História Garoto Prodígio - 12

[P.O.V. Taehyung]

- O Yoongi fez isso? - Jungkook aponta para o meu pescoço no refeitório, fazendo todos na mesa me olharem

- N-não. - falo, colocando a mão em cima da marca roxa.

- Taehyung, você mente mal pra caralho. - Jimin zombou, segurando uma risada. - Eu achei que o cio de Yoongi tinha parado.

- Acabou, mas a gente… - me corto, sentindo minhas bochechas ficarem vermelhas por causa do assunto - Vamos falar de outra coisa, por favor.

Todos na mesa soltam risadinhas por causa da minha vergonha.

- Por que a vergonha, Tae? - Hoseok perguntou, enfiando umas quarenta batatas fritas de uma vez na boca.

- Parece errado falar sobre isso sem ele aqui. - respondo, olhando para a cadeira vazia na minha frente em que Yoongi normalmente sentava. - E eu não quero falar da minha vida sexual para vocês.

- Sexual? - Jimin abre um sorriso malicioso. - Quer dizer que vocês…

- Aaaaaah! - bato minha cabeça contra a mesa. - Vamos falar de outra coisa, qualquer coisa, pelo amor de Deus.

Meu desespero deve ter sido hilário, porque todos na mesa começam a rir da minha cara. Levanto a cara da mesa apenas por tempo o suficiente para lançar um olhar mortal para os idiotas sentados perto de mim e resmungar:

- Por que eu ainda ando com vocês?

Fico com a cara pressionada contra o metal frio da mesa até perceber que eles mudaram de assunto. Surpreendentemente para o bando de vagabundos que são meus amigos, eles estão falando da escola. Tínhamos recebido nossos boletins hoje e foi um festival de desgosto. Os únicos que conseguiram passar sem nenhuma nota vermelha foram Namjoon e Jin. E Yoongi, obviamente, eu duvido que ele tenha sequer uma nota menor que dez no boletim. Mas como ele não veio hoje eu não tenho como ver.

Assim que recebi aquele papelzinho impresso pelo demônio, entrei em pânico. Uma coisa que eu nunca contei para ninguém, nem mesmo Jungkook, é que a única razão para eu estudar nessa escola caríssima é porque eu e Jin temos uma bolsa de estudos conjunta. Ou seja, a bolsa vale para ambos, então ambas as nossas notas tem que se manter altas.

Eu recebi meu boletim hoje e, bem… ainda bem que meu hyung tira notas boas. Quando recebemos nossa bolsa, nossas notas eram boas o suficiente para mantê-la, com uma nota vermelha aqui e ali, mas nada muito preocupante. Porém, de uns anos para cá, por causa de alguns motivos que ainda vou explicar, minhas notas caíram em espiral. Por pouco não perdi a bolsa e, o que é pior, arrisquei levar Jin junto.

O pior de tudo é a culpa com a qual vou ter que lidar caso faça Jin perder a bolsa. Ele estuda que nem um condenado para conseguir entrar em uma faculdade de psicologia fora da Coreia, um sonho que eu posso destruir se não começar a tirar notas maiores.

- E você, Tae? - ouço a voz de Jimin - Como você foi?

Levanto minha cabeça da mesa, tentando formular uma resposta que não deixe meu irmão bravo sem mentir. Abro e fecho a boca várias vezes, tentando pensar no jeito certo.

- É, Tae. - Jin fala, me encarando e colocando a máscara de irmão mais velho. Fodeu - Como você foi?

Engulo em seco por causa do olhar de Jin sobre mim e tento me explicar, mas ele nem me permite. Se levanta da mesa e sai do refeitório, fazendo um sinal para que eu o siga.

- Se fodeu. - Jungkook sussurra enquanto eu me levanto. Mostro o dedo do meio e saio atrás de Jin.

Assim que piso no corredor, vejo Jin me esperando, escorado contra alguns armários com cara de poucos amigos. Ele nem mesmo fala nada, apenas estende a mão, e eu sei o que ele está pedindo. Coloco a mão no bolso e tiro o papel dobrado dali, o entregando para Jin com receio. Quando seu olhar bate nas notas vermelhas - que são muitas - seus olhos se arregalam e ele me encara.

- Você fez as contas?

- S-sim. - gaguejei, o olhar de Jin me deixando um pouco desconcertado - Eu fiz. Você só precisa de quatro notas azuis para compensar, se eu conseguir acima da média naquele trabalho…

- Então consiga. - Jin me interrompe, usando a voz de alfa apesar de saber que não funciona comigo. - Melhor ainda, tire a nota máxima. Eu já fui muito paciente com você, arriscando meu futuro para esconder suas notas dos nossos pais. Mas se as suas notas continuarem caindo, eu não vou ter escolha. Você sabe o que pode acontecer.

- Hyung…

- Não me interrompa. - Jin corta. - Você tem que entender o que está em jogo aqui, Taehyung. Não é só o meu futuro na corda bamba, é o seu também. Eu sei que você tem os seus problemas, mas você decidiu viver assim. O mínimo que pode fazer é tentar aumentar suas notas antes que algo ruim aconteça.  

- Me desculpe, hyung, eu vou conseguir. - falo de cabeça baixa, sentindo uma culpa desgraçada. Se eu sequer tivesse tentado estudar um pouquinho mais...

- Melhor assim. - ele fala com uma expressão dura, mas logo a suaviza e aperta meu ombro em um pedido mudo de desculpas pelo esporro. - Eu vou voltar para o refeitório.

Assim que ele some do corredor, fico ali parado por um tempo, sem saber ao certo o que fazer. Eu precisava aumentar as minhas notas urgentemente, não só por causa da bolsa de estudos.

Desde criança, eu sempre fui muito animado. No começo meus pais acharam que eu era apenas um menino energético demais, porque eu vivia brincando. Então eu cresci, cheguei aos 14 anos, mas a energia parecia apenas aumentar, ao contrário da minha atenção e das minhas notas, que só caíam. Junto com a falta de atenção também vieram a impulsividade, a inquietação e a ansiedade. No meio do oitavo ano, quando eu zerei um boletim pela primeira vez, que meus pais perceberam que eu realmente tinha um problema.

Depois de certa resistência da minha parte, fui levado à uma psicóloga em um consultório no centro da cidade que tinha cheiro de repolho. Aquela beta me diagnosticou com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. Como meus pais não tinham nem o tempo nem o dinheiro necessários para um tratamento adequado, comecei a tomar ritalina.

O problema com a ritalina é que, apesar de me ajudar a me concentrar e de certa forma “driblar” o TDAH, também me deixava, em resumo, letárgico. O remédio tirava quase todo o meu ânimo e me deixava com falta de apetite e insônia, eu não me sentia mais eu mesmo. Infelizmente, meus pais não concordaram em cortar o remédio, porque minhas notas continuavam a cair. Depois de mais um ano tomando ritalina, no nono ano, confessei tudo para Jin e ele concordou em me ajudar a esconder minhas notas para que eu não volte os remédios.

Eu já estava no segundo ano do ensino médio agora e, até aqui, consegui viver uma vida relativamente normal apesar do TDAH. Mas se eu não conseguir aumentar minhas notas logo… Nem mesmo Jin vai ser capaz de me tirar dessa.

Giro no lugar e me distancio da porta do refeitório, indo até a biblioteca, apesar de saber que as minhas chances de me concentrar em um livro agora são 0.01%.

[...]

Fecho o livro com força, frustrado. Eu consegui ler cerca de um parágrafo antes das letras começarem a flutuar para fora da página, rodando em volta da minha cabeça como se estivessem andando de skate. Isso sem contar que eu conseguia focar em qualquer coisa - a qualidade da impressão do papel, o padrão de mofo nas paredes da biblioteca, a organização dos livros na estante à minha frente - menos na matéria propriamente dita.

Assim que foi avisado que teríamos o último tempo livro, Jungkook falou que devíamos sair e aproveitar o restinho de sol que ainda tínhamos, porque logo o inverno chegaria e os dias ficariam mais curtos - Jungkook odiava o inverno justamente por causa disso. Com os dias mais curtos, quando as aulas acabavam já estava escuro, o que implicava com Jungkook tendo que ir direto para casa. E isso implicava com ter que passar mais tempo com os pais conservadores. Falei que iria usar o último tempo para estudar e ele riu da minha cara por uns cinco minutos, logo depois me deixando em paz para estudar.

Jungkook não sabe do meu TDAH porque quando ele me conheceu, no nono ano, eu já tinha parado de usar ritalina. Nunca falei da hiperatividade pura e simplesmente porque tenho preguiça de trazer o assunto. Eu não tinha vergonha, sabia que muitas pessoas no mundo tinham o mesmo problema, só não achava importante.

Tento ler aquele mesmo parágrafo pela quinta vez, mas não consigo entender nada. Assim que consigo compreender uma frase, ouço minha barriga roncar. Quando foi a última vez que eu comi alguma coisa? Mal comi no almoço e agora já eram 6 da tarde...

Guardo o livro dentro da mochila, resolvendo fazer uma pausa. Tiro de lá uma barrinha de cereal, encarando a estante de livros na minha frente e me perguntando o que estou fazendo aqui. No chão da biblioteca vazia, comendo uma barrinha de cereal às 6 da tarde de uma terça-feira. Eu sabia que não adiantava tentar estudar assim, só sentando e lendo, eu jamais teria a atenção necessária. A última vez em que consegui estudar de verdade foi quando Yoongi me deu aquela aula de matemática.

Espera, Yoongi! Eu posso pedir ajuda para ele. Tenho certeza absoluta de que Yoongi ia conseguir me ajudar com a matéria e, apesar de isso soar um pouco gay, eu estou com um pouco de saudades dele. Se controla, Taehyung, ele só faltou um dia.

Jogo fora o pacote da barrinha que eu estava comendo e me levanto, já mandando uma mensagem para Yoongi no processo.

Kim Taehyung: Oi Yoonie ^^

Kim Taehyung: Posso ir na sua casa hoje? Preciso de ajuda com a escola.

Kim Taehyung: A gente pode sair depois

Min Yoongi: Tudo bem, meus pais não estão em casa

Min Yoongi: Chega logo, por favor.

Kim Taehyung: Chego aí em dez minutos.

Bloqueio a tela do celular e me dirijo para fora da biblioteca. Eu iria andar um quilômetro e meio até a casa de Yoongi no escuro? Sim, eu ia andar um quilômetro e meio até a casa de Yoongi no escuro. Eu não me preocupo muito com assaltos, já que eu morava em uma cidade relativamente segura, e eu também não tinha que valesse a pena ser roubado. E eu não tinha que temer muito pelo meu corpo, já que sou alfa.

Dou cerca de cinco passos antes de ouvir a voz de Jimin por trás de uma das estantes:

- Mas Tae não pode saber, ele…

Olha, eu geralmente não sou uma pessoa curiosa, mas te desafio a não espiar quando você ouve seu melhor amigo falar sobre você com alguém. Me aproximo um pouco mais da estante e observo pelo espaço entre dois livros, me sentindo o Jason Bourne coreano.

Demoro um pouco para enxergar o garoto com quem Jimin está falando, mas assim que ouço sua voz, reconheço Hoseok:

- Eu não vou falar nada, ninguém vai descobrir. Nem era para você ter descoberto, eu não…

- Você é tão óbvio que tem que agradecer por todo mundo aqui ser burro. O Yoongi e o Tae estão cegos de amor, mas vão perceber se você não se controlar. - Jimin sussurrou de volta.

Hoseok respirou fundo, colocando as duas mãos na cabeça antes de responder.

- Está cada vez mais difícil, agora que ele está namorando, mas não é minha culpa. Ainda mais o Yoongi....

- Eu sei que não é culpa sua, Hoseok. - Jimin o cortou. - Não é a primeira vez que você se apaixonou por alguém que não correspondia.

- Eu que o diga. - Hoseok se encostou na estante em que estou espiando, de modo que eu não consiga mais ver ele, mas ainda conseguia ouvir. - E eu não vou chegar nele, não sou burro. Perdi minha oportunidade e ele começou a namorar. Isso que dá me apaixonar por alguém tão ingênuo.

Apaixonado? De quem ele estava falando? Tento afastar um pouco os livros para ver Hoseok, tentar identificar alguma pista no rosto do beta, mas minha visão ainda é limitada.

- O que pretende fazer, então? - Jimin pergunta, virando de costas para ambos Hoseok e eu, e procurando um livro em outra estante.

Ouço Hoseok suspirar e me surpreendo ao ver que ele está bem mais próximo de mim do que eu esperava.

- Não tenho muito o que fazer, acho. - fala ele. - Eu nunca vou admitir e arriscar destruir aquele namoro. A culpa é minha de não ter falado nada antes. Mas ainda não tenho certeza se eu devo esconder isso de Tae. Não sei qual vai ser a reação dele.

- Eu também não sei, Seok. - Jimin respondeu, tirando um livro da estante e se virando para Hoseok. Por muito pouco ele não me vê, meu coração pula de susto. - Ele nunca se envolveu com ninguém do jeito que ele está se envolvendo agora, acho que o melhor mesmo é você ficar fora dessa. Espere esse sentimento passar ou pelo menos diminuir, você sabe que falar qualquer coisa agora só vai te trazer problemas.

Assim que me toco do que eles estão falando, me assusto tanto que dou um passo para trás. Isso não pode estar acontecendo. Alguma coisa tem que estar errada.

Como todo azar para Kim Taehyung ainda é pouco, assim que dou o meu passo para trás sinto meu cotovelo esbarrar em alguns livros, os empurrando para fora da estante e os fazendo cair no chão com um estardalhaço.

- Oi? - ouço a voz de Jimin se aproximando.

- Tem alguém aí? - a de Hoseok o segue.

Em pânico e sem saber o que fazer, agarro minha mochila e corro para fora daquela biblioteca, dando graças à Deus por ter me dado pernas longas. Saio correndo daquela escola, deixando para trás um Jimin desconfiado e, ao que tudo indica, um Hoseok que está apaixonado por Yoongi, meu namorado.