This is the end
Hold your breath and count to ten
Feel the Earth move and then
Hear my heart burst again
For this is the end
Skyfall, Adele
Capítulo 1
Aquele era com certeza o pior momento de sua vida. Não que ela tenha tido muitos anos de vida ou que tenha vivido muitos momentos mas, se comparado a todos os outros, esse era com certeza o pior e dificilmente algo mais terrível poderia um dia acontecer. Na verdade, na vida de qualquer pessoa daquela cidade-estado, passar pelo que ela estava passando seria considerado o pior momento. Nada poderia superar aquilo. Era o pior castigo. E o que tornava tudo mais insuportável era que ela não tinha culpa. Pelo menos não totalmente. Ela fora traída das duas piores maneiras possíveis: no amor e na amizade.
A sua frente a juíza pediu silêncio mais uma vez daquela manhã. Ela era a responsável pelo julgamento de todos os delitos realmente significativos cometidos pelos cidadãos, mas era a primeira vez que tinha em mãos um caso tão grave. O lado bom disso era que ela muito provavelmente não precisaria dar a palavra final. Os julgamentos em Gogman aconteciam da seguinte maneira: havia duas bancas de anciões, cada uma representando uma das duas famílias que fundaram a cidade-estado. Em uma banca havia sete anciões da família Hasmnend, eles se juntavam e votavam para decidir se o réu era culpado ou não, contando assim um único voto para a banca e o mesmo acontecia na dos anciões da família Trayanberg. Dessa forma, se o resultado das duas bancas for igual, o caso é decidido e encerrado, porém se os resultados forem opostos a decisão passa para a juíza, que por lei, não descende de nenhuma das duas famílias. Mas como já foi dito, ela não precisaria tomar essa decisão. O resultado já tinha sido tomado antes mesmo do julgamento começar: culpada. E ninguém apostaria o contrário. Nada tão devastador havia acontecido como aquilo naquela geração e na anterior e na anterior da anterior.
Lauren Jauregui estava sentada na cadeira do réu, o coração disparado e os olhos vermelhos de tanto chorar. A jovem de dezesseis anos mal tinha começado a sua vida e esta já estava acabando. Os votos das duas bancas já estavam sendo contados e nada bom poderia sair dali. Ela iria ser condenada, não tinha dúvidas disso, ninguém tinha, mas qual seria sua punição ainda era uma coisa a se especular. Os mais inocentes acreditavam que ela seria condenada à prisão perpétua, seria mandada para os campos de plantação de aveia e trabalharia ali para sempre com os prisioneiros mais perigosos da polis. Lauren não podia se imaginar trabalhando daquele local. Ela não poderia suportar. Os campos de aveia eram o palco de todas as histórias terríveis contadas pelos adultos para assustar as crianças e há pouco mais de dois meses era para Lauren somente isso. Um lugar de histórias assustadoras. Agora, existia uma grande possibilidade de aquele ser o seu futuro lar. Os mais raivosos queriam que ela fosse condenada à morte e, para Lauren, aquela não parecia má ideia. Ela preferia ser morta a ser escrava até o fim da sua vida ou a ser condenada a terceira punição possível: ser expulsa. Há séculos isso não acontecia com ninguém e agora ela estava vivendo um momento histórico. O pior momento da sua vida. Ser expulso significava que o culpado não era honrado o suficiente para plantar a comida dos cidadãos honestos e nem para ter seu corpo abaixo dos pés desse povo.
Lauren nunca tinha passado dos muros da cidade e também não conhecia ninguém que o tivesse feito. Os únicos que saiam, além do exército em tempos de guerras, o que não era o caso, eram os comerciantes, mas esses não iam além dos limites do Velho Mundo, eles se encontravam com comerciantes das outras cidades-estados na Terra Dos Comerciantes. Alguém excomungado nunca mais poderia voltar para sua casa e nem se encontrar com ninguém da sua família, viveria para sempre em um mundo desconhecido, com pessoas desconhecidas e costumes desconhecido e só poderia levar consigo as roupas do próprio corpo. Se ao menos o cidadão expulso fosse aceito em outra cidade-estado, a punição não seria assim tão rigorosa, porém, essa pessoa não poderia de forma alguma viver com outros povos do Velho Mundo. Não é que fosse proibido, mas a lógica é simples: se uma pessoa cometeu um crime tão grave a ponto de ter sido expulsa de sua cidade, por que aceitá-la entre seus cidadãos? Mesmo que as leis e os costumes fossem totalmente diferentes entre esses povos, era de conhecimento geral que alguém só saia de Gogman se fosse comerciante ou um criminoso rechaçado.
- Peço silêncio a todos – a juíza elevou o tom para que fosse escutada. O público presente se colocou calado, o clima de tensão era quase palpável. – Os anciões já tomaram a sua decisão.
Lauren respirou fundo e levantou os olhos. Visualizou sua família sentada na primeira fileira de cadeiras, sua mãe aos prantos, o pai tentando permanecer calmo. Ela sabia que ele não acreditava na sua inocência, mas também sabia que ele não desejava nenhuma das punições para sua filha. Ela então olhou para a juíza e percebeu que de certa forma não estava mais consciente do seu corpo, sua mente divagava por todos os cantos, pensando em tudo que poderia ser e não teria mais oportunidade. Sua vida, da forma que ela conhecia, iria acabar no momento em que a juíza lesse o veredicto.
- Lauren Michelle Jauregui Morgado, residente do Monte das Rosas, Plazz, número 7. “Nós, do júri, nesta referida ação, consideramos a ré culpada, em violação as Seções 1, 97 e 126 do Código de Conduta Gogman, com sete votos contra da banca Hasnmend e seis votos contra da banca Trayanberg, em suma, dois votos contra”. Eu gostaria que os representantes de cada banca asseverassem essa decisão – e os dois representantes se levantaram. – O veredicto lido foi o seu veredicto? – e eles concordaram. – O veredicto será registrado e incluído nos autos.
O espanto foi geral. Mesmo que todos soubessem que ela seria considerada culpada, acreditavam que seria uma decisão unânime, porém, algum dos anciões da família Trayanberg votou a favor de Lauren, dizendo que ela é inocente de tudo que era acusada. Esse voto não fez nenhuma diferença na decisão final, mas o fato de que alguém tinha uma opinião diferente dos demais foi espantosa, já que com todas as provas, ficou claro, para todos, que a garota era culpada. Como o voto é secreto, ninguém nunca saberia de que ancião ele veio.
- Silêncio – pediu novamente a juíza, e o murmurinho cessou. – A punição será a seguinte: “Nós, do júri, nesta referida ação, declaramos que como punição a violação das seções já citadas, a ré deixará de ser uma cidadã desta cidade-estado e deverá, imediatamente, se retirar de Gogman, não podendo em hipótese alguma voltar ou se comunicar com alguém do lado de dentro dos muros...
A leitura continuou, mas Lauren não ouvia mais. A pior coisa que poderia acontecer na sua vida aconteceu.
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Os portões atrás de si já estavam quase completamente fechados, só restava uma pequena abertura por onde seu irmão retornaria. Aquela era a primeira vez que ele ultrapassava os limites da cidade e provavelmente também seria a última. E era por uma péssima causa. Segundo a tradição, a pessoa que fosse expulsa da cidade seria acompanhada à saída por alguém da família. Como sua mãe estava muito abalada e so seu pai se recusava, só restou ao irmão cumprir esta tarefa.
- Lauren – chamou o irmão. Ela levantou os olhos para ele, ainda vermelhos, mas ela não chorava mais. Não porque não se sentisse mais deprimida e sim porque já parecia ter usado todo o seu estoque diário de lágrimas. – Eu não sei porque você fez isso... – Ela abriu a boca para interrompê-lo, mas ele foi mais rápido. – Não, não precisa falar nada. Eu não estou aqui para julgar você, até porque agora já acabou tudo. Só quero que te falar que eu ainda amo você, apesar de tudo. E a mãe e o pai também, você sabe.
Lauren queria falar, dizer que não havia sido culpa dela. Mas foi como ele disse, agora já acabou tudo. Não fazia mais diferença.
- Eu sei – foi tudo que ela disse.
- Pega isso – ele estendeu a mãe para ela. Dentro havia um colar, o pingente, a figura de uma mulher com uma enxada e uma espada entrecruzadas, era o brasão de Gogman. – Eu sei que a lei diz que você não pode levar daqui nada além das suas roupas do corpo, mas acho que comparado ao que você fez, quebrar essa lei vai ser brincadeira. – Chris e suas piadas fora de hora, pensou Lauren. – Enfim, é para você nunca esquecer de onde veio.
Lauren colocou a colar em volta do pescoço, era a única coisa que tinha agora.
- Eu tenho que entrar. Siga a estrada, deve levá-la até a Terra dos Comerciantes, talvez lá você encontre uma vida nova.
- Eu te amo, Chris.
- Eu também te amo, Laur.
E ele entrou de volta para a cidade. O portão a sua frente se fechou definitivamente. Agora ela estava sozinha.
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