História Good Vampire - Ele foi pro Tibete

Três meses depois.

Cara, eu sinceramente não sei o que eu tinha na cabeça quando tive aquela ideia, só sei que estava me arrependendo da mesma. Uma semana havia se passado e o cheiro de alho ainda impregnava meu apartamento. Como se só esse fedor não fosse suficiente, Tiffany ainda fica tirando sarro de mim, lembrando-me constantemente de mais uma tentativa de assassinato mal sucedida.

Mas, bem, deixe eu explicar o que aconteceu...

Há mais ou menos um mês, Tiffany havia finalmente desistido de me manter longe do mundo vampírico e estava me apresentando alguns sugadores de sangue bonzinhos e de confiança. Até então tudo bem, conheci um monte de gente legal, estava aprendendo bastante coisa, o grande problema foi quando Fany me apresentou uma tal de Jessica, e vou te contar, meu santo não bateu com o dela. Não que ela tenha feito algo, ela é até bem simpática, muito educada. Parecia uma boneca, toda Barbiezinha. Mas sabe quando você num vai com a cara da pessoa? Então. Não vou com a cara dela.

O fato de ela ser um antigo caso de Tiffany não tem nada a ver, até por que eu não tenho motivos pra sentir ciúmes. Fany e eu não estamos namorando nem nada, somos apenas amigas. Então, essa tal de Jessica visitava tanto que estava quase morando aqui em casa e Tiffany era sempre toda sorrisos pra ela, conversando até altas horas, caçando criminosos vampiros juntas. Isso estava enchendo a minha paciência. Foi aí que eu tive a brilhante – não tão brilhante assim – ideia de fazer uma bomba de fumaça com alho.

Elas estavam conversando novamente sobre os velhos tempos, de quando os dinossauros ainda andavam por aí e os humanos descobriram o fogo, essas coisas de vampiros antigos, quando eu joguei a caceta da bugiganga no meio da sala. Como era uma coisa feita em casa, eu não sabia se ia funcionar e assim que a fumaça começou a se espalhar, eu comemorei internamente por alguns segundos. Até o negócio sair do controle, se espalhar pela casa toda com uma neblina densa e fedida.

A coisa estava muito sinistra, além de não conseguir ver um palmo na minha frente, estar lacrimejando a beça e tossindo meus pulmões pelo ouvido, eu estava começando a ter falta de ar e se não fosse por Tiffany me levar pra um hospital, acho que eu estaria a sete palmos do chão agora, virando comida de verme bem carregada no alho.

Mas meu objetivo foi alcançado. Desde então aquela “zinha” não colocou mais os pés aqui. E não, não é por que alho de alguma forma faz mal aos vampiros e sim por que o cheiro estava extremamente, demasiadamente, incrivelmente, insuportavelmente forte. Tiffany já havia oferecido pagar um hotel para nós enquanto o cheiro ainda estivesse no ar ou até uma equipe de limpeza, mas mesmo me dando ânsia de vômito toda vez que eu chego do trabalho, eu não aceitei por pura teimosia.

Eu sabia que ela sabia que eu só não havia aceitado a proposta por ser turrona, e se minha intuição já não fosse o bastante, o sorrisinho prepotente que ela me lançava enquanto estava deitada no meu sofá era a prova de que ela sabia que eu sabia que ela sabia. Sanguessuga idiota. Estava se divertindo com a situação.

- TaeTae. – Lá vem... – Tá sentindo esse cheiro estranho? – Disse rindo. – Parece alho podre.

Todo dia ela vinha com uma piadinha sobre o cheiro no apartamento. Eu não estava mais aguentando, estava cansada do trabalho, morrendo de dor de cabeça e com raiva de um cliente que discutiu comigo na minha última ligação, só pra me foder a vida. O babaca estava devendo três meses e ainda se achava no direito de querer questionar por quê cortaram a tv a cabo. Vê se pode! E pra acabar com o meu dia, o mesmo começou a me xingar de tudo quanto era nome, o mais leve sendo “biscate”. Vida de atendente de telemarketing não é mole não... O suspiro de alívio que dei ao sair do call center virou quase um choro de derrota ao lembrar o que me aguardava em casa. Sem esquecer o bônus que eram as piadinhas de Tiffany.

Sem nada dizer, apenas lhe taquei um peso de papel que estava na estante próxima à mim, vendo a pegar a peça sem dificuldade. Mais uma tentativa falha. Grunhi e me encaminhei para o quarto. Finalmente tirando o sorriso do rosto de Tiffany quando ela notou que hoje eu não estava para brincadeiras.

- TaeTae, você tá bem? – Indagou enquanto me seguia até o quarto.

- Não, Tiffany. – Suspirei me jogando na cama. Nem me preocupei em mudar de roupa ou tomar banho. Estava tudo fedendo a alho mesmo. – Eu tive um péssimo dia de trabalho. Meu último cliente esgotou meu estoque de paciência pelo resto do mês. Então, se puder, sem piadinhas hoje.

- Tudo bem, TaeTae. - Senti-a sentar na cama, logo ela retirou meu tênis e começou a fazer uma suave massagem nos meus pés. – Me desculpe.

Se Tiffany não fosse caçadora de recompensas, ela não teria problemas em seguir carreira como massagista. As mãos dela eram mágicas, pelos Deuses. Meu corpo está a relaxando completamente e eu estava quase dormindo quando sua voz calma se fez presente.

- TaeTae, qual o nome desse cliente? – Perguntou como quem não quer nada. – Só por curiosidade.

- Fany, você sabe que eu não posso passar informações sobre os clientes. – Respondi com a voz arrastada. – Você não vai compelir o cara.

- Ah, TaeTae... ppfft. – Cara, ela era uma péssima mentirosa. – Até parece que eu iria fazer uma coisa dessas. – Terminou com uma risada nervosa.

- Tiffany, você lembra do Siwon? – Perguntei em acusação. – Aquele cliente chato que eu tinha falado sobre com você? O que contestou uma fatura que ele achava que estava com o valor errado. Reclamando que se o valor do pacote dele era de cinquenta e nove e noventa, não poderiam cobrar sessenta. Mesmo eu tendo explicado que o valor à mais era por juros de pagamento em atraso.

- Não... Nada me vem à cabeça... – Respondeu subindo suas mãos para minha panturrilha e continuando a massagem. Quase perdi o fio da meada com isso.

- Sério? Sabe o que é engraçado? No dia seguinte de eu ter te contado isso, ele ligou novamente e pediu pra ligação ser transferida pra mim. Falou que era um bebê chorão, pediu desculpas por ter discutido, cancelou a assinatura e disse que iria virar um monge tibetano.

Ao fim da minha explicação, Tiffany estava tendo sérios problemas pra controlar sua risada, tinha até mesmo parado a massagem, por não conseguir se concentrar. Uma pena.

- Nossa, que doideira, né não? – Comentou finalmente deixando o riso escapar.

- Você realmente acha que eu não sei que tem dedo seu nisso, Fany?

- Ah TaeTae, me desculpa, mas você tem que concordar que esse cara é muito pau no cú. – Riu escandalosamente. – Contestar dez centavos... ele merecia uma lição...

- Você de fato fez o cara largar tudo e ir morar no Tibete? - Perguntei incrédula.

- Claro que não, TaeTae! – Disse ainda rindo. – Eu pesquisei um pouco sobre a vida do cara. Sabia que ele não tirava férias há mais de cinco anos?

- Nossa, agora dá até pra entender o motivo dele ser tão chato.

- Então, depois de saber dessas coisas, eu fiz uma visitinha pra ele e disse que ele deveria pedir desculpas, entrar com a solicitação de férias no trabalho e correr atrás do sonho dele! – Riu ao final da frase. – Depois disso nem procurei mais saber. Só soube que ele foi pro Tibete por que você disse agora.

- Bem, pelo menos agora ele está feliz. Eu acho. – Dei de ombros.

- Pois é. Sabe quem poderia estar feliz agora? – Questionou erguendo uma sobrancelha. – Você! Mas a teimosia fala sempre mais alto. – Revirou os olhos.

- Desista, Tiffany. Não vou sair do meu apartamento. Nem deixar estranhos limparem ele. – Minha voz saía embolada pelo sono que estava voltando. Claro, isso até sentir Tiffany engatinhar sobre mim logo colando seu corpo ao meu.

- Hm. E que tal se nós fizéssemos algo pra mudar esse cheiro? – Sussurrou próxima ao meu ouvido e mordendo o lóbulo de minha orelha ao finalizar. Continuou me provocando mais um pouco, dando leves mordidas por toda a área do meu pescoço. Isso com certeza espantou meu sono.

Mas honestamente. Quem precisa dormir mesmo?

O.õ

Risadas me acordaram na manhã seguinte. Nem me dei ao trabalho de procurar Tiffany do outro lado da cama, pois a gargalhada escandalosa que me tirou do meu belo sono foi a dela. Quase levei um susto ao olhar as horas, mas lembrei rapidamente que hoje era minha folga.

Catei minhas roupas pelo chão do quarto enquanto me dirigia ao banheiro para fazer minha higiene matinal. Tentando ficar um pouco apresentável, sabendo que provavelmente temos visitas com caninos longos.

Depois de um longo e relaxante banho, me encaminhei em direção as vozes, encontrando Tiffany, Yuri e a sem sal da Jessica ao redor da minha mesa de centro analisando alguns mapas estranhos. Meu humor murchou um pouco.

- Bom dia. – Falei assim que adentrei o cômodo, recebendo respostas animadas dos ocupantes e um breve selinho de Fany. – E então, missão nova? – Questionei ao me sentar ao lado de Tiffany.

- Sim, essa é um pouco complicada, então o casal vinte aqui pediu minha ajuda. – Tiffany respondeu casualmente apontando para as duas outras vampiras na sala.

Ela explicou um pouco da missão pra mim, mas devo confessar que minha mente travou no “casal vinte”. Yuri e Jessica são um casal? Yuri. Jessica. Casal. Ca-sal.

Foi estranhamente reconfortante saber disso. Não que eu estivesse com ciúmes, nada disso. Só fiquei feliz por Yuri. Saber que ela era comprometida. Com a Jessica.

Depois disso o dia passou feito um borrão. Meu humor estava nas alturas de novo, apesar do cheiro de alho que ainda estava pelo apartamento.

Decidi me livrar do resquício de dúvida que ainda tinha assim que nossas visitantes foram embora.

- Então, Jessica e Yuri são namoradas? – Perguntei suavemente enquanto nos preparávamos para dormir.

- Namoradas? – Franziu o cenho. – Não. Elas são casadas. Deve ter uns quarenta anos já. – Respondeu prontamente.

- Nossa, que legal. – Estava tentando segurar um sorriso que queria rasgar meu rosto. – Não sabia que vampiros casavam também.

- Mas é claro que casamos. É um pouco diferente de como é para os humanos, por exemplo, ao invés de alianças, nós fazemos uma troca de sangue. Isso nos conecta para o resto da vida.

- Isso parece sério. E se a pessoa quiser o divórcio? – Questionei já me enchendo de curiosidade.

- Não tem como se divorciar. A troca de sangue é como um pacto. Interliga nossas essências. É literalmente até que a morte vos separe.

- E você já pensou em se casar? – Indaguei genuinamente intrigada. Joguei-me na cama ao seu lado. A única iluminação no quarto sendo a luz da lua que entrava pela janela.

- Claro que já. Mas isso seria em um futuro distante. – Ela me respondia com muita calma. Com um leve sorriso nos lábios.

- Porque?

- Bem... – Soltou uma leve risada. – Não casamos com humanos. Tenho que trabalhar a ideia de te transformar em vampira ainda.

Quando ela disse isso meu coração quase explodiu de tão forte que bateu. Fiquei estática e aérea por alguns segundos encarando o teto. Depois de um tempo senti o braço de Tiffany me puxar para sí e ela se aconchegar no meu ombro.

- Boa noite, TaeTae.

É... acho que viver de sangue não seria muito ruim. É algo a se considerar.