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História Hades (Camren) - A Queridinha do Inferno


Escrita por: lmfs13

Capítulo 21 - A Queridinha do Inferno


Esperava poder conversar com Tucker, mas, quando voltamos ao hotel, não parecia haver muito a ser dito. Estávamos abalados demais para entender o que acontecera. Desperdiçamos a chance de escapar, e Veronica pagara caro por isso. Eu me revirei na cama quando Tucker foi embora. Em pouco tempo, meu travesseiro estava molhado de lágrimas, e me lembrei do barulho dos cães selvagens rasgando a minha amiga antes de arrastá-la ao abismo. Para piorar as coisas, estivemos muito perto de casa. Normani estava do outro lado do portal, e eu ainda conseguia me lembrar do toque do focinho macio de Fish na minha mão. Talvez devesse tê-la chamado — talvez Mani pudesse fazer alguma coisa. Mas não adiantava tentar imaginar o que poderia ter acontecido. As palavras que eu escutara o palestrante carismático dizer na sala de reunião continuavam em minha mente: "As pessoas nunca estiveram tão perdidas em relação à fé." Chorei ainda mais e não apenas por causa de Vero. Chorei porque sabia que era verdade. A humanidade nunca esteve tão vulnerável, e não havia nada que eu pudesse fazer a respeito dali debaixo, onde me encontrava. Por fim, as lágrimas secaram, e caí num sono profundo e sem sonhos.

Acordei com alguém sussurrando depressa. Demorei para abrir os olhos, recusando-me a acreditar que já era manhã. Parecia fazer minutos que eu havia deitado a cabeça no travesseiro. Aos poucos, consegui focalizar os olhos castanhos e grandes de Hanna. Ela estava olhando para mim do modo ansioso de sempre e me chacoalhava pelos ombros para me acordar. Seus cabelos cor de mel estavam presos num coque frouxo na altura da nuca, mas algumas mechas haviam se soltado. Sob a luz da lâmpada, pareciam fios de ouro. Hanna não podia ser considerada uma pessoa otimista, mas, de certa forma, sua presença sempre tinha um efeito positivo em mim. Sua afeição era verdadeira, entre toda a escuridão que me cercava, sabia que sua lealdade era algo com que podia contar. Eu me sentei e tentei parecer mais alerta do que de fato estava.

— Você precisa acordar, senhorita! — disse Hanna, tentando afastar os cobertores. Resisti à tentativa, cobrindo os ombros com a manta. — O Sr. Baker está esperando por você no andar de baixo. Ele quer que você se prepare para um evento importante.

— Não estou interessada nos eventos dele — resmunguei. — Pode dizer a ele que não vou a lugar algum. Diga que estou doente, qualquer coisa.

Hanna balançou a cabeça vigorosamente.

— Ele foi muito claro, senhorita. Chegou até a dizer o que a senhorita deve vestir.

Hanna pegou uma caixa rasa e brilhante no chão e colocou-a sobre o meu colo. Rasguei o laço dourado e retirei com impaciência as camadas de papel até encontrar uma roupa diferente de todas as que havia no armário. Hanna ficou boquiaberta de admiração quando a viu. Era um vestido cor de cereja feito do veludo mais macio. Com grandes mangas boca de sino e faixas de brocado, era uma roupa que uma donzela da era vitoriana usaria. Com ele, vinha um cinto delicado feito de elos de latão batido.

— É lindo — suspirou ela, esquecendo-se por um momento de onde o vestido saíra. Não me deixei seduzir tão rápido.

— O que MGK está aprontando agora?

— É para o desfile — respondeu Hanna. Ela desviou o olhar, e tive a impressão de que queria dizer mais alguma coisa. Cruzei os braços e olhei para ela tentando entender.

— O príncipe deseja apresentá-la ao povo hoje — revelou ela, por fim.

— Que povo? — revirei os olhos. — Não estamos num reino medieval. 

— O povo dele — explicou Hanna baixinho.

— Por que você não me contou sobre isso antes?

— Porque sabia que você ficaria irritada. E um acontecimento im-portante, você não pode se recusar a comparecer.

Eu me aconcheguei com determinação sob as cobertas.

— Veremos — disse.

— Não seja tola, senhorita. — Hanna se inclinou na minha direção. — Se não for por bem, ele vai arrastá-la para lá. O dia de hoje é muito importante para ele.

Olhei para Hanna e vi como tinha medo de contrariar MGK. Ela ficaria horrorizada se ficasse sabendo da viagem às Terras Miseráveis. Como sempre, aquilo me fez pensar na consequência que minha desobediência teria. Sem dúvida, ela teria que pagar. Afastei os cobertores, saí da cama e me arrastei para o banho. Quando saí, vi que Hanna havia arrumado a cama e deixado o vestido ao lado dos sapatos de cetim pretos que combinavam com ele.

— Ele não espera que eu vista isso, certo? — perguntei. — É uma festa à fantasia?

Hanna me ignorou. Ela ainda olhava com nervosismo para a porta enquanto me ajudava a me vestir e fechava o zíper nas costas. Apesar de ser feito de veludo, ele era delicado e leve, parecia uma segunda pele. Hanna me fez ficar parada enquanto prendia os meus cabelos para fazer uma trança lateral bastante complexa, passando fitas de cetim entre as mechas com maestria, e depois aplicou um pouco de pó em meu rosto e uma sombra azul-escura em minhas pálpebras.

— Estou ridícula — disse com irritação, examinando meu reflexo no espelho cheval.

— Que bobagem! — respondeu ela rapidamente. — Você parece uma rainha.

Não queria sair do quarto do hotel para participar do que parecia ser mais um dos eventos espalhafatosos de MGK. Meu quarto era o único local onde me sentia um pouco à vontade e segura, mas Hanna, nervosa, me levou pelo braço porta afora. Na recepção, um pequeno grupo esperava por nós, reconheci a maior parte deles da noite do banquete. Quando saí do elevador de vidro, o grupo de pessoas que esperava de repente se calou enquanto me analisavam. Olhei ao redor, procurando por Tucker, mas não consegui encontrá-lo. MGK, que andava com agitação de um lado para o outro do corredor, partiu em minha direção, demonstrando alívio e aprovação ao mesmo tempo. Olhou para Hanna com raiva, sem dúvida culpando-a por nossa demora em chegar. MGK segurou minhas mãos enquanto analisava minha aparência. Um sorriso de satisfação tomou conta de seu rosto sempre tão sério. 

— Perfeito — murmurou ele. 

Não me esforcei para agradecer ao elogio. O próprio MGK vestia roupas muito formais, com luvas e fraque, como se tivesse saído de um porta-retratos do século XVIII. Os cabelos estavam imaculadamente penteados para trás, e os olhos brilhavam.

— Não está usando jaqueta de motoqueiro hoje? — perguntei secamente.

— Devemos escolher roupas que combinem com a ocasião — respondeu ele, amigável. Estava relaxado de novo, por me ver ali. — Você se esquece de quantas coisas do mundo já vi. Posso escolher o que vestir dos últimos dois mil anos, mas acho que qualquer coisa mais antiga do que o século passado é meio antiquada.

Avistei Asia na recepção, olhando para mim com raiva. Ela usava um vestido longo cor de cobre com o decote profundo e fendas que chegavam ao alto de suas coxas bem torneadas. Seus lábios perolados brilhavam como espelhos quando ela se aproximou de MGK, com cara de poucos amigos.

— Está na hora de ir — informou. — Está pronta, princesa? — Sabia que ela não nos entregaria a MGK com medo de expor a si mesma, mas ainda assim me senti desconfortável quando ela se dirigiu diretamente a mim.

Uma limusine rosa conversível esperava por nós do lado de fora. O motorista saiu e, como um robô, abriu a porta para nós. Quando nos sentamos, MGK lhe disse algo num idioma que não entendi, e ele ligou o carro. Dirigimos até sairmos numa estrada. Era a primeira vez que MGK, por vontade própria, me permitia andar pelos túneis subterrâneos. A princípio, tudo o que vi foi um céu azul-escuro, iluminado por labaredas de fogo. Uma massa agitada se espalhava por ele, manchando o horizonte. Parecia quase viva, brilhando e piscando, e percebi que não se tratava de uma sombra como pensei, mas, sim, de uma nuvem de gafanhotos. Nunca vira nada como aquilo antes. Seguimos o caminho como se estivéssemos em câmara lenta, com vapor subindo do asfalto. Depois do que pareceu uma eternidade, o carro enfim entrou noutra estrada, flanqueada por diversos carros em ruínas. Era uma paisagem desoladora que fazia lembrar o cenário de um filme de ficção científica, no qual o herói se vê forçado a sobreviver depois de uma guerra nuclear. Não sabia bem onde estávamos. Além de minha breve visita às Terras Miseráveis, nunca atravessara os túneis. Tentava descobrir onde estávamos quando, por meio da névoa, comecei a ver figuras enlameadas na beira da estrada. E então vi a multidão: centenas, milhares deles, esperando por nós, envolvidos em fumaça e cinzas. Um mar de rostos de repente se virou, procurando algo. Observaram com olhos vagos e esperaram. Tentei imaginar pelo que podiam estar esperando. Por um tipo de sinal, mas de quê? Percebi que deviam vestir as mesmas roupas com as quais morreram. Alguns usavam aventais de hospital ou camisetas manchadas de sangue e sujeira. Outros estavam bem-vestidos, em ternos bem-feitos ou vestidos de festa, mas todos tinham aquele olhar murcho e vago dos zumbis.

Poucos segundos depois, a multidão ganhou vida, e todos começaram a se empurrar para ter uma visão melhor. Os olhos fundos deles me observavam com curiosidade. Como se reagissem a um sinal invisível, começaram a gritar e a bater palmas, esticando os membros esqueléticos na nossa direção. Eu me retraí de medo, mas grata, pela primeira vez, por MGK estar comigo. Apesar de me ressentir e de saber que aquele desfile horrendo era coisa dele, me flagrei mais perto dele. Ironicamente, MGK era o mais próximo de segurança naquele local, e sua presença era a única coisa que mantinha minha sanidade. Conforme a limusine passava pela rua, as pessoas se reuniam ao redor dela. Não sabia aonde estávamos indo ou o que aquelas almas queriam testemunhar, mas percebi muito bem que MGK estava desfilando comigo, como se eu fosse um troféu. Sabia que representava um triunfo sobre as forças do Céu. Minha captura era uma vitória para ele, e dava para ver em seu rosto como estava curtindo cada minuto. De repente, ele ficou em pé dentro da limusine, puxando-me para ficar ao seu lado. Tentei me livrar, mas ele me segurava com tanta força que, quando me soltou, vi dois vergões. A multidão ficou enlouquecida, num empurra-empurra para poder subir nos capôs dos carros ou assistir pelas janelas chamuscadas.

— Você deveria acenar — disse. — Treine um pouco.

— Pode, pelo menos, dizer para onde está me levando? — perguntei.

MGK lançou-me um de seus olhares característicos, sorrindo com desdém.

— E estragar a surpresa?

O motorista saiu à esquerda da estrada principal e estacionou diante do que parecia ser um ferro-velho com montes de metal retorcido. Uma área fora esvaziada para erigir um palco improvisado com microfones e alto-falantes. Os guarda-costas de MGK, prontos para se comunicarem uns com os outros, patrulhavam a região. Ele me ofereceu o braço, e fiquei tão surpresa com a comoção ao redor que acabei aceitando o apoio. Ele pareceu contente, mas eu estava nervosa demais para me importar. Juntos, subimos as escadas de tapetes vermelhos como se fôssemos convidados VIP de alguma festa hollywoodiana. À nossa espera sobre um palco que ficava embaixo de um dossel de rosas pretas retorcidas, havia dois tronos prateados, cobertos com pele de marta preto. Talvez, num ambiente diferente, aquilo chamasse a atenção, mas, naquele momento, parecia um peso morto, algemas de ferro que me prendiam àquele mundo subterrâneo. Não estava me sentindo muito firme, por isso, quando MGK me levou ao assento, com uma grande demonstração de cavalheirismo, me afundei ali, aliviada. Uma onda de ansiedade tomava conta da amorfa multidão enquanto esperavam pelo discurso dele. Até mesmo os morcegos que eu vira nos sobrevoando pararam de voar.

— Sejam todos bem-vindos — comecou. — Ele não precisava de microfone. Sua voz forte reverberava pela multidão. — Hoje é um dia importante, não apenas para mim, mas para todo o reino de Hades.

Os gritos aumentaram e só diminuíram de novo quando ele ergueu as mãos, pedindo silêncio. Abaixo de nós, vi a elite de Hades sentada em ordem hierárquica. Todos tinham a mesma expressão condescendente e meio sádica, mas, ao mesmo tempo, pareciam atônitos. As almas pareciam aterrorizadas e ainda assim não conseguiam desviar o olhar. Senti um ar quente em meu rosto e desejei estar na cobertura de novo; presa, mas longe dos olhos observadores dos malditos. MGK se impôs erguendo a mão, num gesto exagerado e abrangente, e, como peças de dominó, as almas se ajoelharam, uma a uma. Tentei manter o foco no céu vermelho, sem olhar diretamente para ninguém na multidão. Estava com muito medo do que podia ver naqueles olhos. A sensação terrível de que algo péssimo estava para acontecer me envolvia. Vi um velho barbudo e curvado subir as escadas com a ajuda de um funcionário e se aproximar do microfone. Ele vestia as roupas comuns de um padre, uma batina preta com gola branca. Seu rosto era enrugado e envelhecido. Os olhos estavam vermelhos, com bolsas sob eles; sacos moles de carne arroxeada que me faziam lembrar saquinhos de chá usados.

— Por favor, recebam o padre Benedict — anunciou parecendo um apresentador de programa de entrevistas. — Ele realizará a cerimônia hoje.

MGK sorriu com simpatia quando o senhor abaixou a cabeça em reverência. Fiquei boquiaberta ao ver tamanho sacrilégio: um homem de Deus reverenciando um demônio como MGK.

— Não se assuste tanto — comentou MGK com casualidade, voltando ao seu assento. — Até mesmo os mais devotos podem cair.

— Você é desprezível — foi tudo o que eu disse.

Ele olhou para mim surpreso.

— Por que eu? — Ele fez um meneio de cabeça na direção do padre Benedict. — Se quer apontar um dedo a alguém, que seja a ele.

— O que ele está fazendo aqui?

— Digamos que ele fracassou em proteger os inocentes. Agora trabalha para nós. Com certeza você consegue perceber a ironia. — Olhei para ele com fúria. — Ou não.

Percebi que MGK estava sendo cuidadoso de propósito. Apesar do calor, senti meu sangue gelar, como se alguém tivesse injetado gelo na minha corrente sanguínea. Tinha consciência de que era uma conquista dele, um souvenir de sua vitória sobre os agentes do Céu. Mas o que mais estava acontecendo ali?

— Não vou fazer nada que você quiser que eu faça — avisei.

— Acalme-se. Só preciso de sua presença — respondeu ele. De repente, todas as peças se encaixaram. O vestido, o desfile e agora a cerimônia... Tudo começava a fazer sentido.

— Não vou me casar com você — afirmei, segurando com força os braços do trono. — Nem agora nem daqui a milhões de anos.

— Não é um casamento, querida — disse rindo baixinho. — Essa parte vem depois. Como cavalheiro que sou, nunca a forçaria a fazer algo para o qual não estivesse preparada.

— Ah, é? Mas pode me sequestrar? — perguntei com sarcasmo.

— Precisava chamar a sua atenção — respondeu num tom blasé.

— Você quer mesmo ficar com alguém que não suporta olhar para a sua cara? — perguntei. — Não tem amor-próprio?

— O que acha de lavarmos a roupa suja em casa? Agora, você é a queridinha de todos. Aproveite o momento.

MGK fez um gesto na direção da platéia, que esperava com ansiedade para que algo acontecesse.

— Eles fizeram uma longa viagem para dar as boas-vindas à nova princesa.

E então, rápido como um raio, empurrou a cadeira para trás e ficou atrás de mim, para que eu ficasse no meio do palco. Isso aumentou a animação, e milhares de olhos me observaram com fanatismo.

— Isto — sussurrou sedutoramente pelas minhas costas — é uma indução. Veja, Camila. Este é o seu reino, e este é o seu povo.

— Não sou a princesa deles. E nunca serei!

— Mas eles querem você, Mila. Precisam de você. Estão esperando por isso há muito tempo. Pense na diferença que você poderia fazer aqui.

— Não posso ajudá-los — retruquei com fraqueza.

— Não pode ou não quer?

A conversa foi interrompida por alguém pigarreando alto. Era a ruiva chamada Eloise, a do banquete.

— Por favor, podemos continuar? — perguntou MGK, apressando o padre Benedict.

— Vamos começar.

Eu não fazia a menor ideia de como era a "indução", mas sabia que não conseguiria passar por ela. Precisava sair dali. Parti para a escada e até consegui derrubar um casal, mas fui contida pelos seguidores de MGK, mais adiante. Logo, eles me cercaram. As mãos quentes me tocaram, vindas de todas as direções. O rosto deles estava contorcido de prazer, alternando expressões de beleza e suas formas grotescas reais. MGK ficou sentado ao meu lado, com a aparência serena. O padre colocou uma coroa prateada de folhas de videira na cabeça dele, que brilhava em contraste com seus cabelos. Nas mãos ásperas, o padre Benedict segurava uma coroa idêntica para mim. Quando falou, sua voz rouca ressoou pelo espaço.

— Estamos aqui hoje para recepcionar um novo membro da nossa família. O príncipe tem procurado por ela há muitos séculos, e dividimos com ele nossa felicidade agora que a encontrou, finalmente. Ela não é uma simples mortal sucumbida à atração do poder e da imortalidade. Ela vem de um lugar muito superior... Um lugar chamado Reino do Céu. — A multidão se surpreendeu. Tentei imaginar se eles, com suas mentes atormentadas, conseguiam se lembrar de um lugar como o Céu. Duvidei de que conseguissem. — Vocês devem adorá-la — entoou o padre Benedict, erguendo a voz em fervor. — Devem servi-la e reverenciá-la. — Senti vontade de me levantar e negar tudo o que ele estava dizendo, mas sabia que seria silenciada. O padre Benedict concluiu: — Apresento a vocês a nova Princesa do Terceiro Círculo, Camila!

Depois de dizer isso, ele se virou e colocou a coroa na minha cabeça. Quando fez isso, um raio iluminou o céu vermelho e uma tempestade de cinzas surgiu ao nosso redor, obrigando as almas a correrem para encontrar abrigo e proteger o rosto. Os demônios pareciam se divertir com a reação da plateia.

E então, com a mesma rapidez com que começou, a cerimônia terminou, aparentemente. O padre desceu do palco e todos começaram a se dispersar. Quando estávamos voltando para o carro, uma criança esfarrapada atravessou a multidão e partiu em nossa direção. Era um menino pequeno e frágil, o rosto de moleque. Ele se voltou para mim, com os braços esticados em súplica. Diego o viu antes. Saiu da procissão e agarrou o menino, com os dedos cruéis no pescoço dele. Assisti horrorizada enquanto a criança lutava para respirar, com os olhos arregalados de medo, debatendo as mãozinhas ao lado do corpo. E então Diego, de repente, pareceu entediado e o jogou para o lado, como quem amassa uma folha de papel e a descarta. O menino emitiu um gargarejo esquisito. Meu instinto foi correr para ajudá-lo. Tentei me mexer, mas MGK me puxou de volta. 

— Mostre um pouco de dignidade! — rosnou ele. 

E então, sem pensar, dei um chute no tornozelo dele para me livrar. Isso o distraiu o bastante para que eu corresse para o lado do menino. Levantei o pequeno corpo caído, arrastando a cauda do meu vestido na poeira. O menino fechou os olhos e tirei a poeira de seu rosto abatido, pousei a mão em seu peito e apliquei toda a energia curativa que tinha para restaurar a vida que lhe havia sido roubada. Quando os lábios dele voltaram a ter cor e ele abriu os olhos, sorri de modo a acalmá-lo. Só então percebi como tudo havia ficado silencioso. Todos olhavam para mim. Vi MGK em pé a alguns metros, mas seu rosto estava fixo numa expressão de surpresa. Não consegui me mover, pois o grupo dele me envolveu, guiando-me de modo protetor de volta ao carro. Quando me sentei perto dele, senti a respiração quente de MGK na minha orelha.

— Nunca mais faça isso — advertiu. — O que está pensando? Somos filhos de Lúcifer. Nosso propósito é causar sofrimento, não aliviá-lo.

— Fale por si mesmo — respondi, com coragem.

— Escute aqui. — MGK segurou meu braço. — As Sete Virtudes no Céu são os Sete Pecados no Inferno. Um ato de gentileza aqui é um pecado capital. Nem mesmo eu serei capaz de proteger você.

Não estava mais ouvindo o que ele dizia. De repente, me senti muito calma. Agora sabia que tinha o potencial de fazer a diferença, até mesmo no Inferno. Meu corpo todo ficou em alerta. Eu só fizera o que me era natural, tentei dar conforto ao ver alguém sofrer. Concentrei meus poderes de cura, senti quando eles se acumularam sob a minha pele. Minhas asas estremeceram, mas contive o desejo de abri-las. A luz começou a emanar de mim. Ela saiu do carro, para dentro da clareira e passou por cima da multidão. Subiu e transformou o vermelho do céu num branco leitoso. Durante todo o tempo, consegui escutar a voz de MGK ao fundo...

— O que está fazendo? Pare com isso agora mesmo! Eu a proíbo!

Ele não parecia irritado, apenas assustado. E então a luz vazou e desapareceu por fim, deixando em seu lugar uma bela borboleta solitária. Ela sobrevoou a multidão, um pequeno fragmento de esperança num mar de desespero. Alguns tentaram segurá-la, mas todos olhavam para cima, surpresos ou horrorizados. MGK ficou tenso como pedra. Com ele temporariamente incapacitado, Asia resolveu assumir o controle da situação.

— Mate o inseto — disse ela rispidamente. — E tire-a daqui.


Notas Finais


Camila, Camila... Você vai se meter em uma enrascada...


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