História Your Song - Secret Song

Stephen leva Jenni até seu refúgio, conhecido como Sanctum Sanctorum. 

Gentilmente acomoda-a numa das poltronas de couro, senta na de frente.

Permanecem em silêncio, o Mago observa a postura desajeitada dela, é claro que está lidando alguém totalmente avoada, chega a rir baixinho ao vê-la balançando as pernas, se entretendo com isso.

Um tempo depois, percebe que os pés dela não alcançam o chão, o que lhe desperta uma pequena risada nasal.

— Doutora Walters. — chama atenção dela. — Quer um chá?

Ela finalmente pára de olhar o carpete e o encara.

— Vem cá, não tem comida aqui não? — uma risada alta, espontânea. — Meus amigos me contaram que toda vez que vem aqui, você sempre oferece bebidas e fica manipulando os líquidos nos recipientes. Quer fazer graça?

Strange tenta não vacilar, retribuir a brincadeira é como baixar a guarda. Jennifer não é uma amiga, é como uma paciente, ou seja, isso exige uma postura séria da parte dele.

— Se está com fome, vamos até a cozinha. — fica de pé. — Me acompanhe, por favor.

— Claro! — dá um pulo, pára ao lado, lhe beija na bochecha. — Obrigada por tudo que está fazendo por mim, oh, Mago Supremo, o imaculado dos nove reinos! — volta a rir cada vez mais alto. — Muito obrigada!

— Você é sempre instável?

— Nas horas vagas! — pisca. — Vamos?

Caminham em silêncio. Nota que a tão falada advogada anda como uma menina de dez anos, sem postura, quase dando pulinhos.

Revira os olhos, pensa que a monotonia não estava sendo tão ruim.

[...]

Já está acomodada, devorando o sorvete de cereja — exigência dela — e ele continua a observar. Chega a ser bizarro como Jennifer consegue se sujar com uma simples taça.

Limpa a garganta para chamar atenção dela, mas é ignorado.

— Doutora Walters, que tal me contar o que levou Maximoff a projetar esse feitiço?!

— Não dá pra falar de boca cheia! — ri, nota a impaciência no rosto dele. — Ué, o que foi? Eu como ou falo, Strange, não dá pra fazer os dois ao mesmo tempo!

Por um momento pensa em corrigi-la, ordenando a referir-se a ele de maneira formal, mas quando cai em si, está rindo.

— Você também mostra a gengiva quando ri? — bate com a colher na borda do cristal que a serve, fazendo um barulho irritante. — Que lindo! Achei que suas bochechas fossem seladas para não sorrir!

— O que te faz pensar nisso? — tenta controlar-se a fim de parar, mas não consegue. — Quem te disse isso?

— Estava presente quando brigou com meu primo. Você disse que ele é um imbecil, que o Hulk é burro e você é o Mago Supremo da Terra, rei dos dragões, ganhou um cara na barganha e etc. Também falou que você veste uma capa que tem vida própria e blábláblá. 

— Achei que seu doutorado fosse em Direito Sobre Humano, não em deboche. Onde fez sua especialização?

— No mesmo lugar que tirou seu diploma de soberba!

— Chega! 

Abre um portal, joga-a dentro. 

Sabe que prometera ajudar Leonard, mas a prima de Bruce Banner é impossível, destrói a paciência de qualquer um.

[...]

Foca no tic tac do relógio, seguindo cada um dos segundos que formam meia hora, esta que guia o feitiço.

Trinta minutos se passaram, levanta de sua poltrona assim que o relógio de parede avisa.

Jennifer aparece em sua sala ensopada e com um peixe na mão.

— Você me mandou para a Disney?! — ri, dá pulinhos. — Eu tava nadando no aquário do parque e...

— Como?! — os olhos sobressaem à expressão de surpresa. — Não te mandei pra lá!

— Mandou sim, eu vi quando...

Usa de sua magia para fechar a boca de Walters.

— Vai se trocar, depois conversaremos sobre esse feitiço. 

Ela faz um joinha com a mão esquerda.

— Suba e vá se trocar! 

“Quanto mais rápido acabar com isso, mas rápido ela vai embora!”. — pensa.

[...]

Vinte minutos depois, Jenni volta trajando uma camisa antiga do armário do arrogante homem que até então estava impaciente. Ele acompanha o contato dos pés descalços com a larga escada, sabe que está chegando perto, por conseguinte, levanta para recebê-la.

Mal consegue acreditar na impertinência da advogada que parece ótima ao se exibir com o blusão de botões.

— Quem te deu o direito de mexer no meu guarda-roupa?! — grita. — Responda!

Ela gesticula as mãos por cima dos lábios, mostrando que sua boca está tampada por magia. Ele coça o cabelo, está visivelmente irritado. Estala os dedos fazendo a moça tagarela voltar a importuná-lo.

— Tava com câimbra já! 

Dá pulinhos até o mais espaçoso sofá do cômodo, deitando, quase se jogando.

— Eu não trouxe roupas, não sabia que ia ter que dormir no seu museu. Sinceramente, também achei que não fosse se incomodar em me ver usando uma blusa sua. Fica melhor em mim do que em você!

Ele prefere não responder, apenas senta em sua poltrona favorita, nota que ela usa meias com os desenhos da Capitã Marvel, o que lhe faz revirar os olhos.

— Vamos começar. — bate os dedos no braço da poltrona. — Me conte com detalhes como e o porquê Wanda lançou-lhe uma magia.

É a primeira vez que a vê calada, incomodada.

Estava jogada no meio das almofadas, mas muda rapidamente. Levanta, cruza as pernas, prende o cabelo. Assume uma nova postura, como uma nova personalidade. A terceira que o Mago está vendo hoje.

— Namorei Starfox, irmão de Thanos. — diz sem encarar o anfitrião, a culpa é notória por cada uma das palavras. — Ele é divertido, um grande bobão, por isso combinamos tanto. Fui ingênua, achei que jamais me machucaria. Todavia, o Eros de Titã é um grande manipulador, possui tais poderes para isso. Tivemos grandes conflitos, terminamos de uma forma ruim. — entreolha Stephen, nota que o mesmo parece muito interessado na história, por isso, volta a fitar o carpete. — Um pouco antes da batalha entre heróis chamada Guerra Civil, ele voltou a Terra, me pediu ajuda como advogada.

— Por que um Eterno precisaria de defesa num tribunal? 

— Estava sendo acusado de estupro, usava de seus poderes para manipular humanas. Infelizmente, fui idiota e continuei acreditando nele. Eu o amei, por isso acreditei quando disse que fizeram por livre e espontânea vontade. Tudo isso somado à minha competitividade, fizeram com que ganhasse o caso. Quando o Tratado Sobre-Humano chegou, fui obrigada imediatamente a assiná-lo. Fui responsável por cuidar da documentação e prisão de meus amigos. Quando Bill Foster morreu, quis parar com aquilo e me juntar ao time do Capitão, mas Stark me ameaçou. Foi aí que descobri que tenho grandes inimigos. 

— Quando caiu em si? Foi só o Tony ou tivera outro gatilho?

— Tony me ameaçou. Estava mais lúcida que nunca. Ele esfregou na minha cara que defendi um estuprador, que também é meu ex-namorado, o que de certa forma é antiético na advocacia sobre-humana. — finalmente repousa o olhar ao dele, o dela pede socorro. — Se não trabalhasse para a S.H.I.E.L.D. nas Unidades Caça-Hulk, acabaria morta.

— Ele te ameaçou de morte?! — boquiaberto ergue as sobrancelhas. — Sei que Antony Stark não tem limites, mas ameaçar alguém de morte... — dá uma pausa, digere tudo o que acabara de ouvir. — Foi por isso que a Feiticeira Escarlate agiu?

— Sim. — abaixa a cabeça. — Minha vida tem sido uma loucura desde então! Depois que processei Stark, tirando dele a diretoria da S.H.I.E.L.D. e mais alguns milhões, tudo tem sido absurdamente infeliz. Sei que Os Illuminatis mandaram meu primo à Sakaar, mas não sei quem são. Sinto falta do Bruce, preciso do colo dele.

— Vá descansar, Doutora Walters. 

É tudo o que responde, usando a magia para levá-la até o quarto pronto para ser habitado.

Levita até a janela, a velha sensação de culpa invade. Nunca pensara que pudera se arrepender tão arduamente de ter se juntado a’Os Illuminatis.

“As pessoas ainda têm sentimentos.” — conclui em pensamentos. 

Começa a refletir através do balançar de Levi — sua capa — e das cortinas como uma única ação envolvera tantas pessoas:

Hulk ser jogado no Espaço, mas acabando em Sakaar, mexera com a vida da Mulher Hulk; Fizeram Elizabeth Ross abandonar as relações públicas da S.H.I.E.L.D.; Leonard Samson se isolar; sem contar a rebelião dos heróis mais jovens querendo respostas sobre o paradeiro do Gigante Esmeralda.

Um arrepio sobe suavemente como as patas de uma aranha venenosa, provocando calafrios e dor. Se toda a comunidade heróica descobrir sobre seu grupo, uma segunda guerra começará, mas desta vez, serão todos contra cinco. A voz maçante de Jenni surge, a princípio parecia fazer parte do devaneio, mas logo fica real quando nota que ela escorrega pelo corrimão.

— Strange! Strange! Strange!

— O que foi desta vez?! 

Corre pela sala, indaga:

— Viu meu violino? 

— Não trouxe roupa, mas trouxe um violino desafinado?

— Prioridades! 

[...]

As luzes do Sanctum já estão apagadas há meia hora. 

Jennifer pega seu velho amigo que está devidamente afinado, começa a tocar com melancolia. A mulher que segura o instrumento não é a temida Mulher Hulk, tampouco a prestigiada Doutora Walters. Também não é a “Doce Criança” de Leonard. Esta é apenas uma criatura que não conhece a si mesma. Coloca toda sua amargura sobre as quatro cordas. Essa é sua canção secreta.

Stephen consegue ouvir cada nota da melodia desesperada, que faz trilha sonora de seu choro do outro lado do corredor. A melodia é ritmada, refinada, mas infeliz. Questiona a si mesmo como pode estar tão errado. Escolheu ser um Illuminati, ajudou a mandar Hulk para Sakaar, mas por que o coração pesa com tamanha culpa justo agora? Não admitira estar sendo errôneo à situação. 

Tampa os ouvidos a fim de calar seus anseios, como um mero mortal. Pensa no que Clea diria. Respira fundo, finalmente se controla, a música pára. Todavia, a pergunta continua a ecoar: O que sua esposa diria?!

O ruído da porta sendo aberta, poderia ser a resposta, mas não, são mais problemas.

— Strange... 

— O que houve?! 

Indaga de costas a ela, não pode mostrar suas fraquezas.

— Tô com fome!

— Vai dormir, Jennifer!