História Garoto Prodígio - 20

[P.O.V. Hoseok]

Demorou quase um mês para que Taehyung me respondesse. Ele mal falou comigo durante todo esse tempo, envergonhado e confuso demais para falar comigo diretamente sem despertar algum sentimento estranho. Eu sabia que isso podia acontecer, então respeitei. Não cheguei muito perto nem falei sobre o que aconteceu aquele dia, para que ele não ficasse ainda mais confuso.

Eu ia esperar, assim como tinha prometido. Mesmo que ele falasse que tinha esquecido, que era independente, que tinha superado, eu conseguia ver que ele ainda amava Yoongi. Era possível ver nos olhos dele toda vez que ele lembrava daquele loiro, um pouco de esperança de que ele voltasse, mergulhado num amor imenso por ele e numa tristeza imensa por ter sido deixado. E mesmo que isso me deixe com um pouco de raiva - mais de Yoongi do que de Taehyung - eu respeito e me mantenho longe até que ele mesmo decida o que é melhor para ele.

Eu lembro de quando comecei a gostar de Taehyung. Todos já tinham percebido que Yoongi gostava de Taehyung, pouco antes do começo do segundo ano, e o amor não resolvido dos dois tinha virado assunto.

Taehyung era meu amigo, e eu não entendia como Yoongi conseguia ver ele romanticamente. Quero dizer, eu até conseguia, porque Taehyung era uma pessoa incrível, mas era só meu amigo. Acho que o meu primeiro erro foi tentar ver. Porque cada vez que eu prestava mais atenção nele, mais eu via o quanto ele era lindo, engraçado, gentil…

Quando eu percebi que estava gostando mais do meu amigo do que deveria, quis me dar um soco. Porque era inteiramente culpa minha e eu não podia fazer nada, já que era mais que óbvio que Taehyung gostava de Yoongi. Não só não podia como não queria. Não queria me meter no meio daquele namoro e conseguir Taehyung para mim deixando Yoongi triste. Além do mais, Tae estava tão apaixonado pelo ômega que eu não teria absolutamente nenhuma chance.

Passei um bom tempo assim, quieto, sem ninguém saber desses sentimentos que eu deixava o mais escondidos quanto possível. Jimin descobriu e concordou comigo quando eu disse que era melhor não fazer nada. Ele era o melhor amigo de Yoongi na época e tinha certeza absoluta de que Taehyung e Yoongi não iam se separar nunca.

Eu via eles todos os dias na escola, felizes um com outro, só sorrisos e abraços, e tinha que me forçar a ficar feliz por eles. Taehyung estava feliz, então eu deveria ficar feliz, certo? Desisti de sequer tentar e apenas observei de longe, tentando superar Taehyung e ir atrás de outra pessoa, mas eu não conseguia.

Então no primeiro dia das férias, naquela festa de formatura de Jin e Namjoon, Jimin me fala que Yoongi terminou com Taehyung e que tinha ido embora. Ido embora, ele me falou. Eu não fazia ideia de que Yoongi tinha largado tudo e todos e fugido para outro país sem nem menos se despedir.

No momento, eu não vi aquilo como a minha chance. Tudo o que eu vi foi Taehyung sentado em uma daquelas mesas, chorando com um dos copos de bebida que Baekhyun tinha lhe dado na mão. Eu fiquei do lado dele durante toda aquela festa, tentando controlar a quantidade de bebida que ele tomava - falhando, obviamente, porque ele definitivamente não queria soltar aqueles copos - e o levando ao banheiro quando ele quis vomitar. O levei a pé até em casa porque nenhum de nós dois estava em condição de dirigir e eu não queria que ele desmaiasse sozinho na rua.

Quando acordei no dia seguinte, jogado no chão do quarto de Taehyung, eu o vi com o rosto completamente abalado. Tinha acabado de sair do banho, os seus olhos estavam inchados e o lábio inferior tremia, indicando que não só tinha chorado como estava prestes a começar a chorar novamente.

Dei um pouco de privacidade para ele até que ele decidisse me contar por conta própria. Depois que ele me contou, fiz questão de estar ali para ele sempre. A maioria dos nossos amigos não fazia ideia do que fazer, de como agir com Taehyung. Tinham medo de que ele piorasse ou de que ficasse com raiva deles se eles falassem de Yoongi. Mas eu não me importava. Estava preocupado demais com ele para me importar.

Fiquei ao lado dele esse tempo todo. Aguentei todas as suas crises de choro, todas as suas inseguranças e toda a sua letargia. Fiquei do lado dele e usei todas as minhas idéias para fazer ele melhorar, mesmo que eu soubesse que esse tipo de coisa só melhorasse com o tempo. Mas, mesmo assim, eu tentei. Durante todo esse tempo, eu estava tentando fazer ele esquecer Yoongi completamente e se permitir viver por si mesmo, abrir seus olhos para outras pessoas que gostam dele, abrir seus olhos para mim. Mas ele não percebia.

Mesmo que eu tenha feito tudo para ele, ele não percebia. Então eu cansei de jogar indiretas, de ser sutil. Eu vi ele naquela varanda escura, sendo iluminado por nada além da lua, com lágrimas enchendo os olhos e vulnerável como eu já estava acostumado a ver. Uma parte dentro de mim, a mais impaciente, me fez beijá-lo.

No começo, quando ele não retribuiu, eu imediatamente me arrependi. Pensei ter feito a maior burrada da minha vida, ter jogado fora tudo o que eu construí com Taehyung, destruído qualquer resquício de amizade com uma ideia idiota. Mas então, subitamente, seus braços me rodearam e ele retribuiu. Timidamente, mas retribuiu. A esperança me voltou com tudo e eu quase suspirei de alívio, por finalmente ter Taehyung para mim.

Mas aparentemente não. Pouco depois de ter retribuído, eu senti as mãos de Taehyung no meu peito e ele me empurrando para longe com força, arquejando. No rosto dele estava claro que ele se sentia culpado. Seu olhar desviou do meu e ele olhou para a rua, as paredes, o céu, qualquer lugar que não fosse o meu rosto.

Era óbvio que ele precisava pensar.

Depois de falar com Tae sobre aquilo eu decidi esperar pela sua resposta. Não pressionei, apenas esperei que ele colocasse o seus pensamentos no lugar. Demorou quase um mês, mas ele finalmente me respondeu. Um dia, quando estávamos indo à pé da escola para casa, ele tomou um atalho que passava por dentro de um parque e eu o segui.

“Eu quero aprender a te amar, hyung” foi o que ele tinha me dito, e eu nunca me senti tão feliz. Taehyung estava finalmente superando, estava se permitindo viver. Se permitindo viver comigo.

Eu demorei cerca de uma semana para pensar em um encontro que fosse bom o bastante. Eu não estaria só levando qualquer garoto ou garota para sair, esse era Taehyung. Era o garoto que eu amava há eras, por quem eu já tinha aguentado de tudo. No fim das contas, o levei para um piquenique no mesmo parque em que ele tinha dito que queria tentar algo comigo.

Era um parque bonito, limpo e não muito movimentado. A noite ali era linda, apesar de não ser possível vermos muitas estrelas por causa da poluição luminosa. Então, ali estávamos nós, às dez da noite de uma sexta-feira, deitados em uma toalha de piquenique azul-claro e observando o céu.

- Fazia muito tempo que eu não fazia isso. - Tae fala, a cabeça apoiada no meu braço.

- Observar o céu? - pergunto.

- Também. - ele suspira. - Eu quis dizer, sair com alguém. Eu não faço isso há muito tempo.

- E o que acha?

- É estranho. - fala - Um estranho bom.

Eu o beijei ali, debaixo de uma árvore e das poucas estrelas que conseguíamos ver e ele, mesmo hesitante, retribuiu timidamente. Naquele momento, eu provavelmente era o homem mais feliz do mundo. Não tinha ano passado, não tinha Yoongi,  não tinha medo de dar errado. Só havia Taehyung nos meus braços e a certeza de que eu amava ele.

Já era quase meia-noite quando fomos embora, andando até o apartamento em que morávamos juntos, conversando sobre assuntos aleatórios como quando voltávamos da escola.

- Eu não quero dizer que é verdade, só estou falando que é muito provável, tem muitos fatos que comprovem. - Taehyung fala, enquanto virávamos a esquina, já perto do apartamento.

- Mas se fosse verdade, porque o governo deixaria essa informação na internet?

- Eles não deixariam, mas a moral de uma teoria da conspiração é fazer… - a voz de Taehyung morre.

Olho para o seu rosto, tentando entender porque ele parou de falar do nada. A sua expressão é de choque, ele está encarando alguma coisa. Quando sigo o seu olhar, vejo a razão sentada na escada de entrada do nosso prédio, com um lírio branco como a neve nas mãos.

    Yoongi.

Seus cabelos não estão mais loiros e ele não parece o mesmo que foi embora, pouco menos de um ano atrás. As roupas de colegial fofas foram trocadas por uma calça jeans rasgada e uma jaqueta de lona surrada. Os óculos de grau sumiram do seu rosto e seus cabelos agora estão com uma coloração verde água extremamente desbotada. Quase não o reconheci, mas a aura do ômega conseguia ser vista há quilômetros de distância.

Ele estava sentado nas escadas, cotovelos nos joelhos e a cabeça baixa, encarando a flor que tinha nas mãos. Parece surreal ver ele aqui, tão casualmente, tão diferente, depois de ele ter desaparecido sem aviso e sem uma mensagem sequer. Parece um sonho conturbado, uma miragem.

Yoongi permanece naquela posição até nos aproximarmos e ele perceber a presença de Taehyung. Observo o rosto de Tae, mas ele permanece com a expressão chocada, sem falar uma palavra sequer. Yoongi se levanta, surpreso, e encara Taehyung, as palavras se enrolando na garganta.

- T-Taehyung! - fala. -  Eu… eu quero falar com você.

É impossível decifrar a expressão de qualquer um dos dois no momento. Yoongi parece apenas determinado e Taehyung parece apenas chocado, mas eu sei que há muito mais. Olho para Tae, e o vejo engolir em seco - eu o conheço o suficiente para saber que ele faz isso quando não quer chorar.

- Fale.

Yoongi pestaneja, olhando para mim.

- Em particular. - diz, apertando o lírio nas mãos. Eu não entendi porque Yoongi tinha trazido uma flor, mas Tae aparentemente entendeu, porque assim que olha para a flor seus olhos marejam.

- Fale. - Taehyung repete, com uma sombra da sua voz de alfa, o que assusta tanto a Yoongi quanto a mim.

- E-Eu… - Yoongi respira fundo, dando um passo para frente como se fosse tocar Taehyung, mas logo pensa melhor e para na metade do movimento. Em seguida, fala tudo de uma vez, quase tão rápido que eu não consigo entender.  - Eu preciso que você me perdoe, Taehy. Eu fui idiota, não devia ter simplesmente fugido de tudo e não ter dado notícias, devia ter tentado. Cada dia fora daqui foi um inferno, eu não aguentava aquele lugar, foi insuportável. Quando eu percebi a merda que eu tinha feito, mas eu não podia simplesmente largar tudo, meu irmão contava comigo, e eu sei que isso não é desculpa mas eu…

Ele mesmo se interrompe, passando a mão pelos cabelos, suspirando e recomeçando antes que alguém tenha tempo de falar alguma coisa.

- Eu fiz a maior merda que eu poderia ter feito na minha vida, eu não devia ter ido embora. Será que você poderia, por favor, me perdoar?

Abro a boca, completamente chocado. Encaro Yoongi, tentando observar a sua expressão, mas não consigo ver nada além de uma exasperação controlada. Os olhos dele estavam completamente secos, enquanto os de Taehyung estavam a uma gota de transbordar completamente.

Encaro Taehyung, me sentindo perdido no meio dos dois. O rosto de Taehyung deixava claro a confusão que ele estava sentindo. Seus olhos estavam completamente marejados e ele encarava o rosto de Yoongi, parecendo se lembrar de absolutamente tudo que eles já passaram juntos.

Eu queria pegar Tae pelos ombros e o sacudir, queria lembrar ele de quanto ele já sofreu por esse babaca, que Yoongi não podia simplesmente aparecer aqui e pedir para Tae perdoá-lo depois de tudo o que ele fez, que Tae tinha que manter pelo menos um pouco de dignidade.

Mas eu não podia. Porque, ao olhar nos olhos de Tae e ver ele lembrando de tudo o que já passou com Yoongi, eu sabia que ia acabar perdendo. Então apenas suspirei, sabendo que essa era uma decisão para Taehyung tomar.

Parece ter se passado uma vida inteira quando Tae abre a boca, para suspirar e responder, surpreendendo tanto à mim quanto à Yoongi:

- Não.