão fria quanto a noite Londrina.
Los Angeles, 06 de Julho de 2015
-Por favor, por favor, por favor, amiga! Me diga que isso não é verdade!
Estou sentada no chão, rodeada de croquis da nova coleção da Waldorf Designs. Crystal está ajoelhada, segurando o celular na mão como se fosse uma arma.
-Tenho muito trabalho, Crys. – Não consigo olhar pra ela. Se ela visse meus olhos, saberia que eu tinha mesmo roubado os desenhos da Meg. E dormido com o namorado dela. – Por favor, podemos conversar depois.
-O Rick estava certo – O desapontamento em sua voz espetou meu coração como lâmina afiada – Você é a vadia que roubou os desenhos da Meg!
-Cale a boca! – Explodo e ela me encara abismada – Eu só peguei um desenho que ela tinha jogado no lixo, droga!
-Mas você não tinha o direito!
-Eu aperfeiçoei o desenho, coloquei ideias minhas e o transformei...
-Mentira! Porque está mentindo pra mim, Gabi?
-E-eu... – Meus olhos ardem como brasa – Eu errei, caramba! Eu sei! Mas não posso mais concertar isso, ok!
-Não pode porque Cassandra Waldorf já te contratou, não é?
-Ela me contratou porque eu sou talentosa, e você sabe disso! – Solto num esguicho, as lágrimas rolando por meu rosto.
-E dormiu com o Patrick pra conseguir o emprego também? Ou só porque é uma vadia mal amada que quis acabar com o namoro da melhor amiga?
-SAIA JÁ DAQUI! Sai do meu quarto! - Explodo sentindo meu rosto queimar.
Crystal está tremendo. Seus grandes olhos azuis estão afogados em lágrimas. Era um misto de reprovação com decepção.
-Porque fez isso Gabi? Eu sei que deve ter alguma explicação! Eu sei que o Pat não é flor que se cheire... Vocês estavam bêbados? Ele deu em cima de você?
Eu sabia o que ela estava fazendo. Procurando achar um meio de me inocentar. Porque era minha amiga. Acho que a única de verdade.
-O que isso vai provar, Crys? – Levanto e caminho até o bar. Meu roupão da Victoria´s Secrets desliza pelo chão. Entorno a garrafa de vodka no copo e bebo quase num gole – Quer provar que eu não sou a vadia má que o Richard disse que eu sou?
Ela se levanta e me lança um olhar de súplica.
-Eu conheço você há anos, Gabi. Sei que é uma boa pessoa. Sei que cometeu alguns erros, mas todos somos falhos. Por favor, amiga, não deixe que o que Rick diz torne verdade.
-Eu sou uma vadia má, Crystal! Eu vou ser a mais jovem assistente de Cassandra Waldorf! Eu sou um lixo e sei disso! – Berro e tomo mais um gole de vodka.
Crystal corre em minha direção e me abraça.
-Não deixe que façam isso com você, querida – ela beija o alto de minha cabeça. – Você é uma pessoa boa.
Repito aquelas palavras mentalmente diversas e diversas vezes.
Eu sou uma boa pessoa. Eu sou uma boa pessoa!
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