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História Guerra e Paz - Capítulo XX - Sonho azul.


Escrita por: KimonohiTsuki e JonhJason

Notas do Autor


ATENÇÃO! Este capítulo possuí alto teor de violência.

Voltamos aos capítulos do passado.

Capítulo atualizado em: 10/06/2023
Betado por: JonhJason & Rêh-chan

Capítulo 21 - Capítulo XX - Sonho azul.


Fanfic / Fanfiction Guerra e Paz - Capítulo XX - Sonho azul.

Capítulo XX - Sonho azul.

Seiya andava sem rumo pelo cemitério do Santuário, caminhava por cada lápide sem vê-las de verdade. Vez ou outra passando a mão sobre a pedra fria, como se tentasse ter certeza de que estava acordado e tudo aquilo não era apenas um enorme pesadelo.

Assim que sentiu a energia raivosa de Hyoga, na manhã que aconteceria o enterro, temeu por sua mestra. Afinal, o russo era um cavaleiro de ouro, por mais que soubesse que Marin era absolutamente forte, sabia que se o aquariano fosse com tudo, poderia até mesmo matá-la.

Quando chegou, no entanto, encontrou apenas Shiryu, Saori e Hyoga, ao lado da urna de Fênix, enquanto o corpo de seu amigo havia simplesmente desaparecido, mesmo o cãozinho havia sumido.

O choque pela atitude de Ikki foi total, mas ainda não superava a amargura e dor que ainda pulsava latente em seu peito, desde que se deparou com Hyoga e Marin levando o corpo sem vida de seu querido meio-irmão, enquanto Kiki estava aos prantos no chão, sendo consolado por um também abalado Jabu.

Era impossível assimilar... Como se a qualquer instante Shun fosse aparecer com aquele sorriso doce, tom suave e calma característica, dizendo a todos para não se preocuparem, porque ele estava bem...

Simplesmente não conseguia aceitar que ele havia morrido!

Já haviam passado por coisas piores, não? Já haviam lutado até mesmo com deuses! Por que então algo que sequer era físico pôde ser capaz de matar seu meio-irmão?

Era simplesmente absurdo!

Enquanto todos se reuniram para fazer o enterro, mesmo sem corpo, Seiya resolveu se afastar.

Tinha o ledo engano de que se não participasse de toda aquela cerimônia, de alguma forma, Shun não iria embora para sempre. Podia estar sendo infantil, ou mesmo ingênuo, mas não se importava.

Seguiu circulando as pedras, vendo os nomes gravados sem se prender a nenhum deles.

Yuzuriha

Prata

Amazona de Grou

Uma enorme sensação de vazio tomando seu ser.

Tenma

Bronze

Cavaleiro de Pégaso.

A cada Guerra Santa o cavaleiro de Pégaso deveria levantar-se contra Hades a favor de Athena. O herdeiro do deus inferior seria alguém muito próximo do guerreiro e da reencarnação da deusa, e a cada guerra, todos deveriam morrer.

Mas dessa vez os três ficaram vivos. Shun havia se livrado de Hades, Athena finalmente tinha destruído definitivamente o deus, e seu grande amigo salvou sua vida retirando a espada de seu peito. Tudo tinha acabado bem finalmente...

Manigold

Ouro

Cavaleiro de Câncer

Então por que Shun teve que morrer?! Não deveriam estar finalmente livres para viverem suas vidas em paz? Era incapaz de aceitar isso...

Hakurei

Prata - Grande Mestre

Cavaleiro de Altar

Nunca foi um grande pensador, mas agora esses questionamentos não saiam de sua cabeça. Enquanto andava sem rumo pelos pequenos monumentos dos antigos servos de Athena, algumas pedras mais afastadas das demais chamaram sua atenção, nelas não estavam gravados nomes, e sim números.

Na primeira, o zero, na segunda o um.

-...Não ir a um velório para perambular por um cemitério não faz muito sentido, sabia?

Se sobressaltou, encontrando-se com Shina às suas costas. Num segundo olhar notou que a mesma estava sem máscara.

-...Eu apenas não queria vê-los fazendo uma cerimônia para um caixão vazio. – Retrucou, voltando a encarar as pedras numeradas.

-...Isso é mais comum do que você imagina Seiya. – Os cabelos verdejantes emolduravam perfeitamente seu belo rosto, contrastando com suas orbe verde-vivo e sua armadura e pele alva. Ela andou até uma das lápides pela qual Seiya havia passado, tocando-a com seus suaves dedos.

Dégel

Ouro

Cavaleiro de Aquário

 - Muitas dessas lápides, na verdade, guardam túmulos vazios... Dégel, é um exemplo disso. Segundo nos contam, ele congelou a si mesmo e toda Atlântida. Seu corpo descansa em algum lugar no profundo oceano. – Ela deu alguns passos, passando a tocar a pedra seguinte. – E Kardia... Seu corpo tampouco foi encontrado. Seus túmulos são, simplesmente, uma formalidade para respeitarmos as cerimônias de sepultamento. Além de uma homenagem à suas memórias.

- Se nunca encontraram seu corpo, que provas há de que ele morreu? – Questionou apenas por teimosia, talvez por esperança, pensando no corpo desaparecido de Shun. – Talvez ele... Apenas tenha desertado.

- Logo fica claro que você nunca prestou atenção às aulas de história do Santuário que Marin te deu. – Shina declarou em tom severo, encarando o cavaleiro de ouro. – Kardia era absolutamente leal, jamais desertaria desse modo, além disso, ele tinha uma grave doença no coração. A última informação que consta sobre ele é que salvou um homem chamado Unity, e este foi importante para a vitória contra Hades na Guerra Santa passada. No seu leito de morte, contudo, só havia rastros de seu sangue que levavam ao mar.

- Shina, eu realmente não estou com cabeça para aulas de história agora. – Resmungou o sagitariano, sentindo o peito arder com a menção dos sacrifícios dos antigos.

- Só estou tentando te dizer, que Shun não foi o primeiro a ter um jazigo vazio, e infelizmente, duvido que seja o último. O dever de nós guerreiros de Athena é defender a Terra, a paz e nossa deusa. Nossas vidas individuais não são importantes frente a este fardo e honra. – Declarou com firmeza.

- Eu sei disso! Eu sei MUITO BEM disso! – Exclamou exasperado bagunçando os cabelos com as duas mãos. – Eu fiquei três malditos meses numa cadeira de rodas, justamente em nome de Athena! E era para EU estar a sete palmos com uma dessas pedras gravando meu nome se Shun não tivesse dado tudo dele para me salvar!

As lágrimas começaram a rolar de sua face, enquanto encarava a pedra identificada apenas como zero.

- Por isso eu não aceito... Que ele simplesmente tenha morrido... Sem eu poder fazer nada para ajudá-lo! Ele sempre me deu forças, sempre esteve ao meu lado me ajudando a seguir em frente, me auxiliando a salvar nossa deusa e agora...! – Apertou os punhos com força. -  Eu nunca poderei retribuir tudo que ele fez por mim... Além disso, quem me garante que ele não morreu por minha culpa?!

- O que quer dizer? – Shina entrecerrou os olhos, atenta.

- Marin me disse...Me avisou que Shun andava estranho... Ele me evitou várias vezes inclusive... E se ao tirar a espada do meu peito, ele acabou recebendo o dano no meu lugar?! Isso soa estupidamente como Shun!! Mesmo eu sou capaz de dizer isso! É impossível um simples miasta*, ou seja lá como essa coisa se chama, tê-lo matado!! Sequer Hades pôde com sua alma!!

-...É possível, mas se lamentar por isso agora também não vai mudar nada. Tudo que você pode fazer é aproveitar e viver ao máximo enquanto esses tempos de paz durarem, essa vida que Shun te deu. – Declarou findando a questão, e aproximando-se de Seiya, cujo liquido quente que vazava de seus olhos seguia encharcando sua face. – Viva em memória a ele. Como eu continuo vivendo em memória ao sacrifício de Cassios*.

Isso deixou o cavaleiro dourado sem palavras,  nunca pensou seriamente o quanto a amazona havia sofrido com a morte de seu pupilo. Todo esse assunto estava o deixando louco, sua mente fervilhando como nunca antes, tudo que queria nesse instante era mudar de assunto, pensar que tudo isso não passava de um pesadelo terrível.

-...Por que você está sem máscara Shina...?

 A amazona sorriu de lado.

- Aaah, então você reparou. – Ela ironizou, mas logo seu sorriso foi se desfazendo. – Athena decidiu abolir de uma vez por todas a lei sobre as amazonas, a obrigação do uso da máscara, e consequentemente, a lei que as obrigava matar ou amar aqueles que viam seu rosto. Ela reuniu a mim e Marin para discutir isso logo após a cerimônia de sucessão de vocês... Pretendia dizer a todos assim que June chegasse...

Seiya abaixou a cabeça, lembrando a reação da amazona ao ver o túmulo de Shun.

- Entendi... - Tentou sorrir, conseguindo apenas um sorriso torpe.

- Que bom... Imagino que essa máscara deva incomodar bastante. – Quis brincar. – Eu nunca vi o rosto da Marin, isso vai ser novidade...

- Eu não acho que ela vá tirar sua máscara mesmo assim... – Fez uma pausa, encarando a expressão forçada de Sagitário, um sentimento de amargura se formando em seu peito. – Como eu disse isso também significa que não estamos mais obrigadas a amar aqueles que veem nossos rostos.

- Sim, eu ouvi. Isso é bom, não é? Digo... Eu achava essa lei meio estúpida... Lembro que você tentou me matar várias vezes por causa disso!

-...Mas também te declarei o meu amor... - Disse em tom baixo, encarando os olhos contrários, sentindo a rejeição ferir seu coração quando a expressão dele tornou-se incômoda.

-...Sim... Eu... Eu lembro... - Começou a coçar a nuca. – Mas agora você não estará mais obrigada a isso, não é? Digo... Não é só porque eu vi seu rosto, que você é obrigada a me amar, agora você pode encontrar alguém que realmente goste de você.

A amazona fechou os punhos com força, uma raiva fria subindo por seu corpo, forçando-a a ter que controlar seu cosmo para não espantar os demais.

- É. Você tem razão, eu encontrarei. – Deu seu melhor sorriso orgulhoso, o mesmo que dava quando um adversário a subestimava e pagava o alto preço por isso, contudo, sob a máscara ninguém havia sido testemunha de seu desdém facial até hoje.

Seiya piscou pela expressão, uma muito parecida com a que Miho* fazia quando ele havia dito ou feito alguma idiotice com as crianças. Começou a se perguntar se disse algo errado.

A expressão de Shina amenizou por alguns instantes.

- Meus pêsames por Shun, sei que ele era alguém muito importante para todos vocês.

Sua face voltou a azedar-se, antes de dar as costas para o confuso sagitariano.

-.-.-.-.-.-

A face de Daidalos só não estava pálida porque ele não passava de um espírito. Encontrava-se sentado nas escadarias que levavam ao trono, onde o corpo de seu aluno repousava.

Ikki mantinha-se apoiado em um dos pilares na lateral do salão, observando as reações do homem que seu irmão tanto alardeou enquanto estavam no Santuário. Para matá-lo, Saga, enquanto Grande Mestre, enviou dois cavaleiros de ouro para lidar com o guerreiro de prata. Isso dizia muito sobre seu poder, além disso, a aura tranquila que ele emanava lembrava muito seu próprio irmãozinho.

Contou para ele tudo que aconteceu depois de sua morte. Começou com a batalha das doze casas, explicando como um de seus assassinos, Afrodite de Peixes, acabou morrendo pelas mãos do próprio Shun. Isso não agradou nada o loiro, que comentou entristecido que jamais desejou que seu aprendiz se deixasse levar pelo veneno da vingança.

Mas não mostrou qualquer reação, seja de pena, raiva ou mesmo surpresa quando soube da traição do cavaleiro de Gêmeos. Como seu irmão desconfiava, Daidalos já suspeitava que alguém havia usurpado a posição de Shion e tomado o trono do Grande Mestre em seu lugar.

Então relatou os acontecimentos da Guerra Santa contra Poseidon. Era estranho conversar por tanto tempo com um desconhecido, nunca foi sociável o suficiente para isso, mas a similaridade de sua postura com a de Shun fazia tudo soar mais natural. Jamais admitiria isso, mas depois de tanta coisa que foi obrigado a ver seu irmão passar, era um alívio indescritível ter finalmente alguém que também se preocupava com ele, para que pudesse dividir toda a aflição e preocupação que sentia pelo mais novo. Alguém que pudesse reconhecer seu valioso sacrifício sem julgá-lo cegamente em nome de Athena.

A expressão triste que tomava sua face quando começou a relatar a guerra contra Hades, provou que estava certo. Isso o deu confiança a continuar até o fim, mencionando as Moiras, a Espada do Submundo, e a sucessão ao trono. Era inútil mentir de qualquer forma, afinal, Shun estava claramente sentado no posto de Hades, além de si mesmo usar uma sobrepeliz de um dos servos do deus. Quando acabou, sentiu-se leve pela primeira vez desde que viu seu irmão chegando ao Santuário com Kiki após seu treinamento, antes que Hécate aparecesse estragando tudo com a história da espada.

Porém, não disse nada sobre Hades ainda habitar o corpo de seu irmão, mesmo que Daidalos inspirasse confiança, jamais revelaria esse dado a qualquer um dos cavaleiros de Athena.

O guerreiro de prata tinha lágrimas que encharcavam sua face, mesmo sendo uma alma era capaz de sentir uma grande dor em seu coração, pelas decisões que seu aluno tinha feito, e as consequências que isso o levaria.

Por Zeus! Tomar o lugar do deus do submundo para manter o equilíbrio entre a vida e a morte?! Isso era demais até mesmo para a constelação do sacrifício! Sabia que grandes coisas ainda esperavam seu aluno quando o testou antes dele abandonar a ilha de Andrômeda, e mesmo sem armadura e de punhos limpos foi capaz não só de rachar a montanha atrás de si, como também quebrar sua armadura de prata.

Mas nem em seus piores pesadelos imaginou que Shun, na verdade, fosse o corpo humano de Hades na Terra... Era absolutamente irreal... E ao mesmo tempo, fazia um enorme sentido... Lembrava das histórias que ouviu quando era ainda um aprendiz treinando no santuário, a balburdia e receio que crescia entre os jovens e crianças sobre a iminência da próxima Guerra Santa. Faltavam poucos anos para o ciclo de 243 anos chegar ao seu fim, para tanto, vários cavaleiros de prata e mesmo de ouro estavam sendo treinados. Lembrava perfeitamente como um menino de não mais que dez anos, na época de feições andrógenas chamado Misty, contava a outros assombrados aspirantes a cavaleiros, como Hades reencarnava sempre no corpo do mortal cuja a alma é a mais pura de sua época.

Isso enquadrava perfeitamente com Shun, o jovem nunca gostou de ferir ninguém, apesar de sua enorme força e capacidade, talvez por saber o que seria capaz de fazer. Seu coração sempre foi bondoso e generoso, como quando se esforçou para se aproximar de June, que ainda sofria muito pela perda de sua avó. Não só sentia-se sozinho e desorientado, parecia saber de algum modo que ela também precisava muito de companhia.

Alguém de índole tão humanista, combinava perfeitamente com a ideia da alma mais pura. Essa mesma pessoa, não só havia sido o corpo humano de Hades, como agora havia tomado seu lugar no trono do mundo inferior.

De certo modo isso era assustador, mas também poderia ser a maior oportunidade de parar as Guerra Santa contra Athena que alguma vez já tiveram. Conhecia Shun, sabia o desprezo que ele possuía com as batalhas e o derramamento desnecessário de sangue, se ele mantivesse a mesma índole e integridade, mesmo como rei do Mundo Inferior, Athena e seus cavaleiros finalmente estariam livres do temor da guerra contra o regente dos mortos.

Pelos relatos de Ikki, seu aluno parecia se manter em grande parte a mesma pessoa, porém, a visão do irmão mais velho que claramente o amava, e agora até mesmo o servia, podia estar sendo deturpada por seus sentimentos. Teria que ver com seus próprios olhos, antes de saber como agir.

O fato do antigo Andrômeda ter buscado vingança contra o cavaleiro de Peixes por seu assassinato, e mais recentemente enganado Hefesto, consequentemente, Athena, para resguardar o poder da espada, o estava preocupando.

- A alma de Shun está... Repousando agora? - Tornou a falar Daidalos limpando suas lágrimas e vendo o corpo sobre o trono. - Apesar de você me dizer que ele está morto, eu consigo sentir com perfeição a energia emanando dele em sincronia com todo o Submundo... É impressionante.

- Sim... Parece que ele está usando o próprio corpo como receptáculo de sua alma. - Declarou franzindo a expressão com desgosto. - Isso não me agrada nem um pouco.

O cavaleiro de prata suspirou profundamente.

-...Então só nos resta esperar...

-.-.-.-.-.-.-.-

Ao passar pelo grande portal de mármore branco, o novo Senhor dos Mortos se viu num enorme corredor índigo escuro, cujo horizonte se perdia de vista em negro, como se estivesse andando pelo próprio universo. À sua frente, vários portais igual ao seu se estendiam lado a lado e ao topo em grego se encontrava o nome do dono daquele sonho.

Contemplou o nome Δημήτηρ, escrito elegantemente naquele paralelo ao seu.

"...Minha querida irmã Deméter..." - Colocou com ironia Hades, parado ao seu lado.

- Então você realmente consegue sair do meu subconsciente? - Questionou voltando-se ao deus.

"...Apenas quando tu o faz, mas logo verás que eu sair ou não não faz qualquer diferença..."

A divindade caminhou até o umbral de mármore, sua mão atravessando a pedra sólida.

"..Minha irmãzinha me odeia com todas as suas forças, mas nenhum de nós sabe o porquê..." - Voltou-se a entrada de onde veio, notando que havia um portal a esquerda cujo nome estava riscado e impossível de ler.

- Quem seria esse? - Perguntou o virginiano seguindo a vista de Hades.

-...Quem sabe, nem mesmo eu tenho certeza.

Ambos se viraram para deparar-se com um homem de armadura negra, cabelos loiros lisos que chegavam até metade de seu tronco saindo pelas laterais de seu elmo estilo romano, sob este também era possível ver seus olhos amarelos vivos sem íris e pele pálida. De suas costas era difícil saber se o que se estendia eram asas ou pinças, já de sua cintura saiam duas placas côncavas que chegavam quase aos seus pés, assimilando-as a um saiote longo.

-...Há muitas razões que podem levar um deus a ser apagado da existência. - Continuou a passo lento, encarando as orbes esmeralda do novo senhor do Submundo -...Mas ao estar ao lado do portal de vossa figura, posso dizer que é alguém ligado a ti.

Ele parou, sem desviar o olhar.

-...Me perdoe, eu estou em dúvida se devo recebê-lo com uma reverência ou com meus punhos. - Anunciou em tom polido. - Saíste do portal de um deus, que igual a este riscado, não deveria mais existir.

Os regentes do passado e do presente dos mortos, voltaram juntos sua atenção ao portal do qual saíram, a surpresa estampou ambas as faces quando notaram que cravado no mármore estava elegantemente o nome ιδης.

- Sua surpresa ao ver o nome de Hades estampado em teu portal e a clara presença humana que emanas acaba de findar minhas dúvidas. - Ele fechou os olhos, como se meditando, para no instante seguinte abri-los de uma vez entrando em posição de ataque.

Por apenas um triz, Shun conseguiu desviar do golpe que soava apenas como uma finta, para testar a velocidade de seu adversário.

- O que isso significa?! – Exclamou o ex-cavaleiro para Hades, vendo horrorizado as letras no umbral. Contudo, o deus que seguia ao lado do portal de Deméter parecia igualmente surpreso.

- Significa que eu não permitirei que um humano vague livremente pelo meu reino. – Contestou o atacante, abrindo os braços.

Seu cosmo violáceo começou a se intensificar ao seu redor, solidificando e aos poucos tomando a forma de ramos de flores que corriam pelo chão atrás de seu adversário, criando floreias brancas pelo caminho.

“...Ele não pode me ver, fale comigo como se estivesse usando telepatia...” – Orientou a divindade infernal, sem perder os movimentos de foco. – “...Mas não me pergunte o que significa... Eu tampouco faço ideia! Deveria ser o seu nome no mármore. Porém pensamos nisso depois, não deixe essas flores te tocarem!...”

Shun saltava como podia entre o chão e os pilares das entradas.

“Eu lembro desse golpe... Morpheu o usou contra Tenma e Sísifo, quando estavam presos no mundo dos sonhos.” – Disse mentalmente.

As plantas fruto de cosmo eram muito similares as rosas usadas por Afrodite, contudo, ao invés de envenenar ou drenar o sangue, elas cresciam pelo corpo roubando os sentimentos de sua vítima. Se continuasse a se mover rapidamente, elas não teriam chance de se agarrar como deviam.

“...Isso não vai funcionar por muito tempo, nesse mundo dos sonhos, tu és como um corpo físico, é capaz de se cansar e até mesmo se ferir. Além disso, não tens muita energia!...” – Observou como Shun quicava de um lado para o outro em grande velocidade, evitando as papoulas. - “...Fale com ele como se tu foste eu, não vais conseguir vencer com tão pouca força, isso te dará tempo...”

- Por favor Morpheu. – Nomeou-o, pisando em um dos portais e dando um mortal para conseguir cair de pé a uma distância um pouco mais segura. – Eu não quero lutar. Vim aqui porque desejo falar com meu irmão Poseidon. – Impôs com firmeza, mas polidez.

- Não me enganas, sei quem és, todos aqui sabem. Tu és um cavaleiro da ultrajante Athena! - Contestou com força, intensificando seu cosmo criando assim mais papoulas. - Também és o corpo humano do verdadeiro Hades, em tua última reencarnação ajudaste Pégaso a escapar de minhas mãos!

Shun tornou a saltar para evitar mais ramos que se enroscavam em seu braço esquerdo, sem ser capaz de notar que o deus dos sonhos agilmente correu pelo chão aproveitando a distração que suas flores proporcionavam, saindo do campo de visão do ex-cavaleiro.

"...Atrás de ti!..."

Porém foi tarde demais, assim que virou o rosto, recebeu um chute em suas costas. Incapacitado de desviar em pleno ar e sem trajar qualquer armadura, tomou o golpe em cheio, saliva avermelhada voou de sua boca, e seu corpo espiritual caiu com um estrondo no chão, fazendo sangue puro escorrer de seus lábios.

Ironicamente, a queda foi amordaçada pelas flores de papoula, que agilmente se enredaram por toda sua vítima.

-...Eu definitivamente não tenho sorte com flores...! - Resmungou sem fôlego.

"...Maldição Shun!..." - Hades adiantou-se até seu lado, porém seu corpo atravessava os ramos. - "...Eu não te disse que lutar não era uma opção?!..."

"E eu tive alguma escolha?" - Reclamou, debatendo-se sem sucesso.

- És tarde. - Colocou Morpheu aproximando-se de seu inimigo. - Agora aos poucos seus sentimentos serão roubados um a um, e este pequeno jardim que criei se tingira de rubro. Sua vontade de lutar, determinação, e demais sentimentos que te guiaram até aqui serão sugados de ti, tornando-o apenas uma casca vazia.

- Perda de tempo. - Colocou com ironia, encarando a divindade dos sonhos, ainda tentando se soltar. - Eu nunca realmente tive essa "vontade de lutar".

Flores se abriam por seu braço esquerdo e direito, tronco e pernas. Enquanto as pétalas tornavam-se vermelhas. Não era como ficar cansado ou exausto, apenas uma sensação de vazio indescritível começava a crescer em seu interior.

- Eu retirarei todos os seus bons sentimentos primeiro, e quando tu fores apenas medo e dor, conseguirei extrair de ti a verdadeira razão de estar aqui. - Anunciou o atacante em tom grave.

"...Apenas sentimentos ruins?!..." - Hades encarou o rosto vazio de sua contraparte, lembrando de quando o provocou ainda na ilha de Andrômeda apenas para testar como reagiria estando sob influência de emoções negativas. Apenas uma provocada gerou uma onda de cosmo negro mortal. Então, se tudo que restasse em seu interior fosse apenas sentimentos ruins... - "...Isso vai acabar muito, muito mal!..."

 - Te farei sofrer pelo que nos fez passar há 243 anos! Nossa derrota nos trouxe a desgraça, e nosso pai Hypnos não voltou a confiar-nos para ajudá-lo na guerra santa, contando apenas com nosso tio Thanatos. E vós vos destruís! - Sua voz se carregava de raiva e frustração. - Que bem vós fazeis, agora que o sono e a morte tranquila dos mortais está perdida?

"...Shun, tu podes me ouvir?!..." - Ajoelhou ao lado do mencionado, tentando tocá-lo, mas também atravessando-o. - "...Maldição, se podes me ouvir dê qualquer sinal..."

O humano manteve-se quieto, sua expressão ainda completamente vazia, embora seus olhos agora estivessem fechados.

"...Por ser a alma mais pura, tu não sabes como processar os males dos homens em sua carne. Quando te possuí como Alone isso ficou claro. Não tens sanidade e força suficiente para lidar com a Húbris...* É como lançar uma gota de tinta negra sobre um branco papel gofrado, ele rapidamente se tingira..."

Novamente não houve qualquer resposta. A esta altura haviam doze papoulas vermelho-vivo espalhadas pelo corpo do antigo cavaleiro. Era como se estivesse morto e coberto por seu cortejo. Morpheu, por sua vez, se aproximou de Shun, sob o olhar atento de Hades.

- Agora tu vais a contestar-me quem és de verdade. - Esticou a mão esquerda e puxou Shun pelos cabelos, fazendo seu corpo sem reação apoiar-se fracamente nos joelhos.

Uma aura negra começou a emanar do jovem, um sorriso frio tomava sua face e uma risada sem qualquer alegria cortou o ar. A soma de tudo fez o deus dos sonhos soltar os fios esverdeados e retroceder confuso.

-Mas o quê-

Os ramos que prendiam Shun começaram a apodrecer e virar pó, enquanto as papoulas caiam ao chão, formando um tapete carmesim.

- Tirar as emoções? Essa é uma ideia interessante. - Sua voz soava áspera e maliciosa, Morpheu retrocedeu mais um passo. - Mas por que se restringir apenas as boas?

Trouxe seu pé esquerdo para frente e se apoiou nele para levantar. Sangue ainda escorria de sua boca e seus olhos, outrora esmeralda, não passavam de um verde musgo sem brilho ou vida.

- Impossível! - Exclamou, assustado, sentindo a presença ameaçadora crescer cada vez mais. - Como tu ainda consegues ficar de pé? Eu tirei a maior parte de seus sentimentos!

Novamente aquela risada frígida ecoou, fazendo um frio subir a espinha de Morpheu. Com movimentos extremamente rápidos, Shun surgiu na frente de seu adversário, tomando uma mecha de seus longos cabelos e brincando com ela entre os dedos.

- Mas você não tirou de mim o medo, a dor, a tristeza ou mesmo a picardia. - Agarrou os fios com mais força, levando assim seu dono consigo, jogando-o contra o chão. - Justo esses sentimentos que são tão inerentes a morte. Esse foi seu grande erro.

O senhor dos mortos pisou no capacete do caído, enterrando-o no mármore, este colocou as duas palmas no chão, assim que o pé abandonou sua cabeça, para conseguir impulso e se levantar. Com um sorriso torto, no entanto, o virginiano concentrou o cosmo em sua mão direita, a esticando como se fosse uma lâmina, a qual logo foi coberta por raios rubros e negros.

- Relâmpago Negro!

Fazendo um movimento como se cortasse o ar, uma onda eletromagnética atingiu em cheio a divindade dos sonhos, fazendo-o soltar um urro de dor. Estava prestes a preparar outro golpe quando em tom trêmulo a divindade reagiu.

- Morphium Coma!

Novamente ramos de papoula emergiram de sua energia, agarrando mais uma vez os braços e pernas de seu oponente. Aproveitando a imobilização, a divindade conseguiu se erguer, tomando distância.

Sua respiração era irregular e sangue escorria de sua boca, observava com espanto o homem à sua frente que via sua prisão com descaso.

- Isso não vai mais funcionar. - Anunciou em tom morto. Novamente a aura negra o rodeou, apodrecendo a planta antes mesmo dos brotos nascerem.

Morpheu hesitou, dando outro passo para trás, medo estampando-se em sua face.

- Quem ou o que és tu? - Continuou a retroceder, enquanto o imperador dava passos lentos em sua direção.

- Seu pior pesadelo. - Ironizou. - Ou isso seria muito clichê, senhor deus dos sonhos?

O mencionado engoliu em seco, era capaz de notar que o ser não estava mostrando todo seu poder, como se algo estivesse impedindo-o, mesmo assim era completamente assustador, pensava ser impossível que um humano possuísse tal força.

Enquanto recuava tentando pensar no que fazer, notou que havia retornado ao local onde as papoulas vermelhas, que haviam transformado aquele homem num ser cruel, estavam caídas pelo chão. Uma ideia então cruzou sua mente.

- Eu nunca pensei que usaria isso numa batalha, mas tu não me das outra escolha. - Anunciou posicionando a mão direita sobre a face, acumulando seu cosmo.

- Effectus Morfini!*

Sua energia o envolveu como uma fumaça, e então sua figura desapareceu.

-  Fugiu? - Bufou impaciente.

"...É claro que não, não seja tão presumido!..." - Exclamou Hades. - "...Mas aproveite esse tempo para destruir essas malditas flores!..."

Para seu espanto, contudo, Shun não só ignorou suas palavras, como também enquanto caminhava tentando achar seu adversário,  simplesmente atravessou a figura do deus como se ele fosse um fantasma.

A divindade piscou, chocada, virando-se para sua contraparte, não coube em si de surpresa ao perceber que além de ser incapaz de vê-lo ou sequer ouvi-lo, os cabelos verdejantes pareciam perder a cor a cada segundo, como se estivessem se acinzentando.

-...Eu me sinto muito melhor sem esses sentimentos estúpidos. - Encarou as flores. - Quem diria que aquela desculpa de deus faria algo útil.

-...Alone? - Uma terceira figura surgiu no grande corredor. Pele levemente bronzeada, cabelos castanhos curtos e bagunçados e intensos olhos vermelhos. - Você tem os mesmos olhos que meu amigo Alone...

Ele caminhou em direção ao imperador, pisando sobre uma das papoulas, destruindo-a. O processo fez um pouco de luz voltar aos olhos de Shun, e seu cabelo esverdear-se.

-...Tenma? - Chamou em tom hesitante, muito mais característico.

"...É impossível ser Tenma, ele já reencarnou como Seiya nessa época..." - Observou Hades desconfiado.

- Então você me conhece! - Seu rosto mostrou um grande alívio. - Eu estou preso aqui desde que morri na última Guerra Santa... - Sua expressão decaiu com o último comentário, mas logo tornou a sorrir. - Você tem alguma relação com Alone?

- Sim... - Seu tom voltava a ser o eventual aveludado de sempre - Eu sou Alone, ou pelo menos a reencarnação dele...

As orbes vermelhas brilharam pelo comentário e lágrimas começaram a se formar.

-...Eu... Eu... Esperei por tanto tempo... Depois de tudo que houve com Hades... Eu não pude realmente te salvar...! - O líquido salgado corria por sua face. - Mas eu rezei para os deuses para algum dia te reencontrar e corrigir meu erro!

O outro não respondeu, apenas observou com carinho o rosto de seu velho amigo.

- Eu senti sua falta... Droga!  - E correu em sua direção, como se fosse abraçá-lo.

Porém, uma corrente negra fez um corte em sua bochecha ao se aproximar. Antes que pudesse reagir, várias outras surgiram do ar ao redor do senhor dos mortos, prendendo todo o corpo de Pégaso e sujeitando-o no ar.

- O que você está fazendo?! - Exclamou surpreso e assustado.

O virginiano sorriu, seu mesmo sorriso torto.

- Meu caro Morpheu. Se a intenção era eu parar de te atacar, teria sido muito mais inteligente devolver minha empatia, ao invés de meu afeto. - Indicou com a cabeça a flor que havia sido pisada. - Sua tentativa foi patética, não me espanta que Hypnos não confiava mais em vocês. Além disso, você me acusou de ser um cavaleiro de Athena.

Apertando seu punho esquerdo, as correntes envolveram seu prisioneiro com mais força, escorregando como cobras até seu pescoço e fazendo-o grunhir de dor.

-...Há algum tempo. - Seguiu Shun. - Eu lutei com um marina chamado Kasa de Lymnades. Ele também possuía o poder de mudar de forma. São diferentes, mas a essência é a mesma. E para sua infelicidade, um golpe não funciona duas vezes contra um cavaleiro.

O corpo do deus tremia, enquanto urrava de dor, sua forma verdadeira se revelando em sua armadura.

Hades observava a cena com desgosto. Nunca foi a favor da violência desnecessária e gratuita. Se atuava com veemência contra um morto, este havia antes sido condenado por seus juízes.

Sabia bem que muitos espectros, no entanto, com o passar do tempo tinham se tornado realmente sádicos e sentiam enorme prazer em ver seus adversários sofrerem. Isso não o agradava, mas pensava que quando se tratava de eliminar Athena de uma vez por todas, era justificável.

Agora isso à sua frente, era simples e completa barbárie.

- Não se preocupe. - Anunciou Shun num dado momento, quando sangue e saliva escorriam dos lábios de Morpheu, seu rosto pálido e pupilas dilatadas. - Eu não vou te matar. Ainda preciso de você.

Com um movimento de abrir com a mão esquerda, mais correntes surgiram, dessa vez com o triângulo de ataque em suas pontas.

- Mas já que eu aprendi muito contigo, gostaria de agradecer retribuindo o favor. - Colocou com uma cortesia áspera, fazendo um completo temor assumir a face do deus preso. - Você sabe, é claro, que cinco são os sentimentos principais humanos. Eles são a base para todos os outros.

Ergueu a mão, acumulando sua cosmo energia.

- P-pie- Tentava falar a divindade. -...D-dade...

Hades virou o rosto.

- Espólio infernal!*

Com o movimento de sua palma para frente, como se desse a ordem para um enorme exército atacar, a primeira corrente foi até Morpheu, atravessando seu coração, mas sem causar sangue. A ponta triangular que passou para o outro lado possuía uma pequena esfera brilhante em sua ponta, que logo rachou em mil pedaços.

- Afeto.

Outro gesto, outro movimento perfurante, outra esfera rachada.

- Alegria.

Novamente.

- Tristeza.

O corpo divino parecia convulsionar.

- Raiva.

O pescoço da vítima tombava para a frente, enquanto o temor absoluto tomava suas feições, junto as lágrimas.

- E por último, está o medo.

A última corrente disparou na direção do crânio da divindade, atravessando seu cérebro e destruindo a última emoção, deixando a face, hora temerária,  agora completamente vazia de expressão.

- Essas são as principais e guiam todas as outras. Se você tivesse arrancado elas de mim, e não apenas minhas boas emoções, definitivamente teria ganhado essa luta.

O imperador das trevas caminhou até estar abaixo do senhor dos sonhos, que agora não parecia mais que um boneco de pano.

- Uma pessoa incapacitada de sentir tais emoções deveria apenas contar com sua razão. Mas como nortear seus movimentos com apenas metade de um mapa?

As correntes começaram a baixar, fazendo os pés frouxos de Morpheu enfim tocar o chão.

- Eu serei então sua nova bússola Morpheu. Me tenha lealdade e obediência. Comece me levando até Poseidon. - Novamente um sorriso sádico cortou sua face. - Isso claro, quando sua circulação voltar a correr e você conseguir se mexer.

Ao fim de suas palavras, a prisão da divindade se desfez, e este caiu com enorme baque sobre as papoulas rubras como o sangue, desfolhando e consumindo suas flores.

De uma única vez, as emoções roubadas voltaram ao virginiano, retornando assim o brilho aos seus olhos e a cor de seus cabelos.

-.-.-.-

Estava no Submundo, no meio dos bosques Asfódelos, à sua frente uma bela mulher de vestes negras, de costas, seus longos cabelos vermelhos e lisos chegavam a seu quadril, tocava com delicadeza o tronco retorcido de uma árvore.

"Sabes." - Dizia em tom suave. - "Quando estive aqui no Submundo pela primeira vez, tive muito medo... E fiquei muito triste,  pensando no belo céu azul que jamais voltaria a ver... E isso me deixou com raiva, era como estar presa num grande pesadelo, enquanto o mundo dos vivos era um grande sonho azul..."

Ela agachou-se, tocando a terra fria. Como se obedecendo um comando, uma pequena muda de flor começou a surgir da terra.

"Mas em algum momento, eu acabei me apaixonando por ti." - A jovem riu, e no mundo nunca tinha escutado som mais belo. - "Minha mãe acha que eu estou louca. Talvez eu esteja." - Ela virou-se, mostrando seus belos olhos azuis e rosto delicado, a primavera era apenas uma rosa frente a beleza de seu alegre sorriso. - "Porém eu tenho certeza que nunca antes fui tão feliz".

- Este Submundo pode nunca ser como este sonho azul, mas flores nascerão mesmo no mundo dos mortos, se for para te fazer feliz.

Ela andou em sua direção,  tomando seu rosto com suas mãos quentes.

"Meu amor, eu queria que o tempo parasse apenas para nós dois."

- Somos imortais. - Sua voz saía diferente, como se não fosse sua. - O que poderia acontecer?

"Eu não sei... Hécate me disse que tomasse cuidado." - Deitou sobre seu ombro, fechando suas safiras. - "Talvez as Moiras tenham dito algo a ela."

- Eu jamais deixaria qualquer coisa acontecer contigo. - Beijou com doçura e devoção aqueles cabelos rubros, sentindo o cheiro de flores emanar deles. - Eu juro em nome de minha alma.

  Tudo que havia era o agora, o cheiro floral, a respiração pausada de ambos.

 E os lábios que se aproximavam e se tocavam numa suave valsa.

Até tudo se dissolver em meio a uma fumaça esverdeada.

Abriu os olhos e o primeiro que viu foi Hades, parecia irritado, até mesmo impaciente, a primeira vez desde que começaram a dividir o corpo que viu o deus assim.

-...O que houve...? - Questionou tonto, sentando-se com dificuldade, sentindo uma enorme dor nas costas e na cabeça.

"...Estás me vendo...?" - O deus parecia surpreso, quase feliz.

-...Sim, afinal, você está do meu lado. - Comentou o óbvio, para logo olhar ao redor confuso. Porém antes que pudesse perguntar...

TUM

Um soco na cara fez o virginiano voltar a deitar no chão.

- Droga! Por que fez isso? - Gemeu de dor, nesse estado físico de sonhos, sentia como se tivesse acabado de sair de um longo e grande treinamento.

"...Apenas testando se eu também estou sólido..." - Pôs com satisfação. - "...E de qualquer forma tu mereceste..."

- Mereci por quê? - Questionou cada vez mais confuso, voltando a se sentar. - Onde nós estamos?

O antigo senhor das trevas franziu as sobrancelhas.

"...Tu não se lembras de nada...?" - Perguntou em tom mais leve.

-...Sobre o quê? A última coisa que me lembro é que íamos atravessar o portal até o reino de Morpheu, em busca de Poseidon. - Notou que estavam num grande corredor índigo repleto de portais de mármore. -...É aqui... Certo?

"...Talvez seja melhor assim..." - Sussurrou o deus.

- O que quer dizer? - Pôs a mão sobre o couro cabeludo, tentando aplacar a dor.

"...Não importa, depois falamos sobre isso, agora Morpheu espera que tu se levantes para que te leves até o sonho de Poseidon..."

- Morp-...? - Mas interrompeu sua fala ao notar um gesto de mão de Hades, indicando um homem mais afastado que encontrava-se de pé, sua expressão oculta baixo o capacete estilo romano.

Shun surpreendeu-se que não o havia notado. Era como se ele se fundisse completamente com a escuridão do corredor, como se fosse uma pintura azul petróleo numa parede negra. Não possuía qualquer presença, por um instante até mesmo duvidou que aquilo fosse um ser vivo.

-...Senhor Morpheu? - Tentou chamar.

Imediatamente a divindade dos sonhos ajoelhou-se, sob o joelho direito e o pé esquerdo.

- Meu senhor, o levarei até o portal de Poseidon como tu desejas. Espero tua ordem para que possamos ir.

Shun olhou perplexo para Hades, que suspirou cansado.

"...Apenas vamos acabar logo com isso, diga que podemos ir...."

O antigo cavaleiro levantou-se aproximando-se do homem abaixado, notando que ele tremia ligeiramente, embora não indicasse qualquer emoção, parecia que o ato de ajoelhar-se o causava muita dor.

Não pôde deixar de sentir empatia por isso, lembrando como ele sofria para ajoelhar-se frente à Athena enquanto a Espada do Submundo consumia sua vida. Além disso, achava o ato de submissão, respeito e obediência demasiadamente exagerado.

- Não é necessário ajoelhar-se. - Começou em seu tom benévolo. Imediatamente o deus levantou-se, ação que também pareceu desencadear ondas de dor, Shun se perguntava o que havia acontecido. - Eu já estou pronto, podemos ir.

Com um simples sinal de cabeça,  Morpheu começou a indicar o caminho.

"...Sabes por que te ajudei com os documentos de Shaka quando estávamos na Ilha de Andrômeda?..." - Começou Hades enquanto seguiam o outro deus. - "...E fale comigo como se estivesse usando telepatia..."

"Porque você estava preocupado com a espada?" - Seguiu as instruções, notando que a divindade dos sonhos não parecia conseguir ver o antigo senhor dos mortos.

"...Também. Mas eu tenho consciência de que junto aos cavaleiros de Aquário, os de Virgem são aqueles que melhor são capazes de controlar suas emoções e serem superiores a elas. A meditação constante ajuda a equilibrar a alma, estimular os sentidos e abrandar as emoções sob as rédeas da razão..." - Enumerava em tom sério. - "...Tu jamais deve se deixar levar por seus sentimentos, seja eles qual forem. Eu também te ajudei antes de sequer saber que tu tomarias meu lugar, porque não queria dividir o corpo com alguém instável, mas agora que és o senhor dos mortos, jamais poderá se deixar levar-se por tais coisas..."

"Por que está me dizendo isso agora, tão de repente?" - Questionou preocupado. - " Tem haver com o que aconteceu quando chegamos aqui?"

"...Assim que retornarmos ao Submundo, iremos retomar as meditações..." - Seguiu sem responder. - "...Também quero te mostrar o salão de arquivos e onde são guardados os Óbolo. Tenha isso em mente..."

"Tudo bem." - Tinha certeza que o deus ocultava algo, mas este não era o lugar nem a hora para seguir com questionamentos.

À frente de ambos, Morpheu parou ao lado de um portal onde talhado no mármore branco que se lia em perfeito grego o nome de Poseidon.

- Aqui é a câmera de Poseidon, imperador dos mares, meu senhor. Tudo que tens a fazer é entrar.

- Muito obrigado. - Agradeceu, mas novamente o deus não mostrou qualquer reação -...Hã... Pode retirar-se se desejar.

- Eu não desejo nada se não servi-lo meu senhor. - Seguiu em tom neutro. - É tudo que minha razão me diz.

"...Digas que pode ir, e que cuide de seus ferimentos..."

"Há marcas mesmo em seu pescoço, o que o aconteceu?!"

"...Quanto antes o dispense, antes ele cuidará de si mesmo, ele seguirá qualquer ordem sua..." - Insistiu.

- Pode ir Morpheu, eu saberei o caminho de volta, e por favor, cuide de suas feridas.

Com um simples aceno, a imagem do deus se dissolveu. Hades seguiu observando-o com pesar, sentindo lástima pelo que a figura divina havia se tornado.

Olhou para o portal de seu irmão. Mesmo que não sentisse por ele um verdadeiro afeto fraterno, não lhe agradava nem um pouco a simples ideia de que algo similar acontecesse com ele. Estava selado e seu poder limitado, mesmo que guardasse rancor contra ele por ajudar os cavaleiros de Athena durante a guerra santa, este castigo perpétuo seria demasiado injusto.

Olhou preocupado para Shun, que massageava sua cabeça enquanto observava a entrada, provavelmente pensando no que dizer.

Não deixaria ele falar com o olimpiano sozinho.

"...O melhor é usarmos projeção astral..."

- Como? - O humano voltou-se ao divino.

"...Aqui, é como se seu corpo fosse físico, da mesma forma que pode falar comigo com telepatia, deve ser capaz de projetar-se para esse portal, mesmo que seu corpo não fique para trás, pode ser suficiente para juntar nossas consciências. Tu podes ter experiência em lidar com pessoas complicadas por causa de Kagaho, mas Poseidon ainda é meu irmão, eu também tenho meu jeito de lidar com ele..."

Shun encarou Hades, o deus parecia decidido, mesmo que ainda preocupado. Estava cada vez mais se corroendo de curiosidade sobre o que havia acontecido quando chegaram ali.

A ideia de se tornarem um ainda não o agradava, mas estavam condenados a ela de qualquer forma, além de não saber realmente como falar com o imperador dos mares.

- Tudo bem, façamos assim...

Fechou seus olhos concentrando-se, ao tempo que sentia a mão de Hades sobre seu ombro.

Quando deu um passo à frente, não era só sua perna que se mexia,  quando cruzou o portal, seu coração batia por dois, quando abriu novamente os olhos eles eram amarelos vivos.

Encarou o belo céu azul que se estendia por todo aquele mundo de sonhos, uma sensação melancólica invadiu seu peito, sem fazer ideia do porquê. Estava sobre uma pequena ilha cercada de água por todos os lados, onde animais aquáticos de todos os tipos interagiam em completo equilíbrio.

-...Como um grande sonho azul... - As palavras escaparam de seus lábios, mesmo incapaz de recordar de onde vinham. - Flores nascerão mesmo no mundo dos mortos... Onde já escutei isso antes...

- Eu não sei, mas são belas palavras, tu sempre foste muito ligado às artes, talvez venha de uma velha canção?

À sua frente, uma figura alta vinha caminhando lentamente sobre a água, pele morena vivida, cabelos longos até o meio de suas costas, azuis escuros. Olhos intensos da cor do mar, com um sutil brilho amarelado. Trajava uma túnica grega branca que chegava aos seus pés descalços.

- És a primeira vez que o vejo fora do mundo inferior desde a Titanomaquia, mesmo este sendo o mundo dos sonhos, isso é surpreendente. Afinal, eu jamais esperaria uma visita tua, meu irmão.

-...Poseidon.

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Notas Finais


* O certo é miasma, "miasta" é "cidade" em polonês.

* Cassios era o aprendiz de Shina, que se sacrificou sendo morto por Aioria - Controlado pelo Satã Imperial - Para salvar Seiya em nome de sua mestra.

* Amiga de Seiya que trabalha no orfanato Filhos das Estrelas como cuidadora.

* Húbris - É um conceito grego que pode ser traduzido como "tudo que passa da medida; descomedimento" e que atualmente alude a uma confiança excessiva, um orgulho exagerado, presunção, arrogância ou insolência - Originalmente contra os deuses-, aludia a um desprezo pelo espaço pessoal alheio, unido à falta de controle sobre os próprios impulsos, sendo um sentimento violento pelo seu caráter irracional e desequilibrado.

* Effectus Morfini! - Golpe criado por mim, Effectus vem de "efeito" em latim, e Morfini de Morfina, do grego, que por sua vez é derivado do nome de Morpheu. Baseado na habilidade mitológica do deus dos sonhos de assumir qualquer forma humana que desejar.

* Espólio Infernal - Golpe criado por mim, é uma variação do Shun para o Tesouro do Céu, o golpe dos cavaleiros de Virgem que retira os 5 sentidos do oponente. Espólio são os bens, geralmente preciosos, deixados por um morto, como tesouros fúnebres. A ideia de céu, por sua vez, é trocada por inferno.

* O título do capítulo é uma referência e uma menção, não só aos detalhes apresentados no capítulo, como também ao segundo encerramento de Cavaleiros, saga de Poseidon, Blue Dream. A tradução da letra em japonês pode dar grandes pistas sobre este e os próximos capítulos. Vocês são capazes de decifrar?

Sonho melancólico (azul)
Todos têm sonhos que não podem ser contados
Sonho melancólico (azul)
Maior até mesmo do que os pensamentos inacessíveis
Pegue o seu coração puro e levante-se novamente
Jovens, todos vocês são viajantes dos sonhos
A lembrança de um profundo amor é a prova de que vocês estão vivos
Sonho melancólico (azul)
Vocês o seguirão até o fim
Sonho melancólico (azul)
Ainda que a sua forma mude
Ao invés do passado, o amanhã os espera
Jovens, todos vocês são viajantes dos sonhos
Ainda que vocês sejam atirados no mar do tempo, mantenham-se seguindo em frente
(...)


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