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História Guarda Vidas - "...em meus sonhos..."


Escrita por: ISBB5H

Capítulo 46 - "...em meus sonhos..."


Twitter: ISBB5H

Narração: Camila

Miami – Little Havana – 08:55

Saímos do carro e lentamente caminhamos de mãos dadas na direção da residência apontada. Lauren teve a iniciativa de tocar a campainha da pequena casa quando percebeu que eu não o faria espontaneamente e abraçou-me por trás logo em seguida, apertando-me com força. Senti seu rosto se enterrando lentamente em meu pescoço e nessa posição aguardamos que nos recebessem. – Estou aqui, babe. Estou bem aqui com você. – Ela disse com calma e convicção, e eu acreditei. Bem naquele ínfimo instante eu acreditei que tudo ficaria bem.

Ouvimos a porta se abrir e elevamos os rostos ao mesmo tempo para nos depararmos com a visão da outra garota latina. Os olhos escuros vieram de encontro aos meus, perdendo-se em mim por incontáveis segundos. Por alguns destes, não havia raiva ou desprezo que emanasse, mas então, gradativamente sua boca foi se entortando em um traço único e suave, para que a feição findasse em uma careta divertida, o que bastou para que Lauren se retirasse do lugar. Puxou-me para mais perto, dando a Veronica seu mais sincero olhar, fazendo-a se aproximar um passo enquanto nos cumprimentava com um aceno agradável. – Alejandro já está aqui. – Ela disse fazendo o meu bater mais depressa.

Eu não tinha a menor ideia de como me sentia nesse momento. Havia toda a ansiedade para vê-lo, afinal, era o meu pai e sempre seria. – Ele sabe? – Lolo perguntou diante do silêncio recém instalado. – Ele sabe que a filha veio vê-lo?

E então a resposta veio. – Alejandro mal pode esperar para ver a filha. – Veronica não se preocupou em esconder a felicidade. – Sim. Eu contei à ele que Karla viria. Me desculpem por estragar a surpresa, mas vocês bem sabem como ele fica especialmente ansioso nessas ocasiões. – Pisquei infinitas vezes. – É quase impossível controlá-lo. – Meu corpo tremendo ainda de leve e minha respiração se tornando mais pesada a cada novo segundo.

– Podemos fazer isso logo? – Foram as primeiras palavras a saírem da minha boca, e tão logo a passagem foi cedida. Sem desfazer o enlace em nossas mãos segui com Lauren em meu encalço, puxando-a através do pequeno corredor até chegarmos à sala. Virei-me para trás para procurá-la e sua mão livre não demorou a pousar em minha bochecha para um carinho agradável. Foi então que tive consciência do vulto que surgia em minhas costas.

Alejandro.

Alejandro sorrindo.

Alejandro sorrindo com os braços abertos.

Alejandro sorrindo com os braços abertos para mim. – Hija! Mila… – Seus olhos encheram-se d’água enquanto corria em minha direção, dando-me o mais gostoso e apertado dos abraços. – Seu velho pai sentiu tantas saudades, cariño. Tantas saudades! – Suspirei em seus braços exigindo deles toda a calma e o carinho do mundo. Retirando do meu corpo tudo o que houvesse de ruim ainda guardado. Suas mãos pesadas e fortes não demoraram a me afastar daquele abraço. – Deixe-me, deixe-me vê-la de perto. – Me analisou minuciosamente, concluindo a inspeção ao checar em minha testa o único sinal que de fato me diferenciava de Sofia. A pequena e solitária pinta. – Tão bonita, hija. Como eu amo olhar para vocês!

– Papa… – Choraminguei pedindo por mais daquele carinho prazeroso.

– Isso. Continuem. Não há problema em fingir que Lauren e eu não existimos. – A voz conhecida me fez procurar tanto por Lauren quanto por Veronica, e encontrei ambas sorrindo em minha direção, quase como se estivessem emocionadas pela pequena reunião dos Cabello. – Mas o que se pode fazer? Ninguém dá valor as namoradas, certo?

– Veronica Iglesias! – Alejandro repreendeu a latina lhe apontando o indicador. – Você sabe que é muito mais do que simplesmente a namorada de Sofia.

Lauren deixou que o queixo despencasse pela ofensa indireta. – Camz! Seu pai está fazendo de novo! Está me excluindo completamente!

– Ele prefere a mim, Jauregui. Sempre preferiu. Não há como negar. – Vero provocou-a tomando meu pai em um abraço de lado.

– Pois eu digo que por essas e outras é que prefiro a minha querida sogrinha. – Deu a língua para os dois cubanos cúmplices. Aparentemente Lauren e Alejandro viviam se provocando, e nem ao menos precisavam de Veronica para isso. – Falando nisso, onde ela está? Não veio dessa vez?

– Sinu anda muito cansada, garotas. Achamos que seria para o bem poupá-la dessa viagem, afinal será apenas uma visita rápida. – Papa nos contou. – Eu queria apenas me certificar de que os meus amores estão sendo bem tratadas por aqui.

– É claro que estão! – Lolo e Vero responderam juntas.

– Isso cabe a mim, que sou o pai, julgar.

– Ah vamos lá, sogrão. Como pode duvidar de mim? Logo de mim.

Alejandro deu a Vero um olhar severo, mas que foi aos poucos se amaciando. – Sim. Tem razão. Em você eu confio, Veronica.

– CAMZ! – Lauren berrou apontando para o mais velho com expressão emburrada.

[…]

– Lolo, não adianta. Meu pai ama Veronica até mais do que a mim. – Resmunguei sentada no colo da minha morena à mesa da cozinha. Dessa posição é possível assistir ao homem e minha amiga se empenhando no almoço que muito em breve seria servido.

– Isso não é verdade, hija!

– Como não? – Respondi fingindo mágoa. – Você até prefere se hospedar na casa dela do que em meu humilde apartamento!. – Acusei-o.

– Não, não, não… Veja lá como fala. – Seu rosto se virou na minha direção apenas para se certificar de que eu estava brincando. – A única razão para que eu não me hospede em seu apartamento atende pelo nome e sobrenome de Normani Hamilton. – Lauren e eu engatamos uma longa e alta gargalhada. – Vocês sabem muito bem que aquela garota me assusta.

– Ela é apenas um pouco… Excêntrica, papa.

– Excêntrica?! Mila, ela quase me envenenou na última vez em que a visitei! – Lembrou-me.

– Papa, em sua defesa, os recipientes eram novos e extremamente parecidos.

– Karla Camila! Ninguém confunde sal com açúcar na hora de fazer o café! E mais do que isso, ela invadiu o banheiro para pegar a chapita enquanto eu tomava banho, hija. Eu estava nu, pelo amor de deus! E foi comigo que sua mãe se zangou!

– Chapinha.

– Não importa! A garota é um perigo! – Enquanto o homem continuava a resmungar, tendo Lauren como atenta e interessada espectadora, ouvi o tranco da porta girar e quando aberta o vento refrescante trouxe consigo as folhas da árvore no quintal, os grãos de poeira do chão e uma visitante. Ela retirou os sapatos enquanto entrava pela porta dos fundos, ali mesmo na cozinha, repetindo os movimentos que eu costumava fazer quando chegava à praia e mal podia esperar para que meus pés ficassem descalços. Largou as sacolas que trazia no chão, trançou pelo ambiente deixando um longo beijo estalado no rosto de Alejandro, um beijo rápido nos lábios de Veronica e acenando para Lauren.

Usava jeans desbotados e alguns números maiores, tênis brancos e uma blusa cinza, sem mangas. Tinha os cabelos presos em um coque mal feito e os óculos escuros completando o visual desleixado. Lavou as mãos à pia e retirou dos olhos a armação redonda, deixando-a na bancada, onde se recostou ao virar-se para a mesa. Para mim. Fitando-me fixamente com aqueles olhos… Olhos iguais aos meus. Tombou a cabeça para o lado esquerdo, deixando que um sorriso deslumbrante se formasse em seu rosto. Esticou um único braço e chamou-me com o indicador, bem como se atirasse uma flecha no centro do meu peito. Chamou-me e eu atendi, me embolando em minhas próprias pernas, sendo prontamente amparada por Lauren que ria diante do meu entusiasmo. Corri para lá parando tão próxima que nossos narizes se chocaram, enquanto suas mãos calmas tomavam conta da minha cintura. – Com saudade?

Sua voz. Tremi. A voz dela, intacta. Perfeita como sempre. A voz da minha irmã. Saudade, sim… Da minha Sofia. – Tanta saudade! – Confessei abafado, envolvendo-a com todo o meu corpo. Minhas pernas circulavam agora a sua cintura e meus braços seu pescoço. – V-você está bem? Está b-bem?

– Se eu estou bem? – Ela riu tão abertamente que me fez tremer outra vez. – É claro que estou bem, Kaki. Por quê não estaria? Eu apenas fui ao supermercado. – Sofia continuou a falar sobre qualquer coisa que nem de longe seria tão importante quanto o fato dela simplesmente ali estar. Comigo. Linda e perfeita.

– Karla, largue sua irmã. Ela precisa respirar. – E por mais fodida que a frase soasse, eu não precisei me sentir mal quanto à ela, pois ali estava Sofia. Respirando. Ainda.

– Eu nunca vou soltá-la. – Determinei arrancando diversas risadas. – Eu nunca, nunca, nunca vou soltá-la.

– Espero que não, Kaki. – Senti seus costumeiros carinhos em meus cabelos e me aconcheguei ali um pouco mais. – Mani não veio? – Sofia perguntou tranquilamente.

– Mani?

– Manibear, nossa irmãzinha. – Brincou.

– Não. Ela não veio. Deve estar trabalhando… – Disse a primeira hipótese que veio em minha cabeça.

– Vocês duas não pretendem se separar, não é mesmo? Bom, já que não há outra solução… Jauregui! – Alejandro gritou sem necessidade. – Mexa esse traseiro até aqui e me ajude a montar a mesa da sala de estar. Vamos comer como uma boa família deve fazer. Juntos. Na grande mesa. – Veronica provocou-a com a língua. – Iglesias, mexa-se você também! Francamente… São piores do que garotos. – Fomos sendo deixadas à sós na cozinha enquanto os demais se ocupavam de novas tarefas. – Karla! – Logo ouvi o grito de meu pai. – Venha até aqui você também. Sua namorada claramente não tem nenhuma pista de como montar uma mesa digna, e ela é sua responsabilidade!

– Camz! – Lauren bufou.

Olhei para Sofia e respirei profundamente. Eu não sairia dali. – Kaki.

– Não.

– Kaki.

– Não. Eu já sei o que vai me pedir.

– Como pode ter tanta certeza se eu ainda nem falei? – Me desafiou.

Tomei seu rosto entre as minhas mãos espremendo-lhe as bochechas rosadas. – Vai me pedir para ir até lá, e eu não quero sair. Quero ficar com você, Sofi.

– Mas…

– Eu não quero sair daqui!

– Mas não pode deixar sua namorada sozinha. – Tentou ser razoável. – Lauren não pode lidar com Alejandro sozinha. – No momento em que aquelas palavras deixaram seus lábios, senti a realidade invadindo aquele cenário como uma onda brava. Derrubou as paredes e inundou a cozinha, gelando-me as pernas. – Não deixe sua namorada sozinha. – Sofia repetiu, sua voz ecoando como se ficasse cada vez mais e mais distante. – Ela não pode lidar com Alejandro sozinha. – O mundo perfeito, aquele que existiria se o episodio de Dos Cielos não tivesse acontecido, meu sonho, continuou a se desfazer.

E antes que eu pudesse perder Sofia mais uma vez, não evitei perguntar. – Sofi! – Fitou-me sorrindo, embora já não fosse mais do que uma imagem borrada. – Eu vou te ver de novo?

– Sempre. – Mostrou a ponta da língua entre os dentes enquanto acenava, tornando-se luz. – Nos seus sonhos.

Pisquei uma vez.

– Onde ela está? Onde está Sinuhe?

Pisquei duas vezes mais.

– Cansada demais para viajar. – Veronica respondeu. – Preferimos poupá-la do esforço.

Pisquei três vezes mais, me dando conta do gentil toque de Lauren em minhas bochechas. – Camz? – Sua voz soou terrivelmente real. Real demais para que eu pudesse voltar a imaginar a presença de Sofia.

– O nome é vergonha. – E então me dei conta de que havia mais alguém a falar ali próximo. Uma voz que eu conhecia muito bem, pois nem o tempo seria capaz de apagá-la de minha memória. – A razão pela qual ela não me encara. Vergonha. Culpa.

– Se o senhor não se calar imediatamente… – Meu soluço contra seu peito fez com que Lauren se calasse, voltando a manter seu foco e preocupação somente sobre mim. – Isso não está certo. – Continuei a soluçar, incapaz de forçar meu corpo a fazer mais do que isso, mesmo que o “isso” fosse um patético nada. – Camz, vamos sair daqui. Já chega. Você não vai passar por isso. – Notei a tristeza em seu tom. – Você não precisa passar por isso. É demais. – Escutei o pigarro do homem mais velho, mas nenhuma palavra completa, pois o grito da morena parece tê-lo impedido. – Cale-se inferno! – Ordenou agitada pela fúria.

– Lo…

– Você não precisa passar por isso. – Minha ausência de mobilidade fez com que Lauren me apertasse com força, tirando meus pés do chão para carregar-me no que pensei ser o caminho mais curto entre a sala e a saída, mas em minha voz tornou a ecoar a frase: “Lauren não pode lidar com Alejandro sozinha.

– N-não. – Murmurei fraco, sendo ainda carregada. – Não, pare. Pare, pare. – A morena me soltou confusa. – Eu preciso. Preciso passar por isso.

– Mas eu não! – Me dei conta de que o homem havia nos seguido na direção na saída. Ainda incapaz de me ver, uma vez que eu me recusava a virar para frente. Havia mágoa em sua voz. Havia dor e uma fúria adormecida, sendo pouco a pouco despertada. – Eu não preciso passar por essa humilhação.

– Ale… – Pela primeira vez em longos minutos ouvi a voz de Veronica, e ela parecia assustada. Quase arrependida. Parecia querer contê-lo.

– Pela humilhação de receber ajuda da última pessoa que quero na minha vida! Pela humilhação de precisar do dinheiro de uma, uma… – O ouvi engolir o bolo em sua garganta com dificuldade. – Para salvar a minha mulher! A única família que me resta! – Seu grito despertou em mim o último passo pendente para que eu pudesse enfim enfrentá-lo, cara a cara. E decidida, fiz o que ele não esperava, virando-me de supetão. Ficando cara a cara com um dos “monstros” do meu passado. Deixando que meus olhos vasculhassem naquela figura, cansada e envelhecida, do homem que mais amei em toda a minha vida. Fitei-o e ele me fitou de volta, perdendo a fala em um engasgo preocupante. Alejandro rapidamente levou as duas mãos ao coração, parecendo ter levado um tiro certeiro, e então não havia uma única pessoa que naquele apertado espaço não estivesse chorando.

Contudo, mantendo intacta a capacidade que sempre tive, fui capaz de ler seus pensamentos com clareza. Ele me olhava, sem enxergar, mas a sonhar com Sofia. A imaginar Sofia exatamente como eu fazia ao espelho quase todos os dias. Ele me olhava, sem enxergar, mas a sonhar, e quem seria eu para negar-lhe essa pequena ponta de ilusão egoísta? – Sinuhe…

Ele negou com a cabeça fechando os olhos e deixando claro como minha voz o incomodava fundo, dentro do coração ressentido. – Te odeia.

Ignorei. – Como ela está?

– Você acha que eu estaria aqui se a situação não exigisse?

– Qual o diagnóstico?

– Não precisamos de você. – Falou com convicção. – Somente do seu dinheiro.

– Ale… – Veronica tentou intervir uma vez mais.

– O que os médicos disseram?

– Não finja se importar com essa família!

Lauren apertou-me contra seu corpo lembrando-me ainda estar ali. – Vamos fazer isso funcionar por Sinuhe. Vamos fazer isso funcionar. – Porque eu não quero perdê-la pela segunda vez. – Irá trazê-la para Miami o quanto antes. Ela será internada em um hospital da minha escolha para exames mais minuciosos, tudo para que eu possa confiar no diagnostico, e a partir daí discutiremos tratamentos. Não há tempo a perder.

Alejandro estava ainda atordoado demais para dizer qualquer coisa e apenas se limitou a olhar para Veronica, que se pronunciou em seguida. – Você não dita as regras.

– Eu dito. É o meu dinheiro. – Respondi amarga. – Cuidarei das despesas da viagem, não se preocupem. – Tentei, juro que tentei manter a postura inabalável, mas meus olhos falharam a acabaram procurando pelo chão, envergonhados, tristes. – Se a vida fosse diferente, eu estaria feliz em reencontrá-lo.

– Mas não é. – Alejandro respondeu.

Com aquela resposta alcancei a mão de Lauren deixando claro que queria deixar aquele lugar, e foi saindo daquela casa que me atrevi a dizer ao homem aquilo que me coração implorava para declarar. – Você deveria vê-la qualquer dia desses.

– Sofia está morta! – Ele gritou sentindo-se provocado, mas antes que pudesse avançar em minha direção, Lauren se pôs entre nossos corpos, agindo como um escudo.

– Nunca. – Confessei. – Nunca em meus sonhos.



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