Cada vez que eu conseguia um triunfo novo no trabalho, outra área da minha vida desmoronava. Era como se eu tivesse vendido minha alma ao diabo.
-O que foi? Você não parece nada bem hoje... – Crystal tamborila os dedos na mesa de projeção, as unhas enormes pintadas de vermelho sangue.
-Eu estou bem. Só estou com muita coisa na cabeça – Faço um coque no cabelo e o prendo bem alto. Fazia frio naquele dia, mas eu estava incendiando.
-Eu sei – Crys masca seu chiclete e balança a cabeça desacreditada – Tem havido tantos pedidos! Nunca achei que nosso primeiro ano na Waldorf Designs tivesse tanto sucesso!
-Minha mãe está prestes a dar um chilique federal se eu não retornar suas ligações. – Deslizo o tecido na máquina industrial, puxando com delicadeza para não esgarçar. Eu adorava o barulho das máquinas de costura.
-Então ligue pra ela, ué!
O dedo de Crys enrosca na agulha da máquina de costura e ela da um grito estridente.
-Meu Deus! Vá pra enfermaria! – Berro e ela sai com o dedo ensangüentado.
É engraçado minha amiga sendo tão dramática. Perdi as contas de quantas vezes cortei o dedo na máquina de costura e enfaixei com qualquer pedaço de pano e voltei ao trabalho.
-Gabi! – minha chefe entra como um furacão no ateliê – Preciso que termine isso já! Tenho um trabalho urgente pra você! –Ela bate seu sapato caro no chão e estala a língua, fazendo um barulho irritante – Vamos! Levante-se!
-Mas Cassandra... Preciso terminar isso...
-Você tem dezenas de costureiras! Delegue o trabalho a elas – Ela levanta um dedo magrelo com um anel de diamante no ar – Não diga mais nenhum “mas”! Preciso que fale na coletiva de imprensa. AGORA!
*
Antes de ir embora, Cassandra me chama em sua sala. Eu particularmente adorava ir pra lá, ficar admirando a decoração sofisticada e charmosa. Os quadros raros, os espelhos, as dezenas de revistas de moda, as flores que eram trocadas diariamente.
-Tome – Ela estende um envelope duro pra mim – Aí tem convites suficientes pra festa da Louis Vuitton. Quero que convide seu irmão e os amigos do time.
-Sério? – Faço uma careta – Por quê?
-Por que o Chelsea é um dos mais famosos clubes britânicos e precisamos de parcerias. – Ela fala sem levantar os olhos pra mim, coisa que me irritava. Como falar com alguém sem nem olhar em seus olhos? – Convide um amigo dele e chegue à festa acompanhada.
-Ok. – Olho mais uma vez a parede de cor clara e o abajur que sei que custou meses de meu salário – Estou indo. Até amanhã.
Dou meia volta e ela esboça um sorriso torto.
-Gabi? – Me viro e ela me olha dos pés a cabeça com uma expressão fria. Aquela mulher era difícil de desvendar. – O tema da festa será “Os sete pecados capitais”.
Ela levanta uma sobrancelha fina e admiro seu rosto liso sem nenhuma ruga. Depois ela dá uma piscadela e manda eu sair.
Chego em casa acendendo todas as luzes, abro as janelas e acendo um incenso de flores.
Crystal me liga exatamente quando abro o armário à procura de uma garrafa de vinho.
-Fala, creuza! – Aquele era o apelido que Crys mais odiava na vida – Você está pensando em mim? – Procuro pelo saca rolhas no meio da gaveta de talheres, mas derrubo várias facas no chão, fazendo um barulho enorme.
-Já ta bebendo ô maluquinha?
-Sempre!
-Ai, ai. Amiga, você precisa de um homem. Sério. Há quanto tempo não transa?
Quase engasgo com o vinho.
-Não é da sua conta – Rosno.
-É sim! Eu te conto tudo!!! – Posso visualizar Crystal dando voltas no seu apartamento, furiosa e apertando o celular com força.
-Tá, ta, que seja. – Dou outra golada no vinho e ouço a campainha tocar – Jura que não vai rir?
-Prometo pelo meu Louboutin!
-Há... Há um ano...
-Misericórdia amiga!
-Cala a boca, vou atender a porta. Você prometeu não rir!
Jogo o celular no sofá e corro pra atender a porta.
Para minha surpresa é David. Ele sorri, mostrando dentes perfeitos e duas covinhas nas bochechas. O rosto estava aparentemente macio como bumbum de nenê. O cheiro de loção pós barba predominava e seus cabelos estavam molhados.
Ele usava apenas uma calça de seda azul marinho e um chinelo de dedo. Olhei pra seus pés magros, longos e bronzeados. Deus. Até os pés dele eram sexy.
-Boa noite bebê. – Ele brinca com um cordão de ouro no pescoço desnudo. – Não vai me convidar pra entrar?
Abro a porta e faço um gesto para que ele entre.
Ainda estou muda, tomada pelo espanto de vê-lo ali na minha casa. Ele entra lentamente, dando voltas na sala, olhando cada detalhe da decoração.
-Eu gosto daqui. – Ele fala baixinho, tocando num dos porta retratos que tinha uma foto minha de biquíni no Brasil – É bem do jeito que imaginei. Sua cara.
Dou um sorriso em resposta e encho uma taça com vinho e estendo em sua direção.
-O que foi? O gato comeu sua língua?
Mostro a língua e ele dá uma risada rouca. Ele estuda meu rosto e se aproxima, tocando lentamente em minha bochecha.
-O-o que foi? –Falo tropeçando na poltrona de couro atrás de mim – O que quer?
Os lábios de David tocam a minha pele atrás da orelha. O que era aquilo? Ele conversou por telepatia com Crystal ou leu algum dos meus diários onde dizia que eu estava desesperadamente carente e ele me atraia de uma maneira animal?
-Nada. Só gosto de você. Gosto de ver você ficando vermelha. Tremendo e apavorada. – ele morde o lábio inferior e o que me impede de beijá-lo sem pudor é a raiva que cresce em mim junto com a onda de calor e luxuria.
-Eu esqueci de como você é um fedelho que se acha o gostosão – Provoco.
-Um fedelho que deixa suas pernas bambas! – Ele sorri acidamente e me empurra no sofá. Caio como uma idiota com as pernas pra cima e ele fica em cima de mim, tocando minha clavícula com a ponta dos dedos.
-Me solta! Sai de cima de mim! – O peso do corpo dele sobre o meu era absurdamente apelativo. Meu corpo reage como fagulhas se acendendo. Era notável e até palpável a atração que eu sentia por ele. – Se não sair eu vou gritar!
-Ok. Desculpe.
Ele levanta as duas mãos se rendendo e fica vermelho instantaneamente.
-O que veio fazer aqui? – Falo ofendida por ele ter se afastado de mim.
-Eu... Vim te convidar pra dar uma caminhada... Quer? Coloca um tênis e vamos andar por Londres – Ele enche outra taça de vinho e fico olhando suas costas largas de nadador.
-Eu não... Uso tênis. Nunca. – Cruzo os braços e faço cara de paisagem.
-Sério? – ele dá uma risada.
-O que foi?
-Esqueci de como você é fresca. Patricinha. – Ele revira os olhos e esvazia a taça – Ótimo vinho.
E dá as costas. Ele está quase saindo pela porta quando grito:
-Eei! Quer ir comigo na festa da Louis Vuitton? – Mordo os lábios com ansiedade e ele sorri. Seus olhos adquirem um tom de âmbar intenso e me sinto privilegiada, como se fizesse parte de um clube especial.
-Claro, bebê. – Ele pisca e me olha de cima a baixo. Seu olhar demora mais ainda por minhas curvas – Quem mais ficaria de olho em você? Não posso deixar os marmanjos darem em cima da irmãzinha do meu melhor amigo.
E fecha a porta atrás de si. Me deixando frustrada e confusa.
-Maldito David Luiz! – Grito me jogando no sofá. Acaricio minhas têmporas e me lembro de como em instantes atrás ele estava ali, comigo. – Você vai me trazer problemas!
*
Quando a noite de sábado chega, me sinto uma pilha de nervos. O convite em nada esclarecia o dress code. Eu havia remexido meu closet inteiro e não tinha achado nada legal pra usar. E agora eram quase sete horas, e David me pegaria ás oito.
Decido usar um dos poucos vestidos de festa que eu tinha e fiz uma anotação mental de agradecer mais tarde minha amiga Crystal por ter me presenteado com um fabuloso Zuhair Murad, longo, sensual e elegante.
Olho para o espelho desejando ter mais uma hora para me arrumar, pois a maior parte do tempo que perdi foi pra colocar o tal do vestido.
Faço cachos soltos no cabelo e uma maquiagem leve. Coloco uma nota de 50 libras, um batom e o celular dentro da bolsinha de noite.
Eu estava plenamente satisfeita com a minha aparência no final, o vestido longo de tecido nobre com uma fenda na perna esquerda, a cintura bem marcada e um decote leve, mas quando David toca a campainha eu me sinto ridícula.
-Bebê... – ele fala do outro lado da porta – Vai me deixar aqui plantado?
-Peraê...
Coloco o cabelo pra frente e borrifo perfume no pescoço.
Abro a porta e encontro David com a cabeça baixa, vestido num smoking preto maravilhoso.
-Oi... – Ele levanta a cabeça e eu me seguro no batente da porta. Ele estava delicioso naquele smoking.
Ele parece tão embaraçado que fico ainda mais sem jeito.
-Você está... – Ele deixa os braços penderem ao lado do corpo – Uau! – Ele respira alto, tão nervoso quanto um adolescente levando uma garota pra sair pela primeira vez.
-Obrigada! – Sorrio e ele parece meio abobado. Tranco a porta e não perco a oportunidade de ficar de costas pra ele, saboreando a sensação de que ele praticamente me devorava com os olhos.
Quando me viro, dou um encontrão com ele, que segura minha cintura e aproxima seu rosto do meu.
-Ás vezes eu esqueço de que não é mais aquela garotinha que eu conheci. – ele fala e seu pomo de Adão sobe e desce. Minha garganta fica imediatamente seca. – Você está maravilhosa!
-Você também não está nada mal – Brinco e ele estende o braço. Seguro o dele e caminhamos até o elevador.
-Ah. Espere – Ele tira algo do bolso e me mostra. O rosto se acende, ficando vermelho – Se não quiser usar... – Ele dá de ombros e abre uma caixinha, tirando um corsage delicado de pérolas de dentro. Suspiro e abro um enorme sorriso, estendendo a mão para ele colocar em meu pulso.
David delicadamente acaricia minha mão após fechar o corsage. Seus olhos chegam até os meus, e o brilho que há nele é capaz de me cegar. Nossas testas se encostam e estou quase o beijando. Sinto o cheiro peculiar de sua loção pós barba e seu perfume caro.
Ele encosta os lábios no meu queixo e sobe lentamente, e quando íamos nos beijar – um beijo épico – o elevador chega e três pessoas que estão nele pigarreiam pra que a gente saia da frente.
-Ops, desculpe... – Murmuro e sinto as bochechas arderem. David apóia a mão na curvatura de minha coluna e me empurra pra dentro do elevador.
Lá se vai nossa chance...
Mas eu ainda tinha a noite toda. E a noite era apenas uma criança.
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