História Girl meets Girl - Negação

Acordei com um barulho vindo do primeiro andar da casa, o sol ainda nem tinha nascido. Ouvi um um carro arrancando e logo depois um segundo barulho mais forte no andar debaixo. 

Levantei tentando não acordar Maria Clara, estávamos meio que abraçadas, e comecei a descer as escadas com um pouco de medo, me guiando apenas com a lanterna do celular. Eu sequer sabia se meus pais haviam voltado para casa. 

Uma das luzes da sala estava acesa, me fazendo relaxar um pouco. Ufa! Acho que espíritos não precisariam ascender as luzes... Desci os últimos degraus mais rápido por conta da melhor iluminação. 

Rafa estava apoiada no braço do sofá, o barulho foi ela esbarrando em alguma coisa, como eu já imaginava. 

- Sua bebum, desse jeito vai acordar até os vizinhos. - Pouco exagerada, né? Minha voz estava baixa e rouca por conta do sono. A garota riu com vontade, não sei de quê, porque eu falei sério. - Quem tava com você? - Estreitei os olhos, percebendo o estado em que ela estava.

- Umas pessoas aí. - Falou, se jogando para trás de uma vez só e caindo deitada no sofá. - Tô muito louca! - Disse, encarando o teto como se tivesse algo de interessante lá. 

- Nem percebi... - Ironizei, um pouco irritada. Deviam ter cuidado melhor dela.

Agachei-me ao lado de Rafa, ela cheirava a uma mistura de álcool, cigarro e maconha. Eu nunca tinha visto ela tão bêbada e nem sabia que ela fumava alguma coisa. 

- Nossa! Você tá linda. - Elogiou ao olhar para mim, conseguindo me fazer rir. Ela estava muito louca mesmo, se estivesse falando sério, porque minha cara estava inchada de sono e meu cabelo, completamente bagunçado. 

Notei os olhos de Rafa descendo para encarar meu sorriso, ela sustentou o olhar ali com seriedade por alguns instantes, então, subitamente, soltou uma espécie de gemido e levou as mãos a cabeça. 

- Meu Deus, quando isso vai passar? - Reclamou, parecendo um tanto desesperada. Pelo jeito bateu uma badzinha... 

Passei a mão em seus cabelos como forma de consolo, esperando até que ela se tranquilizasse.

- Vem, vou te levar pro quarto. - Chamei, puxando levemente sua mão como forma de incentivo para que ela levantasse. 

Foi difícil subir as escadas com Rafa, mas amiga é para essas coisas, né? Tenho que desempenhar meu papel. Levei-a até o quarto de hóspedes, no qual ela deveria dormir todos os dias, mas hoje seria a primeira vez desde que nos conhecemos. 

- Não... Porque aqui? - Sua voz parecia cada vez mais embriagada e entrecortada. Sentei-a na cama e retirei sua blusa para ver se o cheiro melhorava, seu corpo estava mole, parecia uma criança.

- Estou com a Clara, lembra? - Ela levantou as sobrancelhas, demonstrando ter se lembrado.

Abaixei para ajudá-la a se livrar de sua saia. Nem sei onde ela tinha deixado os saltos, mas joguei o restante da roupa no chão mesmo. 

- Me conta como foi. - Falou, finalmente, quando me levantei para ajeitar o lençol da cama.

- De que adianta? Vou ter que repetir tudo amanhã... - Bocejei no meio da frase.

- Conta agora. - Insistiu. - Ficou com ela? - Dei um sorrisinho de canto, foi o bastante para que ela entendesse. - Acho que não tô bem, Duda. - Ela interrompeu a conversa ao correr para o banheiro. Ok, eu já estava esperando por isso.

Passei quase uma hora cuidando de Rafa, o sol já estava nascendo quando ela conseguiu se deitar na cama. Sentei ao seu lado, esperando para ver se ela ficaria bem, achei até que ela fosse dormir, mas ficou olhando para mim sem dizer nenhuma palavra. Seus olhos continuavam inchados e levemente irritados, parecendo um tanto vagos.

- Não vai querer que eu cante, né? - Brinquei, tentando descontrair e fazer com que ela me deixasse voltar a dormir. Rafa deu um sorrisinho de canto, parecendo cansada e um pouco distante, vai saber o que se passava por sua mente agora... Nem eu, a melhor amiga, conseguia decifrar. - Ok, então tenta não vomitar em nada. - Foi para tirar sarro, mas não deixou de ser sério. 

Pousei a mão na cabeça de Rafa e dei um esfregadinha rápida antes de me levantar da cama. De repente, senti que ela segurava minha mão, me impedindo de sair de perto dela.

- Fica comigo? - Pediu, sua voz estava voltando ao normal. 

Hesitei por um instante, mas resolvi me deitar ao seu lado. Certas coisas não consigo negar, eu já havia me acostumado a dormir com ela e me sentiria muito mal de deixá-la assim.

Rafa colocou sua mão sobre a minha, estávamos uma de frente para outra, deitadas de lado. Ela usou o dedão para fazer um carinho sutil nas costas da minha mão e, só então, fechou os olhos. Ela não demoraria a dormir e, logo que o fizesse, eu voltaria ao quarto com Maria Clara. Pelo menos foi o que pensei. 

Acordei, mas dessa vez com os barulhos de uma manhã de sábado qualquer, a luz que entrava pela janela iluminava um quarto que demorei para reconhecer.

- Merda. - Murmurei, levantando com pressa. 

Por sorte não acordei Rafaela, ela dormia como uma pedra depois da quantidade que bebeu ontem. Minha memória me atingiu como um soco, que noite louca foi aquela? Eu sequer tinha ficado alegre com as cervejas que tomei, mas mesmo assim, nada parecia ter sido real. 

Corri de volta para o meu quarto e encontrei Bife acordada. Agradeci mentalmente de 200 maneiras diferentes por ela não ter saído do quarto. A garota estava no banheiro lavando o rosto.

- Ei, foi mal! Acordei morrendo de fome. - Duda, a mentirosa. 

Maria Clara se virou para trás ao me ouvir e deu um sorriso, a melhor coisa é acordar e se deparar com um sorriso lindo desses, bicho. Cheguei mais perto, bloqueando a porta do banheiro, aí o sorriso dela murchou. Ela pareceu ter ficado nervosa, seu rosto estava um tanto pálido... Uma pena, porque adoro suas bochechas rosadinhas. 

- Tudo bem? - Franzi o cenho, estranhado seu comportamento. Bife apenas balançou a cabeça positivamente, então indicou que queria passagem para o quarto, novamente sem dizer uma palavra. Dei um passo para trás, permitindo que ela passasse. 

- Desculpa ter dormido na sua cama. - Sua voz saiu rouca e cheia de insegurança, fazendo-a pigarrear.

- Não tem que se desculpar. Adorei a noite. - Sorri, relembrando o que aconteceu.

- É, foi divertido... O jogo e tudo mais. - Seu sorriso era forçado. Por que ela fica sem graça tão facilmente? 

Dei uma risadinha e me aproximei para segurar a mão da garota e fazê-la olhar para mim. 

- Eu não tava falando do jogo. - Ela olhou para baixo, claramente estava evitando contato visual, o que me fez sentir MUITO mal. Será que ela não gostou do meu beijo?

- E-eu sei... - Pigarreou novamente. - Podemos, por favor, esquecer isso? - Sua voz, apesar de estar carregada de nervosismo, era doce, o que me fez continuar acreditando que ela não sabia que eu estive com a Rafa no outro quarto.

- O que foi? Fiz algo errado? - Não deu para esconder quão chatiada fiquei ao ouvir seu pedido.

- Não, não é isso... É só que... - Suspirou, triste. - Duda, deixa pra lá.

- Só quero entender o que aconteceu, Macla. - Chamei mesmo ela de "Macla"? A garota balançou a cabeça negativamente. 

- Não dá. - Ela tentou se afastar, mas a segurei. - Olha, meus pais já estão chegan...

- O que não dá, é pra deixar pra lá. - Falei calmamente para não assustá-la ainda mais, então passei a os dedos pela mecha clara de seu cabelo, da mesma forma que fiz na noite anterior. - Eu duvido que não tenha sentido o que eu senti. - Sorri, um filme se passava em minha mente, fazendo com que eu me lembrasse de cada detalhe da noite passada. - Duvido que não tenha gostado, que não sinta um arrepio ao pensar no nosso beijo... - Fui me aproximando devagar. Para cada passo que eu dava para frente, um ela dava para trás. - Duvido que não queira repetir. - Nesse momento suas costas se encostaram na parede fria, onde apoiei as mãos para me certificar de que Maria Clara não se esquivaria, só então avancei com calma para beijá-la.

O empurrão de Bife foi como um banho de água fria. Fiquei surpresa, mesmo não tendo sido necessário que ela usasse muita força. Não pensem que eu estava tentando forçá-la, na real, eu só queria conquistá-la. Achei que ela estivesse assustada por ter dado o primeiro beijo lésbico, o que é absolutamente normal, mas pelo jeito era mais que isso. 

- Para, Duda! - Maria Clara praticamente gritou. Pela sua voz dava para perceber que começaria a chorar. - Que saco! Você não entende que eu não quero?!

- Desculpa, eu... - Eu nem sabia o que dizer, eu não estava entendendo nada.

- Eu não sou lésbica, já falei! - Oi?! - Ontem foi um impulso e nunca mais vai acontecer. Nunca! - Ai, doeu. Fui em sua direção novamente, na intenção de tentar acalmá-la. Maria Clara estava aos prantos. - Não. - Ela empurrou minha mão, para que eu não a tocasse. - Por favor, me respeita. - Pediu, tentando enxugar suas lágrimas e se recompor. - Isso tudo foi um erro. Não vou me perder. - Parecia estar falando mais para si mesma do que para mim. 

- Tá tudo bem, Bife. Não tem problema... -Perdida, quem estava, era eu. 

- E-eu preciso ir. - Foi tudo que ela disse antes de sair, quase correndo, de meu quarto. Rafa esbarrou com ela, provavelmente havia acordado com o barulho, já que os dois quartos eram colados.

- Wow, o que foi isso? - Questionou esfregando os olhos. 

Ignorei minha melhor amiga para ir atrás de Maria Clara. Cheguei na sala a tempo de encontrar a porta se fechando. As janelas mostraram que os pais de Bife já haviam chegado, então toda a minha coragem foi embora. Eu não iria discutir perto deles. 

Joguei-me no sofá, vencida. Que porra foi aquela?! Após alguns instante senti a mão de Rafa tocar meu ombro.

- Caramba, Duda... Que pesado. - Balancei a cabeça positivamente, tentando digerir tudo o que aconteceu. - Me desculpa, não foi minha intenção, eu...

- Não foi culpa sua. - Interrompi. 

Sequer sei explicar o que eu estava sentindo, mas é assim que deveriam definir a palavra "frustração" no dicionário. Por que Bife surtou? Alguém, por favor, desenha? Eu tô confusa pra caralho!